Casa de Bonecas escrita por Ravenna Quagliarelli


Capítulo 5
♥ Suicídio ♥


Notas iniciais do capítulo

Cansei de pedir desculpas.
Então, BOA LEITURAAAAA ♥



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Abril, 2013.

Era incrível como a garota era parecida com a mãe. A forma como seu nariz empinava num ângulo perfeito, a pele alva e bem tratada, o cabelo longo e dourado que ondulava nas pontas, o jeito com que seus lábios se erguiam quando ria, a voz melódica, o jeito que inclinava a cabeça ou como umedecia os lábios. Tudo em Anabel lembrava Aurélia; tudo menos o olhar. Ao contrário dos olhos da matriarca que eram de um azul vivaz e chamativo, possuindo um brilho próprio, os da filha eram castanhos escuros opacos, tristes, mortos... O único brilho presente era o da tristeza, da desesperança. E aquilo surpreendia Richard mais do que a semelhança que a garota tinha com a mãe.

Sempre que ela levantava a mão para responder alguma pergunta, Richard recebia um choque de realidade, lembrando-se que sua amada já estava casada, com filhos e uma vida extremamente satisfatória nas costas. Ao ver Anabel ali, no meio da sala, prestando atenção na sua aula, fitando-o com seus olhos tristonhos, respondendo suas perguntas e fazendo a lição, o ruivo sentia a culpa cair sobre seus ombros. Por que ele estava ali, afinal? Para destroçar ainda mais os sentimentos daquela garota? Ela foi rejeitada pela mãe por toda sua vida, a viu sumir por cinco anos – por culpa dele – e depois voltar como se nada tivesse acontecido, o pai da garota era um monstro e ela havia acabado de perder o irmão. Será que ele queria ser o responsável por tirar o pouco de felicidade que ainda havia nela (se é que havia)? O que será que ela faria caso sua mãe fugisse novamente? Suicídio, talvez? Tentaria se vingar? Ignoraria e tentaria continuar a viver sua vida como se nada tivesse acontecido?

Ele achava a última opção impossível, ela não parecia ser o tipo de garota que ignorava os maus que lhe faziam, afinal, mesmo com toda aquela melancolia, ele conseguia enxergar um pouco de ferocidade, os momentos, mesmo sendo diários, eram curtos e rápidos, não havendo momentos específicos, ela vinha, permanecia por alguns segundos ou minutos e depois ia embora. Era lindo ver aquilo acontecer. Era como se uma fénix vivesse dentro dela, vivendo, morrendo, renascendo; vivendo, morrendo, renascendo... E o ciclo vicioso continuava. Richard queria saber o que provocava o renascimento daquela jovem fénix, o porquê dela surgir, o que a motivava. Será que eram alguns pensamentos? Ou alguma coisa que ela ouvia? Ou será que era independente, surgia quando queria sem ter algo para ativá-la?  Mais alguém a teria percebido ou só ele? E se ele fosse uma exceção, isso deveria preocupa-lo? Afinal, prestar demasiada atenção numa aluna não era perigoso? Essas e muitas outras questões torturavam o jovem professor enquanto ele tentava dormir, porém, ao contrário do que poderiam pensar, quando ele a via – seja no corredor ou na sala de aula – todas suas energias voltavam, sua mente ficava livre de todos os questionamentos e ele conseguia sobreviver o dia inteiro sem se torturar. Ele tinha medo do por que aquilo acontecer, tinha medo de estar se apaixonando por sua aluna por conta da semelhança que ela tinha com sua mãe.

Porém, um dia, enquanto saia da escola mais tarde, todas as suas dúvidas acabaram. Ele podia ouvir gargalhadas se misturando com uma música extremamente alta e vozes de adolescentes vindo de um beco próximo a escola, podia sentir o cheiro de cigarro e bebida alcoólica e, um pouco mascarado, o cheiro de vômito. Sentia as lembranças de sua juventude surgindo vagarosamente num canto esquecido de sua mente, a animação antiga surgindo aos poucos, fazendo com que um pequeno e involuntário sorriso nostálgico se abrisse. Enquanto seguia até o beco para tentar ver o que estava acontecendo ali e, talvez, dar umas broncas nos jovens que faziam toda aquela farra, ouviu o volume do som abaixando, o barulho de passos rápidos e sussurros dando lugar a farra, ao chegar no beco se surpreendeu ao ver somente alguns vultos correndo na direção oposta.

— Instalamos um câmera na entrada do beco, assim evitamos surpresas de convidados indesejados. — A voz dela soou pelo beco, mais poderosa que nunca.

— Vocês não parecem ser inteligentes o suficiente para isso. — Rebateu, varrendo o local a procura de Anabel.

— Você dá aula numa escola de elite, deveria saber que não precisamos ser inteligentes. — Respondeu, despontando do seu esconderijo com um sorrisinho. — Temos dinheiro, podemos fazer tudo com ele. — Completou caminhando em direção ao professor.

— Vocês são felizes tendo todo esse dinheiro? — Perguntou, analisando minuciosamente cada passo que sua aluna dava.

— Você é não o tendo? — Retrucou, parando na sua frente, cruzando os braços. — Seus olhos castanhos estavam brilhando com uma intensidade antes nunca vista, seu sorrisinho de canto se alargara, tornando-se ameaçador, a ferocidade transbordava do seu corpo, tornando-se palpável.

Ali, Richard vislumbrou o quão competitiva e astuta a garota ela, se com simples palavras ela já ficava daquela forma, imagina com ações? Quando esse pensamento veio à mente do professor, sentiu um frio percorrer sua espinha. Seja lá o que estava planejando fazer contra sua família, seria de grande escala. Se tinha uma coisa que Anabel não era, essa coisa era vítima. Tolos eram os que acreditavam em sua falsa ingenuidade.

— Então, por que você não foi com eles? Sabe que posso notificar a algum familiar seu o que faz depois das aulas, certo? — Perguntou após um momento em silêncio, ainda analisando sua aluna, vendo o fogo que crescera ao redor dela diminuir. Agora apenas uma chaminha mantinha-se acesa nos seus olhos, pronta para crescer sob qualquer ameaça.

Ela soltou uma risada vazia, dando uma tragada no cigarro que segurava na destra, soltando a fumaça lentamente e, por fim, analisando atentamente os desenhos que a mesma formava ao se dissipar. Assim como sua mãe fazia há vinte e quatro anos. Novamente sentiu um frio percorrer sua espinha e seus joelhos fraquejarem. E, novamente, mil e uma perguntas surgiram na sua mente, girando em volta duma principal: O que diabos ele estava fazendo ali, correndo atrás de um amor tão antigo?

— Sabia que isso faz mal? Você é nova pode desenvolver um câncer e morrer. —Explicou o óbvio, erguendo a sobrancelha direita.

— Eu, realmente, não me importo. — Respondeu, repetindo o processo. Tragando, soltando e analisando. Seus olhos encontraram com os de Richard por um milésimo de segundo e, com horror, o professor percebeu que, para ela, não havia diferença entre morrer e estar viva.

— Pois deveria. — Murmurou, após ficar um minuto em silêncio, tentando entender o que aquele olhar significava.

— E quem é você para dizer como o que eu devo ou não me preocupar? — Questionou, erguendo as sobrancelhas sugestivamente.

— Hã, sou seu professor?

— E, pelo o que eu sabia, o dever do professor é dar aula e cuidar da vida do aluno dentro da escola, certo? — Jogou a bituca do cigarro no chão e pisou em cima.  — Então por que diabos está cuidando da minha vida fora dela? — Completou, ríspida.

Ainda com as sobrancelhas arqueadas, o fitava, aguardando uma resposta. Richard abriu um meio sorriso e abaixou a cabeça, derrotado. Quanto mais pensava que era impossível se surpreender com a garota, vinha ela e provava o contrário. Aurélia havia conseguido uma inimiga difícil de se lidar e, por mais que amasse a matriarca, aquilo era extremamente delicioso na visão do professor.

— Você deve dar trabalho para os seus pais. — Disse, voltando a erguer a cabeça e encará-la.

— Não, eles são bem piores que eu. — Respondeu, sustentando seu olhar. — Nem me dão chance de tentar, sabe?

— O que você quer dizer com isso? — Arqueou as sobrancelhas, fingindo ser curiosidade.

— Ah, não se faça de sonso, todo mundo sabe como minha família é. Tem uma blogueira que vive contando os podres da minha família, você deve ter ouvido falar de alguma coisa.

— E como ela sabe dos podres da sua família? Será que é alguma funcionária?

— Talvez... Ou um funcionário, não são só as mulheres que são fofoqueiras. — Murmurou, dando de ombros.

— E vocês não pensam em investigar? Quero dizer, não deve ser muito legal ter alguém falando de vocês. — Perguntou novamente, surpreso.

Quando Aurélia fugira para ficar com ele, Ernesto não divulgara para ninguém, então por que permitiria que isso acontecesse agora? Logo agora, que todo mundo sabia que uma das crias dele era viciado.

— Gostamos dos holofotes. — Ironizou, lançando um sorriso brincalhão, era a primeira vez que a via com esse semblante. — Mas é claro que já fizemos isso e é claro que não é ninguém de lá, deve ser vizinho... Alguns não gostam de nós mesmo, sabe? Não é porque somos ricos que conseguimos ganhar a amizade de todo mundo. — Confessou, desfazendo o sorriso lentamente.

— E tudo o que ela fala é verdade?

— Quase tudo, sim. — Concordou, franzindo o cenho. — Por que essa curiosidade repentina? — Questionou, inclinando levemente a cabeça para a direita, desconfiada. — Por acaso você é a Rafaela Montenegro e quer saber se seu trabalho está chegando ao público certo? Porque, se for, quero que saiba que está conseguindo, sim. Não só a minha família, como todas do colégio. Agora, por sua culpa, todo mundo sabe dos podres de todo mundo. A família de todo mundo está sendo destruída! — Afirmou, levantando a voz enquanto prosseguia na fala. A raiva transpassava sua voz com intensidade, seus olhos se encheram de lágrimas. — VOCÊ ESTÁ CONSEGUINDO DESTRUIR TODO MUNDO!

— Anabel, para! Eu não sou essa garota, sou novo na cidade, nem sabia da existência dela. Juro. — Falou pausadamente, desesperado.

Ela inclinou a cabeça ainda mais, um largo sorriso se abrindo, seus olhos brilhando com intensidade. De repente, uma gargalhada eclodiu, preenchendo todo o lugar.

— Eu sei que você não é a Rafaela, Maurício. Você é muito certinho para fazer isso. — Afirmou, pegando a mochila do chão. — Aliás, de onde você veio?

— Interior de Minas. — Respondeu, observando-a.

— Ah, pra onde minha mãe foi quando fugiu de mim por cinco anos. Será que você é mau-caráter também? — Perguntou, séria. Ao longe, pode-se ouvir uma buzina preencher o ar. — Falando nela... Até amanhã, professor. Espero que não descubram o pior de você, afinal, ninguém foge da Rafaela. — Deu uma piscadela, girou os calcanhares e saiu do beco, deixando Richard paralisado.

A frase ecoava em sua mente, repetidas vezes. Será que a garota desconfiava dele? Será que seu disfarce estava muito óbvio? Aurélia deveria ter fotos dele, qualquer um o reconheceria. Mas Anabel não era qualquer uma, ela deveria ter entendido o porquê dele estar lá, deveria estar planejando acabar com ele. E se ela contasse para a Aurélia? Não, ela era inteligente o suficiente para isso, se fosse para contar, contaria antes.

“Falando nela...” Será que aparecer na frente da Aurélia era um plano ruim? Ou deveria esperar? Como ela iria reagir? Se assustaria? Ficaria nervosa? Iria querer conversar com ele? Ficar com ele? E se todo aquele esforço não valesse de nada? E se ele fosse ignorado e humilhado por ela como foi antes? Tolo; impulsivo; sem amor próprio.

Esses pensamentos rodaram sua cabeça por uma longa semana, até o dia que a viu. Estava entregando um cartão de crédito para a caixa de uma loja de grife do centro da cidade, aos seus pés havia cerca de quatro sacolas, sua expressão era de desânimo, cansaço; mesmo longe, pode ver que o brilho que antes, quando eles moravam juntos, havia em seus olhos não existia mais. Naquele dia, enquanto andava pela calçada após voltar da biblioteca que há quinze anos eles se reencontraram, ele a viu e teve certeza que valia a pena resgatar Aurélia.

Δ•Δ

Outubro, 2013.

Ainda doía. Doía ver a cena repetidas vezes no dia, mesmo que fosse apenas mentalmente. Doía ver que ela errara ao confiar em seu professor, por ter achado que ele era diferente dos outros.

Tola. Era isso que ela era por confiar nele, por ter confiado em mais alguém fora do seu círculo de amizades. Ela ainda não acreditava que o deixou ver suas lágrimas, que permitiu que ele frequentasse o seu beco, mesmo com as reclamações dos demais, ela permitia.

— Assim ele nos dará notas altas, não perceberam que ele é bem mais gentil com a gente? Bem menos rigoroso? Então, se ele frequentar aqui por poucas horas nunca mais teremos que pegar o livro de História para ler, meus amores! Vocês deveriam me agradecer por estar oferecendo essa oportunidade, invés de reclamarem tanto. — Ela dizia sempre que alguém vinha reclamar, erguendo minimamente o queixo e dando um sorrisinho vitorioso. Enquanto isso, a rainha que vivia dentro de si dava saltinhos de alegria, orgulhosa com sua argumentação e com a benfeitoria.

 Agora, enquanto a cena de sua mãe aos beijos com seu professor dentro da sua sala de aula após a sua reunião, fazia-se tão presente em sua mente ela sentia nojo de si. Nojo de permitir que aquele crápula entrasse em sua vida e ouvisse, não só os seus desabafos, como os de seus outros colegas enquanto eles se refugiavam no beco. Ela não entendia como ele tinha coragem de assumir a função de psicólogo, ouvir todos os problemas – fúteis ou não – e depois fazer aquilo. Seu professor tinha total consciência da aproximação dela com sua mãe, sabia da cicatriz profunda que havia no coração de Anabel por conta do sumiço da mãe e ainda fazia aquilo, deixando clara sua intenção de roubar sua mãe de si novamente.

Porém, Anabel não podia culpar apenas seu professor, Aurélia também era extremamente culpada por ser tão fraca, por permitir-se ser raptada novamente, por preferir um homem a sua filha. Tola, tola, tola. Mil e uma vezes tola. Era isso que Anabel era por deixar-se acreditar que sua mãe ficaria ao seu lado para sempre, após tanto tempo ela deveria entender que, por mais que se sacrificasse afim de deter o amor materno de Aurélia, a mesma sempre preferiria o que viria de fora. Mas, se dependesse da caçula, aquilo, definitivamente, não ficaria assim.

Quando Aurélia passou seu primeiro final de semana fora de casa, certamente junto com ele, Anabel teve que tomar uma decisão um tanto quanto trágica, porém para o bem das duas.

Sentada no banco do vestiário, Anabel segurava um frasco de remédio já destampado nas mãos. Após ler o rótulo e a bula repetidas vezes, derramou lentamente uma grande quantidade na sua mão, fitando as cápsulas coloridas e as engolindo em seguida, pegando uma das inúmeras bebidas alcoólicas que roubara de sua mãe e dando goles generosos, sentindo o gosto amargo invadir sua boca e a garganta arder. Novamente encheu a mão de comprimidos e deu mais alguns goles generosos. E mais uma vez, quando sentiu os primeiros sintomas: o ar faltar em seus pulmões; sua mente girar e girar, a procura de algo para se segurar, uma causa para se manter firme; os objetos que segurava se tornaram estranhamente pesados, jogando-os no chão. Ouvia algo se quebrando, mas não sabia o que era; ao tentar se levantar, sentiu algo atingir seu corpo, mas não sentiu dor, apenas aquele objeto duro e frio e molhado; sua visão ficou embaçada, vultos a impediam de enxergar o que se estendia na sua frente. Por fim, a escuridão a alcançou, mas, antes de perder tudo, pode ouvir um grito, mas como não sabia quem era Anabel preferiu não responder.

Δ•Δ

Dezembro, 2013.

Mesmo com os olhos fechados, podia sentir o olhar frio de Aurélia sobre si. Mesmo com o silêncio quase absoluto no quarto, podia ouvir as palavras hostis que sua mãe desejava tanto lançar contra a menina. Mesmo estando sonolenta, sentia o clima frio que se instalava naquele quarto privado do hospital.

Ah, sim, Aurélia estava mais fria do que nunca, afinal todos seus planos foram destroçados. Talvez Mauricio fugira da cidade por causa da carta que Anabel deixara sobre o banco ou, na melhor das hipóteses, a escola o demitira para que a imagem da mesma não ficasse manchada. Ernesto estaria tentando esconder a situação da melhor forma possível, sem sucesso, é claro, e a família D’Cruz estaria mais manchada do que nunca, talvez alguns sócios desmancharam a aliança como ocorrera após o escândalo com Marcos e o Império que seu pai construíra com tanto esforço, a partir de mentiras e corrupção, estaria destroçado. Como Anabel desejava que isso tivesse acontecido, ela se sentiria a pessoa mais especial do planeta, afinal, o que seu irmão não conseguira morrendo nas mãos de um traficante, ela conquistou ficando em coma por dias? Meses?

— Só não entendo o que vocês ganham com isso. — A voz de Aurélia soou, espalhando-se por cada canto do quarto. — Seu irmão morreu, você teve que passar por uma cirurgia de fígado as pressas, mas, ainda assim, ficou dois meses em coma. — Anunciara, aproximando-se da cama da garota e apertando seu queixo, cravando suas unhas nas bochechas pálidas da filha. — Abra o olho que estou falando com você. — Anunciou num rugido.

— Só queremos retribuir todo o mal que vocês fazem para a gente em forma de dor de cabeça e manchas na imagem perfeita. — Respondeu, abrindo os olhos lentamente. Mesmo com a dor que sentia por causa unhas de sua mãe dentro de si, sorriu. — Consegui?

— Conseguiu. — Afirmou num sussurro. — E quero saber o que diabos você tá sentido? Tá feliz? A rainha dentro de si está se sentindo vitoriosa?

— Na verdade ela está neutra. Depende muito do tipo de dor de cabeça que consegui provocar. — Respondeu, dando de ombros. — E aí, quais foram? — Questionou, curiosa.

— Jornalistas nos infernizando, sócios desistindo, voltei a beber e seu pai quer te esfolar viva. Ah, e não vamos nos esquecer do seu professor que foi demitido e está com o currículo manchando para sempre. — Disse, estralando os dedos enquanto falava. Mesmo não estando tão próxima da mãe, Anabel pode perceber que ela envelhecera uns oito anos desde que a viu pela última vez, há dois meses. — Agora, eu lhe pergunto novamente, tá feliz?

— Tô sim, na verdade, estou ótima. — Retrucou, alongando mais seu sorriso.

— Você faz noção do que acabou de fazer? Destruiu a vida de um inocente à toa. Agora ele não vai nunca mais conseguir um emprego decente porque a madame aqui deu piti e não pode ver a mãe com outra cara mesmo sabendo que seu casamento é uma merda!

— Ele queria roubar você de mim. Não vou permitir que isso aconteça novamente! — Exclamou, sentando-se na cama e arregalando sutilmente os olhos. — Estávamos indo tão bem!

— Ele é o amor da minha vida! — Gritou, apontando para o próprio peito.

— E eu sou a sua filha!

— Você não entende, eu o conheço há muito, muito tempo! Por causa do amor que sinto por ele fugi. — Revelou, com lágrimas nos olhos. — E, reconhecendo esse amor, ele voltou.

— Então por que diabos você não ficou lá, com ele? Sem você por aqui as coisas estavam bem melhores! Se o ama tanto, por que voltou, hein mãe? Por quê? — Perguntou, furiosa. A raiva transbordava dos seus olhos em formato de lágrimas, percorria seu corpo causando tremores na menina, um soluço irrompeu de sua garganta em formato de tristeza.

— Porque eu vi que era errado ficar lá, com ele, longe de vocês. — Mentiu, as orbes azuladas arregaladas.

A matriarca nunca vira a caçula alterada daquele jeito, com o tom de voz elevado, todas as emoções negativas florescendo após serem semeadas. Cada dor que Anabel sentia se fez presente ali, naquele momento, enquanto pronunciava aquelas sentenças.

— Mentira! Você nunca se importou com a gente. Nun-ca. — Acusou, num grito. Pronunciando pausadamente a última frase. — Ou não aguentou a vida de pobre ou sentiu falta dos holofotes sobre si, um ou outro, talvez os dois. Mas que você sentiu nossa falta? Isso não. — Balançou a cabeça negativamente. — Você sempre rejeitou a gente. Não se importa até hoje e ainda diz que voltou porque viu que era errado ficar lá! Isso é uma ofensa. — Completou, ainda aos berros.

— Quando cheguei a primeira coisa que fiz foi visitar seu irmão, depois tentei ser a melhor mãe do mundo para você, fazendo todos seus gostos, vindo em todas suas apresentações, te dei atenção e carinho. Agora vir falar que não me importo? Isso sim que é uma ofensa! — Exclamou, elevando o tom de voz e apontando o indicador para o peito de sua filha.

— Então me responda uma coisa, Aurélia: se você se importa tanto assim comigo, por que a primeira coisa que você perguntou para mim ao me ver recuperara após um coma de dois meses, como você mesma disse, era o que nós ganhamos com isso? O que nós ganhamos estragando a sua imagem. — Fez uma pausa, para analisar atentamente a expressão de sua mãe. — Você é egoísta, Aurélia. Você é extremamente egoísta. Só pensa na sua imagem, no seu amor, no seu dinheiro. Eu quase morri pensando que, talvez assim, você não fugisse novamente, porém, pelo o que posso ver, tanto faz se eu viver ou morrer, né?

— Você fez isso porque quis. A culpa não é minha se sua forma de me prender a você é tentando tirar sua vida. — Respondeu, fria. Aproximando-se o suficiente da cama de sua filha para que a mesma sentisse a respiração da matriarca em sua nuca. — Quer que você faça a cagada e eu passe a mão na sua cabeça?

— Não, quero que você, no mínimo, pergunte como tá a minha saúde e tente ter uma conversa civilizada do que me levou a fazer isso. — Respondeu, fitando os olhos, agora gélidos, de sua mãe. — Isso é o mínimo que uma mãe deve fazer pelo filho, certo?

Porém, antes que a garota completasse a última sentença, Aurélia pegou sua bolsa e saiu do quarto, batendo a porta e salto com força contra o piso do hospital.

Duas semanas depois o médico lhe dera alta. Ele disse que era um milagre ela não ter morrido após ter ingerido tantas substâncias nocivas a saúde.

— Você tem sorte de estar num hospital particular, porque se fosse no público... — Disse, enquanto a examinava por uma última, dando um risadinha desdenhosa no fim.

Ao contrário do que ela mesma pensou, ninguém de sua família passou no hospital para leva-la para casa, nem mesmo os empregados foram. Quando passou no hall, viu apenas seus melhores amigos, Victor e Elize, esperando-a.

Depois, seguiram até a casa de Victor e lá mesmo Anabel permaneceu.

— Você sabe que as coisas lá em casa não estão fáceis, porque, se estivessem, você ficaria lá, comigo. — Murmurou a amiga, segurando a mão de Anabel. — Juro tentar descobrir o que sua mãe está pensando sobre você ficar aqui quando minha mãe for lá na sua casa. Com certeza ela está arrependida de tudo o que fez, afinal é a sua mãe! — Completou, com o mais belo sorriso no rosto.

Uma semana depois, Elize retornara. Seus ombros estavam mais encolhidos que o normal, seu semblante, antes triste, estava devastado.

— Ela te odeia. — Murmurou, fitando seus pés. — Não só ela, como seu pai também. Parece que, graças ao escândalo que você e seu irmão provocaram nas mídias, seu pai perdeu muito capital, então a empresa tá quase falida. Sua mãe voltou a beber, sei disso porque o cheiro de álcool estava mais forte do que nunca e o professor, bem, o professor... — Pigarreou, erguendo a cabeça afim de encarar a amiga. — Ele se matou, Anabel. Enforcado, três semanas depois. Na carta dizia que, se ele não podia viver seu amor sem prejudicar os outros, preferiria a morte. — Um soluço doloroso irrompeu da garganta da negra, fazendo todo o seu corpo tremer. — M-minha m-mãe mandou eu ficar distante de você. Me perdoa, mas esse pedido eu não posso negar. Eu não posso. — Sussurrou, balançando a cabeça.

As lágrimas escorrendo por seu rosto, mostrando a dor que ela sentia na hora. Talvez fosse por causa da morte do professor ou por estar com medo da amiga ou fosse por causa dos dois. Anabel realmente não sabia o porquê de sua ex-melhor amiga estar chorando, só sabia que a odiou por ser tão fraca.


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Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam?



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