Liberta-me escrita por Teddie, Jules


Capítulo 8
Histórias da carochinha


Notas iniciais do capítulo

Teddie: Não vou apontar culpados, mas, se fosse, seria o saco de vacilo abaixo. Brincadeira. Ou não.

Jules: Prazer, meu nome é saco de vacilo. Só vim aqui dizer que 95% do crédito desse capítulo vai para Teddie.

Teddie: é mentira, não foi nada. Foi justo e ambos nos dedicamos ♥

Sem mais delongas, aproveitem o capitulo.



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E não percebemos o passar do tempo
não percebemos nada
sentamos um do lado do outro
(...)
e amanhã quando eu acordar eu vou apostar
que nós andaremos junto de novo
porque eu posso perceber que nós vamos ser amigos
— The White Stripes



Acordar cedo nunca foi um problema para Isabelle. De fato, levantar-se junto com o Sol sempre fez parte da rotina da vida da Lightwood: seu pai sempre a acordara cedo para tutorá-la, ela amava o calor da manhã enquanto cavalgava e, depois que ficara mais velha, Kaelie sempre a acordava cedo para que ela pudesse se encontrar com Meliorn.

Portanto, era mais que normal que Isabelle estivesse acostumada a levantar assim que sentisse os primeiros raios de Sol batendo em seu rosto. Ali na mansão Montgomery, ela sempre acordava com as alucinações do violoncelo e a sensação de uma péssima noite de sono. Bem, agora sabia que não eram alucinações...

Ela abriu os olhos lentamente, piscando por conta da claridade e sentindo a diferença de ambiente e uma leve dor no pescoço. Era uma sala creme com vários livros espalhados e empilhados em estantes; havia uma mesa de mogno lotada de papéis no fundo da sala, contra uma janela; ela estava em um divã de tecido azul marinho e, de frente para ela, estava um lorde Montgomery segurando um violoncelo com uma mão e um pano com a outra. Ele olhava diretamente para ela com os óculos ligeiramente tortos e com um sorrio discreto.

— Bom dia, senhorita Lightwood — ele falou.

Isabelle pareceu se dar conta de onde estava e porque estava ali e se sentou rapidamente no divã. Notou que estava apenas de camisola e sentiu o calor indo para suas bochechas enquanto buscava uma maneira de se cobrir. Lorde Montgomery apenas apontou para uma coberta caída no chão e ela pegou com pressa enrolando em torno de si. O lorde não parecia constrangido, mas também ostentava um rubor no rosto.

— Você estava me olhando dormir — não foi uma pergunta, foi uma afirmação.

— Estava — ele disse simplesmente. Bem direto, pensou.

— Isso é esquisito — ponderou. — Passou a noite fazendo isso? Porque se passou, é assustador. — ela encolheu-se no divã.

Ele riu abertamente, exibindo os caninos levemente pontudos. Isabelle decidiu em um instante que era um dos sons favoritos dela, era contagiante e genuíno e ela quase queria sorrir junto. Quase. Logo depois ela ficou com raiva dele por estar rindo dela.

— Não, pelo anjo! — ele negou ainda com resquício de risada — Eu acordei há pouco tempo e voltei para polir meu violoncelo.

— Então por que estava me encarando? Continua sendo estranho, principalmente quando deveria estar prestando atenção em seu violoncelo.

Ele deu de ombros, parecendo não se importar muito com o assunto.

— Gosto de olhar para o que eu acho belo  — ele disse — E você é linda, senhorita Lightwood.

Aquilo pegou Isabelle de surpresa. Claro, ela sabia que era bonita. Ela estava acostumada com as pessoas falando que ela era bonita. Meliorn vivia a enchendo de elogios e, quando morava com os pais e eles estavam de bom humor, eles também viviam para a beleza dela.

No entanto, aquela tinha sido a primeira vez que alguém tinha a elogiado sem nenhuma segunda intenção. Aliás, achava que não tivera nem uma primeira intenção. Lorde Montgomery falara como se fosse um fato, como se estivesse dizendo que o Sol nascia ao leste.

Era inusitado e, de alguma forma, Isabelle até que gostava.

— Obrigada, meu lorde — ela sorriu para ele enquanto se levantava — Agora, se me der licença, preciso me trocar.

— Claro — ele levantou-se e apoiou o violoncelo em sua base e jogou o pano em cima da mesa — Depois desça para o café, ele já está sendo posto.

— Maia já se levantou? — achou estranho a dama de companhia não ter a acordado.

— Não, ainda está cedo, nós que acordamos antes da hora. Pedi para Alastair para preparar o café — ela assentiu e saiu do quarto, atravessando o corredor e entrando em seu próprio quarto.

Precisava trocar suas roupas, não podia estender seu desfile de camisola pelos corredores.

A vaidade de Isabelle sempre fora um traço sutil em sua personalidade, era difícil encontrar prazer em arrumar-se quando se tratava de uma obrigação, pior quando era Maryse Lightwood quem supervisionava cada decisão, querendo que ela se enfeitasse para agradar homens.

Entretanto, sob dos raios frios da manhã o interesse da jovem em escolher um vestido floresceu preguiçosamente, admirava seus vestidos finos pendurados cuidadosamente em seu armário, queria algo delicado como as melodias que tivera ouvindo seu noivo tocar.  

Seu noivo.

Um sorriso quase invisível se fez presente na expressão da jovem, era um alívio extremo que o lorde tivesse tão pouco em comum com o homem em seus pesadelos e, mesmo desconhecendo Simon, saber que ele poderia ler o que o silêncio dela dizia e que ela também  compreendia a música dele provava que uma cordialidade existia no horizonte do convívio entre os dois.

Depois de passar por todos seus vestidos leves, Isabelle sentiu um arrepio correr por sua espinha ao olhar seus vestidos de verão: de mangas curtas, de alças e rendas delicadas cobrindo o colo e as costas. Sua autoconfiança falhou por um momento, subitamente as cicatrizes, que cobriam suas costas e toda a extensão do ombro direito até o cotovelo, lhe causaram constrangimento. Não tinha exatamente a necessidade de esconder-se debaixo de mangas compridas, porém a ideia de que Simon veria todas aquelas memórias impressas em sua pele mudou isso, não queria ver a tristeza no olhar dele ou a pena.  

Tocou as cicatrizes levemente, sentindo repulsa pelas marcas horrendas, cada uma delas levando-a de volta para Robert Lightwood. Uma mulher não deveria ter cicatrizes assim, suspirou com pesar. Optou, por fim, por uma camisa justa em um tom de creme sob um de seus espartilhos preferidos, verde esmeralda coberto por um bordado verde claro que contornava o desenho de esmeraldas subindo pelo comprimento da peça, a saia da mesma cor completava perfeitamente o padrão do bordado, transformando o conjunto em algo muito próximo de um vestido e como de costume suas botas de couro, esquecendo-se de trançar o longo cabelo negro.

Encontrou Lorde Montgomery sentado a mesa de jantar e na mesma uma sorte diferente de alimentos. O estômago de Isabelle resmungou de fome enquanto ela sentava-se ao lado direito de Simon, pegando o guardanapo e colocando-o sobre a saia.

— Está tudo do seu agrado, senhorita Lightwood? — ele perguntou. Isabelle ainda se surpreendia com a voz dele. Era firme e suave ao mesmo tempo, cheia de confiança e quase inocente.

A Lightwood olhou para a comida, incapaz de decidir o que comeria. Pegou um pedaço de pão e colocou suco na taça, tomando um gole delicado.

— Sim, meu lorde. Tudo parece divino.

O som chamou a atenção da jovem, algo sobre a mesa tinha sido derrubado, um saleiro. Ela estendeu a mão para recolhê-lo mas o lorde foi mais rápido, ainda sim, as mão colidiram em seus trajetos, tocando-se levemente e atraindo o olhar da jovem para as manchas rosadas sobre as costas da mão esquerda de seu noivo. Não havia reparado até aquele momento, mesmo tendo o visto tocando o violoncelo mais de uma vez.

Cicatrizes de queimadura, Isabelle compreendeu instantes depois ao ver a pele enrugada. Queimaduras intensas.

A donzela engoliu seco com a conclusão que chegara e procurou o rosto de Simon, ele a olhava como se tivesse sido pego roubando algo, os olhos como os de uma presa, Isabelle temeu que ele escapasse se ela fizesse algum movimento repentino. O lorde recolheu a mão rapidamente, fingindo ajeitar as abotoaduras e tirando a mão do campo de visão da noiva.

Quando ela pensou em questioná-lo, foi interrompida por um:

— Acho que dormi e acordei na casa errada.

Os dois desviaram a atenção para Maia, que estava parada na entrada da sala de jantar, com os braços cruzados e olhando para a cena incredulamente.

— Desculpe-me, Maia, mas não acho que tenha entendido. — Isabelle franziu o cenho.

— Ela está se referindo ao fato de que até ontem a senhorita fugia de mim e de qualquer coisa relacionada a mim e agora estamos tomando café da manhã juntos — ela quase não pode notar o traço de ironia na voz do lorde. Ela sentiu vontade de rir.

Obrigada por esclarecer, meu lorde. — usou o mesmo tom irônico que ele.

Os dois riram quando viram o queixo de Maia cair.

— Ora, Maia — ele continuou, levantando-se a puxando a cadeira ao lado de Isabelle, convidando a dama de companhia a se sentar — Venha tomar o café conosco antes que esfrie.

Maia ainda estava incrédula quando se sentou e pegou uma fruta da mesa.

— Quando se tornaram grandes amigos?

— Não nos tornamos — Isabelle respondeu e Simon sufocou uma risada. Maia fez uma careta que poderia ser ou de desgosto ou pela fruta amarga — Mas eu e Lorde Montgomery chegamos a um acordo, eu acho.

— Ainda não — ele complementou, mordiscando um pedaço de pão. Isabelle tentou a todo custo evitar olhar para as mãos dele — Mas chegaremos lá.

Ela ignorou o sorriso sugestivo dele, suprimindo seu próprio sorriso e rubor. Maia trocava o olhar entre os dois como se estivesse vendo um duelo muito acirrado.

— Eu não entendo vocês dois.

— Não faça essa cara, Maia — Isabelle lançou um sorriso malicioso — Jordan Kyle não vai lhe achar tão bonita assim.

Maia corou furiosamente e parecia querer afundar na cadeira.

— Oh, a senhorita sabe sobre Jordan? — Isabelle assentiu — Ele vive cantando pelos cantos sobre o quanto ele ama o sorriso da Srta. Roberts.

Os dois caíram na gargalhada enquanto Maia mordia a maçã furiosamente.

— Eu preferia quando vocês dois não se falavam. Comam a comida de vocês calados, por favor.

Os três continuaram o café da manhã em um silêncio agradável, sendo interrompido apenas pelos assuntos leves e comentários sobre pessoas que Isabelle ainda não conhecia. Ela não se sentia excluída, no entanto. Sentia-se acolhida e aquecida, como se os três tivessem feito aquilo a vida inteira.

Isabelle podia ainda não conhecer Simon, ele poderia mudar e virar o homem de seus pesadelos ou então ser adorável e divertido, como até então estava sendo, mas Isabelle decidiu que não se importava. Inclusive tinha se arrependido de ignorá-lo por tanto tempo.

Ela também evitou olhar de novo para as cicatrizes dele, visto que ele ficava desconfortável. Era mais uma coisa que eles tinham em comum, ela percebeu. Ambos tinham marcas que não queriam que o outro visse.

Por fim, ela limpou a boca com o guardanapo e o pôs sobre a mesa. Levantou-se com um sorriso discreto no rosto:

— Se me dão licença, vou para a varanda... bordar. Estou cada vez melhor nisso — Maia sufocou a risada e Isabelle a fuzilou com o olhar.

Simon imitou o ato e a Lightwood franziu o cenho.

— Permite-me que eu a acompanhe, Srta. Lightwood?

— Ah... claro.

Ela subiu para pegar a peça no qual estava trabalhando e quando voltou encontrou o lorde sentado na namoradeira onde ela sempre ficava com Maia, lendo um livro. Isabelle não reconheceu o idioma, as letras estavam todas embaralhadas. Provavelmente era de algum país desconhecido nos confins da Europa.

Isabelle sentou-se ao seu lado em silêncio, preferindo focar em seu bordado. Tinha que admitir - por mais que Maia nunca pudesse saber - que tinha acabado por pegar gosto em bordar. Estava trabalhando em um lenço e tinha rosas vermelhas por todas as laterais. As primeiras não tinham ficado boas, mas as outras estavam melhores. Um pouco.

Tinha aproveitado para espionar novamente as mãos queimadas de seu noivo. Na mão direita, tinha um anel prateado com uma linha dourada no dedo indicador. Na mão esquerda, no dedo anelar, tinha um anel prateado com a letra L no centro e em torno vários laços interligados formando uma coisa só. Parecia um anel de família. Os Lightwood tinham um parecido, sendo que ao invés de laços eram chamas.

Suspirou, cansada do silêncio. Ela sabia que ele não estava ali só para ler o livro e detestava o clima pré conversa. Ela queria que ele falasse logo o que ele queria ali. Por sorte, não demorou muito. Ele fechou o livro e pigarreou antes de se pronunciar:

— Senhorita Lightwood, eu soube que tinha assuntos do qual queria tratar comigo. Gostaria de conversar sobre isso agora. O que incomoda-lhe?

Uau. Isabelle nunca viu a postura de alguém mudar tão rápido. ela foi de relaxado e descontraído para homem de negócios em segundos. Ela viu Lorde Montgomery ao seu lado naquele momento. Jovem, rígido e imponente.

— É sobre meu irmão mais novo, meu lorde — ela respondeu, igualmente séria

Então ela começou a explicar a situação para Simon. Como Maxwell tinha tentado fugir de sua casa para ir até a mansão e Jordan Kyle tinha o impedido. Isabelle explicou como ela achava que o ambiente na casa dos Lightwood não era o mais saudável para ele. É claro que ela não falou sobre espancamento e todas as outras agressões que sofrera, mas estava claro e subtendido, Simon sabia sobre as cicatrizes, Maia tinha lhe contado.

Ela só esperava que ele se compadecesse e aceitasse Maxwell ali.

Se ele não aceitasse... Ela daria um jeito de trazê-lo do mesmo jeito. Cogitou até mandar Meliorn buscá-lo e os dois ficarem escondidos até ela se juntar a eles, mas ai lembrou que estava com raiva de seu amante e desistiu.

Ela tinha decidido confiar em Simon e nas coisas boas que diziam sobre ele, por mais que isso fosse novo e difícil para ela. Ela queria acreditar que ele era do bem.

Quando ela terminou de narrar a situação, ela aguardou ele se manifestar. Lorde Montgomery estava sério e pensativo e sua face não mostrava nada. Ela queria estar na cabeça dele e decifrar todos seus pensamentos, dar fim a sua ansiedade.

— Tudo bem — ele disse por fim, a expressão não deixava uma pista de qual seria sua resposta, a jovem decidiu que um dia teria que desafiar o lorde a jogar uma partida de Poque¹— Mandarei hoje mesmo uma carta a seus pais e pedirei a Maia que prepare um dos aposentos a altura da visita.

Isabelle sentia tantas coisas ao mesmo tempo que não sabia como expressar. Pela primeira vez na vida estava sem palavras e mal conseguiu balbuciar algumas palavras.

— Não se preocupe, Isabelle — ele continuou, sorrindo. Isabelle reparou que o canto direito dos lábios de lorde subiam primeiro que o esquerdo — Traremos seu irmãozinho para cá.

Isabelle reprimiu o impulso de pular no pescoço de Simon e apenas exibiu todos os dentes em um sorriso tão largo que ela pensou que seu rosto rasgaria.

— Muito obrigada! Meu Deus, eu não consigo palavras para descrever o quão grata eu estou. Foi a melhor coisa que poderia fazer por mim, meu lorde, juro por tudo.

— Não é nada demais, senhorita. Acho que será muito bom ter uma criança aqui. Desde que chegaste a casa ganhou uma nova vida. Estou ansioso para ver o que Maxwell Lightwood trará. — ela corou ao ouvir aquilo — E por favor, não me chame de lorde.

— O senhor é um lorde, devo me referir como tal — ela franziu o cenho confusa. Homens, mulheres, qualquer pessoa que Isabelle conhecia, queriam ser melhores que os outros de alguma forma. Todos queriam ter o prazer de ostentar um título. Era a primeira vez que ela via alguém de fato desprezando o poder.

— Eu detesto quando me chamam de Lorde Montgomery para cima e para baixo, não parece certo, não soa certo. — ela sentiu que tinha algo que ele queria dizer, mas não sabia como — Chame-me de Simon.

Ela corou violentamente e ele também. Não, definitivamente não o chamaria pelo nome.

— Isso não é apropriado. Conhecemo-nos há muito pouco tempo e ainda teremos que nos casar. Não devo e não irei.

— Chame-me de senhor Lovelace, então. É, de fato, meu nome.

Um milhão de perguntas passaram pela cabeça dela, mas sabia que ele não responderia nenhuma. Sabia porque ela tinha mil coisas escondidas e, se ele perguntasse, também não ganharia nenhuma resposta. Era tudo muito novo ali e ambos, por mais que estivessem se dando bem, ainda estavam pisando em ovos.

— Sr. Lovelace, então será. — ela sorriu e voltou para seu bordado.

Não focou por muito tempo, no entanto. Eric passou com Hunter e Daylighter, tentando conter os dois cavalos arredios. Isabelle quis rir da cena, não que Eric estivesse se saindo mal, mas os cavalos pareciam ter combinado para infernizar a vida do cocheiro.

— Nunca vi um relacionamento tão bonito entre uma pessoa e um animal antes. A senhorita olha para Hunter como se ele fosse uma parte sua. É muito bonito, se me permite opinar.

Ela virou-se para Simon, que a olhava quase que com admiração, alternando apenas para olhar Hunter também. Há quanto tempo ninguém a olhava daquele jeito? Na verdade, não sabia se já tinha acontecido de fato.

— É porque ele é, Sr. Lovelace — testou o novo nome, gostando de como soara. — Quando completei oito anos, meu tio Patrick Penhallow disse que me daria um presente excepcional. Eu passei dias sem dormir, ansiosa para ir buscar o que quer que fosse, sempre gostei de presentes. Então eu passei dois dias viajando até chegar a sua casa de campo e, quando eu cheguei lá, tio Patrick estava do lado de um pônei marrom com um laço e parecia desconfortável e entediado. Acho que meu tio viu que minha face caiu e que eu estava desapontada.

“Ele tentou me oferecer outras coisas, mas como fui educada direito, disse apenas que o pônei estava bom e que eu estava feliz. O senhor deve saber que, como mulher, eu devo apenas aceitar o que me oferecem. Então eu vi Hunter. Tinham dois homens tentando contê-lo, porém ele se debatia e relinchava e tinha dado um coice daqueles em um dos homens. Obviamente, eu esqueci do pônei e disse que queria aquele cavalo.

“Meu... tentaram me fazer esquecer aquele cavalo e focar em outras coisas. Meu tio me ofereceu mais de um pônei, me ofereceu uma égua dócil que pertencia a minha prima Aline, que começou a chorar quando pensou que perderia Lady. Só que eu continuei insistindo e não conseguia parar de pensar no pelo malhado do cavalo. O meu cavalo.

— Parece ter sido uma criança muito travessa — ele comentou e ela riu abertamente.

— O senhor não tem ideia — ele riu também — Chegou um momento que eu simplesmente cansei de dar ouvidos para meu tio e apenas corri até o cavalo, que tinha se soltado dos homens e tentava fugir. Alec surtou — mordeu os lábios ao citar o irmão. Sentia vontade de chorar, Alexander fazia parte de todas as boas memórias que ela tinha, transformando tudo em uma sombra triste e nostálgica — Enfim, quando eu cheguei até ele, Hunter parou. Eu apenas acariciei o pescoço dele e ele bufou contente. Foi uma mudança da água para o vinho, ninguém esperava que eu saísse inteira da arena, então, quando ele me olhou e eu olhei para ele, parecia que tínhamos nos encontrado e estávamos completos.

Ambos ficaram em silêncio, um brilho curioso surgiu no olhar de Simon que parecia formar uma imagem perfeita de Isabelle em seu vestidinho de bordados e tranças correndo impetuosamente até o cavalo arredio. O canto direito de sua boca ameaçou iniciar um sorriso orgulhoso, mas se conteve.

— Cavalgando desde tão jovem, imagino que seja uma amazona excelente, porém... — o desafio pairava nas palavras do rapaz — Poderia ser mais rápida do que um cavalheiro experiente como eu?

Ela gargalhou alto.

— O senhor e Daylighter não tem chance nenhuma contra mim e Hunter.

Antes que ele pudesse responder, Maia apareceu e avisou alguma coisa para Lorde Montgomery, que assentiu seriamente. Novamente, Isabelle ficou chocada ao ver a mudança na expressão dele.

— Tenho que ir, Srta. Lightwood. Espero vê-la mais tarde.

Ela apenas sorriu e acenou enquanto ele entrava para casa. Isabelle olhou para o céu, chocando-se ao ver que o Sol estava em seu ápice. Tinha realmente passado a manhã inteira conversando com ele? Tinha mesmo contado histórias de sua vida para ele? Qual era o poder daquele homem que a fizera se abrir tão rápido?

Abandonou o bordado no lugar onde Simon estava e levantou-se, esticando-se e decidiu caminhar pela propriedade.

Passou por Eric, acariciando Hunter e Daylighter, que se acalmaram um pouco. Cumprimentou mais alguns funcionários, que também a adoravam. Chegando na entrada da propriedade, atravessou o portão, dando de cara com algo que não queria encontrar.

Era um vaso de hortências bem azuis no canto. Amarrado ao caule, tinha um papel amarrado.

Minha bela dama, peço-lhe desculpas pelo meu comportamento. Foi inaceitável e a senhorita tinha toda razão em ir embora. Espero que possa me encontrar amanhã pelo horário de sempre, quero poder me reconciliar o mais rápido possível.

 Meliorn.

Era assim que ele vinha se comunicando com ela desde que chegara ali. Todo dia Isabelle pegava as mudas de plantas e as inseria no jardim dela, uma forma de se rebelar contra o lorde. Agora, ela estava tão revoltada e ressentida com Meliorn que apenas pegou o bilhete e deixou a planta onde estava.

Se dependesse dela, as flores poderiam morrer ali mesmo, esquecidas.

(...)

Conviver com Simon era incrivelmente fácil. Quer dizer, tão fácil quanto Isabelle se permitia. Toda manhã eles tomavam café da manhã juntos e enquanto Isabelle cavalgava e cuidava do jardim, ele fazia o que quer que um lorde fizesse. Isabelle sabia que ele tinha todo tipo de negócio e terras por todo lugar, mas ela genuinamente não se importava.

Depois vinha o almoço e eles passavam a tarde juntos, tentando conhecer um ao outro. Eles não tinham absolutamente nada em comum, o que era bem irritante na maioria das vezes, mas Isabelle estava aprendendo a lidar. O casamento, no entanto, não tinha sido mencionado em momento nenhum e Lorde Montgomery não fazia nenhuma investida, nem era desrespeitador. A Lightwood não entendia isso muito bem, mas por ora preferia não pensar naquilo. Estava muito contente em conviver com uma pessoa que não esperava nada dela e que não era o monstro que ela esperava.

Engraçado como criar expectativas ruins e se enganar com elas fizera tão bem a Isabelle; ela finalmente sentia os ombros leves e não se lembrava de sorrir tanto desde quando ainda era uma menina.

E de noite... ah, as noites eram a melhor parte do dia. Agora que não tinha mais aqueles pesadelos horrendos, toda noite ela se esgueirava para o escritório do andar de cima – devidamente vestida – e o ouvia tocar até dormir. Simon tocava músicas sobre tristeza, nostalgia, perda e amor, tudo aquilo que ela mesma sentia dentro dela e não conseguia expressar. Naquele momento da noite, não importava se eles tinham discutido o dia inteiro, eles falavam a mesma língua. Era reconfortante.

Uma semana com a nova rotina. Não era nem um pouco ruim.

As flores de Meliorn, contudo, acumulavam poeira do lado de fora. Ficava com pena de deixar flores tão bonitas morrerem, mas não queria nada que viesse dele no momento.

— Tenho duas notícias para lhe dar — Simon anunciou assim que ela sentou-se a mesa do café da manhã — Uma boa e uma ruim.

— Bom dia para o senhor também — ela replicou enquanto pegava uma fruta. Esperava que ele risse, mas ele apenas deu um sorriso apagado. Tinha uma carta parcialmente segura embaixo do prato dele e Simon desviava o olhar para ela — Me fale a notícia boa primeiro.

— Recebi há pouco a resposta dos seus pais sobre a vinda de Maxwell. Eles permitiram.

Isabelle se controlou para não abraçar seu noivo. Suas bochechas doíam de tanto que ela sorria. Maxwell finalmente escaparia daqueles tiranos que eram. Então por que Simon não parecia nada animado com aquilo?

— Que cara é essa, Sr. Lovelace? O senhor mudou de ideia sobre Maxwell? É por isso que está com essa expressão?

Já tinha começado a se levantar da cadeira e estava pronta para sumir naquele momento mesmo. Tinha sido tão inocente, tão estúpida, tão...

— Senhorita Lightwood, acalme-se, não é nada disso — ele colocou a mão sobre a dela, tinha muitos calos e era fria, mas a acalmou. Isabelle caçou pelo rosto dele qualquer traço de mentira, mas não achou nada, então se sentou de novo.

— Qual o problema, então?

— Seus pais disseram na carta que sua saída de lá foi conturbada e que a senhorita os ofendeu muito. Bem, olhe por si mesma.

Ele estendeu a carta para ela. Isabelle não ligou muito para o que tinha escrito, estava entorpecida demais, mas pegou a ideia geral: seus pais não tinham gostado nem um pouco do que ela dissera para eles e queriam dificultar sua vida.

— Eu não os ofendi, eu falei puramente a verdade. Eu devia ter dito muito mais, se quer saber.

— A questão é que, como a senhorita leu aí, eles liberam a vinda de Maxwell com uma condição...

— É, eu sei — ela suspirou — Para Max vir eu mesma tenho que ir buscá-lo. Tenho que voltar ao casarão Lightwood.


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Notas finais do capítulo

¹ Versão de Pôquer, mais parecida com a versão contemporânea é Poque, que data do século XVII, na França.

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