Liberta-me escrita por Teddie, Jules


Capítulo 9
De volta ao lar


Notas iniciais do capítulo

Primeiramente queremos pedir mil desculpas pela demora colossal que foi até conseguirmos postar esse capítulo. Temos uma vida (chocante) e as coisas se complicaram um pouco. Entre faculdade, emprego, família, crise existencial e um capítulo particularmente complicado, finalmente estamos aqui. Gostaríamos de poder prometer que não iremos demorar de novo, mas é uma promessa que talvez não possamos cumprir. Tentaremos, tho.

Jules: o tão prometido sofrimento chegou. Sou 1000% culpada e não me arrependo. Beijos. Gostaria de falar mais, mas sou uma pessoa antissocial.

Teddie: todas as cenas bonitinhas (todas as duas) são de minha responsabilidade. Sinto muito e boa sorte.

Aproveitem o capítulo!

Aviso: esse capítulo contém cenas fortes de abuso psicológico e físico.



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Eu pensei que se eu pudesse tocar esse lugar ou senti-lo
o que há quebrado dentro de mim possa começar a curar.
Fora daqui é como se eu fosse outra pessoa
Eu pensei que talvez eu pudesse me encontrar
Se eu pudesse entrar, eu juro que vou sair
sem levar levar nada além de uma memória
da casa que me construiu.
— Miranda Lambert

 

— Não precisa fazer isso se não quiser — Simon disse enquanto Isabelle colocava mais um vestido na mala. Não era apropriado que ele estivesse no quarto dela, mas os dois não eram os mais convencionais. — Posso muito bem mandar uma carta dizendo que não aceito que você parta e trago-o do mesmo jeito.

Isabelle se limitou a dar um sorriso triste para Simon. Ele parecia genuinamente preocupado com ela, não queria que ela voltasse até o lugar que lhe fizera tanto mal. Uma coisa que a agradara, no entanto, era que em momento algum ele a tinha proibido de ir, ele apenas preferia que ela não fosse.

— Soa tentador, senhor Lovelace. Porém Maryse e Robert querem que eu me humilhe para conseguir meu irmão de volta. Não garanto que isso vá acontecer, mas Max virá de um jeito ou de outro.  

— Deixe-me ir com a senhorita então — ele parecia nervoso ao dizer isso e Isabelle compreendeu. Simon passou a vida escondendo-se do mundo e agindo apenas pelo nome. Devia ser um grande passo para ele se oferecer para ir com ela até o casarão Lightwood.

Ela larga as roupas por um minuto e coloca as mãos nos ombros dele. Por um momento, ela cogita a hipótese de abraçá-lo e ela sabe que é isso que ele pensa que ela vai fazer, mas ela somente sorri calorosamente:

— Não precisa, Sr. Lovelace. O senhor é deveras ocupado e não quero incomodá-lo com algo tão banal. Serão apenas alguns dias, eu sobreviverei.

— Eu sei que é capaz, mas não significa que precise fazê-lo sozinha. Nada relacionado à senhorita é banal.

— Ficarei bem, não se preocupe.

Ele não respondeu, apenas assentiu enquanto Isabelle fechava o malão com suas roupas. Não estava levando muitas coisas, afinal não passaria mais de uma semana na casa dos pais, se limitando a conviver educadamente até conseguir tirar Maxwell de lá.

A pior parte, sem dúvidas era ter que voltar lá depois de ter cuspido na cara dos pais que não os veria nunca mais, que não pisaria mais naquela casa. Claro que Robert e Maryse estavam fazendo de propósito, querendo que ela rastejasse aos pés deles, implorando pelo irmão e pedindo desculpas.

Ha, ha, ha, como se isso fosse acontecer.

Eles desceram juntos as escadas, Simon carregando a mala dela até a entrada da casa, onde Jordan a esperava. Isabelle também garantiu que não precisaria dele, que não havia problema nenhum em ir apenas com Eric, mas foi a única coisa que Lorde Montgomery exigiu e ele estava com a postura tão séria que ela não conseguiu dizer não.

No fundo, Isabelle gostava da preocupação dele. Jordan era o responsável pela segurança de Simon e ele estava mandando-o com ela para garantir que ela não se machucasse. Ela não precisava que ninguém a protegesse, nunca precisou, mas até que era bom ter alguém que dividisse o peso com ela.

Simon era boa pessoa, afinal.

Jordan conversava com Maia e ela estava levemente corada e ele estava próximo demais dela e os noivos se olharam antes de darem uma risadinha e Simon pigarrear. Jordan afastou-se da dama de companhia em um pulo, corando até a raiz dos cabelos. Maia, por outro lado, parecia querer se esconder em algum lugar.

— Levarei sua mala, Isabelle — Jordan se adiantou e pegou a mala da mão de Simon, apressando em sair da mansão.  

Maia se recompôs, chegando perto da amiga e dando um abraço apertado.

— Eu adoraria ir com você, Isabelle. Tem certeza que não quer que eu vá junto? Precisa de sua dama de companhia.

— Tenho uma moça lá que ocupa perfeitamente o lugar, Maia. — deu um sorriso seco — Eu agradeceria a preocupação, mas sei que só quer ir para passar mais tempo com Jordan.

Antes que Maia pudesse responder, Simon tomou a dianteira e tomou o braço de Isabelle.

— Maia, preciso que separe uns documentos relacionados ao Sr. Graymark, pode fazer isso por mim?

Ela assentiu e partiu para o escritório do andar de baixo enquanto Simon conduziu Isabelle para a saída da casa, onde Jordan já esperava na carruagem. Antes que ela pudesse subir, Simon a segurou levemente pelos ombros. Seu olhar parecia como fogo, ardendo de preocupação e aquecendo Isabelle com carinho.

— Não hesite em voltar para casa se qualquer coisa acontecer.

— Não sou uma boneca de porcelana — ignorou o fato de o lorde achar que aquela era sua casa também.

— Sei que não é — ele acrescentou — E é por isso que eu me preocupo.

— São apenas alguns dias, eu volto logo.

Ela se soltou dele e entrou na carruagem, Jordan esporando o cavalo e logo os dois já se afastavam da casa e passavam pelo portão principal. Isabelle deu uma última olhada para ver se ele ainda estava lá, e de fato estava.

Isabelle suspirou e voltou seu olhar para a estrada, concentrando-se em seu futuro.

Pensar no sorriso frio de Maryse já era o suficiente para causar um nó no estômago, porém imaginar Maxwell lidando com o humor amargo de seus pais arrepiava cada pelo de seu corpo, preenchendo-a de pânico. Pela primeira vez Isabelle se encontrou sentindo falta de Simon e de sua aura tranquilizante.

Bufou novamente, observando a paisagem do lado de fora. A primavera estava começando, então as flores e o verde estavam começando a ficar vivos e convidativos, mas ela se sentia péssima por dentro e não achava justo tudo estar tão bonito se ela não sentia isso nela. Para piorar, era Jordan que estava conduzindo os cavalos e ela não tinha com quem conversar.

Estava tão entediada ali que fez Jordan parar a carruagem para que ela pudesse se sentar ao seu lado. Ele, que já sabia muito bem como Isabelle era, apenas riu e deu espaço para ela. Por sorte, o vestido não era volumoso e não o atrapalhava na condução.

— As acomodações não estão do seu agrado, senhorita? — ele zombou.

— Sabe muito bem que Sr. Lovelace separou o melhor para mim. Estava aborrecida já de ficar tanto tempo sozinha lá.

— Aborrecida a senhorita sempre está... — ele murmurou.

— O que disse?

— Nada — ele sorriu para ela, que revirou os olhos como resposta. — Vejo que a senhorita anda se dando bem com Simon.

— Ele é um bom homem e se preocupa comigo e com meu irmão. É mais do que eu poderia esperar. Fora que é extremamente talentoso.

— Realmente.

— E ele muda completamente quando quer tratar de negócios — ela continuou — E ele também é muito responsável e é tão jovem. Não cheguei a perguntar-lhe a idade. — ela franziu o cenho quando Jordan soltou uma risada — Do que está rindo, Jordan?

— Nada, senhorita.

— Eu lhe empurro desse banco antes que possa dizer “Eu te amo, Maia Roberts”.

Jordan fechou a cara na hora e enrubesceu. Isabelle considerou aquela rodada ganha.

Isabelle tinha muita raiva de gente como Maia e Jordan. Não dos dois em si, ela gostava muito deles; ela não gostava da situação onde eles se encontravam. Estava muito claro que ambos nutriam sentimentos um pelo outro, porém nenhum dos dois fazia nada a respeito.

Já não gostava muito da ideia de entregar seu coração - ele era seu por algum motivo e deveria se manter assim. Odiava ver como as pessoas ficavam fracas a vulneráveis quando estavam apaixonadas. Tinha passado a vida vendo sua mãe sofrendo pelo descaso e adultério de Robert e não podendo fazer absolutamente nada a respeito disso. Ela não queria reviver aquilo tudo no papel de Maryse, dessa vez.

No entanto, já era tarde demais para o segurança e a dama de companhia, que se olhavam como se o mundo fosse acabar no dia seguinte. Para os dois, não fazia diferença se estavam vulneráveis ou não porque eles gostavam da sensação. Já que estavam naquela situação, por que não mergulhar logo de cabeça e assumirem o que sentiam? Isabelle não tinha paciência para isso.

Quando Alexander se apaixonou, toda vez que ele falava da pessoa amada os olhos dele se iluminavam e ela podia ver a dor por estar longe dela. A dor por ter que se fazer de forte e se casar com alguém que não queria. Isabelle não presenciou o momento que o irmão decidiu abraçar sua vulnerabilidade, mas tinha certeza que fora algo lindo. Imaginava os olhos azuis dele ardendo de felicidade e ansiedade, sentindo a liberdade que teria em tão pouco tempo. Finalmente teria a vida que queria.

Era isso que Isabelle almejava. Por mais que apreciasse Simon, sabia que nunca teria aquilo com ele. Ela ansiava viver do jeito que bem entendesse. Ela não queria ser a mulher de um homem rico, mãe de filhos que ela ainda não queria ter. A rotina do casamento a entediava e a entristecia.

—... É por isso que eu e ela não estamos juntos, entendeu, senhorita?

— Desculpe-me, Jordan — ela sacudiu a cabeça para espantar os devaneios — Poderia repetir?

— Estava dizendo que Maia sofreu muito por causa de Daniel – ela te contou sobre Daniel, certo? — Isabelle assentiu — Ela não confia muito fácil nas pessoas ou em homens. Tenho medo de me aproximar e ela se afastar.

Isabelle suspirou, dando um sorriso condescendente:

— Tenho certeza que pode propor a Maia que ela não vai recusar.

Jordan sorriu e Isabelle, mesmo impaciente com aquela situação toda, gostou deter ajudado de alguma maneira. Queria ver Maia feliz, afinal de contas.

O resto da viagem foi calmo, tão calmo quanto poderia ser. Isabelle estava nervosa, mas sempre que começava a entrar em pânico se lembrava de Maxwell e se acalmava. Jordan parecia alheio ao nervosismo dela, mas Jordan sempre parecia calmo demais.

Isabelle ficava ainda mais nervosa com isso.

Logo depois do Sol ficar em seu ápice, Isabelle viu o portão da propriedade dos pais se aproximar e seu estômago se embrulhou. Era bem menor e menos imponente que a casa de Lorde Montgomery, mas em sua nova moradia tinha boas memórias. Ali na casa dos pais as boas memórias foram eclipsadas há muito tempo.

Os portões foram abertos e conforme atravessaram, Isabelle pode ver os pais parados na entrada da casa, os rostos impassíveis. Maxwell estava ali também e quicava no lugar. Isabelle tentou não sorrir, falhando miseravelmente. Sabia que estava sentindo falta do irmão, mas só quando o viu novamente que se deu conta do quanto.

Eles pararam a carruagem bem em frente aos Lightwood Jordan desceu primeiro e ajudou Isabelle a descer e ambos se dirigiram até Robert e Maryse, que franziam o nariz para a cena.

— Maryse, Robert — ela cumprimentou e a cara deles piorou. Maxwell parecia ainda mais inquieto, puxando os cordões que ajustavam o colarinho de sua blusa clara nervosamente, parecia mais pálido sob seu colete azul marinho e calças escuras, seus sapatos reluziam, impecavelmente lustrados, parecia um adulto em miniatura, não eram roupas apropriadas para uma criança pensou Isabelle. O rosto juvenil contraído em uma carranca extremamente engraçada — Esse é Jordan Kyle, responsável pelo meu transporte e segurança enquanto estou aqui.

— Já o conhecemos — Robert respondeu — Ele que veio buscar o cavalo.

Isabelle sentiu uma pontada em seu subconsciente, mas não obrigaria Robert a aceitar que Hunter era mais do que uma propriedade, ele ainda não aceitara que Isabelle também não era.

— Sim — Maryse concordou — Leve as malas de Isabelle para cima e guarde a carruagem.

Jordan olhou preguiçosamente para Maryse, ignorando as ordens dela e focando-se em Isabelle. Ela sentiu uma gratidão enorme por ele por fazer aquilo. Ele estava mostrando que ela era a pessoa com autoridade, que ele não ia se submeter a qualquer pessoa.

— Jordan, acomode-se primeiro e depois se preocupe com minhas malas. Acredito que vocês mandaram preparar acomodações para Jordan, certo? — eles assentiram a contragosto — Procure Kaelie, ela vai lhe dizer para onde ir.

Ele assentiu, mas antes que pudesse sair, Maryse exclamou alto, uma bufada impaciente e pegou Maxwell pelo braço. Jordan precisou colocar a mão no ombro de Isabelle para impedi-la de ir até lá.

— Qual o seu problema, menino?

Maxwell puxou o braço, se soltando de Maryse e correndo até onde Isabelle estava. Ela pensou que ele a abraçaria, mas o que ele fez foi muito melhor, ele correu até Jordan e lhe deu um chute forte na canela, correndo para longe logo em seguida. Robert gritou umas palavras de ordem, mas o menino ignorou.

Isabelle tentou esconder a risada sob o leque de renda à medida que Jordan soltava uns palavrões aleatórios.

— Ora, Jordan, mal aguenta um chute de uma criança. Como o lorde confia em um segurança como você?

— Cale-se, por obséquio, Srta. Lightwood. — Isabelle apenas riu mais.

Robert torceu o rosto em repulsa, claramente desaprovando o comportamento de Jordan e Isabelle. Até de Maxwell, se duvidasse. Não existiam muitas coisas que Robert Lightwood aprovava, afinal.

— Vejo que anda tendo muita liberdade com seus servos. Deita-se com este também?

Jordan travou o maxilar, pronto para falar em nome da patroa, porém foi impedido pela mesma que, imitando o olhar superior do progenitor, suspirou antes de falar.

— Não senhor, felizmente dormir com tudo que se move é algo que eu e meus irmãos não herdamos. — a surpresa e a raiva de Robert pintou sua face de vermelho vivo, porém ao tentar responder, engasgou-se no próprio choque, o que se desenrolou em uma crise aparentemente interminável de tosse. Jordan também começou a tossir, mas tentando controlar uma crise de risos. Isabelle mesma teve que segurar a risada, no entanto não conseguiu conter o sorriso — Se me dão licença.

E entrou para o casarão, sentindo o cheiro familiar entrar pelas narinas. Tudo ali estava exatamente igual. O saguão da entrada estava do mesmo jeito, o salão onde o baile acontecera também. No entanto, nada ali era comum para ela. Tudo parecia novo e estranho.

Ela se perguntou se não era ela que tinha mudado demais, ou até mesmo se as coisas na casa eram novas e ela quem não tinha notado. Faria sentido, não?

Isabelle sabia que não.

Quando ia se dirigir para o andar de cima, deu de cara com Kaelie descendo as escadas, abrindo um sorriso enorme à medida que chegava perto de Isabelle, no pé da escada. Ela abraçou a Lightwood com força, o que desconcertou Isabelle por um instante. Não se lembrava de ter alguma vez abraçado Kaelie.

Ela se soltou primeiro, desconfortável com o ato. Nunca tinha considerado a dama de companhia sua amiga. Sua mente voou em Maia e ela sentiu um aperto de saudades no peito.

— Senhorita Lightwood, é tão bom vê-la! — o sorriso no rosto da loira era forçado e repuxado demais. Ele sempre fora assim?

— Ah... igualmente, Kaelie. Faz muito que não a vejo.

— As coisas aqui não são as mesmas sem você, senhorita — claro que não, Isabelle pensou. Sem ela ali, não havia mais escândalos e motivos para os funcionários fofocarem.

Em casa, ela não tinha esse problema, não porque ela era cuidadosa e não era pega nas coisas erradas que fazia, mas porque lá as pessoas cuidavam de suas vidas.

— Certamente que não — ela sorriu tão falsamente quanto Kaelie.

A dama de companhia olhou para os lados, vendo se não aparecia ninguém e se aproximou de Isabelle, como se fosse contar um segredo:

— E as coisas com meu primo, ainda vão bem? A última coisa que eu ouvi era que ele ia até a propriedade de Lorde Montgomery. Ele conseguiu?

Isabelle sentiu-se subitamente desconfortável. Não queria estar discutindo sua vida amorosa com Kaelie. Não só porque ainda estava brigada com Meliorn e eles eram primos, mas porque não era tão amiga assim da dama de companhia. Se fosse escolher alguém, seria obviamente Maia, sua única amiga.

Infelizmente, Maia nunca poderia saber sobre Jordan.

Foi Jordan que a resgatou de cometer um erro irreparável: ser sincera com Kaelie. Um sorriso aliviado surgiu nos lábios da jovem Lightwood quando ela guiou Jordan para dentro do cômodo.

— Kaelie, querida, já foi apresentada ao responsável da minha segurança, Jordan Kyle? — Isabelle apresentava o jovem como se apresenta um item em um leilão — E Jordan, você deveria conhecer minha antiga dama de companhia, Kaelie Seelie... Vou deixar vocês se conhecerem melhor e, enquanto isso, olharei Max. Divirtam-se.

Jordan e Kaelie faziam um casal perfeito no quesito confusão naquele momento, compartilhando a mesma expressão quando Isabelle saiu do quarto e bateu a porta como um furacão.

— Então, há quanto tempo você trabalha para os Lightwood...? — Foi a última coisa que Isabelle ouviu através da porta e rindo baixinho, seguiu pelo corredor a fim de encontrar o irmão mais novo.

Ela foi primeiro até o quarto de Maxwell e, como era o lugar óbvio, ele não estava lá. Seguiu para a biblioteca, onde sabia que o menino estudava com Robert, nada. Percorreu os cômodos comuns do primeiro andar... Novamente nada.

Cansada da viagem e de rodar por todos os cômodos a procura do irmão – não queria nem imaginar quando ele começasse a se esconder na mansão Montgomery – ela parou em frente ao cômodo proibido. Proibido mesmo, não como os cômodos de sua casa que ela nunca entrava por puro medo.

O quarto de Alexander.

Desde que ele fora embora, Robert e Maryse tinham trancado a porta e tinham se livrado da chave. Para todos os efeitos, aquele quarto não existia, era um cômodo fantasma. Assim como o dono dele.

Por algum motivo que não entendia muito bem, Isabelle forçou a porta, se surpreendendo com a facilidade com que ela abriu.

A cena partiu o coração de Isabelle profundamente. O quarto de Alexander nunca tivera muita personalidade, porém era cheio de vida, livros de mistério empilhados sobre a mesa junto com anotações sobre a propriedade feitas com capricho.

No momento, era claro que o furacão de desgosto de Maryse tinha atingido o cômodo e levado todo e qualquer sinal da existência de Alexander, as portas dos armários abertas e os mesmos vazios. A cama intocada desde a partida de seu dono, se mantinha arrumada, os lençóis já começando a amarelar em alguns pontos.

Poucos passos foram o suficiente para que Isabelle reparasse que algo embaixo da mesa se movia. Prosseguindo com cautela, a jovem tirou a cadeira do caminho e ajoelhou-se no piso frio, por um segundo lembrando-se do tapete persa que antes ficava ali, o movimento sob a mesa parou e olhos azuis cheios de lágrimas, tão parecidos com os de Alexander, encontraram os de Isabelle. Maxwell parecia ainda menor abraçado aos próprios joelhos, soluços sacudiam o menino, que tentava esconder o choro.

A primeira reação de Isabelle foi estender os braços, como sempre fizera.

— O que houve, irmãozinho?  — Maxwell avançou no abraço da irmã com tanta intensidade que quase derrubou a jovem.

— E-Eu não posso contar, Isabelle — ele disse, com o rosto escondido no vestido da irmã.

— Por quê? Quem disse que não pode? — ela acariciava as costas do menino em uma tentativa de acalmá-lo. — Max, o que aconteceu?

O menino tentou se esquivar e fugir da irmã mais velha, mas Isabelle foi mais rápida e o segurou pelo braço. Ele escondeu um gemido de dor e a Lightwood franziu o cenho. Ela nem sequer tinha o segurado com força.

A percepção do que tinha acontecido a atingiu em cheio e, junto com ela, a raiva e a culpa. Raiva dos pais por terem coragem de encostar um dedo no menino. Raiva dela mesma por deixar Maxwell sozinho naquele inferno. Culpa por não poder ter feito nada.  

Os pensamentos de Isabelle giravam como um turbilhão descontrolado e quando finalmente compreendeu o que tinha feito, o aperto no peito foi tão intenso que acreditou que desmaiaria no meio do cômodo abandonado. Ela tinha feito o pior. Tinha deixado Maxwell para trás assim como Alexander tinha feito com ela.

O ato pesava cada vez mais na consciência da jovem enquanto ela relembrava a partida do irmão mais velho e olhava para Maxwell com seus nove anos e imaginou o que aquele menino doce tinha passado nas mãos dos pais. Naquele momento, Isabelle se odiou profundamente.

Como pude ser tão egoísta?

Ela suspirou pesadamente e puxou as mangas da camisa de Maxwell para cima, segurando a respiração ao ver diversas manchas ao redor dos braços finos do irmão. Elas variavam entre as roxas recentes, as esverdeadas mais antigas e as em um tom de amarelo doentio já quase curadas. Elas refletiam uma pequena parte do que tudo que Isabelle tinha passado e por um momento ela ficou grata que eram só manchas e não os cortes e cicatrizes que ela tinha.

Foi só por um minuto, no entanto. No outro ela já queria levantar dali e ir até os pais, queria tomar aquele chicote maldito da mão de Robert e fazer os dois pagarem por tudo que tinham feito.

— Isabelle, você está tremendo.

Ela olhou para as próprias mãos, não tinha noção do quanto desesperada estava e do quanto tremia. Ela tinha vontade de gritar e chorar e ir embora. Estava há menos de um dia lá e toda a pessoa que ela tinha se tornado no tempo fora tinha se escondido em algum lugar e ela voltara a ser a Isabelle assustada que vivera a vida toda presa ao lar abusivo.

— Isso não vai ficar assim — ela disse, notando que a voz estava embargada. — Eles não tinham o direito de fazer isso com você.

— Eu me comportei mal. É o que acontece. Acontecia o mesmo com você.

Aquilo abalou Isabelle. Ela tinha vontade de dizer não, não era o mesmo. Você é uma criança pura, inocente e não fez nada de errado para merecer os péssimos pais. Eu era um inferno, um erro. Você é um anjo.

— Isso não deveria acontecer — ela repetiu, engolindo tudo que ela realmente queria dizer.

— Não é nada demais — ele a abraçou, desconcertando-a mais ainda — Eles nunca fizeram mais do que beliscões e apertões. Eles nunca...

Me chicotearam, me torturaram, ele não precisava pronunciar as palavras para a ideia que estava implícita ali. Aquilo a acalmou mais um pouco. Eles não tinham extrapolado todos os limites.

Isabelle olhou para cima, sentindo lágrimas mornas escorrerem pelo seu rosto, agradecendo pelo súbito controle de seus pais e pedindo perdão a quem quer que estivesse ouvindo suas preces.

— Venha, Max — ela o chamou enquanto levantava e fungava. — Vamos sair desse mausoléu que é esse quarto. Não deveríamos estar aqui.

— Me fale de Lorde Montgomery. Ele é legal, ele vai brincar comigo?

Sorrindo e secando as lágrimas, Isabelle segurou a mão de Maxwell, caminhando para fora do quarto.

— Você vai gostar dele e aposto que ele vai adorar ouvir sobre sua vingança contra o Jordan.

Ela não queria contar muito sobre Simon. Não queria falar sobre o talento dele com a música, ou sobre o quão bom ele era com os negócios. Ou o quão gentil e atencioso ele era, ou o quão divertido. Não queria falar sobre as cicatrizes de queimadura que ele carregava.

Maxwell se deu por satisfeito e começou a bombardear Isabelle com perguntas sobre o lugar enquanto eles caminhavam em direção ao quarto do menino mais novo, Isabelle tomando cuidado para fechar com delicadeza o quarto do irmão mais velho.

Isabelle foi respondendo todas as perguntas de Maxwell ao mesmo tempo em que iam arrumando as malas dele. Nenhum dos Lightwood mais velhos se deu ao trabalho de aparecer para incomodá-los e isso ajudou os dois a não pensar em Alexander ou nos pais.

Por um momento, os dois estavam em paz. Aquilo era o que um lar deveria ser. Em breve, era assim que seriam todos os dias.

(...)

O jantar poderia ser descrito como um jogo, quem conseguia encarar o outro por mais tempo. Era infantil e desnecessário, porém Isabelle e Maryse não conseguiam desviar o olhar uma da outra, uma competição acirrada para ver quem fuzilava a outra por mais tempo, Robert decidira que nenhuma das duas estava ao seu nível e simplesmente ignorou ambas com o cenho franzido. Ocasionalmente ele lançava olhadelas nervosas para Maxwell e aquilo quase tirava Isabelle de seu jogo com Maryse.

A comida era insossa e nem metade da prataria estava posta a mesa, era o jeito de Maryse servir um jantar a quem não era bem vindo, indigno ao casarão Lightwood. Jordan, obviamente, não estava à mesa e esse fato incomodou Isabelle. Tinha se acostumado com a presença dele e de Maia junto a ela e Simon, quase como uma grande família e ela sentia falta dele ali. De todos eles, na verdade.

Suspirou, cutucando sem vontade a comida no prato. Notou uma pequena rachadura no mesmo, lembrando-se dos dias que ficou presa em seu quarto, aquele era do conjunto mais caro que a família possuía, usado no baile maldito, Maryse a culpava pela porcelana e durante a semana que Isabelle ficou presa em seu quarto, a mãe mandava exatamente aquele prato para o quarto, só que vazio.

Um som chamou a atenção da jovem. Robert pigarreou e olhou diretamente para a filha.

— Isabelle, gostaria de compartilhar conosco detalhes de seu noivado? — soava mais uma ordem do que uma pergunta na voz de Robert.

A jovem não tinha nada a dizer ao patriarca, não pretendia envolver ele em sua nova vida. Ela tinha dito antes de partir que não os queria em sua vida e ela pretendia manter sua palavra. Ela estava lá por Maxwell, não para satisfazer os pais com detalhes de seu noivado.

— Está tudo correndo bem, o lorde pede que eu não fale muito sobre, não quer que sua jovem noiva saia fofocando sobre sua vida pessoal. Ele não acha que conversa fiada caiba a damas respeitáveis — aquelas palavras tinham gosto de vinagre na boca da jovem, mas ela sabia muito bem que Robert só respeitava a opinião dele próprio e de outros homens “respeitáveis”.

Isabelle odiou o sorriso que surgiu nos lábios dos pais, o brilho no olhar de Maryse já dizia qual seria o próximo assunto.

— Isabelle, não tem mais nada que queira compartilhar conosco? — a mãe parecia uma leoa encurralando sua presa, mas Isabelle não era mais presa de ninguém.

— Nada que seja relevante a conversa. — a jovem encarou Maryse com uma expressão neutra, como se nada que a mulher fizesse pudesse sequer atingi-la.

Ela quase riu da careta que Maryse e Robert fizeram. Imaginou se um dia existiria um método que tornasse possível congelar aquela imagem e guardá-la consigo. Ela pensou que Simon gostaria de ver os dois tão desconcertados e logo depois mordeu a bochecha por estar pensando em Simon quando não deveria.

— Marido, veja como nossa menininha está crescida! Creio que ela já possa voltar para os braços de seu noivo desacompanhada. Sozinha.

O contentamento de Isabelle foi embora e ela sentiu um amargo na boca. Era o sabor do pedido de desculpas, do orgulho ferido e do fim de sua dignidade. Maxwell valia a pena, é claro, mas ela não conseguia mais passar cinco minutos sequer na companhia dos pais.

Ela jogou o guardanapo sobre a mesa e se levantou, lançando o melhor olhar de desprezo que era capaz para os pais.

— De repente bateu-me um mal estar súbito, vou me deitar. Continuaremos nossa conversa pela manhã.

Cair no sono foi quase impossível para a jovem, o nó na garganta crescia por não ter falado tudo o que queria dizer há anos. Pequenos sons a despertavam facilmente, trazendo memórias que causavam arrepios e faziam certas cicatrizes voltarem a latejar. Fechou os olhos com força.

Os sinos de vento do estábulo a lembravam da primeira vez que fugira com Hunter, querendo encontrar Alexander e segui-lo, quando Robert lhe impedira arremessando uma espora nas costas da filha. O balanço na árvore que construíra com o irmão mais velho. Os estalos dos tapas que Maryse dera queimando sua face.

Os estalos ficavam cada vez mais altos e a jovem cobriu as orelhas.

Gemidos de dor e sons de choro foram incorporados a sinfonia macabra. As unhas de Isabelle marcavam suas orelhas e ela as puxava com força, como se quisesse arrancá-las.

Um grito de partir o coração despertou Isabelle, que se levantou subitamente, o coração tentava abrir um buraco em seu peito, como fizera diversas vezes por causa dos pesadelos. Então, como tantas vezes, Isabelle tentou acalmar seu coração e respirar com calma, porém descobriu que todo o esforço fora em vão quando ouviu um segundo grito.

Estava acordada, o que significava que os gritos só poderiam ser da outra vítima que residia o casarão Lightwood.

Maxwell.

A jovem correu até a porta e grunhiu em frustração quando não conseguiu abri-la.

— Não, não, não, não, não… Por favor, não! — Isabelle murmurava em desespero. Sons de choro vinham do corredor.

Na lareira ainda se encontram os acessórios para manejar o fogo, a jovem agarrou a primeira que alcançou, uma que possuía uma ponta parecida com a de um pé-de-cabra e que se encaixou bem no pequeno vão entre a porta e a parede. O desespero de Isabelle crescia descontroladamente e a moça sentiu uma dor intensa no peito quando ouviu a voz do irmão mais novo. A jovem usou o próprio peso contra a ferramenta e conseguiu arrombar a porta no exato momento que Maxwell começou a falar.

— Mamãe, papai, por quê? O que eu fiz que os ofendessem tanto? Esqueci o garfo certo outra vez?  — o menino já tinha passado por aquilo mais de uma vez, Isabelle percebeu.

A corrida até o quarto do irmão foi curta e Isabelle agradeceu ao destino por seus pais terem se esquecido de trancar a porta ao entrar, girando a maçaneta, a jovem escancarou a porta com força, o suor e as lágrimas de ódio escorriam por seu rosto, a camisola estava coberta de fuligem da lareira e a respiração pesada.

O som da porta paralisou o casal Lightwood, que se virou para a porta, surpresos com a atitude da filha pela segunda vez naquela noite.

Parem com isso! — Isabelle gritou — Ele é só uma criança, seus maníacos. Quem pensam que é para fazer isso? Soltem-no agora!

Robert voltou-se para ela, a face retorcida de ódio. O chicote parecia três vezes mais pesado e intimidador do que ela se lembrava, assim como Robert. A jovem tentou encará-lo de volta, mas a experiência lhe dizia que se ficasse quieta ele terminaria logo com ela.

— Como você ousa falar comigo desse jeito em minha própria casa? A casa que te criou e que você não pensou duas vezes antes de sujar como a cadela que sempre foi. Você não tem direito nenhum nem sobre esse moleque nem sobre nada aqui. Você não passa de mais de uma propriedade minha que não fiz questão de manter.

Quando o pequeno discurso chegou ao fim, Isabelle tinha abaixado a cabeça e deixado o peso das palavras do pai a afundando até que sentiu o chão sob os joelhos delicados, ele ainda não tinha encostado um dedo nela e já tinha lhe causado uma dor absurda. Os olhos doíam tamanha a força que a menina fazia para mantê-los fechados, tentando ignorar a voz grave do pai, uma dor de cabeça intensa começa a surgir na base da nuca e os nós dos dedos da mão estavam brancos ao redor da ferramenta que ainda segurava.

Isabelle nunca saberia que, naquele momento, Maryse também se encolheu, caminhando para longe do marido lentamente, murmurando algo que só ela compreendia.

Maxwell, sentado no chão atrás do pai esticou a mão num impulso de acalentar a irmã, mas quando viu o pai ajeitando o chicote na mão, voltou a se encolher. Queria que um cavalheiro de armadura prateada surgisse de um de seus livros e salvasse sua irmã, mas sabia que isso era impossível.

— Olhe para mim, ingrata. — a voz do patriarca reverberou pelo quarto. — Olhe! Onde está seu ódio, agora? Diga-me, pequena, onde está toda aquela petulância agora que estamos em família?

Um tremor percorreu o corpo de Isabelle quando ouviu seu apelido de infância sendo dito com tanta fúria. O Robert que a chamava de pequena e que lia histórias para ela dormir se foi quando a primeira notificação do fiador chegou e a família faliu.

Quando a jovem não levantou o rosto rápido o suficiente, o pai deu um passo a frente e num movimento repentino deu uma joelhada no queixo da donzela, que caiu para trás, uma expressão de pavor no rosto e sangue escorrendo pelos lábios machucados.

Um sorriso cruel surgiu nos lábios de Robert.

Ela sabia o que aquele sorriso significava então começou a se mover, arrastando-se para o corredor, sem tirar os olhos do sorriso sádico por um momento sequer.

Poucos passos antes de alcançar a parede oposta do corredor, ela reuniu coragem o suficiente para uma última tentativa.

— JORDAN! AJUDE! JORDAN! — ela gritou, o mais alto que pôde, implorando a única ajuda que poderia ter ali, tão longe de casa.

Robert ficou furioso com o ato da filha, pisando em uma das mãos da jovem com força e levantando o chicote.

— Vamos ver se Lorde Montgomery ainda vai querer se casar quando você voltar com uma cicatriz dividindo esse seu rostinho bonito. — passos vinham das escadas, mas Isabelle não sabia se podia confiar em seus sentidos naquele momento, então encarou Robert, esperando a dor lancinante que já conhecia bem.

No instante em que Robert começou a manejar o chicote algo o empurrou, mais precisamente um menino de nove anos, que correu e usou tudo o que tinha contra o homem distraído. E passando por entre as pernas dele agarrou-se a irmã em desespero.  

Ambos foram surpreendidos pela voz que veio das escadas.

— ISABELLE, VENHA — disse Jordan, já entrando no espaço entre Robert e os filhos. — Leve o menino para a carruagem, vou ganhar tempo para vocês.

A jovem não conseguia encontrar sua voz para agradecer, teria tempo para isso depois, preocupou-se em correr para as escada com Maxwell. Chegando as escadas, deixou o menino descer na frente e, por um instante, ousou olhar para onde Jordan trocava socos com Robert e notou o chicote jogado no chão. Jurando para si mesma que aquele chicote nunca mais machucaria ninguém, agarrou a ponta que tanto marcara sua pele no passado e o puxou para si, o enrolando em seu braço e correndo escada abaixo.

Maxwell a esperava na soleira da porta, ansioso.  A jovem avançou até o irmão, mas não conseguiu alcançá-lo, porque uma mão fria segurou seu pulso.

— É tudo culpa sua. Monopolizando seu irmão, fazendo ele se tornar... a aberração que ele se tornou. Vai fazer o mesmo com o meu menino. Você não passa de uma menina fácil, de um erro que eu cometi. Você só trouxe desgraça para minha família e eu estava feliz porque finalmente tinha me livrado de você! Você tinha que voltar e terminar de destruir o lar que eu demorei anos para construir? Destruir minha família?

Ela esticou a mão para bater na filha, o tapa tradicional que Isabelle já tinha se acostumado depois de tantos anos. Dessa vez foi diferente, Isabelle estava tão farta que, de algum jeito, conseguiu segurar o braço da mãe no meio do caminho. Maryse parecia chocada e frágil, como se tivesse sido desarmada, o que de fato tinha.

— Você vai me escutar agora. Eu não destruí nada, você não consegue perceber que foi você e aquele monstro que destruíram essa família? Sempre torturaram Alec, a mim, agora Max, que não passa de uma criança, Vocês conseguiram envenenar meu irmão a tal ponto que ele não aguentou mais e teve que ir embora. O mesmo comigo. Eu não tenho culpa alguma se vocês são duas pessoas repugnantes e infelizes, isso é um mérito todo de vocês. Eu realmente espero que vocês dois apodreçam nesse mausoléu sozinhos. Até nunca mais.  

Nesse momento, Jordan apareceu na ponta da escada, descendo correndo. Ele sangrava levemente no lábio inferior e seu olho direito estava um pouco inchado, mas fora isso ele não parecia tão mal.

— Vamos embora daqui agora — ele puxou Isabelle, que em consequência empurrou Maryse. Apanharam Maxwell e correram até a carruagem, subindo rapidamente e se segurando enquanto Jordan atiçava os cavalos até o limite, fazendo algumas curvas fechadas por dentro do pequeno espaço da propriedade que estava entre eles e o portão.

Isabelle segurava o irmão mais novo e o chicote intensamente, o tempo todo olhando pelas janelas. Sabia que Robert era ótimo cavalgando e sabia que ele alcançaria a carruagem a tempo. Sabia que ele os encontraria. Esse pensamento estava gravado na mente de Isabelle, Robert estava vindo, estava perto e tentaria mais uma vez destruir o que ela mais amava.

A respiração da jovem estava irregular e rápida, ela não conseguia sentir o ar alcançando seus pulmões, tremia de frio e suava de calor ao mesmo tempo. Demorou a perceber que estava balançando para trás e para frente e que Maxwell estava com um olhar de preocupação profunda.

Era a primeira vez que ele via o que seu pai fazia com Isabelle e ele nunca imaginara que Robert pudesse se tornar um monstro tão vil. Nunca mais queria voltar e, principalmente, nunca mais queria que Isabelle tivesse que voltar.

— Vai ficar tudo bem, minha irmã — ele segurava as mãos dela com carinho. — Nunca mais vamos voltar. Estamos juntos. Você conseguiu.

Um sorriso minúsculo surgiu nos cantos dos lábios da jovem ao ver que ele continuava a ser a pessoa mais doce que ela conhecia, seus pais não conseguiram mudar ele e nunca conseguiriam.

Ela o abraçou e o deixou se acomodar melhor no banco, eles já estavam a caminho da mansão, ela vigiaria ele até chegarem. Ninguém tocaria nele. Era um juramento.

Em nenhum momento cogitou dormir ou sequer parar de olhar pelas janelas, a segurança de Maxwell dependia dela e, pela primeira vez, era ela quem segurava o chicote.  

Maxwell finalmente dormia tranquilamente com a cabeça encostada na lateral da carruagem. Ele era muito puro e inocente para ter convivido tanto tempo com aqueles monstros, mas tudo estava bem agora. Finalmente Isabelle tinha recuperado seu bem mais precioso e se distanciar de vez dos pais e do nome Lightwood.

Nunca pensou que teria vergonha do próprio nome. Ele sempre foi motivo de orgulho, tanto dentro de casa como fora. As pessoas eram ensinadas a respeitarem os Lightwood. No entanto, aquela não era mais sua casa e nem de seus irmãos, sua verdadeira família.

A carruagem parou e Isabelle não esperou Jordan abrir a porta para ela. Ela mesma fez questão de abrir e correr para dentro de casa. O cheiro familiar invadiu suas narinas e ela sentiu o corpo começar a tremer de alívio por estar em um lugar seguro.

Acabou, finalmente acabou.

Ela foi direto para a sala de música. Pelo horário, Simon estaria indo embora em poucos minutos, assim que o Sol terminasse de aparecer por completo.

Ela abriu a porta em supetão, fazendo-o quase derrubar o violoncelo no chão. Era tão similar a vez que ela descobriu quem ele era que ela quase riu. Ele olhava para ela espantado e preocupado. Ela sabia que deveria estar horrenda e toda machucada, mas ela não se importava. Estava feliz apenas de ver que alguém se importava com ela, que se preocupava.

Acabou.

— Isabelle, o que está fazendo aqui? Pensei que ficaria a semana inteira na casa de seus pais. O que aconteceu com você?

— Acabou — ela disse apenas. Ela sorria e, ao mesmo tempo, sua voz estava embargada. Era muito mais de alívio do que qualquer outro sentimento, mas no momento era o suficiente para Isabelle.

— Do que está falando? O que acabou? Onde está seu irmão? Isabelle, está me assustando.

Ela não respondeu, apenas correu e se jogou nos braços de Simon, abraçando-o apertadamente. Ele demorou menos de um segundo para recuperar-se do choque a abraçar a menina de volta, tentando demonstrar o máximo de afeição possível.

E funcionou. Pela primeira vez em muito tempo, Isabelle finalmente sentiu que estava em casa.


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Notas finais do capítulo

Não nos responsabilizamos por qualquer danos psicológicos causados. Também estamos no mesmo barco. O que acharam? Comentem, recomendem, favoritem, compartilhem!

Até o próximo!



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