Remember Me escrita por Miaka


Capítulo 27
Nostalgia


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal! Peço desculpas pela demora em postar. Escape está em um momento delicado e conciliar as duas fics às vezes é complicado para mim! E... o tempo do Sin está acabando!



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Suaves, os lábios de Ja’far tocaram os de seu rei, que não moveu um músculo sequer.

Os finos dedos do alvo mergulharam nos fios púrpuras pela curva da nuca enquanto ele tentava capturar o sabor daquela boca. Tão doce. Um sabor bastante diferente dos lábios de Kouen, que eram mais quentes e abusados. Mas Sinbad nem ao menos lhe permitiu adentrá-los e, ao perceber a frieza com que seu carinho era recebido, Ja’far se afastou. Bastante decepcionado ele deixou as mãos deslizarem pelo trapézio bem feito do moreno.

Os olhos dourados não vacilaram nem por um instante. O rei permanecia a encarar as brilhantes esmeraldas, tão desafiadoras daquele que agora parecia furioso. O belo corpo a sua frente era completamente ignorado enquanto Sinbad cerrava seus punhos com firmeza.

Mas ele não podia ceder. Ele não ousaria falhar consigo mesmo mais uma vez. Ele não decepcionaria Ja’far. Não mais.

— Não me deseja?

Um leve rubor tingiu o rosto pálido quando Ja’far desviou o olhar.

Sinbad, por sua vez, respirou profundamente, cruzando seus braços.

— Eu não quero cometer um erro novamente, Ja’far. Não vou ceder aos meus desejos e forçá-lo a algo que, verdadeiramente, não quer.

— Eu estou aqui, entregue a você! Como acha que não quero?!

— Você quer ou está apenas testando seu corpo? Se ele me deseja?

Agora era o rei que desafiava Ja’far que, já constrangido demais, agachou-se para recolher aquele lençol. Reergueu-se para dar meia-volta, cobrindo seu corpo. “En jamais me rejeitaria…” - pensava.

— Só quero que tenha certeza do que está fazendo e… Ja’far!

Sinbad correu ao ver que seu ex-conselheiro se dirigia até a saída de seus aposentos. O rei agarrou seu pulso e Ja’far fez força para tentar se desvencilhar, mas a diferença entre forças, bastante óbvia, não o permitiu sair dali.

— Me solta!!! - exclamou o alvo.

— Me entenda! Eu não quero ser aquela pessoa horrível que te obrigou a ir pra essa cama! - exclamou Sinbad. - Todo dia eu penso em como fui capaz de fazer aquilo! Em como você deve ter se sentido!

— Pois você está provando quem é agora! Só gosta mesmo de quem você pode pegar a contra-gosto, não é?! - Ja’far sorria de maneira provocativa. - Se eu digo que te quero, é fácil demais e não me deseja desse jeito! Não o satisfaz, não é?!

— Cala a boca!

Segurando com força o braço de Ja’far, Sinbad o puxou e seu conselheiro não teve outra escolha a não ser se aparar naquele peitoral definido. Sem mais delongas o rei agarrou o queixo do alvo e abocanhou seus lábios. Era isso que seu conselheiro queria?

Completamente desarmado e desejando tanto aquilo, Ja’far se entregou, atracando-se com o moreno. Num pequeno salto, suas pernas enlaçaram os quadris de seu soberano, que agora o carregava. Os corpos nus em atrito enquanto, naquele abraço, apalpavam um ao outro.

Sinbad foi caminhando, sem soltá-lo, para trás para que chegassem até a cama. Lábios e corpos completamente colados não se permitiam se separar.

Quando o rei sentiu as costas das panturrilhas se chocando com a beira da cama, o beijo cessou e eles se encararam. O moreno se sentou ali com Ja’far em seu colo. O coração do alvo disparava ao se ver ali, em seus braços tão quentes. E como se sentia protegido, aninhado nas asas de Sinbad.

Tinha vontade de pertencer apenas a ele. E, inclinando-se para um novo beijo, ele ouviu uma voz ecoar: “Sua missão é matar o Sinbad.”.

Ja’far olhou ao redor e Sinbad, seus aposentos, tudo havia desaparecido.

Ao seu redor o ambiente era escuro e um bando o cercava. Todos cobriam metade do rosto com ataduras e tinham, amarradas aos braços, as mesmas lâminas que Kouen o disse que estava acostumado a usar como armas.

Só então ele decidiu olhar para si mesmo e se viu coberto por farrapos. Os pés eram magros e as pernas bem curtas - estava tão próximo ao chão - como se fosse…

Ele tocou o próprio rosto e percebeu que ele estava tão coberto quanto aos dos demais.

Puxou as ataduras e tateou a pele tão fina e de feições suaves. A lâmina em seu braço refletiu o rosto infantil apavorado ao se ver como uma criança. O que estava acontecendo? - ele se perguntava.

Mate o Sinbad, Ja’far!

Aquela voz repetiu, dessa vez mais alta e imperativa. E Ja’far a reconhecia bem agora.

Tremendo ele ergueu o rosto para ver todo o bando se afastar e abrir passagem para o primeiro príncipe do Império Kou. Ren Kouen, imponente como sempre, fez com que todos se curvassem com sua presença, até o momento em que chegou ao seu destino: Ja’far,

— E-En… - ele gaguejou.

— Você me ama, não é, Ja’far? Não é leal a mim? Quem te salvou?

— Você! - respondeu rapidamente. - O que está fazendo aqui!? E… essas pessoas?

— Esqueceu quem você é? Um assassino da Sham Lash!

— Sh-Sham Lash?! - dando um passo para trás, ele sentiu as mãos firmes de Kouen agarrarem seus ombros.

Ja’far tremeu, vendo-se impossibilitado de sair dali. Olhou ao redor, vendo-se cercado por aqueles… assassinos, tão sujos quanto ele mesmo.

— Vai matar o Sinbad, não vai? Para ficar para sempre do meu lado, não é?

Os olhos avermelhados do príncipe pediam, ou melhor, exigiam uma resposta imediata. Mas de longe aquele questionamento tinha um ar de pergunta. Soava mais como uma imposição.

Ja’far não sabia o que responder, vendo-se cercado por aqueles homens que se aproximavam mais e mais, os fechando naquele meio enquanto que Kouen o mantinha preso, ali, e com uma expressão tão assustadora.

— Mate o Sinbad, Ja’far! Mate ele por mim!

Ele balançou a cabeça negativamente, sacudindo os fios alvos enquanto apertava os olhos.

— Não me ama?!

— Claro que amo!

— Então mate o Sinbad!

— Não…!!

— Por mim, Ja’far, mate o Sinbad! - Kouen o sacudia firmemente.

— Por favor, En...

— MATE O SINBAD!

— NÃO!!!

O exclamar de Ja’far assustou Sinbad. Ainda mais quando seu ex-conselheiro o empurrou com toda sua força, chegando a arranhar, com as unhas afiadas, seu peito.

Afastando-se, o rei que estava bastante apreensivo nada entendeu quando viu Ja’far levar as mãos ao topo da cabeça e puxar os próprios cabelos. Sua expressão demonstrava tanta dor.

— Oe, Ja’far! - bastante preocupado, Sinbad voltou a se aproximar, ajoelhado naquela cama. - Acalme-se! Está tudo...

A mão que tentou alcançar Ja’far foi repelida com um tapa. Breve o suficiente para que ele voltasse a segurar a própria cabeça. Uma dor lancinante o consumia. Ele sentia que ia enlouquecer.

— O que está acontecendo, Ja’far?! Vou chamar um…

— Não! - ele exclamou ainda apertando os olhos fechados. - Não precisa! Eu… - ofegante, Ja’far tentava se recompor. - Eu estou bem… Eu…

Os olhos verdes se abriram lentamente para encarar Sinbad. Ele estava tão consternado, para não dizer bastante apavorado ao ver como Ja’far estava sofrendo. Como se estivesse segurando a si mesmo para não sair dali às pressas atrás de um médico. Angustiado ao se ver de mãos atadas. Não era a primeira vez que via aquilo acontecer.

As mãos que ainda se encontravam no topo de sua cabeça deslizaram pelos ombros e Ja’far abraçou a si mesmo. E ao encarar Sinbad, ele se sentia envergonhado e… tão transtornado. O rei de Sindria conseguia entender tudo aquilo muito bem, apesar de não saber como agir.

Ficaram a se encarar por um tempo. A expressão completamente apavorada de Ja’far confrontando a preocupada de Sinbad que, inquieto, voltou a se aproximar. Mas assim que o fez, o alvo fez menção de se afastar. Porém Ja’far não foi tão rápido quanto o rei, que o segurou pelo pulso e o puxou, abraçando-o firmemente.

— Fique calmo! - o moreno sussurrou afagando os fios brancos que estavam completamente bagunçados.

Ja’far sempre fora bem menor que ele, mas agora, soluçando em seus braços, ele parecia tão pequeno. Tão frágil.

Mas como ele adorava se sentir seguro naqueles braços, por mais que sentisse tremer seu corpo, as mãos que ele apoiava naquele peito em uma tentativa falha de se afastar - devido não apenas a sua falta de força, mas também a sua falta de vontade. Encarando seus dedos, Ja’far os via completamente manchados de sangue.

— Não precisa me explicar nada. Eu sei o que tem acontecido e sei como está se esforçando para melhorar. - Sinbad permaneceu a sussurrar, tentando lhe transmitir calma.

— Eu sou… um assassino. - murmurou o alvo. - Quando eu estava com o En… eu via você em meus sonhos… Você me perseguia. E agora… quando estou com você… Eu o vejo em todos os lugares. - a voz falhava enquanto as lágrimas caíam.

Sinbad suspirou, afagando os cabelos daquele que tanto amava. Como doía vê-lo sofrer. Como queria voltar no tempo e jamais permitir que Ja’far fosse a Kou sozinho. Mas se a amnésia fosse seu único problema…

— Ja’far… - o moreno apoiou o queixo de Ja’far entre seus dedos e ergueu seu rosto para encará-lo. - você confia em mim?

Talvez o rei de Sindria não soubesse o quanto aquela pergunta colocava Ja’far entre a cruz e a espada.

— Eu… Eu sei que não mentiram! Que não é uma má pessoa, apesar de tudo o que o En me disse… - ele desviou o olhar. Sentia-se desconfortável em mencionar o príncipe de Kou, daquele jeito. - mas não posso esquecer tudo o que o En fez por mim! Ele me salvou!

Chegando a entreabrir os lábios para desmentir aquele fato, Sinbad freou a si mesmo. O que menos queria era uma nova discussão com Ja’far, ainda mais vendo o quão frágil ele estava. Mas, a cada momento, sentia mais ódio do príncipe. Como fora capaz de enganar Ja’far de uma maneira tão suja? E o pior: jamais conseguiria entender o porquê de terem o resgatado depois de tramarem sua morte. Aquilo não tinha sentido. Será que Kouen realmente só queria fazer com que sofresse, tirando aquele que lhe era mais precioso?

— O En é uma boa pessoa, Sin! E eu quero que você entenda isso, assim como eu quero que o En entenda que vocês também são ótimas pessoas!

— Ja’far… Eu preciso fazer uma pergunta sincera para você! - era hora de ser direto. - Quem você ama? O Kouen ou eu?

Ja’far arregalou os olhos, sem saber o que responder. Um silêncio palpável tomou conta dos aposentos reais até que ele se levantou da cama, sendo seguido pelos olhos atentos de Sinbad.

— Vamos ao lugar que me disse que ia me levar. - foi tudo o que ele disse.

O rei apenas suspirou, um tanto quanto desolado. Ao menos ele não estava querendo ir embora, ele pensava.

— Eu não fiz nada por você! - Sinbad insistiu, levantando-se. - Diferente do Kouen, que você disse que o salvou! No entanto você me ama! Isso não quer dizer que seu coração está querendo lhe mostrar a verdade?!

Ja’far permanecia em silêncio. Ele sabia que Sinbad estava certo e, de fato, aquilo o incomodava muito. Se não fosse seu coração reclamar e pedir pelo rei de Sindria, provavelmente jamais teria dado ouvidos a Sinbad.

O conselheiro se vestia, diante daquele espelho vertical, alinhando suas vestes. E por mais que pudesse ver o reflexo do moreno que aguardava uma resposta, ele se manteve em silêncio.

—--------xxxxx---------

O café da manhã já era servido no salão principal. Ainda havia alguns membros das cortes dos reis que haviam partido há pouco após a reunião de dias atrás. O lugar estava cheio, mas nenhuma mesa parecia tão animada, àquela hora da manhã, quanto a principal, onde os generais se sentavam.

— Ei, ei! Vocês viram?! - Pisti se inclinava para frente. - O Ja’far-san dormiu nos aposentos do nosso rei! - ela continha um risinho.

— Pisti, não seja fofoqueira! - Yamuraiha, que já sabia muito bem o que havia acontecido, corou.

— Como se isso não te animasse também, bruxa amargurada! - Sharrkan, sentado à frente da maga, a provocou.

— Será que eles fizeram as pazes? - a loirinha parecia esperançosa.

— Acho que mais importante do que isso é o Ja’far se lembrar de tudo. - Drakon decidiu falar. - A partir do momento em que ele se lembrar de quem é, vai acabar essa discussão com Sinbad.

— O que você acha, Hinahoho-san?

Pisti indagou o robusto homem que se mantinha em silêncio, comendo com a cabeça baixa. Ele parecia não querer que notassem sua presença ali e, de fato, se a princesa de Artemyra não o mencionasse, ninguém teria o percebido ali.

Yamuraiha cutucou a loira bem de leve e ela se resignou a voltar para seu lugar.

Foi quando Sinbad e seu conselheiro atravessaram aquele portal de entrada. O fato de estarem juntos chamou a atenção não só dos generais, como dos outros criados que sabiam muito bem o que estava acontecendo. Todos ficaram bastante surpresos ao verem Ja’far aparecer com um doce sorriso em seus lábios e, mais ainda, ao vê-lo ao lado de seu rei, que parecia ter se recuperado completamente. O conselheiro daquele país ouvia o que Sinbad dizia e acabava, hora ou outra, deixando um risinho escapar.

— Majestade! Bom dia! - uma das criadas, a mais próxima a eles, se curvou. - Que surpresa! Já pode estar fora da cama?!

— Bom dia! Não se preocupe. - Sinbad a cumprimentou antes de bater palmas para chamar atenção. - Bom dia a todos! - ele elevou o tom de voz. - Quero pedir desculpas por tê-los preocupado e avisar que já estou bem!

A boa notícia alegrou todo o salão, que se animou ao ouvir as palavras do rei que aproveitou para segurar a mão daquele que estava ao seu lado. Ja’far corou.

— E que Ja’far vai continuar conosco! Eu quero pedir a colaboração de todos para ajudarmos ele a se lembrar de tudo. Não quero que o lembrem apenas do trabalho que cada um faz, mas… - o moreno entreolhou seu conselheiro. - ajudem o Ja’far a se lembrar de como ele é amado por cada um de nós!

Uma salva de palmas sucedeu o pronunciamento do rei que permaneceu sorridente. Ja’far, por sua vez, sentiu as bochechas arderem enquanto seus dedos eram entrelaçados e ele foi conduzido por Sinbad até a mesa onde estavam os generais.

— Ja’far-san, sente-se ao meu lado! - Pisti acenou.

— Não. Ja’far-san vai sentar aqui do meu lado. - Masrur, inexpressivo como de costume, contestou. Parecia apenas querer provocar a menina.

— O quê?! - a moça de baixa estatura cruzou os braços.

— Não sejam bobos! Ele tem que se sentar no lugar de sempre, ao lado da majestade! - Yamuraiha declarou enquanto Sharrkan puxava a cadeira para o conselheiro. - Como se sente, majestade?

— Estou ótimo, Yamuraiha. - Sinbad tocou seu ombro. - Me desculpe por preocupá-la.

A mesa parecia uma verdadeira festa. Eles falavam alto, riam enquanto disputavam a proximidade com um confuso Ja’far, que ainda não havia conseguido se sentar. Pisti e Sharrkan puxavam a cadeira para um lado e para o outro. Drakon perguntava sobre a saúde de seu rei e, ao lado da Sahel, estava feliz ao vê-lo bem.

O único que não disse uma palavra sequer foi Hinahoho, que logo se levantou, chamando a atenção de todos.

— Hina! - Sinbad chamou. - Fique conosco.

— Já terminei de tomar o café, Sinbad. Vou dar início as minhas tarefas. - foi tudo o que ele respondeu, sem encará-lo.

— Não terei tempo de fazer a reunião desta manhã. Vamos discutir os assuntos pertinentes aqui mesmo. - o rei, já sentado, encarou Ja’far. - Eu vou sair com o Ja’far assim que terminarmos!

— Me desculpe, mas prefiro não participar.

Hinahoho insistiu e Sinbad franziu o cenho. O punho sobre a mesa se fechou ao encarar o homem bem mais alto que deu o primeiro passo para deixá-los.

— É uma ordem, Hinahoho. - o rei falou baixo, mas o suficiente para impor sua autoridade. - Por eu ter estado doente, ficamos três dias sem a reunião. - ele tentava expor o motivo óbvio da necessidade daquele compromisso. - Temos muito o que acertar, não?

— Eu sinto muito, mas me nego estar em uma reunião em que vamos partilhar dos problemas do nosso país com alguém que eu não confio.

— Hinahoho-san… - Yamuraiha chamou, um tanto quanto entristecida.

— Eu devo desculpas ao Ja’far pela forma que o tratei. - foi quando Hinahoho decidiu encarar o alvo, que permaneceu em silêncio. - Mas quando o assunto é Sindria, acho que devemos nos resguardar.

— A reunião vai acontecer e exijo sua presença! - Sinbad se levantou.

— Sinbad! - Drakon o encarou. - Por favor, ainda está convalescendo. Vamos deixar a reunião para amanhã e evitar problemas, certo? Não deve se alterar.

— Mas…

— Eu acho que o Drakon-san tem razão. - Masrur se fez ouvir. - Precisa descansar, majestade. Nada de trabalhar hoje.

— É verdade! - foi a vez de Ja’far ao notar o que sucedia e a tentativa de todos em evitar aquele conflito crescente. - Não… Não deve trabalhar hoje.

— Ja’far…

Sinbad entreolhou Hinahoho, que parecia irredutível, e apenas suspirou, assentindo. Seus amigos tinham razão e brigar com seu amigo, naquele momento, só causaria um novo problema. Havia outras prioridades.

Hinahoho deixou o salão assim que Sinbad suspirou pesado, vencido pelos conselhos de seus amigos. O café-da-manhã, então, seguiu como o esperado, aliás, melhor do que Sinbad esperava.

Ele se surpreendeu ao ver Ja’far gargalhar enquanto assistia Yamuraiha e Sharrkan discutindo. A briga dos dois terminou em risos ao ver seu amigo sorrir de uma forma tão aberta, divertindo-se com eles. Era como se o antigo Ja’far estivesse de volta ali.

Não demorou mais que uma hora para que deixassem o palácio. E apesar de lhe oferecerem uma carruagem, Sinbad decidiu sair a pé com seu conselheiro - e exigiu que nenhum guarda os acompanhasse.

O rei observava como os olhos verdes de seu conselheiro reluziam. Ele parecia encantado. Era como se fosse a primeira vez de Ja’far caminhando por ali.

Após ser trazido de volta, a única vez em que havia saído do palácio havia sido naquela noite, correndo, quando passou por aquelas ruas, agora tão movimentadas, onde as pessoas faziam questão de parar o que estavam fazendo para cumprimentá-los.

E mesmo um tanto quanto receoso ele acenava de volta, em especial para as crianças que, subitamente, surgiram correndo ao redor de suas pernas.

— Ja’far-san!

— Ja’far-san! Não foi você que deu meu nome quando eu era pequeno!? - a menininha ficava na ponta dos pés, agarrando-se às vestes do alvo.

— Anh!? - piscando para Sinbad, Ja’far pedia uma resposta.

— É claro que sim! - Sinbad se aproximou e afagou os cabelos castanhos da menina.

— Viu?! - a pequena mostrou a língua para o amigo.

— Mas eu não disse que não! Só disse que o Ja’far-san deu nome para todos que nasceram em Sindria! - o outro menino cruzava os braços.

— Exatamente! Fiquem bem orgulhosos porque o Ja’far se esforça muito para dar nomes bonitos a vocês! - ele sorriu. - Agora temos que ir, tudo bem?

Sinbad deu o braço a Ja’far, que permaneceu a olhar para as crianças que lhe acenavam. Lembrou-se de quando aquele casal havia ido ao palácio e pedido para que nomeassem seu filho.

— Deve ser muito trabalhoso ficar dando nomes a todas as crianças desse país. - ele comentou enquanto observava o comércio.

— Nosso povo sempre pediu e se tornou uma tradição. Você nunca achou ruim.

— Então as pessoas aqui quase não tem filhos, senão provavelmente eu passaria o dia inteiro fazendo isso.

— Há! Você é que pensa! É que estabelecemos um dia na semana para irem ao palácio, senão, realmente só fazemos isso! - o moreno riu.

Seguiram caminhando pelas ruas e, durante o trajeto, foram parados diversas vezes. Pessoas que faziam questão de cumprimentar o rei e seu conselheiro e pessoas que vinham, emocionadas, agradecer por algo que havia sido feito. Uma ajuda na melhoria de um estabelecimento, na reforma de uma casa, no fornecimento de comida aos necessitados…

Ja’far observava tudo aquilo com bastante ternura. Era nítido como aquele homem era amado por seu povo. Ele também não parecia se chatear ao ser abordado todo o tempo, sendo sempre muito gentil com cada um. E era impossível não comparar e notar o quão diferente era a situação de Sindria com a do Império Kou. Quando estava lá era comum ver os empregados sendo destratados por Kouen. Andar assim pelo meio do povo era algo que, provavelmente, o príncipe jamais havia feito. E se o fizesse, certamente, os transeuntes seriam obrigados a ficarem de joelhos, temerosos, sob a expressão carrancuda do primeiro príncipe.

Caminharam até se afastarem do centro e começaram a subir uma ladeira íngreme.

Durante o caminho, Sinbad se afastou por um instante e arrancou de um arbusto duas rosas brancas. Confuso, Ja’far apenas observou aquela atitude.

Não havia mais o falatório das pessoas e tudo o que podiam ouvir era o som das ondas que quebravam na costa da ilha e os cantarolar suave dos pássaros.

Chegaram até o topo daquela montanha de onde podiam ter uma visão total do país - até mesmo do imponente palácio que ficava na outra extremidade. Mas Ja’far não se atentou àquilo, e sim àquela placa acoplada ao chão, cercada por tantas flores. Algumas em arranjos, algumas soltas deixadas sobre aquele local que parecia ser tão bem guardado.

E apesar de Ja’far não ter ideia do que aquilo significava, ele sentiu seu peito se comprimir. Era como se uma tristeza muito grande o invadisse e, sem perceber, ele deixou cair uma, duas lágrimas.

Bastante confuso ele tocou o próprio rosto, não entendendo o porquê de estar chorando.

Sinbad havia tomado sua frente e, agachando-se, o rei levou aquela rosa até os lábios para depois depositá-la naquele lugar.

As heróicas almas dos fundadores de Sindria descansam aqui.[1]— Ja’far leu, cada vez mais confuso, sentindo mais e mais lágrimas escorrerem pelas laterais de seu rosto.

Ja’far… - Sinbad se virou de costas e estendeu a mão.

Seu conselheiro se aproximou e se agachou ao lado do rei de Sindria. Sinbad lhe entregou aquela outra rosa enquanto o encarava. Será que estava conseguindo? - ele se perguntava.

— Sei que não se lembra, mas sempre fazia questão de vir aqui e… deixar uma flor. - ele explicou. - Consegue se lembrar de algo?

— Não. - Ja’far balançou a cabeça negativamente. - Mas… - ele levou as duas mãos ao centro do peito. - sinto uma angústia muito grande!

— Entendo. - Sinbad assentiu, encarando o céu onde não havia uma nuvem sequer. - Nós perdemos muitos amigos naquele dia, Ja’far. - ele começou. - Muitas pessoas especiais deram a vida pela gente.

O rei voltou a cruzar olhares com Ja’far, que evitou encará-lo para voltar a observar aquele memorial. Jogando a cabeça para o lado, pensativo, ele decidiu questionar:

— A esposa do Hinahoho-san também, não?

A pergunta de Ja’far deixou Sinbad confuso, mas ele decidiu assentir.

— Sim. Infelizmente, naquele dia, Rurumu se foi. - o moreno apoiou a mão no ombro de Ja’far, bastante nostálgico. - Ela amava tanto você…

— Eu… Eu me lembro de quando ela morreu. Eu pensava que ela era, realmente, minha mãe. Mas… Mas algo me dizia que você que a matou, Sinbad. - Ja’far o encarou, parecendo furioso.

Vendo o olhar bastante repreensor de seu conselheiro, Sinbad suspirou e desviou o olhar.

— De fato, Ja’far, eu tenho muita culpa na morte da Rurumu.

— O quê?! - arregalando os olhos, Ja’far cerrou os punhos.

— Foi graças à minha ingenuidade, à minha má administração… à minha estupidez que a Rurumu, assim como vários amigos nossos, morreram.

— O que quer dizer com isso?! - obstinado, Ja’far o puxou pela barra das vestes. - O que você fez, Sinbad?! Então eu estava certo quando… quando me lembrei e pensei que você…

— Já chega, Ja’far!

A voz grossa chamou a atenção de ambos, mas Sinbad permaneceu sem encarar nem aquele que havia chegado, nem mesmo Ja’far. Sentia-se envergonhado. Ele, mais do que ninguém, compreendia o peso de sua culpa. E justamente por conhecê-la tão bem que Sinbad deixava bem claro que ela o pertencia.

Ja’far piscou e, seguindo aquela voz, encontrou Hinahoho. O robusto homem acabara de chegar ali, surpreendendo-o. Mas o ex-conselheiro de Sindria não soltou o rei.

— Solte o Sinbad. - pediu Hinahoho.

— Ele acaba de dizer que matou sua esposa! Tem certeza do que está me pedindo?!

— Sinbad assumiu uma culpa que não o pertence, Ja’far. Assim como não o pertence também.

— Tsc… - cedendo um pouco, a mão do alvo deslizou pelas vestes de Sinbad.

O moreno permaneceu em silêncio enquanto ouvia os passos do homem que se aproximou de um aflito Ja’far. Se Sinbad ao menos negasse aquela culpa… - ele lamentava ter agido daquela forma.

— Rurumu morreu protegendo você, Ja’far.

— Q-Quê?! - gaguejou o alvo.

— Você sempre foi visto por ela como um filho. - Hinahoho explicava. - E no dia em que fomos atacados por Parthevia, acredite, ela preferiu abrir mão da própria vida para o salvar!

Ja’far estava bastante perplexo. Aquele homem com quem falava havia perdido sua esposa para lhe proteger. Agora tudo fazia bastante sentido, já que Hinahoho não parecia disposto a aceitá-lo. Com certeza era difícil para ele.

— Parthevia?! Então… O que o Sinbad tem a ver com isso?!

— Ele não tem nada a ver com isso. Sinbad esteve sempre lutando para construir um país justo e bom para todos nós!

O rei de Sindria parecia incapaz de erguer o rosto. Ja’far mordeu o lábio inferior, bastante frustrado por tê-lo acusado injustamente - mais uma vez. Porém não houve tempo para mais nada. Hinahoho o puxou para perto e afagou, com aquela enorme mão, os fios esbranquiçados de Ja’far. Abraçou-o firmemente, deixando-o sem fala.

— Eu precisava pedir desculpas para você aqui, na frente da Rurumu, a quem eu já pedi perdão. - ele parecia emocionado, a voz embargada

— Hi-Hinahoho-san… - Ja’far piscou, bastante constrangido ao se ver abraçado por aquele homem.

— Não consegui aceitar, primeiramente, que poderia ter caído em uma emboscada e tínhamos o perdido. E… quando finalmente o recuperamos, vimos outra pessoa. - encarando-o, Hinahoho se entregou às lágrimas. - Alguém tão diferente de quem ela tanto amou. Mas… - subitamente ele se afastou e segurou Ja’far pelos ombros. - Você já se lembrou de nós, não?! Já sabe que Kouen é nosso inimigo!

Engolindo a seco, Ja’far repetia aquela reação que tinha toda vez que se via desconfortável. Procurando Sinbad, ele entrelaçava os próprios dedos, ainda afagado nos braços de Hinahoho, que aguardava uma resposta.

— Ja’far, me diga…

— Hinahoho. - o moreno se aproximou. - Por favor, não pressione o Ja’far.

— Sinbad! - ele desejava insistir.

— Vamos com calma.

— Sin! - foi a vez de Ja’far o chamar. - Eu quero pedir desculpas por ter acusado você…

— Eu entendo que ainda desconfie de mim! - o rei interrompeu. - É compreensível já que esteve por quase dois meses com alguém que me pintou como um demônio. - ele ergueu o rosto para encarar Hinahoho. - Hina, podem conversar mais tarde? Eu quero levar o Ja’far para conhecer o resto da ilha.

— Não temos que voltar para o palácio? - preocupado, Ja’far perguntou. - Disse a Pipirika que ia ajudá-la no trabalho.

— O trabalho não importa hoje. Você mesmo disse que queria que eu descansasse, não é?

Você precisa descansar. - ele enfatizou. - Não eu.

— E vai me deixar sozinho? - Sinbad fez bico e cruzou os braços.

Ja’far acabou rindo, vendo aquele homem fazer manha daquele jeito. Por que se sentia, cada vez mais, encantado pelo rei de Sindria? Às vezes nem ao menos se lembrava da existência de Kouen.

Bem diferente de como o príncipe se sentia enquanto afrouxava as laterais do kimono branco. O pouco que ele conseguia manter vestido, entre as vestes pomposas, para suportar tanto calor dos mares do sul.

Secando a fronte com as costas da mão, Kouen jogou os fios ruivos, encharcados de suor, para trás. A brisa forte batia em seu rosto enquanto ele observava aquele horizonte.

Kouen se perguntava quando aquela minúscula ilha apareceria diante de seus olhos. E a angústia era tão presente em seu semblante que era visível para seu acompanhante, o comerciante que o levava até Ja’far.

— O príncipe Kouen parece muito aflito! Não se preocupe, as especiarias de Sindria sempre são cultivadas para que não faltem. Ninguém vai tirar de você o que está indo buscar! - o homem falava de forma inocente.

— Acha que chegamos em quanto tempo? - Kouen elevou o tom, já que ventava muito.

— Como não fizemos nenhuma parada, no máximo em uma semana!

Apenas assentindo, o ruivo permaneceu a encarar o horizonte. Era como se, quem sabe, o tempo pudesse passar mais rápido e, em um piscar de olhos, estivesse diante de Sindria. Ja’far só precisava esperar mais um pouco.

— Eu já estou chegando, Ja’far! E já planejei como vou te tirar do Sinbad!


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Notas finais do capítulo

[1] - Trecho do capítulo 317, página 14 do mangá.

Eeeee finalmente Kouen está às portas de Sindria. Finalmente! Mas será que ele não vai entrar em conflito direto com Sin? Bem, é melhor mesmo, já que ele está sozinho. Mas Sin, com certeza, está louco para ter a cabeça do bode! Hahaha!
Eu tinha planos diferentes para a cena da visita ao memorial. E ela envolvia à recuperação da memória do Ja'far que já está mais próxima do que imaginamos. Será que ele vai se lembrar de tudo antes do En chegar?!
Muito obrigada por acompanharem e comentarem sempre! Elogios, críticas, tomates, me mandem review que leio tudo sempre e respondo também (quando sento no pc e não é para escrever hahaha! ^^) Um beijo e até semana que vem!



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