Era um dia normal, eu estava brincando no sótão com minhas bonecas, a brincadeira era de uma família linda e perfeita, onde o pai era dono de uma empresa de sucesso e amava sua esposa, e ela era super reconhecida na cidade, eles tinham dois filhos, que sempre se davam super bem, como eu mesma disse: uma família perfeita.

A primeira lágrima caiu.

Larguei as bonecas de qualquer jeito no chão e desci as escadas, lá estava a mãe super reconhecida na cidade, desmaiada sobre a mesa com uma garrafa de Whisky em sua frente, e não adiantava gritar, eu sabia, mas mesmo assim eu tentava:

— Mãe! Acorde – Ela continuava inconsciente, mesmo eu a balançando, enquanto apontava para porta, onde o próprio pai traia a mãe com uma vadia – Papai está com uma vadia! Você não vê? – Olhei para a porta do quarto do meu irmão, podia sentir o cheiro das ervas ali mesmo – Seu filho está fumando ervas! Mãe, acorde! Você não vê? Você não me escuta?

Não, ninguém nunca escuta, as paredes daquela casa cegam todos que passam por aquela rua, e eu só tinha uma missão: Não deixar ninguém ver através das cortinas.

Aquele era um dia normal para mim. Foi algumas horas depois que minha mãe apareceu, me sentando na penteadeira, puxando meu cabelo e ajeitando meu vestido:

— Coloque a cara de boneca, Cry Baby – A encarei com raiva estampada no rosto, fechei os olhos, respirei fundo e sorri – Assim está melhor, vamos, temos visita!

Desci as escadas e estava ali toda a família e as amigas da minha mãe, conversávamos alegres. Minha mãe esbanjava felicidade com suas jóias em seu pescoço e em suas mãos, enquanto só nos elogiava. Meu pai sorria e respondia todas as perguntas sobre a sua empresa com calma, sabia esconder muito bem a marca de batom em seu pescoço. Meu irmão sorria e me abraçava e brincávamos, uma família perfeita.

A vizinha pediu para tirar nossa foto e mostrar para todo o bairro como éramos, e como todos deviam seguir nosso exemplo. Sim, todos deveriam se esconder atrás de máscaras de boneca:

— Vamos, sorria para a foto – Mamãe sussurrava para mim.

Depois tirei uma foto ao lado do meu irmão, sentia o cheiro de fumaça que saia dele, mas mesmo assim, olhei para a câmera e sorri mais uma vez. Quando a visita saiu, as máscaras caíram:

— Que marca de batom é essa? Poderia ter estragado nossa reputação!

— Olha só quem fala! Seu hálito não engana, puro cheiro de vodka, mulher!

— Pelo menos eu não fico dormindo com cada puta que aparece na frente!

Eu observava tudo sem poder protestar nem uma vez, fui a caminho da janela e fechei a cortina.

Era já de noite, eu estava indo pra cozinha dar um gole de água para ver se conseguia me acalmar para dormir. Minha mãe estava lá, bebendo. Foi como eu ganhei a cicatriz na perna, ela perdeu o juízo e começou a endoidar e gritar, jogou a garrafa em mim e se chocou contra minha perna, o sangue se misturava com o vidro e a bebida.

No dia seguinte, era como se isso nunca tivesse acontecido, minha mãe já se escondeu através de suas jóias e esbanjava sua falsa felicidade para suas amigas, enquanto todos do bairro falavam bem sobre nossa família, era isso... Isso era nossa família perfeita.

Então era assim que tinha que ser, sorrindo sempre, boneca sempre.

Nunca teve bebida alcoólica, nunca teve nenhuma puta, nunca teve nenhuma erva.

Sorria para a câmera, somos uma família perfeita.

Lembre-se... Nunca deixe ninguém olhar através da cortina.