—A gente já chegou? - perguntou Briana, uma garotinha claramente simpática, sem esconder seu entusiasmo.
—Estamos quase chegando, filhota - disse o pai dela, Antenor, cujo entusiasmo também não era muito diferente da filha.
—Você já perguntou isso umas dez vezes, Briana - disse Anne, a irmã de Briana, com um entusiasmo que estava bem diferente da irmã e do pai.
—Mas você não tá ansiosa? - perguntou Briana - Puxa! Vamos viver em uma cidade totalmente nova! Eu tô muito curiosa para saber como vai ser! Quer dizer, tô um pouquinho chateada por ter que deixar os amigos que eu tinha, mas estou feliz porque vou ter amigos novos!
—É assim que se fala, filha - disse Carla, a mãe, olhando para as meninas no banco de trás e abaixando os óculos escuros - Você devia aprender mais com sua irmã, Anne.
—Tá bom - resmungou Anne, voltando a olhar para a janela do carro - A real é que estamos mudando para um fim de mundo, isso sim!
—Não é tão fim de mundo assim - disse o pai - Eles já tem até Internet.
—”Já tem”? - repetiu Anne, em tom sarcástico - Puxa, que consolo.
O que temos diante de nós é uma família extremamente comum. Antenor, um tiozão, magro, sem barba e sempre com óculos no rosto, entrando em seus quarenta anos, e Carla, uma mulher loira da mesma idade do marido, ainda que sua aparência pareça mais jovem, são casados há uns dezoito anos e tiveram duas filhas: Anne, a mais velha, com quinze anos e Briana, a caçula, com seus dez anos. As duas não são muito diferentes fisicamente - pele clara, cabelos lisos, olhos castanhos, mas são bem diferentes em personalidade. A mãe de Antenor, dona Gilda, faleceu há poucos meses. Sendo o único herdeiro, Antenor herdou os bens da família e isso incluía um imóvel na terra natal de seus pais, uma cidadezinha (bem cidadezinha) chamada Vila Baunilha, bem no interior do estado de São Paulo. Não, não está no mapa. Também não adianta procurar no Google Maps, espertinho - o Brasil deles não está no mesmo universo do seu Brasil (embora os problemas sejam os mesmos). Antenor aproveitou essa herança para investir em um novo empreendimento. Ele planejava aproveitar seu curso de gastronomia para fundar um restaurante na cidade. Conseguiu adiantar boa parte da papelada via internet com o prefeito e só estava esperando virar o ano para se mudar com sua família para seu novo lar. Sim, a família Montecarlo aumentaria a população de Vila Baunilha em mais quatro pessoas. É, não mudaria muito o quadro de 557 habitantes do município.