Contando as horas escrita por Liv Marie


Capítulo 2
Capítulo 2




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Lola não volta à Editora e já pouco lhe importa que, em sua ausência, Gastón tenha assumido sua tão cobiçada posição enquanto Diretora da revista Don ou até mesmo os apelos de Aguirre quando os resultados referentes ao número mais recente não se equiparam nem de longe aos de seu trabalho.

A princípio Grace recebe muitas visitas. Alguns aparecem movidos por genuína atenção e cuidado. Outros, por culpa. Há ainda aqueles que aparecem apenas para cultivar uma curiosidade mórbida. Lola não é capaz de identificar qual é qual, e não faz qualquer esforço para tanto; Sua única prioridade é estar presente quando Grace abrir os olhos. Assim, ela passa seus dias na sala de espera e quando Grace finalmente é movida para um quarto privado, em uma poltrona ao lado de sua cama.

Aguirre vem quase todos os dias, sempre munido de flores e uma tristeza com a qual não sabe ao certo como lidar. Ele, Boogie – o rapaz que trabalha com Grace na rádio e a quem Lola nunca chegou a conhecer melhor embora lhe tenha algum apreço – e também Facundo, se oferecem para trocar de lugar com Lola de modo que ela possa ter alguns momentos de descanso. Lola, no entanto, declina todas as ofertas teimosamente, terminantemente.

O que as pessoas não conseguem entender é que embora uma parte sua se recuse a deixar Grace por causa de seu estado, outra parte é simplesmente incapaz de retornar para uma casa vazia.

A mudança operada em Lola não passa despercebida aos olhos dos que a cercam. Existem as evidências mais óbvias: a perda de peso, as olheiras fundas deixadas por noites mal dormidas, a mudança em sua postura; Lola, que sempre se mostrou confiante e determinada, que sempre andou de queixo erguido e peito estufado, carrega agora o peso da tragédia em seus ombros. Um peso que a desgasta como uma parede arruinada por uma infiltração.

Logo, tudo o que resta é uma versão desbotada de si mesma.

Assistir a tal transformação é algo que dói a Facundo, em especial porque não há nada que ele possa fazer enquanto a mulher por quem ele se apaixonou desaparece, pouco a pouco, diante de seus olhos.

É curioso, no entanto, mesmo aos olhos de Lola, notar que essa mudança tampouco dá lugar ao homem que ela costumava ser. Lalo jamais esteve tão perdido, tão fora de seu alcance, uma memória apenas. Uma fotografia desbotada e esquecida em uma gaveta.

A preocupação de Facundo apenas se intensifica mediante a súbita passividade de Lola. A mulher que ele conhece é apaixonada, teimosa, impulsiva. Suas reações sempre carregadas com o peso de sua personalidade, algo que ele ama com igual intensidade à exasperação que estas lhe provocam, algo que pertence à sua essência. Sempre pertenceu. Mesmo quando ela ainda era Lalo.

O silêncio e o conformismo lhe são, por sua vez, estrangeiros e para Facundo fica claro que se trata apenas de uma questão de tempo até que os sentimentos que Lola está se esforçando para mascarar, venham à tona. E quanto mais longa é a espera, mais ele teme pela potência da explosão e a proporção de seus estragos.

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Acontece em uma quinta-feira à tarde.

Lola sai por alguns minutos com o intuito de buscar um café na lanchonete do 3º andar e ao retornar se depara com a presença de Martín, o detestável ex-namorado de Grace, que a visita pela primeira vez desde que o acidente ocorreu há quase um mês. Conversando com a enfermeira que se ocupa em administrar a medicação de Grace no momento, ele pergunta sobre suas chances de recuperação. Mais tarde, ao relembrar o ocorrido, Lola não saberá dizer o que exatamente lhe provocou uma reação tão violenta: se a simples presença de Martín após seu completo descaso ou a resposta pouco otimista oferecida pela enfermeira.

Lola não se recorda onde ou quando, mas ouviu uma vez algo sobre como pacientes em coma são capazes de ouvir a tudo o que se passa ao seu redor e a mera possibilidade de que Grace tenha ouvido algo negativo sobre sua recuperação a põe fora de si.

"Saiam daqui! Imediatamente! Fora!" Ela berra a plenos pulmões ao entrar no quarto, movida por uma fúria cega. Assustada a enfermeira escapa e deixa o quarto em busca da intervenção de outros funcionários do hospital para conter a situação. Martín, pego completamente de surpresa pela reação de Lola, permanece imóvel ao lado do leito de Grace.

"Lola, e-eu..." Ele gagueja tentando argumentar, se justificar, mas ela não lhe dá a oportunidade, partindo para cima do rapaz com unhas e dentes. Para a sorte de Martín, a enfermeira retorna quase que imediatamente acompanhada por dois seguranças.

Apesar de seu tamanho e força é preciso que os dois homens que entram no quarto se coloquem entre ela e Martín para detê-la. Enquanto o primeiro a segura pelos braços, o segundo se posiciona em frente ao rapaz que está sendo atacado, tal qual um escudo humano.

"Tira ele daqui! Tira ele daqui senão eu mato!" Lola rosna com ferocidade. A enfermeira tenta apaziguar a situação, mas logo percebe que enquanto Martín estiver presente nada irá adiantar.

"Lola, por favor! Eu queria ter vindo antes, eu só queria..." Com um impulso Lola quase consegue escapar das mãos do segurança, fazendo com que Martín recue instintivamente a fim de proteger-se de seus avanços.

"Senhor, por favor, é melhor que o senhor se retire." A enfermeira o aconselha com o único intuito de por um fim ao tumulto. Martín ainda tenta argumentar, mas é persuadido quando pela terceira vez Lola ameaça escapar às garras do segurança. Ele ainda tenta se desculpar antes de partir quando, de repente, as máquinas que monitoram os sinais vitais de Grace começam a apitar. O clima do quarto muda completamente, o confronto entre Lola e Martín rapidamente esquecido. A enfermeira se ocupa em checar qual é o problema, pedindo que um dos seguranças busque o médico de plantão com urgência.

Com as mãos do segurança ainda pesando em seus ombros, Lola assiste a toda à cena completamente paralisada. O médico entra no quarto e imediatamente demanda o desfibrilador. Somente quando as pás são colocadas sobre o peito de sua melhor amiga e a descarga elétrica é derramada sobre seu corpo é que Lola desperta de seu torpor. Com a visão nublada pelas lágrimas que ainda não foi capaz sequer de notar e o peito de repente apertado, como se estivesse prestes a sufocar, Lola deixa que seus pés a guiem apressados para qualquer lugar que não seja aquele.

Em sua saída afobada ela esbarra em Facundo sem nem mesmo registrar sua presença. Sem entender o que está acontecendo Facundo hesita confuso, mas então basta um olhar para dentro do quarto aonde a equipe médica ainda trabalha arduamente para manter Grace viva, e Facundo sabe que a última coisa que Lola precisa nesse instante é estar sozinha. Porém, ao se voltar em sua direção, ele se depara com um corredor completamente vazio e nenhum sinal de Lola ou de onde ela possa ter ido.

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Continua...


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