A mina de diamantes escrita por Jeniffer


Capítulo 1
Capítulo 1




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Thomac cavalgava devagar, com os ombros relaxados e a mão direita pendendo suavemente, quase esquecida. Quem o visse neste momento poderia pensar que ele estivesse apreciando a paisagem, com seus olhos protegidos do sol pela aba de seu chapéu, ou quem sabe, estivesse perdido. Ninguém perceberia que ele estava analisando cada detalhe que o cercava, tentando obter o máximo de informação sobre a cidade da qual se aproximava antes mesmo de alcançá-la. “Você nunca vai conhecer verdadeiramente uma cidade se acreditar apenas nas palavras dos moradores”, ele costumava dizer, enquanto fumava o seu cachimbo e passava o dedo pela borda de seu copo, observando de maneira nada discreta a garçonete no balcão. A mesma que, mais tarde, estaria em sua cama rodeada por moedas de prata que se apressaria a guardar no bolso de seu casaco esquecido no chão.

Para alguns, Thomac era apenas um cara de sorte, sempre no lugar certo e na hora certa. Ele via a si mesmo como um visionário muito mais inteligente do que os idiotas que já conhecera. Para outros, ele era apenas um bastardo sem índole. Talvez fosse tudo isso e mais algumas boas doses de rum.  Contudo, a verdade é que Thomac não passava de um ladrão.

Foi depois de roubar um viajante qualquer que ele decidira partir para Baiersbronn, um vilarejo pequeno e escondido entre montanhas, próximo de onde ele estava. Na verdade, foi graças ao homem grande e desengonçado entrou apressado no bar, procurando pela garçonete que estava na mesa de Thomac, inclinando-se sugestivamente ao servi-lo de outra dose. Ele foi até o balcão e gritou alguma coisa incompreensível, sentando-se pesadamente no banco. Mesmo estando do outro lado do bar, Thomac percebeu como ele tremia.

— Você vai precisar de um balde, Freya. Este é um dos grandes. – ela riu e foi atender o novo cliente, lançando olhares para ele o tempo todo. O seu nome nem mesmo era Freya, mas Thomac não se importava com isso, e ela tampouco. A cada nova dose, ele colocava uma moeda de prata entre seus seios, tocando levemente o colar que ele colocara em seu pescoço. Uma cópia barata e mal feita que ele tivera o azar de encontrar em seu último roubo, mas ela nunca saberia identificar a diferença, e isso bastava.

Freya, ou qualquer que fosse o seu nome, despejava rum sem parar no copo do grandalhão, mas ele continuava bebendo como se nem percebesse o que estava fazendo. Thomac nem ligou para ele, ou para as lamúrias que derramava sobre a garçonete, até que uma palavra específica surgiu no meio de tantas outras e brilhou como o sol, despertando todas as terminações nervosas dele: diamantes. Ele se aproximou e se ofereceu para pagar a próxima dose, e a dose depois daquela, e outra também, até que os tremores passassem e fossem substituídos por risadas e arrotos.

— Obrigado, amigo. Eu precisava disso. – o homem disse, deixando o copo cair sobre o balcão. Esta era a característica do rum que Thomac mais apreciava: criava amizades instantâneas.

— Precisava mesmo. – ele riu com vontade. – O que pode ter perturbado um cara grande como você?

O comentário deveria ter soado como uma brincadeira, um desdém travesso de quem faz pouco de algo que nem mesmo sabe o que é, apenas para levantar a moral estremecida daquele pobre coitado. Todavia, o deixou sério, respirando rápido e profundamente, observando o ambiente ao seu redor com olhos agitados e um ar paranoico. Ele inclinou-se na direção de Thomac e sussurrou de maneira conspiratória:

— Demônios.

Thomac semicerrou os olhos por instante, observando a seriedade daquele homem que assentia com a cabeça freneticamente, querendo reforçar a sua afirmação. Ele amaldiçoou-se por gastar tantas moedas de prata com um doido de pedra, pensando no que precisaria para pegá-las de volta do decote de Freya.

— Eles estão lá, protegendo todos aqueles diamantes. Disseram que há um, bem escondido no fundo da mina, que poderia comprar o mundo e tudo o que há nele, duas vezes. – ele começou a se balançar para frente e para trás. – Que pode comprar até mesmo a morte, barganhar com ela o preço da sua vida. Que quem o encontrar será o rei do mundo.

— E onde está este maravilhoso diamante? – ele perguntou, quase como se esperasse o desfecho de uma piada, afinal, o melhor diamante que ele já encontrara em todos esses anos só lhe comprara uma semana de mulheres e bebidas e três dias de dor de cabeça e vômito.

— Baiersbronn. – Thomac vasculhou a sua mente a procura de alguma memória sobre aquele nome, mas não encontrou nada.

— Baiersbronn? – Freya comentou, ouvindo a conversa. – Não é aquele lugar onde todos começaram a ficar ricos da noite para o dia?

— Isso! Esse mesmo! – o grandalhão apontava seu dedo com entusiasmo, feliz por constatar que não estava enlouquecendo e que o lugar realmente existia. Então, começou a bater palmas lentamente. – Um lugar amaldiçoado. Marque minhas palavras... Esqueça que aquele maldito lugar existe. Esqueça.

— Como todos podem ficar ricos tão subitamente? – Thomac perguntou a Freya, ignorando as palavras que o homem não parava de balbuciar e as palmas sem sentido.

— Parece que encontraram diamantes em uma montanha e começaram a cavar, e quanto mais eles cavavam, mais encontravam. Muitas pessoas foram para lá, tentando encontrar fortuna naquela mina.

— E já encontraram esse diamante valioso?

— Não! Ninguém mais vai lá! Há demônios naquela mina. Eles... Eles... – o homem respondeu, começando a arrastar sua fala e a piscar demoradamente, atingindo um estado de pura letargia. A segunda característica que Thomac mais gostava no rum começara a se manifestar: total e completa inconsciência.

Enquanto alguns riam do baque que a cabeça do grandalhão provocou ao ir de encontro com o balcão, ou de seu ronco alto e profundo, Thomac tomava uma decisão.

O sol apenas começara a despontar no horizonte quando Thomac partira em direção a Baiersbronn, aproveitando o silêncio de uma cidade que ainda dormia. A jornada tinha sido um pouco mais longa do que ele havia imaginado que seria, e finalmente ver a entrada da cidade o fizera sorrir.

Ele não acreditou nas palavras encharcadas de rum daquele homem sobre demônios em uma mina, e agora que pode constatar o tamanho da cidade, não se surpreendia que tal boato tenha se espalhado. Thomac orgulhava-se de já ter morado em uma cidade grande e agitada, achando que isso lhe ensinara tudo o que precisava saber sobre o mundo e as pessoas nele. Provavelmente alguém um pouco mais esperto e muito mais ganancioso do que aquelas pessoas simples inventara uma história assustadora para poder ter todos os diamantes para si. Algo que Thomac estava decidido a não deixar acontecer.

Quando entrou na cidade, procurou uma hospedagem, observando atentamente as placas de cada estabelecimento. Em algumas casas, janelas se fechavam com um baque surdo em sua passagem, olhares duvidosos questionavam suas intenções enquanto outros o encaravam com severidade. Se não fosse por isso, ele poderia dizer que a cidade estava deserta.

No final da rua, encontrou uma hospedagem pequena e que parecia ser a única por ali. Amarrou seu cavalo, sacudiu a poeira de seu casaco e abriu a porta devagar, sendo recebido por uma mulher muito surpresa por encontrar alguém ali tão cedo.

— Bom dia, senhor. – ela disse, como se pesasse cada palavra antes de dizê-la.

— Bom dia. A senhora tem um quarto e alguém para cuidar do meu cavalo? – ele tirou o chapéu para cumprimentá-la, curvando-se levemente.

— Temos, claro. Temos muitos quartos. – ela se apressou até o livro de registros, visivelmente atrapalhada, como se não fizesse aquilo há muito tempo. Thomac reparou na grossa camada de poeira que cobria tudo por ali e desconfiou que fizesse realmente muito tempo.

— Os negócios vão bem? – questionou, descontraidamente.

— Já foram melhores. – ela lamentou, depois de alguns segundos de hesitação.

— Eu posso imaginar... – Thomac murmurou, prestando atenção na janela quebrada e na louça velha que estava sobre as mesas no canto. As flores na frente do espelho pareciam ter sido retiradas direto do mais velho túmulo.

— Viajando para algum lugar, senhor?

— Não... Apenas pensei em conhecer a cidade. Ouvi excelentes comentários sobre este vilarejo.

Então ela parou de virar as páginas e ficou imóvel, absorvendo cada detalhe de Thomac, desde suas botas novas até o chapéu impecável, passando pela pesada bolsa que trazia consigo, atravessada em seu corpo como uma proteção. O olhar dela de repente trazia um misto de raiva e profunda tristeza.

— Você veio por causa da mina. – ele não respondeu e seu silêncio foi resposta suficiente para ela. – Você não pode, senhor. Não deve ir lá.

— E por que não? – Thomac aproximou-se dela, observando-a com aquele olhar que fazia com que as pessoas confiassem nele, falassem sem reservas.

— É muito perigoso, senhor. Pode ser o fim de sua vida. – o medo em seu rosto era nítido, e o modo como ela se agarrava ao crucifixo em seu pescoço o deixava nervoso.

— É só uma velha mina. O que pode ter de tão perigoso lá?

— Não é só uma velha mina, senhor. É a entrada para o inferno. – ela parecia incapaz de respirar, olhos tão arregalados que pareciam quase explodir. – Um mago muito poderoso e ganancioso morava no pé daquela montanha, tão ganancioso que passava seu tempo criando diamantes e mais diamantes. Pedaços da montanha que ele transformava em pedras brilhantes e valiosas, até que a montanha se irritou com aquela ganância sem sentido e desabou sobre ele.

— E como você sabe disso? – Thomac arqueou a sobrancelha, achando engraçado o modo como aquela mulher parecia contar uma história para dormir.

— Minha filha, senhor. Ela já foi lá. Eles contaram tudo para ela. – a tristeza substitui o medo em seu rosto. – Achamos que nunca mais a encontraríamos, mas ela voltou para nós. Eles a deixaram partir.

— “Eles”? Quem são “eles”?

— Os wichtlein. – respondeu uma voz baixa vinda do corredor.

Thomac virou-se abruptamente, vendo a garota pequena que estava parada ali, observando-o com um olhar fixo. O cabelo longo e liso cobria boa parte do rosto, os braços pendiam de seu corpo como se estivessem mortos e os pés descalços sangravam. Ele recuou um passo.

— Filha, volte para o seu quarto, por favor. – a mulher disse, mas sem sair de seu lugar.

— Wichtlein? Do que você está falando, garotinha? – a menina riu, mas não de um jeito divertido ou descontraído. Ela riu de um jeito que enviou arrepios pela espinha de Thomac, o riso curto e debochado de quem sabe um segredo maligno que você desconhece. O riso de quem está vendo algo perigoso atrás de você, sabe que você não terá tempo de fugir e não se importa nem um pouco com isso.

— Não dê ouvidos, senhor. Minha pequena Rafrid não é a mesma desde que voltou daquela mina. Ela precisa descansar. – ela continuava sem sair de seu lugar, protegida atrás do balcão, tentando convencer sua filha a voltar para o quarto, mas sem fazer menção de obrigá-la a isso, ou sequer chegar perto dela.

— Eles protegem a casa. Protegem, sim. Protegem a casa. – ela dizia, baixinho, às vezes pendendo a cabeça para o lado rapidamente, como um pássaro curioso ou um cachorro confuso. Seus olhos não piscavam e seu sorriso era enervante. – Eles precisam proteger, ou o Mestre os castigará. O Mestre é mau, muito mau. Ele é mau.

— O que eles fazem, estes Wichtlein? – Thomac resolveu participar daquilo que tão obviamente era uma brincadeira de uma menininha entediada.

A menina não respondeu, só continuou imóvel, olhos fixos nos olhos de Thomac. Ele se voltou para a mãe, cansado de esperar uma resposta.

— Ela diz que eles vão tentar te assustar. Fazem barulhos lá dentro, como se alguém estivesse trabalhando na mina, para que você pense que já tem alguém lá e então fuja. – ela respondeu rapidamente, nem um pouco feliz por dizer aquelas palavras em voz alta.

— E eles são maus também?

— Não, não, não, não. – a menina riu seu riso sombrio, sacudindo a cabeça negativamente. – Eles não machucam, só trabalham, trabalham, trabalham, trabalham. Eles protegem. Eles avisam. Avisam, sim.

— Avisam?

Muito lentamente, Rafrid ergueu as mãos até a altura de seu rosto, sem deixar de olhar fixamente para Thomac, e então bateu as palmas de suas mãos uma contra a outra, produzindo um som que assustara a mãe. Então, repetiu o gesto mais duas vezes.

— Uma... Duas... Três. – ela sussurrava, entre uma palma e outra, contando. – Uma e você sabe que eles viram você. Duas e você sabe que deve voltar. Três... e você morre.

A mãe levou a mão ao crucifixo, tremendo e parecendo prestes a chorar. Thomac queria rir da história tão absurda que a menina criava. “Só alguns caipiras assustados”, ele pensara.

— Deve ser um diamante muito especial para precisar de tanta proteção assim. O que aconteceu com os clássicos fundos falsos na gaveta de roupas? – ele observou a raiva tomar conta do rosto daquela garota e sua cabeça começar a tremer, como se ela estivesse gesticulando “não” muito rapidamente repetidas vezes.

— Não é seu, maldito. Não é seu, não é. Não se atreva, humano desgraçado. Não é seu! – sua voz se elevava enquanto suas mãos se fechavam com violência.

— Rafrid! – a mãe a repreendeu ao ouvir a filha pronunciar tais palavras. – Perdoe-me, senhor. Perdoe minha pequena Rafrid.

— Está tudo bem, senhora. É compreensível que ela tenha se assustado, sozinha em uma mina. Pode ter se assustado até com a própria sombra! – ele sorriu levemente, tentando acalmá-la e explicar de forma lógica o que pode ter acontecido. – Sabe como nossa mente pode pregar peças em nós quando estamos com muita fome, sede ou com muito medo.

— Peças. Pregar peças. – a menina riu mais alto, quase se divertindo. – O que você sabe de fome? De sede? De medo? Se acha corajoso, mas é só burro, muito burro, muito burro. Humano idiota.

— Minha avó já me falou dos Wichtlein. – Thomac falou, lembrando-se vagamente de uma história que ouvia antes de dormir quando era criança. – Eles são pequenos, bem feios também. Você pode ter visto qualquer outro animal assustado, Rafrid.

— Eles não são assustados. Não são, não. Não são. Não precisa ter medos deles. – ela sorria mais abertamente agora, o tremor de sua cabeça diminuindo um pouco.

— Então por que eu não deveria ir lá, se não preciso ter medo deles? – questionou ele, intrigado com o quão longe aquele teatro bobo iria se arrastar.

— Não precisa ter medos deles, não precisa. Não precisa, não. Eles só trabalham, trabalham, trabalham, trabalham. Você precisa ter medo dele.

E quem é “ele”? – Thomac deu a mesma ênfase que ela dera à palavra, exagerando um pouco e parecendo debochado.

Então Rafrid correu, muito mais rápido do que Thomac julgava humanamente possível. Em um piscar de olhos ela venceu a distância que os separava e estava bem em sua frente, sem nenhum espaço entre seus corpos. Ele se surpreendeu ao perceber que ela era muito mais alta do que parecia, sua testa alcançando o queixo dele. Assim, tão de perto, ele podia ver claramente a loucura que tremeluzia em seus olhos.

— O Phooka. – ela sussurrou, assentindo freneticamente, então começou a rir descontroladamente. Sua cabeça se movia muito mais rapidamente agora, era quase um borrão.

— Mardoc! Mardoc! – a mulher começou a gritar, até que um homem apareceu no corredor, entendendo a cena toda em alguns segundos, então pegando Rafrid em seu colo, enlaçando seus braços em sua cintura, mas mantendo-a de costas para si, assim ela não conseguiria machucá-lo. A menina ria e gritava, debatendo-se e tentando livrar-se do aperto daqueles braços.

— Está tudo bem, filha. Tudo bem. – Thomac deduziu que aquele deveria ser o pai da menina. Então ficou ali, impressionado com a atuação da garota, até que ouviu uma porta batendo e abafando os gritos.

— Você pode ir lá, se quiser. Não posso impedi-lo. – a mulher atrás do balcão disse, olhando fixamente para o corredor. – Siga pelo caminho das flores até encontrar o velho carvalho, aquele caminho que tantos já percorrem apenas uma vez. Mas quando o Phooka o encontrar, e ele vai encontrá-lo, reze para que ele tenha pena de sua alma.

Thomac manteve-se em silêncio, ouvindo os baques nas paredes e as palmas que começaram a ecoar pela casa, cadenciadas e retumbantes, até que o homem chamou a esposa, sua voz tingida de desespero.

— Agora saia daqui. Saia e não volte nunca mais.

Thomac caminhou ao lado de seu cavalo até se afastar das casas daquele vilarejo e encontrar o começo da floresta que se estendia dali até o alto da montanha. Amarrou o animal a uma árvore, colocou sua pesada bolsa sobre o ombro e preparou-se para partir.

— Volto já, amigo. Voltarei com um diamante que poderá comprar todos os cubos de açúcar que você conseguir comer. – ele riu da própria fala, deixando o cavalo aproveitar a grama dali.

Então partiu, seguindo o caminho cercado por flores que estendia nítido pelo chão. Ele não pode deixar de observar que aquela pequena estrada não parecia ter sido criada por alguém, e que era apenas o resultado de um pedaço de chão constantemente pisoteado e que agora não conseguia produzir nem mais uma flor. Pegou-se imaginando quantas pessoas haviam passado por ali e quantos diamantes já haviam retirado da mina.

Ele não acreditou nem por um segundo no teatro daquela família, que com certeza criara aquela história para afastar as pessoas da mina, ficando com os diamantes para restaurar aquela hospedagem destruída. Afinal, a mina realmente deve ter diamantes, caso contrário, ninguém mais fora desta cidade ficaria sabendo deste fato. Ele espera encontrar pelo menos o suficiente para recuperar o que gastara em rum com aquele grandalhão assustado e as moedas de prata que Freya manteve muito bem escondidas. Uma mulher e tanto aquela, que o colocou para fora assim que ele se aproximou dela novamente. Talvez ele devesse visitá-la novamente, agora com um diamante ou dois.

Quando encontrou o carvalho, ele já conseguia avistar a entrada da mina. Parecia apenas um túnel para dentro da montanha, mas ele reconheceu o trabalho precário daquelas pessoas ao erguer algumas colunas de sustentação. Thomac pensou que não demoraria muito para que tudo aquilo desabasse, mas parecia firme agora. Abriu a bolsa e pegou alguns apetrechos que comprara antes de seguir com sua viagem até esta mina. Mas logo viu uma pilha no lado esquerdo da entrada, com algumas tochas prontas para serem usadas.

— Para quem não quer ninguém aqui, esta família está muito bem preparada.

Com o fogo queimando para iluminar seu caminho, Thomac entrou, caminhando devagar e com cautela, mantendo a tocha longe do teto da mina. Mesmo com o sol alto e brilhante no céu, quanto mais ele avançava, mas a escuridão tomava conta de tudo, limitando o seu campo de visão ao alcance do brilho da chama.

A mina se estendia por um longo caminho, e a cada passo Thomac se perguntava o quanto mais precisaria avançar para encontrar algum diamante, certo de que poderia não encontrar mais nenhum. Em algum momento, o caminho começou a se bifurcar em outros túneis e ele precisou memorizar suas escolhas para poder encontrar o caminho de volta mais tarde. Quando decidiu seguir pela direita novamente, viu que havia um facho de luz mais à frente, mas antes que desse mais um passo, viu a sombra de algo correndo sendo projetada na parede. Ele congelou, decidindo o que fazer, e então avançou com cuidado.

— Deve ter sido um rato. – ele riu, ao encontrar uma tocha esquecida no chão, ainda queimando. Daquele ângulo, até mesmo o mais indefeso ratinho poderia projetar a sombra de um demônio. – Só um maldito rato.

Quando Thomac ergueu a tocha para visualizar um pouco mais do caminho à sua frente, ele viu um brilho distinto no final do corredor e sorriu abertamente.

— Ah, Freya. Prepare o seu melhor rum. – mas quando deu seu primeiro passo, ele ouviu um barulho ecoar pelo túnel. Uma única e distinta palma. Alta e clara.

“Uma e você sabe que eles viram você”, ele lembrou-se das palavras da garota.

Virou-se com cuidado em direção ao som, mas não viu nada. Avançou lentamente, então percebeu que realmente se assustara e riu de si mesmo, procurando a origem do som. Logo à sua frente, em um ponto específico do teto, uma infiltração se concentrava e então pingava. Devido ao silêncio ali, o baque da gota contra o chão se projetava.

— Vamos lá, Thomac. – ele disse para si mesmo. – Aqueles diamantes não vão sair daqui sozinhos.

Pegou as ferramentas que trazia na bolsa e procurou aquele brilho novamente, encontrando alguns diamantes por ali. Eles não pareciam muito grandes, mas valeriam alguma coisa se ele encontrasse o comprador certo. Com cuidado, tirou dois ou três de seu lugar na parede, guardando-os em sua bolsa. Quando se preparou para retirar mais um, antes que sua ferramenta atingisse a parede novamente, ele ouviu um som igual ao longe, como se alguém estivesse exercendo o mesmo esforço que ele. A única diferença é que este som parecia se aproximar.

Thomac pegou a tocha que havia colocado cuidadosamente em uma fissura da parede, tentando identificar de que lado vinha o som, mas ele parecia se propagar, dificultando a identificação do ponto de origem. Ainda assim, continua se aproximando. Quando o som já estava muito mais alto e próximo, ele percebeu que vinha pelas suas costas. E então, quando o som já parecia quase sobre sua cabeça, ele se virou abruptamente.

Não havia nada ali. Só o vazio e o repentino silêncio. Ele parecia sozinho novamente.

Até ouvir outra palma.

“Duas e você sabe que deve voltar”, a memória de Rafrid tomou sua mente novamente.

Enfurecido, seguiu pelo caminho, certo que encontraria outra goteira pingando ocasionalmente, mas não encontrou nada além de poeira. Procurou atentamente e viu um diamante grande caído no chão, que parecia ter se desprendido da parede.

— É só um diamante, Thomac. – analisou a peça, girando-o entre os dedos. – Um grande e belo diamante. Olá, belezinha.

Quando ele se virou para voltar até onde deixara sua bolsa, o brilho da chama refletiu algo no teto mais à frente. Ele foi até lá, avaliando o que havia encontrado. Era apenas a ponta de um diamante, mas que parecia ser muito maior do que a sua cabeça. Animado, correu até sua ferramenta esquecida e começou a cavar cuidadosamente a terra que o mantinha ali. Tentou descobrir a extensão daquele diamante, mas não importava o quanto ele cavasse, o brilho parecia não ter fim.

— O mundo inteiro e tudo o que há nele, duas vezes. – ele disse, rindo com felicidade. – Ele tinha toda a razão.

Então ele ouviu o barulho novamente, como se mais pessoas estivessem ali. Só que agora o som era muito mais alto, quase furioso, e parecia vir de um grupo de pessoas. Se aproximando cada vez mais, batendo nas paredes com tanta fúria que a montanha inteira parecia sacudir. Thomac começou a recuar, tentando lembrar-se de suas escolhas até ali, caso precisasse fugir.

— Está tudo bem, Thomac. Deve haver uma explicação lógica para isso, você sabe.

Quando o som o alcançou, Thomac parou, subitamente ciente da mudança no ar daquele corredor. Sentiu os pelos em sua nuca se eriçarem e ele soube. Tantas e tantas vezes ele havia escapado de policiais e homens armados e raivosos, fugindo de casas, lojas e até um banco, sempre com muita facilidade. Alguns diziam que era sorte, esperteza ou simplesmente um louco desejo suicida. Mas Thomac sabia que era apenas instinto, o modo como ele via o ambiente seu redor, sempre de modo claro e prático. Ele sabia quando desviar e quando correr, pois ele respeitava seus instintos mais profundos. Foi assim que ele soube que havia alguém atrás dele.

Virou-se rapidamente e deu de cara com um ser pequeno, de orelhas pontudas e nariz grande, usando um gorro sujo e com uma expressão de profunda tristeza. Thomac, assustado, gritou e deixou a tocha cair, apagando-a. Ele recuou rapidamente até sentir a parede em suas costas, esperando que seus olhos se adaptassem à escuridão e ele conseguisse distinguir alguma coisa. Sua respiração pesada era o único som naquela mina.

Até que não era mais.

O riso começou baixo, espalhando-se lentamente pelas paredes até chegar a Thomac e tomar conta de seu corpo, fazendo-o tremer. Então o riso veio acompanhando de fogo, queimando intensamente por toda a extensão do corredor, iluminando todo o campo de visão dele.

Thomac pôde ver o Wichtlein que o assustara, junto com vários outros muito parecidos com ele, espalhados pelo corredor, olhando para ele com uma tristeza agonizante. Eles começaram a se afastar do meio do corredor, juntando-se próximos ao fogo que subia pelas paredes. Pareciam abrir passagem para alguma coisa.

Foi quando Thomac a viu.

Seu cabelo cobrindo o rosto e seus pés sangrentos, o riso maligno e a cabeça tremendo violentamente em uma negação constante. A única diferença eram seus olhos. A loucura que antes estava ali fora substituída por fogo vivo, queimando incandescente.

— Rafrid? – ele não conseguia acreditar no que via.

O movimento de sua cabeça ficou ainda mais intenso, mas Thomac conseguia ver que ela estava mudando de forma, que chifres compridos estavam surgindo em sua cabeça e seu riso estava se transformando em um urro assustador e cheio de presas. Ele lembrou do que ela mesma havia dito mais cedo e sabia, simplesmente sabia, que estava diante do Phooka.

Subitamente, o seu tremor parou e o que estava ali já não era mais Rafrid, mas sim algo muito mais diabólico e assustador, com olhos de fogo que ansiavam por queimar Thomac por sua ganância. Quando ele tentou correr na direção oposta, algo o derrubou no chão com violência.

E naquele segundo, aquele breve momento de silêncio antes do caos e da dor, apenas um som chegou até os seus ouvidos, alto e claro como se fosse o único som em todo o universo.

A terceira e última palma dos Wichtlein.

“Três... e você morre.”


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