Welcome to badlands escrita por patty


Capítulo 3
Capítulo Dois: o embrulho perfeito.




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Depois que Tristan se mudou para a vizinhança, os garotos se tornaram inseparáveis. Às vezes invadiam a piscina pública da cidade. Às vezes, quando não tinham nada para fazer, apenas tocavam a campainha dos outros, recebendo socos quando eram os amigos de Seth que atendiam a porta. Eles levavam as marcas como se fossem troféus. Não choravam mais quando apanhavam. Não parou de doer, eles só ficaram acostumados. Os socos, chutes, beliscões... Nada mudou na vizinhança. Eles até conseguiam revidar às vezes. Ou apenas esperavam Sawyer atingir o modo Hulk para sair batendo em todo mundo que via.

Um dependia do outro. Aiden podia ir para qualquer lugar quando estava muito machucado, mas sempre aparecia na porta da casa de Sawyer.

Keith podia fazer qualquer outra coisa quando seus pais brigavam, mas decidia chamar os amigos para jogarem bola no campo improvisado perto da praça onde Seth e seus amigos fumavam maconha.

Tristan nunca falava nada da sua vida. Ninguém desconfiava do que se passava naquela casa caindo aos pedaços, mas ele sempre aparecia, logo cedo, na casa de um deles.

Era um acordo silencioso: quando um precisava, a regra era ajudar.


Ao menos era assim. Deveria ter continuado assim. Mas garotos aos quatorze anos querem ser homens independentes. Querem continuar uma vida solitária. Um lobo sem sua alcateia. Todos eles pareciam ter mudado quando completaram quatorze anos.

As prioridades e as idas às casas um do outro mudaram.

A única coisa que permanecia era o caos na casa de cada um. Mas eles há muito já tinham se acostumado.

Eles estudavam na mesma escola. Todos naquele bairro estudavam lá. Uma escola pública. Quase não tinha aula por falta de professor ou todos os dias tinha alguma briga na frente da escola. Sawyer já protagonizou algumas. Metade delas era tentando defender seus amigos.

— Onde está Saw? — Keith perguntou. Embora as coisas tenham mudado depois de tanto tempo, eles ainda se encontravam de manhã para ir a escola. Sawyer faltava mais vezes que o necessário, mas ele era um dos mais inteligentes dos quatro.

— Vai faltar de novo — Tristan respondeu, arrumando a mochila nas costas — acabei de sair de lá. Seth disse que ele está doente.

Sawyer não ficava doente. Ficava machucado demais. As brigas entre os dois não mudaram. Apenas aumentaram quando Sawyer ficou quase do tamanho de Seth.

— Pirralhada. Vamos — Seth gritou atrás dos garotos — deixo vocês fumarem um se ajudarem na mentirinha — ele estava com os olhos vermelhos e estava sempre de camiseta cumprida para não mostrar as marcas do seu vício.

— Eu não quero nada. Não preciso que você... — Tristan começou a dizer, mas Keith o cutucou com o cotovelo.

— Vamos querer, valeu. — Keith disse e Seth lhe entregou um pequeno saco com maconha. Ele nem se importava com Sawyer ou os amigos dele, mas há muito tempo tinha se acostumado a bajular os amigos do irmão. Tudo para conseguir o que queria.

— Por que você pegou? — Tristan perguntou entredentes quando Seth foi correndo para a parada de ônibus.

— Quero fumar, ué — Keith deu de ombros. Eles tinham esse habito, mas Tristan tentava não fumar muito. Aiden adorava, sentia-se relaxado.

— Tô afim de aula não — Aiden disse, a garganta estava seca. Acordou com ressaca. Passou a noite bebendo com Sawyer na casa dele. E então Seth encontrou os dois com sua garrafa de vodca e bateu nele. Na frente de Aiden.

— Vamos matar, então — Keith disse, virando-se e voltando em direção a casa deles. — chama o Sawyer, Aiden — ele pediu — vamos para a piscina.

— Mas hoje é dia de semana! — Tristan murmurou. Ele tentava acompanhar o ritmo dos garotos, mas sabia o que lhe esperava em casa. Não podia fazer besteira.

— Para de ser tão mariquinha — Aiden revirou os olhos e riu — vamos tomar um banho de piscina. Tá calor demais para ficar numa sala com cheiro de suvaco.

Aiden ainda conseguia lembrar do rosto de Sawyer na noite anterior. Ele se contorcia enquanto seu irmão chutava suas costelas. Aiden queria fazer algo, mas Sawyer já o advertiu mais de uma vez que era para ele ficar longe de Seth. Ele ainda estava pensando nisso quando bateu na porta de Sawyer naquela tarde. Esperava ver a mãe do garoto. Sempre cheia de olheiras ou com um cigarro entre os dedos. Mas era Sawyer. Os olhos cansados por baixo de todo aquele roxo.

— Não vou pra aula, já avisei o mariquinha — Sawyer murmurou. Embora estivesse difícil de ouvi-lo. Sawyer não faltava a aula quando apanhava, só quando tinha vontade de faltar.

— A gente também não — Aiden deu de ombros e Sawyer o encarou, o cenho franzido — Seu irmão entregou maconha pro Keith e vamos para a piscina.

— Aí eu vi vantagem! — Sawyer sorriu. Ou ao menos tentou. Seu rosto estava estranho. Um pouco inchado. Mas Aiden sabia que aquilo era um sorriso.


Keith e Tristan estavam esperando Sawyer e Aiden na frente da casa de Keith. Sentados nos degraus, jogando pedrinhas no chão.

— Por que as princesas demoraram tanto? — Keith perguntou quando ergueu a cabeça e viu os garotos se aproximando.

— Vamos logo — Sawyer rosnou quando notou o olhar observador de Tristan e de Keith.

Os quatro nunca falavam sobre seus problemas. Normalmente Keith conseguia ver Seth batendo em Sawyer na frente da casa deles. Ou conseguiam escutar os gritos de Aiden pedindo para parar. Mas nunca falavam sobre isso. Nunca “você está bem?”. Não, eles apenas se cumprimentavam e sorriam. Sim, está tudo bem agora.

A piscina pública era um pouco longe. Eles sempre iam de ônibus até lá. Ninguém olhava para os garotos faltando aula. Ninguém se importava com nada e nem ninguém naquela cidade.

Nunca tinha gente lá. A água era suja e algumas mesas e cadeiras estavam quebradas, apesar de muitos reclamarem, ninguém mexia um dedo para ajudar. E então os garotos aproveitavam.

Keith estava preparando o baseado enquanto Sawyer, Aiden e Tristan tiravam as roupas para pular na piscina de cueca.

Seth ensinou Keith a fazer o “embrulho perfeito”. Seth estava bêbado e Keith estava na frente da casa, chutando sua bola contra a parede. O irmão mais velho de Sawyer estava quase caindo de bêbado antes mesmo de atingir a porta da casa dele. Keith viu o garoto se contorcendo para abrir a porta e foi até ele. Seth o encarou, estranhando a presença do garoto e disse “preciso entrar”, com a língua enrolada e um bafo forte de cachaça atingindo as narinas sensíveis do pequeno Keith. E então Seth desistiu de tentar entrar na casa e sentou nos degraus da frente.

Ele pegou um saco pequeno branco com alguma coisa verde dentro. “Maconha”, Keith lembra que pensou naquele mesmo instante. Seth viu o olhar do garoto e riu. “Olha”, Seth começou “vou te ensinar uma vez, depois não diga que sou malvado”, ele estava rindo e falando tudo enrolado, mas Keith prestava muita atenção. Ele nunca tinha fumado maconha, apenas experimentou um cigarro roubado de Sawyer.

Seth mostrou calmamente o processo. Ele mostrou duas vezes. Três. Mas Keith entendeu de primeira. Garoto esperto, sabe como é.

E então Seth entregou um saquinho apenas para ele “enrole um”. E foi o que Keith fez.

— Tá cada vez melhor! — Sawyer pegou o baseado entre os dedos e o analisou. Keith estava mesmo melhorando nessa arte. Fazia até melhor que Seth.

— Faça as honras, Saw — Keith disse, entrando na piscina. Sawyer acendeu o baseado e o tragou com muita vontade. Sentiu a fumaça chegando até o início da sua garganta e a largou, como se estivesse relaxando só naquele momento.

— Pode parar de monopolizar? — Aiden murmurou, pegando-o da mão de Sawyer. Seu sorriso já estava mais evidente no seu rosto. Talvez pelo sol atingindo sua face, ou a erva finalmente aguçando o que ele tinha de melhor. Aiden amava o sorriso de Sawyer. Era raro, então quando ele sorria, Aiden sabia que era sincero.

— Não vai passar essa, né? — Keith cutucou Tristan, que estava alarmado. Olhava para todos os lados, como se em breve alguém sairia de algum lugar para prender os garotos. Ou pior.

— Tristan — Sawyer se aproximou — você precisa relaxar — ele ergueu as sobrancelhas em expectativa. Tristan suspirou fundo e pegou o baseado. Os garotos comemoravam ao seu lado.

Era bom finalmente arrumar o laço que os unia. Colocar em dia o que estava faltando.

— Gente — Keith começou, de repente lembrando de algo — vocês não fazem ideia do quanto aquela garota tá me querendo! — tinha sempre uma garota que “tava querendo” o Keith. Os garotos já estavam cansados de histórias que nem sabiam se eram mesmo verdade. Sawyer não entendia toda aquela empolgação por uma garota. Aiden achava as histórias hilárias e Tristan pensava o quanto gostaria que ele parasse de falar sobre garotas e sexo.

Claro que todos ali ainda eram virgens. Eram crianças demais tentando agir como adultos. Eram muito problemáticos para conseguir ao menos conversar direito com alguém fora daquele ciclo deles. Os amigos de Seth sempre ficavam falando de garotas, e Keith os ouvia, invejando tudo que tinham.

Keith sabia que nem deveria pensar nisso. Ele nem queria uma garota na sua vida. Não queria despertar o lado agressivo dele. Keith tinha certeza que tinha esse lado. Não era assim que a genética funcionava?

— Ela disse para irmos na reunião da Cass.

— Quem diabos é Cass? — Sawyer murmurou, tragando o baseado.

— É nossa colega — Aiden disse, o sorriso iluminando todo seu rosto — ela vai fazer uma reunião na casa dela. Convidou a gente, não lembra?

— Provavelmente estava fazendo algo mais importante — Sawyer deu de ombros.

— E essa reunião, estamos convidados? — Tristan perguntou, fazendo uma careta.

— Toda turma tá! — Aiden revirou os olhos.

— Enfim — Keith balançou a cabeça, confuso com toda aquela falação — nós vamos, certo? A Cass estará sozinha em casa! — seus olhos brilhavam — e vai ter bebida. Maconha! E qualquer coisa que vocês precisarem — ele ergueu uma sobrancelha para Sawyer.

Keith tinha medo que Sawyer seguisse o mesmo caminho que Seth. Caído em algum beco com drogas em todo o corpo.

— Não quero — Sawyer fez uma careta — você sabe que sempre vão os amigos do meu irmão nessas porras.

— Para de exagero — Tristan disse. O que espantou os outros três. Logo ele pedindo para não exagerar — é só a nossa turma — ele revirou os olhos.

— Tanto faz — Sawyer deu de ombros.

— Ah, Sawyer — Aiden se aproximou do garoto, lhe passando o baseado — vamos, vai. — ele sorriu e Sawyer revirou os olhos, concordando.

Sawyer estava segurando um pano molhado e preto na piscina. Os garotos estavam boiando na piscina. O resto do baseado ficou para Sawyer, que finalizou dando um show.

— O que é isso? — Aiden perguntou, encarando aquilo na mão dele. Seus olhos estavam semicerrados por causa do sol em cima deles.

— Ele tá pelado! — Tristan estava rindo e aquele era o som mais lindo que os garotos já ouviram.

— Vamos ficar pelados! — Aiden disse, já pronto para tirar sua cueca.

— Vocês são muito viados — Keith riu, mas também estava tirando a sua — precisamos de mulheres.

— Não — Tristan murmurou — eu não vou tirar...

— Você não precisa — Aiden o tranquilizou.

— Ah, eu não acredito — eles ouviram algo atrás deles. Era um dos amigos de Seth. O mais velho. Ele tinha quase dezenove anos e ainda estava na escola. — tão tomando banho peladinhos, tão? — ele se aproximou de onde as roupas dos meninos estavam e as pegou. Tristan, em um ato quase corajoso, saiu da piscina. Era o único com a cueca ainda. Tentou correr atrás do garoto, mas ele era mais rápido e Tristan resvalava por causa dos pés molhados.

— Relaxa — Sawyer disse, boiando na piscina. Se mostrando para quem quisesse ver. Os garotos não queriam, de fato, ver. Então pegaram as cuecas molhadas e saíram da piscina — eles vão largar em algum canto — Sawyer fechou os olhos, deixando o sol encontrá-lo, mas os garotos já estavam se adiantando para fora da cerca da piscina pública. Correndo atrás de suas roupas. Estavam molhados e só de cueca. Mas não conseguiam parar de rir.

Sawyer permaneceu pelado boiando na piscina, aproveitando o fim de tarde.

Depois daquele banho na piscina os garotos foram até a praça. Não havia muito o que fazer na cidade e mesmo se tentassem ir mais além, ficariam perdidos. Já estavam perdidos na vida, não precisavam se perder na cidade também.

— Gostou de liberar o amiguinho? — Keith perguntou, cutucando Sawyer. Eles ainda estavam molhados, mas com as roupas.

— Amiguinho? — Sawyer ergueu uma sobrancelha — ah, você viu o tamanho, não fale no diminutivo.

— Sawyer tá sempre querendo liberar o amiguinho — Tristan disse, rindo. Os garotos sempre se surpreendiam quando ele falava coisas assim, mas então olhavam para a mão dele e viam o baseado e de repente tudo se explicava. Tristan não era um deles. Ele até tentava ser, acompanhar o ritmo, mas se tivesse bebida ou maconha, ele com certeza aproveitaria. Justamente para pegar o ritmo.

— Chega de falar disso, né — Sawyer retrucou quando enxergou os amigos do seu irmão se aproximando.

— Conseguiram recuperar as roupas? — o garoto mais velho perguntou.

— Depois que um babaca cagão deixou jogadas no chão — Sawyer disse, levantando.

— Babaca cagão? — os amigos começaram a rir e o garoto mais velho continuou com uma expressão séria no rosto. Aquele era o horário deles na praça. Mas Sawyer não se importava em quebrar as regras.

— Olha como você fala comigo, garoto — o mais velho o desafiou. Já estavam a alguns centímetros de distância — senão eu falo pro seu irmão — o garoto levantou a sobrancelha, degustando o momento em que Sawyer vacilou — você tem medo dele, não tem? — ele riu.

— Não tenho medo — Sawyer disse entredentes. Seus punhos estavam cerrados ao lado do corpo. Keith se aproximou.

— Ei, ei, ei — ele disse, tocando nos ombros dos garotos e os afastando — sem brigas.

— É, escuta seu namoradinho — o garoto mais velho sorriu, erguendo o queixo de maneira desafiadora. Sawyer ergueu as sobrancelhas. Ele só precisava de um motivo para socar a cara daquele garoto.

Em questão de segundos Sawyer afastou o braço de Keith do seu ombro e ergueu o punho esquerdo, com sede de sangue nos nós dos seus dedos. O garoto notou tarde demais que o punho de Sawyer tinha o acertado. Como pode, um garoto de apenas quatorze anos conseguir enfrentar um de quase dezenove? Sawyer nem ligava para isso. Ele tentava, e se conseguia, já era bom. E ele conseguiu. O garoto mais velho o encarou, incrédulo, tocando o próprio rosto.

— Você me paga, viadinho — ele cuspiu no chão, perto dos pés de Sawyer e se afastou com seus cachorros companheiros sarnentos. Sawyer ficou encarando o sangue cuspido no chão, vitorioso.

— Onde você tira toda essa coragem? — Aiden se aproximou de Sawyer. Os quatro estavam observando os garotos se afastarem.

— Sei lá — Sawyer disse, encarando a mão. Estava vermelha. Mas a sensação era maravilhosa — aprendi muito apanhando — ele deu de ombros.

Tristan não queria voltar para casa, então todos eles foram para a casa de Sawyer.

— Foi muito legal o jeito que você bateu nele! — Aiden estava dizendo, parabenizando o amigo.

— Não sei como ele não fez nada! — Keith disse, estava jogado na cama, encarando o teto — sabe que vai sobrar pra você, certo? — ele desviou os olhos do teto e encarou Sawyer, que estava sentado no chão encostado na parede ao lado de Aiden. Tristan estava sentado na cama perto dos pés de Keith.

— Não vai — Sawyer murmurou, mas ele sabia que estava errado.

Keith e Aiden se preocupavam com Sawyer, embora não falassem sobre. Eles sabiam que o jeito do amigo desencadeava toda a raiva em Seth. Tristan não sabia dizer o porquê de tanta raiva dentro daquela casa, já que a mãe de Seth e Sawyer parecia tão calma. Eles quase não a viam. Ela vivia dentro do quarto, só saía para fazer as compras. Que normalmente eram remédios.

Seth apareceu alguns minutos depois. O quarto ficou em silêncio com a expectativa. Ele encarou todos os garotos. Seu semblante não demonstrava raiva e nem alegria. Sawyer não lembrava quando viu o irmão rir de verdade ou quando sua face demonstrou algo além de desprezo ou tédio. Mas naquela noite era impossível saber o que ele diria.

— Soube que você deu um soco no Yago — ele disse, encarando o irmão. Sawyer estava encolhido na parede. Ele não estava com medo de apanhar. Ele só não queria apanhar na frente dos amigos — mandou bem — Seth murmurou e Sawyer conseguiu ver um pequeno sorriso se formando nos lábios do irmão antes de fechar a porta.

Aiden dormiu com Sawyer naquela noite. Mesmo sem machucados, ele não queria voltar para casa. Tristan não queria voltar, mas sabia que sua tia estava o esperando. E quando saiu da casa de Sawyer ao lado de Keith, a viu parada na frente da casa. Ela o chamou. Tristan foi. Keith encarou o amigo se afastando, a tia colocando a mão no seu ombro, estava sussurrando alguma coisa no seu ouvido.

Quando Keith entrou em casa a primeira coisa que viu foi sua mãe jogada no chão. Depois escutou seu pai no andar de cima. O barulho da cama. Como se alguém estivesse pulando em cima dela. Aquilo, definitivamente, nunca tinha acontecido.

Keith foi até sua mãe. Ela piscou o olho duas vezes quando ele a cutucou pelo ombro.

Seu bafo era de cachaça. Seu rosto estava marcado. A palma de uma mão perfeita. Keith respirou fundo.

— Está tudo bem? — ele sussurrou. Sua mãe o encarou, parecia confusa, mas assentiu e levantou.

— Preciso de um banho — ela disse, e foi até a cozinha. Keith balançou a cabeça.

Ele não queria subir. Não queria olhar para o quarto dos seus pais e ver o que não deveria. E deu graças a Deus quando não precisou subir. Por que seu pai estava no topo da escada, perto da sala. O encarando.

— O que você está fazendo aqui?

— Bom, eu moro aqui — Keith riu.

— Inteligente — seu pai foi descendo vagarosamente a escada. Ele só estava usando um calção. A barriga de cerveja saliente balançando enquanto ele descia.

— O que aconteceu com a mamãe? — Keith perguntou, mas logo se arrependeu quando viu o olhar do pai.

— Ela bebeu demais — ele deu de ombros e parou na frente de Keith. — Filho, você está fedendo — ele balançou a cabeça. Keith notou um movimento atrás do seu pai. No topo das escadas estava uma mulher. Não. Uma garota. Ela estava só de calcinha e sutiã. Keith queria vomitar.

— Amor? — ela chamou. Seu pai ergueu as sobrancelhas e olhou para trás — você já vem?

— Claro, querida — ele respondeu e voltou a atenção para Keith enquanto a garota voltava para o quarto dos pais dele.

— Eu não sei por que... mas não estou surpreso — Keith riu, nervoso — como tem coragem de fazer isso, seu velho fedorento?

— Olha como fala comigo, moleque — seu pai grunhiu, lhe dando um tapa na cara. Keith sabia, sem precisar olhar, que ficaria com a mesma marca da sua mãe.

Keith não fez nada. Ele não era corajoso o bastante como Sawyer, que batia em garotos mais velhos. Ele não daria esse prazer ao seu pai. Então apenas deu as costas a ele e foi para a cozinha cuidar da mãe.



Não muito longe dali, Tristan tentava dormir. Ele sabia que estava seguro no quarto dele. Sua tia estava longe. Mas era sempre um pesadelo quando o barulho da maçaneta o pegava desprevenido. A voz dela “está acordado, meu bem?”, lhe causando arrepios. Quando aquilo tudo começou? Ele nem sequer se lembrava. Só lembra que não se surpreendeu quando continuou. Como ele faria para parar? Ele sentia as lágrimas enquanto tudo acontecia. O gosto salgado delas encostando em sua boca. Tristan já pediu para para. Ele nem conseguia se lembrar. Se pedisse, ela pararia?

Sawyer estava deitado no chão, em cima do seu edredom rasgado. Aiden dormia tranquilamente naquele colchão fino. Uma vez ele disse a Sawyer que era melhor que sua cama. O edredom estava ao lado da cama, então Sawyer tinha uma visão perfeita do rosto de Aiden. A única iluminação entrando pela janela era da lua. Mas Sawyer já estava acostumado com a escuridão e poderia adivinhar cada ponto do rosto de Aiden só pela memória.

Quando eles chegaram perto da casa de Cass não se surpreenderam com a quietude daquele bairro. Muito diferente do bairro deles, que sempre tinha alguma criança chorando ou garotos como eles gritando pela rua. Naquele lado da cidade estavam todos quietos em suas casas. Tristan não queria estar ali. Sentia-se inseguro perto de pessoas que ele não conhecia. Sawyer foi apenas por que sabia que teria bebida de graça. E isso era o suficiente. Keith foi para tentar ficar com alguma garota. Aiden foi por que quanto menos tempo em casa, melhor. Eles acabaram com toda a maconha que Seth lhes deu, e também não gastariam com outras pessoas, mas sabiam que teria de sobra lá.

Por isso foi uma surpresa quando o silêncio os atingiu no segundo que pararam na frente da porta da casa da Cass. Que tipo de reunião tinha pessoas em volta de uma televisão assistindo a algum filme? Keith estava decepcionado. Tristan estava feliz por ser algo tranquilo. Aiden olhou tudo, sentindo-se seguro na casa de outra pessoa. Sawyer estava à procura de bebida. Sem sucesso.

— Keith — Cass se aproximou, sorrindo para o garoto e fazendo uma careta para os outros três — que bom que você veio.

Era de se esperar que não eram todos os colegas que gostavam deles. Eles eram barulhentos e nem sempre tomavam banho para ir a escola. Mas não eram piores e nem melhores que as outras pessoas que estavam ali. Todos os encaravam, como se os julgassem.

— Então, quando começa a festa? — Sawyer perguntou, ainda procurando alguma bebida. Qualquer bebida. Keith procurou pela garota que estava querendo, mas ela nem estava ali. Estavam na casa certa?

— Hum... — Cass murmurou, olhando Sawyer. Ele estava desarrumado. Não se arrumava pra nada. Seu cabelo raspado lhe dava impressão de ser um delinquente. Provavelmente era isso que ele queria. Seth raspou o cabelo de Sawyer quando ele tinha nove anos. E ele gostou do resultado, então Seth sempre raspava para ele, quando estavam em raros momentos de bons irmãos — essa é a festa — ela disse, parecendo ofendida.

— E onde está a Vanny? — Keith olhou por cima do ombro de Cass. Ela ainda não os havia convidado para entrar. Aiden estava ansioso, mexendo a perna. Tristan estava nervoso. Sawyer estava bravo.

— Ah — Cass mordeu o lábio. Estava frustrada — eu não a deixei entrar. Ela estava bêbada — ela tossiu — ela foi com um pessoal para o beco. Ou algum posto — ela deu de ombros — mas se vocês quiserem...

— Não — Sawyer disse. Keith estava pronto para recusar também, mas agradeceu mentalmente por Sawyer ter feito. Ele não gostava de ser grosseiro.

— Certo — Cass fechou a porta na cara deles.

— Que garotinha, ein — Sawyer riu enquanto iam para a rua. O céu estava estrelado. A noite estava começando, eles não a perderiam.

— Beco ou posto? — Aiden perguntou, esfregando as mãos. Estava frio.

— Vamos no posto, quero comprar uma bebida — Keith disse.

— Ah, sim — Tristan riu — como se vendessem algo pra você.

— Eles vendem — Keith baixou a cabeça.

— Tem um cara lá no posto — Sawyer cutucou Tristan, sussurrando — que vende bebida pro Keith se ele mostrar o pênis.

— Mas isso é nojento! — Tristan berrou e Sawyer o cutucou com o cotovelo.

— Sim, é — Aiden concordou.

— Mas fazer o que, meus amigos? Ele não pede mais nada — Keith deu de ombros. Ele sabia disso por que um dos amigos de Seth contou a eles “tem um cara no posto que vende bebida. Você só precisa mostrar o amiguinho”. Eles não acreditaram. Keith e Sawyer foram até lá e o garoto, aproximadamente uns vinte anos, disse “se você mostrar o que quero, te vendo”. E ele mostrou. Sawyer era o único que sabia disso.

— Não deveria nem pedir para ver — Tristan murmurou. Ele odiava isso. Odiava que os amigos achassem isso normal — você vai fazer isso, Keith? — ele perguntou, se aproximando do garoto enquanto Sawyer e Aiden ficavam se cutucando atrás.

— Eu não queria, Tristan — Keith suspirou — mas eu tô querendo beber.

— Você não precisa... — Tristan começou, mas parou quando viu uma garota loira correndo na direção deles. Ele ficou alarmado, mas logo notou o sorriso no rosto de Keith.

— Vanny! — ele abraçou a garota, que colocou as pernas em volta da sua cintura. Eles estavam perto do posto, Tristan conseguia ver as luzes do lugar ao longe. Não queria ir até lá. Não queria ver o garoto malvado.

Algumas pessoas atrás de Vanny estavam com sacolas e Tristan suspirou de alívio quando Sawyer pegou uma garrafa da sacola de um garoto. Pelo menos não iriam até o posto.

— Pessoal, vocês viram aquela festa caída? — Vanny estava dizendo. Eles sentaram perto do posto, na calçada. Tristan ficava encarando para ver se via o tal garoto, mas tudo estava silencioso demais. Os amigos de Vanny eram duas garotas e um garoto. Todos estavam na mesma turma na escola.

— Eu vi — Keith riu, tomando a tequila direto da garrafa. Sawyer estava acendendo o baseado de uma das garotas.

— E vocês, rapazes — Vanny olhou para os quatro garotos. Aiden estava conversando com as amigas dela, Tristan ainda estava encarando o posto, Sawyer e o amigo de Vanny estavam fumando e Keith não tirava os olhos do decote dela — que bom que nos encontramos, hein.

— Estava contando com isso — Keith disse, tentando flertar com ela.

Tristan revirou os olhos e saiu de perto, incapaz de presenciar aquela cena. Ele encarou os garotos por alguns segundos. Tristan pensava que seria uma noite entre amigos, mas até o momento só conseguiu se decepcionar com eles.

— Quer? — Sawyer perguntou, notando o nervosismo do garoto. Tristan aceitou. Ele sabia que ficava melhor quando fumava.

— Para de corromper nosso pequeno — Aiden disse, dando um soco fraco no braço de Sawyer — quer ir pra casa, Tris? — ele perguntou. Aiden e Keith se preocupavam com Tristan.

— Não — Tristan negou, rapidamente. Ficou tão ansioso com a menção “casa” que se engasgou com a fumaça.

— Calma, calma — Aiden riu e levantou da calçada, batendo nas costas dele.

— Qual problema dele? — o amigo de Vanny perguntou a Sawyer. Aiden virou para encarar o garoto. Semicerrou os olhos para ele.

— Qual o seu problema? — Aiden perguntou, se aproximando do garoto. Ele era o mais alto, do tamanho de Sawyer, mas pareceu intimidado pela raiva de Aiden. Uma das garotas que ele estava conversando antes se aproximou.

— Calma, Aid — ela disse, tocando no ombro dele.

— Acho que já ficaram nervosos — Keith disse, se aproximando dos garotos. Tristan não sabia que ele estava tão longe, mas notou que seus lábios estavam manchados. E o rosto de Vanny estava sujo. Eles estavam se beijando!

— Foi rápido dessa vez — Sawyer disse rindo e levantou do chão.

— Qual o negócio com vocês? — uma das garotas perguntou. Keith a encarou, ele tinha certeza que sabia o nome dela, mas não saberia dizer: ele estava muito ansioso. Ele beijou Vanny! Ele tocou no seio dela!

— Como assim? — Tristan semicerrou os olhos para ela.

— Vocês estão sempre juntos — a outra garota completou — as pessoas na escola acham que são irmãos...

— Irmãos? — Keith riu — basicamente — ele deu de ombros — mas somos amigos. É que nos conhecemos há muito tempo.

— Tudo bem — o garoto amigo delas se pronunciou, estava rindo — na verdade elas não dizem que vocês são irmãos.

— Dizem o que então? — Sawyer encarou o garoto, o cenho franzido.

— Que vocês são namorados — Vanny disse, rindo. Keith a encarou, confuso. Eles se beijaram e agora ela estava falando aquilo?

— Nós quatro? — Tristan riu. “Ele está rindo. Isso é bom”, Sawyer pensou, notando o baseado ainda em sua mão.

— Que besteira — Aiden completou, inseguro — quem disse essa merda?

— Alguns amigos do Seth — Vanny deu de ombros — ninguém acredita... — do jeito que ela falou, eles sabiam que acreditavam, sim. Inclusive ela e seus amigos ali.

— Ah — Sawyer riu — eles estão sempre falando essas coisas — ele se aproximou de Tristan e pegou o baseado da mão dele. A maconha era da Vanny, mas ele tinha um plano: sair dali com a maconha e a tequila. Aiden pegou a garrafa de tequila no chão, notando o olhar de Sawyer. Eles se conheciam bem demais — eu vou atrás desses filhos da puta! — Saywer disse, e saiu correndo com o baseado na mão.

Vanny e seus amigos apenas encararam o garoto correndo de volta para o bairro onde moravam. Keith não entendeu muito bem o que estava acontecendo, Aiden segurou a garrafa e correu com Sawyer, sem ninguém notar. Tristan sentiu que perdeu alguma coisa naquele movimento todo, mas estava muito mais concentrado naquele garoto dentro da loja do posto. Agora ele conseguia ver. O garoto usava óculos e uma viseira ridícula. Estava atrás da caixa registradora lendo alguma revista.

— Onde eles foram? — Keith perguntou. Tristan escutou, mas estava ocupado indo até o posto — Tristan!

— E ai, moleque. Quer alguma coisa? — Tristan encarou o garoto. Como ele chegou tão rápido lá? Ele leu o crachá: Alby.

— Quero que você pare de ser um pervertido de merda! — Tristan respondeu. Fazendo Alby o encarar. Ele levantou dali e Tristan ficou assustado, mas logo se acalmou ao sentir as mãos de Keith em seus ombros.

Alby encarou Keith. Ele lembrava. Claro que lembrava.

— Ei, Alby — Keith disse, sua voz era um sussurro perto do ouvido de Tristan. Aquilo o deixou nervoso. Ele estava tremendo nas mãos de Keith.

— Keith — Alby disse, encarando os dois garotos — acho melhor vocês saírem daqui.

Keith levou Tristan para fora. Ele ainda estava tremendo, mas parecia mais calmo do lado de fora da loja. Vanny e seus amigos nem estavam mais ali. Keith levou Tristan para a sua casa.

Eles nunca falaram sobre aquilo.


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