August – POV

Eu acabei sendo o primeiro a acordar. Eu estava sentado, encostado no grande balcão da loja, que deveria servir de caixa. Eu não sabia que horas eram. Mas já estava um pouco claro. Espero que não tenha passado das 10h, precisamos aproveitar toda a luz do dia. Olhei para baixo e encontrei Sarah que dormia aconchegada ao meu peito. Lauren estava deitada num canto aleatório da loja, ela estava com uma grande blusa de frio, que ela improvisou de cobertor. Gael estava mais afastado de todos nós, estava esparramado no chão e também dormia pesadamente. Eu acabei esquecendo de parabenizá-lo pela coragem de ontem. Se estivéssemos em uma situação normal, eu entregaria uma medalha para ele. Mas a nossa realidade era outra.

Levantei tomando cuidado para não acordar Sarah. A deitei novamente no chão e olhei para um relógio de ponteiros que estava numa parede da loja. Eram 7h38 da manhã. Soltei um suspiro, agradecendo por ainda ser cedo. Fui até a pequena área de funcionários e vi que tinha um pequeno banheiro mais ao fundo. Fui até ele e abri a torneira, joguei bastante da água gelada em meu rosto, tentando acordar. Eu estava cansado, mas precisava ser forte. Eu era o mais velho desse grupo, e enfrentei tudo até agora da maneira que aprendi no exército, mas acontece que minhas táticas precisam mudar. Não é uma simples missão. Estamos vivendo o apocalipse, tenho que matar seja lá quem for e fazer de tudo para salvar minha esposa. Lauren e Gael talvez sejam boas pessoas, mas eles não são minha responsabilidade. Estou apenas os ajudando e querendo levar eu e minha esposa para um local seguro. Se a empresa, onde Gael diz ser dono, for segura, deixarei Sarah por lá e farei de tudo para mantê-la viva até essa merda acabar.

— Acordou cedo? – virei meu rosto ao ouvir uma voz, era Gael. O cabelo castanho escuro estava totalmente bagunçado, devido a posição que dormiu. Ele tinha uma expressão cansada.

— Precisamos aproveitar a luz do dia. Melhor acordar as meninas enquanto ainda é cedo. – falei sério observando meu reflexo no pequeno espelho. Meus olhos verdes estavam com marcas arroxeadas, passei a mão pelos meus cabelos ondulados. Automaticamente massajei minhas têmporas.

— Seria melhor mesmo. Na atual situação usarmos a luz do dia é essencial. – o tom arrogante de Gael me enjoava. Concordo que ontem ele foi muito corajoso, mas eu ainda tinha uma antipatia por ele.

— Você não é daqui, não é? – acho que existia um motivo pra voz dele me enjoar.

— Não mesmo. Sou carioca. – sabia... O sotaque dele não era tão puxado, mas mesmo assim era aquele sotaque irritante. – É por isso que você não vai com a minha cara? – lancei um olhar de "grande dedução, gênio". - Olha, foi mal. Eu não quis ser arrogante com você, mas esse é meu jeito, não consigo mudar. Estou acostumado a ser o dono de tudo, o líder... – sua voz saiu baixa, como se doesse para ele lembrar de alguma coisa. – agora isso não importa mais. Estou sobrevivendo para mim mesmo. – Gael sorriu, mas era um sorriso melancólico. Ele me estendeu a mão, como se esperasse um cumprimento. – Podemos começar novamente?

Olhei fixamente para a mão dele, estendida no ar. Talvez eu tivesse o julgado errado, talvez ele estivesse apenas se protegendo. Não posso culpá-lo. Ele é apenas um homem normal vivendo um apocalipse. Querendo ou não... Eu também era.

— Podemos. – apertei a mão dele. Gael pode ser o que for, mas ele é corajoso. E eu preciso de alguém assim ao meu lado.

Passei por ele e fui até as meninas que ainda estavam dormindo. Toquei levemente no ombro de Sarah, chacoalhando-a delicadamente, os olhos castanhos dela me miravam de maneira preguiçosa. Seu corpo se levantou devagar, ela coçou os olhos e se espreguiçou.

— Vamos sair em 20 minutos. Se arrume e pegue o que achar necessário. – falei dando um leve selinho em sua boca, ela concordou com a cabeça e se levantou. Vi que Lauren também estava levantando. Ela passou a mão pelos cabelos louros, alisando-os. Ela passou por mim sem falar nada e foi até o pequeno banheiro. Acho que Lauren não tem um bom humor matinal. Eu dei de ombros e resolvi colocar minha roupa.

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Melody – POV

Abri meus olhos delicadamente. Minha cabeça doía e meu corpo também estava doendo. Eu estava numa posição desconfortável, e acredito que esse seja o motivo da minha dor. Levantei meu corpo devagar, olhei ao redor e vi que não havia mais ninguém no cômodo. Minha mochila e a Springfield estavam num canto, próxima a mesa. Eu fui até a pequena geladeira e peguei uma garrafa de água (que eu havia colocado no dia anterior), abri e tomei um longo gole. Minha garganta estava seca. Mas eu tenho outra coisa pra pensar, onde estavam todos?

Peguei minha mochila e a arma e subi o pequeno lance de escadas. Vi que Ana, Melissa e Nicole estavam sobre o balcão. As três viraram para mim, me lançando um leve sorriso.

— Bom dia! – Ana falou num tom alegre.

— Bom dia... – falei espreguiçando o corpo. – Onde estão os outros?

— Miller, Alan e Bella foram até um mercado aqui próximo pegarem coisas para comermos, devem estar voltando a qualquer momento. – Nicole me explicou, ela estava sobre o balcão com as pernas cruzadas.

— Você poderia aproveitar e se trocar. – Ana falou para mim. – Eu também peguei roupas pra você naquele shopping, eu não sei bem seu estilo, mas espero que você goste. – Ana remexeu numa das grandes mochilas e me entregou uma sacola, onde pareciam haver sete combinações de roupa.

Abri a sacola e fiquei observando as roupas que ela pegou para mim. Eu acabei optando por uma regata curta preta, uma blusa bege de botões, a saia estilo colegial preta, meias que iam até metade de minhas panturrilhas e um all star rosa de cano alto. O ambiente estava quente, e eu detestava usar calças, eu tenho uma paixão imensa por saias. Me troquei na frente das meninas e soltei meus cabelos.

— Você fica bem mais bonita de cabelo solto. Você deveria usá-lo mais assim. – Melissa comentou me analisando.

— Eu não consigo, eu me acostumei com o rabo-de-cavalo. – meu tom de voz era esnobe, como sempre. E percebi que Melissa fechou o rosto para mim.

— A propósito. Por quê resolveu vim com a gente? – eu estava muito curiosa pra saber isso. Afinal, nós conhecemos Melissa no dia anterior, claro que foi Miller que deu a ideia dela nos acompanhar, mas ela podia simplesmente negar, não é mesmo.

— E-eu? Bem... É que... – percebi que ela abaixou os olhos por um instante, quando os levantou ela focou automaticamente em Ana. Eu soltei um leve sorriso. Já havia compreendido.

A porta abriu, fazendo um leve rangido. Bellatrix estava com o rosto vermelho, Alan também estava da mesma maneira, Miller estava com seu olhar indecifrável. Eles estavam com as mochilas cheias e aparentemente pesadas.

— Trouxemos comida para umas 4 semanas. – disse Miller com um ar triunfante. – A nossa sorte foi que ninguém saqueou o mercado.

— Ta bom! Vamos deixar essa informação de lado. Precisamos traçar um plano. – falei decidida, colocando as mãos na cintura. – Bellatrix, onde fica sua casa? – a expressão dela foi de susto, como se não estivesse preparada para isso.

— Eu moro a doze quadras daqui, é um pouco longe. Mas... – ela colocou a mão sobre o peito. – Eu não queria criar falsas esperanças. – os olhos dela estavam brilhantes, como se fosse chorar a qualquer momento.

Vi que Alan colocou a mão sobre o ombro dela, num belo gesto de companheirismo. Ambos trocaram um leve sorriso. Eu ainda não entendia como esses dois não se assumiram. Tava mais do que na cara que um gostava do outro.

— Então vamos fazer o seguinte. – coloquei as mãos sobre o balcão, fazendo com que todos olhassem para mim. – Vamos para sua casa, acolhemos sua mãe e irmã, e depois precisamos seguir para encontrar quem Miller está procurando! – após eu dizer isso pude perceber que pela primeira vez nesses dias, Miller esboçou alguma coisa. Esperança? Medo? Eu não sabia dizer. Mas não era sua expressão fria... Era bem humano.

— Vamos com as bicicletas, não é? – Nicole me tirou de meus devaneios e apontou para as diversas bicicletas nas paredes. Eu tinha que admitir que seria bem mais fácil nos locomovermos com as bicicletas, mas tinha um porém.

— Eu... eu não sei andar de bicicleta... – murmurei abaixando meu olhar. Percebi que todos me lançaram impressionados.

— Mas todo mundo sabe andar de bicicleta! – Alan se pronunciou surpreso.

— Mas eu não sou todo mundo! – falei alto. Eu tinha vergonha disso. Eu havia tentado andar de bicicleta quando era pequena, mas eu me acidentei, e meu pai (sendo muito protetor), não deixou eu tentar novamente.

— Você pode vim na minha garupa. – Miller falou, como se essa fosse a solução mais óbvia. – Também é bem mais prático, por que qualquer coisa, você pode atirar enquanto eu continuo pedalando.

— Olha, tenho que admitir que seria uma grande ideia. – Ana se pronunciou. – Seria mais prático andarmos em duplas, por que assim um se encarregaria de pedalar e o outro ficaria atento aos zumbis ao redor.

— Mas tem um pequeno porém. – Nicole se pronunciou, levantando a mão. – No total somos sete, alguém, obviamente eu, ficaria sozinha.

Nicole estava certa. De acordo com a situação atual, eu acompanharia Miller. Bellatrix iria junto com Alan. Ana com Melissa. E Nicole ficaria sozinha.

— Eu acho que seria melhor termos só dois acompanhados! – Miller se pronunciou outra vez. – Um pra cuidar da dianteira e o outro da reta guarda. Não haveria necessidade de todos termos pares.

— Vamos decidir logo. Por que quanto mais tarde ficar, vai ser pior para nós. Temos que aproveitar a luz do dia. – chamei a atenção de todos. – Acho bom levarmos velas, não sabemos aonde vamos ficar.

Todos nós começamos a nos arrumar. Pegamos também protetores de joelhos e cotovelos do estoque. Não era uma armadura, mas caso algum de nós caíssemos, essas partes estariam protegidas.

Após alguns longos minutos, nós comemos e estávamos prontos para partir. Bellatrix acabou pegando a primeira bicicleta, indo sozinha na frente, para nos guiar. Melissa acabou indo junto com a Ana, Ana empunhava a Ithaca. Ela finalmente aprendeu a atirar de vez. Não podia deixar de sentir um leve orgulho. Alan e Nicole estava no meio, observando tudo ao redor. Eu e Miller estávamos cobrindo a reta guarda. Eu empunhava minha Springfield, sempre mirando para os lados.

Bellatrix – POV

Eu estava na frente. Outra vez todos me seguiam. Eu fui criada nesse bairro desde pequena, e conheço ele como a palma da minha mão. Mas... Eu estava estranhando esse lugar. Com todos esses monstros por aqui, este bairro não era mais a minha casa.

— Cuidado! – ouvi o grito de Ana, logo seguido, ouvi um tiro. Tinha um zumbi bem na minha frente que foi dilacerado pela bala que atravessou sua cabeça.

— Presta atenção no caminho! – Melissa gritou.

Eu estava me distraindo. Isso não podia acontecer. Comecei a pedalar mais rápido, e quanto mais me aproximava de minha casa, mais desses monstros apareciam. Os tiros ficaram mais altos. Eu dei uma leve olhada para trás, vi que Ana e Melody atiravam nos que estavam mais próximos, mas os tiros faziam com que cada vez mais deles aparecessem. Voltei a focar no caminho a minha frente.

Falta só mais algumas quadras e logo chegaríamos até minha casa. Eu não ia desistir.

Eu ouvi um barulho alto. Parecia trovão. Olhei para o céu e ele começou a ficar cinza. Não seria possível. Vai começar a chover agora? Justo agora!

Pedalei mais rápido. Faltava só mais uma quadra e... Ali estava! Eu conseguia ver o portão de casa. O portão de ferro preto. Eu não consegui evitar de sorrir. Eu estava tão distraída que não vi os dois corpos que estavam na minha frente.

Eu caí da bicicleta, batendo as costas no chão. Vi que os corpos em que bati não eram mais humanos, o rosto deformado se aproximou de mim, tentando me morder. Eu usei um dos golpes que aprendi na aula de muay thay, dei um chute na cabeça, que não surtiu muito efeito. Peguei a arma que estava no coldre e atirei logo na cabeça. Sangue e miolos caíram sobre meu rosto.

— Bella! – Alan gritou freando a bicicleta e mirando uma pistola para o outro zumbi. Meu queixo caiu quando vi de quem se tratava. Mas antes que eu pudesse falar qualquer coisa, o tiro que veio da arma de Alan desfigurou o rosto de Tamara. Minha antiga professora... – Você está bem? – Alan apareceu do meu lado. Seu rosto carregava uma expressão de medo. Eu apenas assenti com a cabeça. Estava tentando aceitar a informação de que vi minha antiga professora como um zumbi.

— Onde fica sua casa? – Ana falou alto, assim que se aproximou de mim. Eu apenas apontei para o grande portão de ferro preto. – Você tem a chave? – Se eu me lembro, ela estava na minha mochila. Eu retirei a mesma de minhas costas e vasculhei num dos bolsos, retirando o molho de chaves com mais chaveiros do que chave.

— Bella... O que aconteceu? Você está em choque. – Melissa se aproximou de mim, colocando a mão em meus ombros.

— Desculpa... É que... – Virei meu rosto e vi que Melody, Miller e Nick também se aproximavam. Apontei para o corpo (agora realmente morto) no chão. – Ela já foi minha professora...

Todos me lançaram um olhar de pena. Eu não me importei em compreender, ainda estava tentando processar a informação.

— Bellatrix, agora não é hora. Vamos entrar na sua casa logo! – a voz de Melody me parecia distante, mas eu obedeci.

Mexi no molho de chaves, procurando a do portão, fui em direção a ele e a coloquei na pequena fechadura. Entrei pela garagem e fui até a porta de madeira. Todos estavam atrás de mim. Eu remexi outra vez no molho e procurei a chave da porta. Minha mão tremia de medo e insegurança. Girei a tranca e assim que abri a porta vi um cano de arma apontado para minha cabeça.