Beyond escrita por LanisDias


Capítulo 5
Brisa




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Lutei para manter a atenção no quadro durante as aulas. Sentar atrás foi uma má ideia, se eu ficasse na frente talvez a criatura irritante não ficasse me atormentando de cinco em cinco segundos.

Primeiro ele quase me levou a loucura perguntando sobre meus hematomas, que eu tratei de esconder debaixo do casaco para sempre. Depois queria saber se o meu nome era Brisa mesmo. Ignorei. Perguntou minha cor favorita. Não respondi. Pediu meu número de telefone ou celular. Limitei-me a encará-lo e fazer uma careta. Ele sorriu.

Ah, o que eu fiz para merecer isso?

No recreio meus tímpanos estavam a ponto de decretar suicídio, mas ele não deixou de me fazer perguntas.

— Então, quantos anos você tem? – ele disse com a cara mais cínica.

— Se eu responder você vai me deixar em paz?

— Você me responde e eu penso no assunto.

Sentei-me no banco mais distante do refeitório.

— Dezesseis.

— Até que enfim me respondeu alguma coisa. Você deveria me tratar com o respeito que eu mereço.

Bufei, imaginando quanto tempo ele continuaria me atormentando.

— Então me explica, você tem certa fixação por Deus, não é? Só anda com essa Bíblia de um lado para o outro.

— Te incomoda?

— Nem um pouco.

— Ótimo.

Abri a Bíblia e comecei a ler.

— Então – ele me interrompeu novamente. -, você sempre afasta todas as pessoas, assim como faz comigo?

— Só as irritantes.

— Como eu? – ele disse sorrindo ironicamente e apontando para si mesmo com o polegar.

— Sim, como você.

— Acho que eu devia estar realmente lisonjeado! – ele fez uma cara de sarcasmo.

Focalizei em um ponto atrás dele onde as jogadoras faziam uma rodinha em torno de um pobre coitado. Quando elas iriam se cansar de bancar as valentonas?

— Você já fez parte do time de vôlei, certo? – ele me arrancou dos meus pensamentos.

— Certo.

— Como conseguiu um lugar no time com essa altura?

Ignorei a afronta e respondi.

— Eu era a líbero – Sim, durante dois anos eu joguei no time da escola. Eu era a melhor na minha posição, já cheguei a ir em vários torneios e ganhar algum. Mas isso foi antes de tudo mudar.

Passei pelas duas faxineiras que tinham me ajudado no dia anterior e sorri para elas, acenando com a mão. Elas me cumprimentaram com a mesma alegria.

— Quer dizer que você é popular com os funcionários da escola?

— Elas só – tentei encobrir os fatos. –, me fizeram um grande favor uma vez.

— Então quer dizer que você é agradecida aos outros, mas não a mim? Qual o motivo da implicância?

— Elas não ficam me fazendo perguntas o dia inteiro! – arrematei.

Ele se manteve calado enquanto íamos para a sala, o que foi realmente um milagre. Por onde passávamos, grupos de meninas cochichavam sobre a nossa aproximação. Falta do que fazer é um problema gravíssimo! Adiantei o passo a fim de pegar a sala vazia. Só as mochilas preenchiam as cadeiras. Finalmente, paz!

 - Brisa... – a vozinha veio de trás de mim.

— Garoto – eu o repreendi com o olhar. – Você poderia ficar calado só por esses dois últimos horários?

Ele deu um sorrisinho e acrescentou:

— Claro. – ele se jogou na carteira cobrindo o rosto com o capuz preto.

Ok, eu precisava de amigos, não de um encosto. Sentei e peguei a Bíblia. As primeiras frases bagunçaram na minha mente. Eu estava muito dispersa para ler. Eu só não sabia direito o que estava lotando minha mente de pensamentos. Em parte era o próximo ataque das meninas do vôlei, mas o esquisitão atrás da minha carteira também ocupava um lugar. Um escaninho do meu cérebro onde as coisas que me intrigavam eram guardadas.

A professora de literatura entrou na sala. Aquela mulher exalava uma aura de velhice. Não uma velhice normal. Era tipo, múmia egípcia. Cruzes! Odeio essa aula. Não pela leitura, eu amo ler – percebe-se –, uma boa ficção principalmente, que me leve para longe do meu mundo e dos meus próprios problemas. Mas os livros da escola? Estão virando pó de tanto tempo que estão na biblioteca. Será quando foram escritos? Há uns três mil anos, talvez? Apesar de eu conhecer um livro com mais do que aquela idade e bem mais interessante.

Olhei para trás e Adriano – eu sei o nome dele?— tinha a cabeça apoiada sobre os dois braços cruzados em cima da carteira. Um filete de baba escorria pela sua bochecha. Nojento. Deixei os olhos viajarem entre o quadro e o teto e esperei pela eternidade até que a aula acabasse. Pelo menos as jogadoras tinham filado as últimas aulas e eu não teria problemas hoje. Assim espero.

O sinal tocou e todos saíram correndo da sala. Jesus, não deixa esse menino acordar. Esperei pelo silêncio. Guardei meu material na mochila com cuidado. Passei a perna para o lado de fora e levantei. Profissionalismo, Brisa, isso mesmo. Quando finalmente parecia livre, dei um passo e minha mochila enroscou no braço da carteira que veio para frente fazendo o maior barulho. Parabéns para mim, mestre da fuga.

— Estava pensando em me deixar aqui sozinho? – ele disse espreguiçando-se. – Que maldade...

— Olha – eu o adverti. – Me deixe em paz, ok?

Saí em disparada com ele atrás de mim.

— Ei, espera! – ele me alcançou na porta da saída e segurou meu braço.

— O que é?

— Que tal sair comigo no final de semana para tomar um sorvete?

Dei-lhe as costas como resposta.


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Notas finais do capítulo

A monotonia vai acabar, prometo.