Beyond escrita por LanisDias


Capítulo 23
Brisa


Notas iniciais do capítulo

EITA



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Acordei com o som de risadas. Minha cabeça latejava. Abri os olhos com esforço. Minhas mãos e pés estavam amarrados, e um pano prendia minha boca e palavras. “De novo não”, pensei.

— Olhem, meninas – Larissa se pronunciou. - O nosso monstrinho finalmente acordou.

Elas me arrastaram para o centro da sala, sem parar de rir e zombar de mim. Me colocaram de joelhos. As luzes da casa estavam meio apagadas. Mas reconheci a casa da líder das jogadoras. Os pais dela costumavam viajar muito. Na verdade, eles nunca voltavam para casa, mesmo quando não estavam ocupados. E a Larissa aproveitava para fazer o que queria com a própria casa.

Larissa se aproximou e puxou a fita da minha boca bruscamente. Gemi baixinho com a dor.

— Brisa, Brisa, Brisa... – ela continuou. – nós realmente pensamos que você seria fácil de domar – fez um muxoxo – Ou você é muito corajosa, ou muito burra!

— Eu... Eu não sei do que você está falando. – Eu disse e imediatamente recebi um chute em minhas costelas da garota atrás de mim. O ar vazou dos meus pulmões.

— É o seguinte, vamos brincar de “só falar a verdade”, tudo bem?

— Eu não minto – respondi encolhida pela dor.

— Ótimo. Sendo assim, nós não perderemos tanto tempo tendo que te torturar. Você vai admitir diante de mim e das minhas amigas que nos dedurou para o diretor e aí poderemos dar o seu merecido castigo.

— Como é? - perguntei.

— Não se faça de desentendida! Recebemos uma advertência e fomos suspensas. – seus olhos chamuscavam de raiva. – E a culpa é toda sua.

— Olha, eu não falei nada para o diretor, deve ter sido um engano...

Outra garota me chutou nas costas.

— Mentirosa!

Respirei fundo sentindo a queimação no local onde eu fora atingida. A primeira menina a me chutar segurou meu ombro e desferiu vários golpes em meu estômago, me fazendo perder o ar. Fiquei caída no chão por alguns instantes até que a garota me pôs de joelhos novamente. Olhei profundamente nos olhos de Larissa.

— Eu... Não falei... Nada! – Eu estava sem fôlego.

— Mesmo? Tudo bem, vou acreditar na mocinha que nunca mente. Mas nós fomos suspensas e alguém abriu o bico. Certamente foi você quem contou para esse alguém. - ela me olhava de cima com certa apreciação por me ver sofrendo - Quem?

Pensei nas únicas pessoas para quem tinha contado. Fernanda e Adriano. A Fernanda não trairia minha confiança, já que eu guardava um segredo seu também. E Adriano não seria tão irresponsável. Ou seria? Claro que sim, esqueci que estava falando de Adriano. Agora eu tinha duas opções: Entregá-lo ou mentir.

Preferi o silêncio.

— Ah... – minha expressão me entregou. –Então você sabe quem foi. Por que não fala, aberração? Nós te soltaremos e deixaremos você em paz.

Continuei calada.

— O que foi, aberração? O gato comeu a sua língua?

Nada.

— Vai se arrepender se não falar...

Elas me estudaram calmamente. Depois de alguns instantes, Larissa voltou a falar.

— Sabe Brisa, eu não queria machucar você. Porém, é a única opção que me resta – esperei por mais pontapés que não vieram. - Monalisa, pode trazer.

Eu ainda não tinha percebido a menina acuada no canto da sala. Ela me olhou com o mesmo olhar de pena e se dirigiu à líder, entregando-lhe um objeto preto. Meus olhos se arregalaram ao reconhecer a Bíblia da minha mãe.

— Não – Eu disse com lágrimas nos olhos – Por favor, não façam nada com a minha Bíblia!

— Um nome, aberração! – Ela disse – Tudo o que queremos é um nome.

— Por favor... – Minhas lágrimas caíam agora – Façam tudo o que quiserem, menos isso.

Larissa abriu a bíblia, arrancou as primeiras páginas e segurou um isqueiro debaixo delas.

— Diga quem foi ou vai se arrepender.

Eu só conseguia chorar. Aquele livro era o que mas fazia eu me lembrar da minha mãe. Lê-lo me aproximava mais de Deus e afastava a dor por tê-la perdido. Larissa queimou a ponta das folhos e deixou o fogo lamber aquelas letras tão preciosas.

— Não! – Gritei, tentando me arrastar até lá, mas as cordas que atavam meus pés e mãos atrás das costas não permitiam-me mover um centímetro sequer. – Pare! Eu imploro! Qualquer coisa! – Meu choro parecia não comovê-las.

— Um nome. – O rosto de Larissa era duro e frio. Ela jogou o papel em chamas no chão e jogou álcool em cima, adicionando mais folhas retiradas da minha Bíblia.

Me debati tentando me soltar das garotas que me seguravam, mas elas eram realmente fortes. Tentei virar o rosto, mas uma mão de ferro me fez olhar diretamente para as chamas devoradoras.

— Quem?

Nada saiu da minha boca, exceto meus soluços. Minha respiração estava acelerada. Mais páginas caíram no fogo. Mais lágrimas caíram do meu rosto.

Isso durou por mais alguns minutos. Meu rosto estava sujo de lágrimas e sangue que escorria do meu nariz, por causa dos vários murros que elas me davam. Eu não sentia mais nada. Minha cabeça flutuava, como se mu corpo fosse um recipiente vazio de emoções. Meu corpo não liberava nenhuma reação a dor. A corda ainda machucava meus pulsos. As chamas continuavam a devorar o papel. Monalisa permanecia petrificada do outro lado da sala. E eu não conseguia encontrar minha voz.

— Vê? – Larissa ergueu o que restava da Bíblia de minha mãe – Se você ainda quer esse livro insignificante é melhor me falar o que eu quero saber, serzinho repugnante. – Ela disse entre dentes.

Levantei o olhar na altura do seu rosto. Seus olhos brilhavam com uma fúria enorme. Seus lábios estavam comprimidos em uma linha. Eu não conseguia entender de onde vinha tanto ódio.

— Me fala! – Ela gritou – Me fala, antes que eu jogue esse lixo inteiro no fogo!

Olhei em seus olhos e permaneci quieta.

Larissa gritou de raiva e me deu um soco. Caí de lado e vi sangue salpicando o chão de madeira. Eu tinha mordido minha língua. Ela me suspendeu pela blusa e deu um soco do outro lado do meu rosto. Caí novamente. Senti o inchaço no meu rosto, minha língua latejava sangue.

— Anda! – Ela esbravejou – Me xingue! Lance pragas! Me manda pro inferno, que aliás, é pra onde você vai também por ter matado a sua mãe.

Sentei como podia e cuspi mais um bolo de sangue. Virei-me para ela sentindo meu coração apertado.

— Eu perdoo vocês – Eu disse com firmeza.

Recebi um chute no queixo e caí sentindo um objeto rígido sob minha cabeça.

“Ele foi maltratado, mas aguentou tudo humildemente e não disse uma só palavra. Ficou calado como um cordeiro que vai ser morto, como uma ovelha quando cortam a sua lã.

Isaías 53.7

* * *

— Brisa...

Escutei um bip distante.

— Brisa, acorda...

Cheiro forte de éter.

— Brisa, eu sei que você está consciente, então faça o favor de abrir os olhos, sua preguiçosa!

Fiz um esforço enorme para erguer minhas pálpebras e um maior ainda para responder a afronta.

— Idiota – senti a dormência na língua.

Ele tirou o olhar preocupado e pôs um sorriso no rosto.

— Minha boa e velha Brisa... – Adriano pronunciou com ironia.

Ok, eu estava num hospital com vários tubos presos aos meus braços e ligados a vários aparelhos. Adriano estava sentado ao meu lado na cama. Sua mão segurava a minha. E, bem... Eu tinha marcas arroxeadas ao longo dos braços.

— O que aconteceu? – Eu só devo ter caído de alguma ponte para estar desse jeito, porque eu não lembro de nada.

— Já era de se esperar a sua falta de memória – Adriano disse, colocando uma mecha do meu cabelo atrás da orelha – Você ganhou o concurso de Miss Universo, as outras competidoras não acharam justo, com razão, e resolveram quebrar a tua cara. Literalmente.

Ele riu da própria piada.

— Dá pra não inventar agora? E me traga um espelho.

— Melhor não... Você pode se cortar com os cacos quando ele explodir, e sua situação já não está nada boa. Eu estou à ponto de arrancar os meu olhos, juro.

Lancei-lhe o meu típico olhar incinerante e ele estremeceu.

— Tudo bem, no final da tarde de ontem...

— Ontem? - o interrompi.

— Sim, ontem. Você cochilou bastante, Bela Adormecida. Continuando, eu estava chegando na escola quando...

— Você estava chegando? Por que você não estava comigo?

— Longa história. E pare de me interromper, pessoa sem modos – ele fez uma careta de desaprovação e eu bufei. - Eu estava chegando na escola quando avistei duas bruxas malvadas colocarem uma pobre garota-brisa indefesa na sua vassoura-conversível.

Revirei os olhos.

— Se a princesinha não estivesse desmaiada, ela gritaria “Quem poderá me ajudar?”. E eu estava ali para salvá-la, certo? Minha super velocidade não estava nos seus melhores dias, então eu roubei a bicicleta do zelador.

— Você o que?

— Não se prenda aos detalhes – ele ignorou minha desaprovação. - Elas estavam um pouquinho acima da velocidade e eu fiquei meio perdido. Daí eu vaguei por algumas ruas da área rica da cidade e parei um pouco para recuperar o fôlego, quando encontrei avassoura-conversível estacionada em frente a uma casa. Liguei para a polícia e dei informações preciosas da localização de terroristas-bruxas, ligadas à Al-Qaeda – Adriano não exagerava nem um pouco. - Deixei a bicicleta no jardim da casa e me aproximei da janela. Elas descuidadamente deixaram uma cortina aberta. Estava meio escuro lá dentro, mas eu vi quando você caiu e a bruxa te puxou e encaixou uma esquerda e depois um chute frontal...

— Você não está assistindo luta livre, Adriano. E o objeto em questão é a minha cara. Termine logo!

— Mas a graça acabou aí porque você desmaiou, o que justifica sua concussão leve e falta de memória. Elas não ficaram muito felizes e começaram a te chutar e fraturaram algumas costelas suas.

A referência as minhas costelas me fez sentir uma pontada dolorosa ao respirar.

— E você ficou assistindo a tudo isso sem fazer nada?!

— Não! Foi aí eu salvei a parada. Eu arrombei a porta e ordenei: “Parem de espancar a princesinha”, e tratei de prendê-las. Os policiais me deram uma ajudinha, sob o meu comando, é claro. Você precisava ver a cara delas correndo.

— Essas meninas precisam de salvação... – minha mente ecoava bem feito.

— Eu percebi que elas estavam muito felizes enquanto te batiam e eu pensei: “Tem coisa errada aí...”. Eu encontrei uma mochila em cima do sofá e voilà! - ele imitou o sotaque francês. - Estava cheia da verdinha, entre outras mais pesadas. Eu entreguei aos caras e algumas delas foram levadas para a delegacia, outras para o Juizado de Menores.

Adriano levantou-se e foi para o outro lado do quarto com uma expressão confusa. Só quando ele soltou minha mão eu percebi que a segurei o tempo todo.

— Eu só não entendi uma coisa - fez uma pausa e virou-se para mim – Enquanto Larissa era algemada, insistia que quem deveria ser presa era você por ter assassinado sua mãe... – Prendi meus olhos no oxímetro preso ao meu dedo. Ele mede a quantidade de oxigênio no sangue e também mostra a frequência cardíaca. Sim, eu gosto dessas coisas de medicina. – Brisa? - Adriano falou mais alto, me tirando dos meus devaneios. - Ela disse que foi você quem provocou o acidente que matou a sua mãe.

A saliva arranhou minha garganta. O monitor de frequência cardíaca apitou mais rápido.

— Onde está o meu pai? - minha voz tremeu um pouco.

— Na praça de alimentação, no térreo. Porque eu o obriguei a ir almoçar.

— Vá chamá-lo – Adriano me encarou com uma ruga entre as sobrancelhas. - Ele também precisa saber da verdade.


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