O primeiro encontro escrita por Moonpierre


Capítulo 1
O primeiro encontro




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Lembro-me até hoje de quando a vi na sala de aula: uma garota de cabelos ruivos cacheados, olhos castanhos e diversos pontinhos espalhados pela bochecha, sardas era a palavra. Ela era lindíssima. Qual era seu nome? Era tudo que eu pensava naquele momento, instantes depois, ela se sentou ao lado da minha carteira. Fingi que não liguei. 

Quero antes que saibam que eu não sou - ou ao menos tento não ser - um bobo romântico, vocês sabem, estou no nono ano e tenho uma imagem a manter. Aqui nesse mundo, a parte das poesias, os garotos competem para ver quantas minas eles pegam para depois se vangloriarem iguais a uns idiotas, enquanto existem diversas garotas carentes e desesperadas por um namorado, nem que seja qualquer cara, nem que as tratem mal, as vezes, afinal, a pressão social é muita e faz você acreditar que precise de alguém nem que não ame essa pessoa, só por status, só para ser normal, os garotos por outro lado, se não pegarem várias ficam com medo de serem chamados de gays, como se isso fosse ofensa (amar alguém, afinal, deveria ser ofensa?). A única coisa que posso dizer é que odeio padrões e o modo como a sociedade dita coisas e de tanto ditar você, talvez, caia na cilada de acreditar em suas mentiras.

Enfim, voltando para a garota bonita de cabelos cacheados, percebo que ela está me olhando... e pasmem, sorrindo para mim! Por que está sorrindo para mim? Não! Não olhe para mim! Penso irracionalmente. 

—Oi! Qual é seu nome? - sua voz doce soa no ambiente de caos da sala, os adolescentes adoram gritar por lá...

—Hm.... meu nome? -balbucio feito um besta. 

—Isso! - ela revira os olhos. 

—Por que não me diz o seu primeiro? - arregalo os olhos tendo uma vontade súbita de tapar minha boca. 

—Felícia Stewart - a garota fala tentando esconder um risinho - o seu é....?

—Maurício Coppola - me apresso.

—Legal - diz Felícia se virando para frente como que encerrando nossa "breve e muito curta" conversa.

O mundo é estranho. As garotas são esquisitas, os garotos também. Felícia, apesar de me parecer um pouco maluca - quem afinal pergunta o nome de alguém sem nem querer continuar um diálogo? - continuava me parecendo especial. Será que esse momento de paixão momentânea era mais uma das peças que minha mente me prega quando não analiso as coisas? Não sei. 

Olhares se sucederam nas próximas aulas, porém a menina permanecia muda. Só me olhava. Fala comigo! Eu implorava por pensamentos:

Uma semana depois: nada dela falar.

Duas semanas depois: nada. 

Três semanas depois: continuava nada.

Eu tinha no caso duas opções: ignorá-la para sempre, afinal, se ela gostasse de mim conversaria comigo ou iniciar o diálogo.

—Felícia... ãnh... bom dia! - disse, todo atrapalhado, três semanas depois.

—Bom dia Maurício! Sabe que dia é hoje? - ela replicou, se virando, pela primeira vez em algumas semanas para mim.

—Ãnh... 14 de fevereiro...? Segunda feira...?

Ela me olhou como se eu fosse um imbecil.

—Dia dos namorados! 

—Que legal... - fiquei aturdido.

—Só "que legal..."? Você não vai convidar alguém?

—Eu não tenho namorada ainda... - onde ela quer chegar?

—Talvez você pudesse arranjar uma se convidasse uma garota...

Essa frase foi como um tapa na cara.

—O que você está insinuando? - levanto uma sobrancelha.

—Nada...só... você quer sair comigo? - ela me convidou, timidamente.

—Por que você me ignorou por três semanas se gostava de mim? - indago.

—Dizem que os garotos correm atrás quando são ignorados, no seu caso, porém, tive que ter uma abordagem mais direta.

Corei. Não achava que um dia uma menina tão bonita me convidaria para sair. Não de maneira tão direta.

Balanço a cabeça afirmativamente.

—Certo - continua Felícia - duas horas no parque hoje tá? Vamos fazer um piquenique, traga doces! 

Mandona, fofa e determinada, esses adjetivos poderiam calhar agora... 

E foi assim que tudo começou, com uma garota ruiva maluca e um cara  tímido sem noção.

Esse era o primeiro encontro de toda a minha vida. 

Por que aceitei esse encontro?

Por que meu Deus?

Por que... por que?!!

Vou surtar. 

Estou tentando me arrumar, tarefa simples e descomplicada, pois na maioria das vezes é só catar o que se vê primeiro. No caso de um encontro, entretanto, deve-se avaliar diversas variáveis: a roupa está suja? Manchada? Rasgada? Você está combinando amarelo fosforescente com roxo estrambólico? Está usando crocs com meia e bermuda? O racho de sua bunda está aparecendo se você se sentar? Claro, a maioria da população é sensata para observar essas coisas... mas é estressante! 

Depois de vestir uma calça preta e uma camiseta azul até que bem conservada, passei a mão pelo meu cabelo para ajeitá-lo, passei um perfuminho no pescoço e não me esqueci de escovar os dentes. Quase saí. E aí lembrei. Felícia queria que eu levasse doces. Que doces? Puta que pariu! Eu nem perguntei que doce ela gostava... será que gosta de chocolate? Pudim?... será que tem alergia a lactose ou amendoim? 

Fui na padaria e comprei dois doces: bolo de chocolate e algo estranho sem lactose que não consegui identificar. 

Olhei no relógio, estou atrasado 20 minutos... beleza... meu primeiro encontro e atrasado... subi na bicicleta e me dirigi o mais rápido que pude ao parque. 

—Oi Maurício! - ela me saudou, estava com uma cesta na mão e deitada em cima de um cobertor debaixo de uma árvore - achei que você não vinha! 

—Desculpa... fui comprar os doces...

—Que doces você trouxe?

—Bolo de chocolate... e esse negócio sem lactose.

—Você é intolerante?

—Não, achei que você, talvez, pudesse ser.

—Puxa! Pensou em tudo né? Bem, eu não sou intolerante não... mas deve ser gostoso. - disse a menina - vamos sentar?

Balancei a cabeça afirmativamente. Até agora tudo estava ok. 

—Comprei um CD para você! Espero que goste! - Felícia fala depois de um longo silêncio - é de rock, descobri que você gosta de AC/DC.

Como ela obteve aquela informação não sabia. 

—Eu não te comprei nada... - suspirei enquanto ela dava de ombros.

Leis de Murphy, só digo uma coisa: elas funcionam.

—Não tem importância. 

—De qual banda você gosta?

—One Direction! Eles são tão fofinhos!

—Ah... certo. 

Ela, afinal, não era tão diferente das outras garotas...

—Você parece o Harry, sabia?

—Quem? - me surpreendo

—O Harry, do One direction!

—Não conheço. - digo em um tom meio frio.

—Ouça as músicas! Vai gostar! - exclama.

Eu tenho certeza que vou odiar, contudo não lhe digo isso.

Segue-se um longo silêncio. Muito longo.

—Vamos comer...? - hesita ela.

—Pode ser - dou de ombros.

—Trouxe pão com presunto!

—Sou vegetariano... - lhe explico.

—Que pena! Eu não sabia.

Anoto mentalmente uma dica para mim mesmo: Nunca convide alguém para um encontro se você não conhece bem a pessoa, as chances de dar merda são grandes. 

Começo a comer o bolo de chocolate, o silêncio ainda perdura.

—Eu amo pássaros - ela fala quando avistou uma pomba.

—Ahã. São bonitos.

—São um sinal de liberdade - Felícia continua.

—Acredito que sim.

Silêncio.

—O sol está quente - continuo a conversa depois de mais ou menos um minuto.

—É verão. É por isso - Felícia encerra.

—Parece que está fazendo mais calor do que o outro verão! Essas mudanças climáticas são de matar - tento continuar.

—Talvez sim.

Maurício cala a boca, você definitivamente não sabe conversar com garotas, penso, enquanto coloco mais um pedaço de bolo na boca, pelo menos trouxe comida... me deixa menos ansioso.

—Olha o cachorrinho! - a menina continua - não é fofinho? 

—Sim, acredito que é um golden.

—Hm... Maurício, qual a sua matéria de escola favorita?

—Português e história. - respondo.

—Gosto de biologia e química! Queria ser uma cientista.

—Eu quero ser um arqueólogo ou escritor.

Felícia riu.

—Faça romances históricos, são legais!

—Você lê também?

—Adoro ler! Gosto dos clássicos como Jane Austen!

Impressionante, a maioria das meninas adolescentes, sem querer generalizar, gostam dos livros feitos para o público jovem.

—Gosto de ler Stephen King, ele faz muitas histórias de terror - dou minha opinião.

—É um bom escritor, e comédia, você curte?

—Sim! Fernando Sabino. - respondo.

—Eu leio Sophie Kinsella! Gosto de rir! Prefiro isso do que drama. - afirma ela.

—Também odeio drama.

Nesse momento sinto um líquido quente saindo do meu nariz.

—Seu nariz está sangrando - fala preocupada - quer um papel?

—Não. Estou bem. - me desespero virando a cabeça para cima.

Ela joga uns lenços de papel para mim.

—Deixa de ser orgulhoso - ri.

—Não sou orgulhoso!

—Olha eu sabia que você era inteligente... mas o orgulho está mais próximo da burrice do que qualquer outra coisa - diz, balançando a cabeça negativamente.

Olhei em seus olhos por alguns segundos, segurei seu pulso e a puxei:

—Vem olhar o lago! Ainda sobrou aquele seu pão?

Felícia riu.

—Sim! 

Tinha diversos patinhos nadando e por alguns minutos nos divertirmos os alimentando.

—Preciso ir! Já está tarde... - Felícia suspirou. 

—O tempo passa quando a gente se diverte - digo.

—Me acompanha até minha casa? - ela pede.

—Claro..

Passamos por ruazinhas de paralelepípedos, ipês rosas e lindas casas. O caminho até a casa dela era mesmo muito bonito e o melhor: estávamos conseguindo manter uma conversa.

—O que você acha que é o amor? - Felícia me pergunta, contemplativa.

—Não sei o que é o amor... acredito que seja, principalmente, um sentimento não egoísta. Também acho que muitos seres-humanos nunca vão entender o que é amar.

—Compreendo - ela suspira, como se concordando com algo ruim - acho que muitas pessoas nunca tentaram entender o amor, sequer amar elas irão...nem por isso acho que deviam parar de perseguir esse sentimento. No fundo, todos temos medo. Medo de quebrar nossos corações.

—Creio que sim. - sorrio - os filósofos devem ter um grande trabalho desvendando todos os mistérios - ri, tentando fazer piada.

A garota abriu um largo sorriso.

—Você é inteligente, mesmo que vá mal em ciências!

—Quem disse que eu vou mal em ciências? - pergunto espantado.

—Espiei suas notas - ela deu de ombros - vai me processar é?

—Isso é invasão de privacidade.

—Tanto faz. É bom invadir a privacidade de certas pessoas, isso não quer dizer que sou uma stalkear.

—Talvez você seja... quem me garante?

—Não acredita mais em mim? - ela fez um beicinho - que feio! Deve-se sempre acreditar na palavra de uma dama!

—Claro, claro... mas não se ela viu suas notas quando nem o professor em si as passou para você!

—Ele vai passar semana que vem. Você tirou 4! Devia se esforçar mais!

—Está querendo me dar lição de moral é? - empurrei ela de leve.

—Dou lição de moral em quem precisa, somente.

Nisso ouviu-se um barulho gigante e uma chuva torrencial começou a cair.

—Está chovendo! - corri para perto de um telhado.

—Que medo é esse Maurício? Está com medo de estragar a chapinha?

—Eu não uso chapinha! 

—Tanto faz, eu vou andando na chuva. Se você quer ter medo de um fenômeno natural problema é seu. Eu aproveito o tempo, seja chuva ou sol!

—Tome cuidado com os caminhões! Eles podem passar em poças nojentas e espirrar água suja em você!

—Tomo todo cuidado do mundo! 

Comecei a me aproximar novamente dela.

—Minha casa é ali - Felícia apontou - estamos perto.

Caminhamos lado a lado até a porta da casa.

Esse foi um encontro estranho. Devo apontar esse fato?

A menina olhou para mim sorrindo, como se esperando que eu dissesse alguma coisa, como permaneci mudo ela me indagou:

—Gostou do encontro? 

—Acredito que sim. 

—Foi estranho... e bom ao mesmo tempo. Pelo menos você não ficou mofando em casa - ela riu.

—É - corei.

Foi então que percebi seu rosto se aproximando do meu, e o leve toque de seus lábios em minha bochecha, beijando-me.

—Devíamos fazer isso novamente Maurício, foi engraçado! 

Concordei com a cabeça, minhas bochechas deviam estar parecendo um pimentão.

—Tchau! - ela disse, abrindo a porta de casa.

—Tchau Felícia. Quero que saiba que eu também gostei. Foi divertido - me apressei a falar.

Ela deu mais uma risadinha e fechou a porta, me deixando a sós com meus pensamentos.

Talvez os primeiros encontros sejam realmente estranhos e você morra de vergonha e nem saiba direito como agir, mas quem gosta de você... vai gostar de você: mesmo se um silêncio horroroso começar, seu nariz sangrar, chover, ou outras coisas ruins acontecerem. O primeiro encontro (principalmente se for o primeiro encontro de toda a sua vida amorosa) vai ser algo inocente, para se conhecer mesmo, hilário até. Isso não importa, o que importa é aproveitar o momento. Sorri. Acho que aproveitei. Foi divertido. E com certeza, quero outros encontros com Felícia, ela é uma garota bem diferente e bem especial para mim, e mesmo não sabendo o que é o amor, posso dizer que fiquei com borboletas no estômago quando ela beijou minha bochecha. 


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