Juventude Transviada escrita por Isadora Nardes


Capítulo 12
Capítulo 12 - Marcos


Notas iniciais do capítulo

Trilha: Arsonist's Lullaby (Hozier) https://www.youtube.com/watch?v=yEtkIRlz7Vw
uma montagenzinha do Marcos "self-fóbico" pra vcs: file:///C:/Users/user/Downloads/coisas/dreamcast%20juventude%20transviada/Marcos%20dark.jpg



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/688579/chapter/12

Depois que Lucas saiu correndo, Marcos bateu a porta. Encostou-se à parede do corredor.

  Nunca sentira tanta ansiedade do que no momento que perguntara “vocês estavam juntos”. Torcia por uma resposta concreta, fosse ela qual fosse. Um “sim”, um “não”. Ao invés disso, recebeu gaguejos, recebeu palavras emaranhadas.

  Olhou para o quadro na parede do corredor. Era ele e Gustavo, abraçados, sorrindo, depois do treino de futebol. Marcos passou os dedos na moldura do quadro. Encheu seus olhos de lágrimas.

  De alguma forma, sempre soubera que havia algo de errado com Gustavo. E, talvez, com ele mesmo. Mas nunca imaginara o quão errado seria, o que aquilo poderia causar. Se Gustavo fosse diferente, aquilo poderia ter sido diferente? Era realmente tudo culpa do caminho que ele seguia? Ele realmente nascera assim?

  Marcos foi até o que era o quarto de seu irmão. Olhou para as paredes. Nada ali denunciava que ele fosse gay – nada. Mas não são assim as melhores mentiras – escondidas atrás de fotos e momentos?

  Lembrava-se de quando Gustavo estava em sua primeira festa e havia pedido para sua amiga, Sabrina, dar um chupão em seu pescoço, porque não queria ser o único ali que não estava pegando ninguém.

  Na época, Marcos achara estranho. Gustavo era bonito, de certa maneira – por que diabos não estava se agarrando com alguma garota?

  E por que diabos Marcos não estava se agarrando com alguma garota?

  Por que ambos ficavam cada um em um canto, com medo de deixarem a verdade se soltar das algemas, com medo de si mesmos?

  Marcos se sentou na cama do irmão. Apoiou os cotovelos nos joelhos e enterrou a cabeça nas mãos. Era um costume que tanto Gustavo quanto Marcos tinham. Quando as coisas ficavam muito confusas, tinham vontade de se encolher até sumir.

  E o que havia sido aquilo que ele sentira quando Lucas tocara em seu rosto e perguntara: “Gus?”. Era um tremor na espinha, uma decepção, e aquela sensação verídica de que Gustavo realmente não iria voltar – que nunca mais iria brigar com Marcos pelo controle da TV, que os dois nunca mais iam treinar juntos.

  Marcos engoliu o choro. Não podia deixar que seu pai o visse chorando. “Isso é coisa de viado”, ele diria. E era a última coisa que Marcos era.

  Certo?

* * *

Marcos ainda não conseguia se conter. Tocou a campainha daquela casa. Após 15 segundos sem ninguém aparecer, ele deu meia volta. Ouviu a porta abrir.

  -- Oi? – uma voz fraca disse. Marcos parou e se virou. Encarou a garota negra alta que estava na porta.

  -- Você... Er... – Marcos começou. – Você conhecia... O... Gus?

  O rosto da garota se fechou.

  -- Quem é você? – ela perguntou. Marcos se aproximou do portão.

  -- Meu nome é Marcos – ele disse. – Eu sou irmão do Gus.

  A garota abriu o portão.

  -- O que você quer? – ela perguntou. Marcos colocou as mãos nos bolsos.

  -- Hoje de manhã esse garoto veio na minha casa perguntando pelo Gus – ele disse.

  -- Como ele era?

  -- Alto, cabelo castanho. Disse que o nome dele era... Lucas, eu acho.

  A garota levantou as sobrancelhas.

  -- Ele disse pra onde foi? – ela perguntou.

  -- Não – Marcos disse. Coçou a nuca e abaixou a cabeça. – Eu meio que disse pra ele vazar e... Ele começou a correr. Olha, eu só quero saber quem é ele. Quero saber como ele conhecia meu irmão.

  A menina não disse nada por um momento. Depois, indicou para Marcos entrar na casa dela. Ele entrou e se sentou no sofá. Ela se sentou na frente dele. Umedeceu os lábios.

  -- Anteontem... – ela começou. – Seu irmão e nossos amigos estavam numa festa na casa desse garoto, Caio. E o Lucas tentou... O Lucas pulou com o Gus na piscina e beijou ele.

  A garota parou de falar, como se esperasse a reação de Marcos. Marcos abaixou o rosto.

  -- E então? – Marcos perguntou.

  -- Seu irmão afastou ele – a garota continuou. – Disse que ele era um viadinho e...

  -- Mas ele não queria dizer isso – uma terceira voz disse. Marcos levantou o rosto. Um garoto moreno alto, de cabeça quase raspada e olhos castanho-claros estava encostado na parede da sala, com um cigarro na mão. – Ele queria beijar o Lucas de volta.

  -- Jean! – a garota chamou a atenção.

  -- Você não tava lá, Thau – o garoto disse. Olhou diretamente para Marcos. – Seu irmão estava com medo pra caralho, confuso pra caralho. Então, se você quer saber se eles estavam se pegando naquela festa, é possível. Mais do que possível, é provável.

  Marcos limpou a garganta. Encarou o garoto.

  -- Como você conhece meu irmão? – perguntou. O garoto tragou, depois disse:

  -- Não preciso ser um gênio pra perceber tudo o que ele tava escondendo. Eu disse pra ele que sabia, depois da festa. E sabe o que ele me disse? “Só não conta pra ninguém” – o garoto deu uma risadinha. – Ele tinha medo do que pessoas como você iam dizer dele.

  Marcos se levantou. Se ficasse mais um minuto ouvindo aquilo, iria explodir. Se virou e abriu a porta.

  -- E eu acho que você está tão confuso quando ele! – o garoto gritou atrás de Marcos. Marcos se virou e o empurrou. O garoto caiu no chão. Marcos pensou em chutá-lo, em socá-lo e xingá-lo, mas aquilo apenas provaria que o garoto estava certo.

  Marcos saiu pela porta e deu voltas e voltas na quadra. Não sabia mais para onde ir. Não sabia mais o que deveria pensar. Se Gustavo era assim, ele também era? Haveria ali qualquer conexão?

  Enquanto vagava, ele pôs as mãos atrás da nuca e apoiou a cabeça. Olhou para o céu acinzentado.

  Eu não sou gay. Eu não sou gay. Eu não... Eu sou? Não. Sou. Hétero. Gay!

  Esfregou os olhos. Aquilo lhe dava dor de cabeça.

  Marcos pegou o ônibus e se sentou na última fileira de bancos, com as mãos nos bolsos. Uma garota começou a se virar o tempo todo para encará-lo. Marcos aproveitou a oportunidade para se testar – como ele mesmo reagiria?

  Olhou para ela e sorriu. Esperou que não parecesse muito forçado. Ela sorriu de volta; estava num banco duplo, então ele foi sentar-se ao lado dela. Olhou pra ela. Ainda não sentia nada. Talvez fosse cedo demais.

  -- Oi – ele disse.

  -- Olá – ela disse. Era negra, usava bastante rímel, cabelo preto encaracolado e tinha lábios cheios.

  Marcos não sabia mais o que dizer.

  -- Está frio, né? – ele comentou.

  -- Não tem ninguém pra te aquecer? – ela perguntou.

  -- Se tivesse... – Marcos disse, mordendo o lábio.

  Por que você mordeu o lábio?, Marcos se perguntou. Isso é tão gay.

  -- Pega sempre esse ônibus? – ela perguntou.

  Só quando estou em dúvida sobre minha sexualidade, Marcos pensou.

  -- Ah, às vezes – ele disse. Olhou pra ela. – Talvez eu comece a pegar mais agora.

  Ela sorriu.

* * *

Quando Marcos fechou a porta do apartamento da garota com o pé, ela pegou seu rosto entre as mãos e o beijou novamente. Ele colocou as mãos na cintura dela. Nunca tinha feito aquilo com ninguém, apenas beijado algumas garotas.

  Ela colocou as mãos na gola do casaco dele e puxou pra trás. Assim que seus braços estavam livres, ele colocou os dedos entre o cabelo dela  e aprofundou o beijo. Queria sentir alguma coisa.

  Bem, ele sentia.

  Sentia frustração.

  Não conseguia sentir nenhum desejo; não queria tirar a roupa dela, beijá-la nem nada. Queria sentir o desejo, mas não conseguia. Fazia aquilo no automático.

  Começou a se forçar. Puxou a blusa dela pra cima, agarrou o rosto dela, aprofundou o beijo. Não conseguia sentir nada. Ela parecia movida pelos instintos. Pegou na barra da camiseta dele e tirou. Levantou as pernas e enroscou na cintura dele. Marcos colocou as mãos na parte de baixo das pernas dela. Enquanto Marcos andava até o quarto dela, ela beijava o pescoço dele.

  Ele se sentou na cama dela, e ela abriu o zíper dele. Marcos andou com os dedos pelas costas dela até achar o fecho do sutiã. Abriu. Assim que o sutiã caiu, ele pôs os dedos em volta dos seios dela.

  Que porra eu estou fazendo?, Marcos se perguntou. Olhou para suas mãos. Não sentia nada. Nenhum desejo. Todos os seus instintos o diziam para parar com aquilo – estava ficando ridículo.

  Mesmo assim, quando ela o deitou na cama, ele não conseguiu oferecer resistência. Ela era bonita – isso era inegável – mas Marcos não queria realmente tocar nela.

  Quando ela começou a quicar em cima dele (de maneira bem incômoda para Marcos), ele não sentiu nada. Apenas constrangimento. Após alguns minutos sem nada acontecer, ela parou e olhou pra ele de sobrancelhas franzidas.

  -- O que tem de errado com você ? – ela perguntou. Marcos suspirou. Sentou-se na cama com os braços apoiados.

  -- Acontece, Keyla... – ele começou.

  -- É Carol – ela interrompeu.

  -- Acontece, Carol... É que talvez... Eu... Não sei... Não consigo...

  -- Ah, vai se fuder, ok? – ela saiu de cima dele e colocou uma blusa. – Que merda...

  Marcos ficou encarando ela.

  -- Não vai sair da porra da minha casa? – ela perguntou. Marcos suspirou, fechou seu jeans e foi até a sala. Colocou sua camiseta e seu casaco e abriu a porta. Olhou pra trás. Carol estava sentada na cama, de braços cruzados, uma expressão de frustração. Ele fechou a porta e desceu pelo elevador.

  Não estava bravo com ela. Estava bravo consigo mesmo. Ela era linda, cheia de curvas, com uma cabelo lindo e uma pele brilhante. Mas ele não conseguia. Seria ótimo se conseguisse, pelo menos, fingir que sentira alguma coisa. Mas ele era péssimo mentiroso.

  Quando saiu na rua, olhou para a janela de Carol. Ela estava olhando pra ele. Levantou o dedo do meio e Marcos abaixou a cabeça. Não se sentia ofendido; se sentia fracassado. Como conseguira – ou melhor, não conseguira – fazer aquilo?

  Se sentou num banco de uma praça e enterrou a cabeça nas mãos.

  Eu. Não. Sou. Gay. Eu. Não. Sou. Gay. Eu. Não. Sou. Gay.

  Ele repetiu aquilo pra si mesmo várias vezes, até parecer verdade.

  Não funcionou.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Ei! A Carol vai aparecer de novo na segunda geração da fic, se tudo correr como planejado c:



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Juventude Transviada" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.