Registro Panorâmico escrita por Titi


Capítulo 14
Bomba relógio


Notas iniciais do capítulo

Ficar irado não é pecado. Mas o que se faz na hora da raiva...



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Fatos psíquicos de Quésia

Eu acordei... Sei lá. O Hebrom poderia estar apenas sendo educado comigo, assim como ele é educado com todo mundo. Ou talvez ele só quisesse melhorar as notas em Português mesmo. Ou talvez ainda, eu deva parar de me inquietar tanto.

Levantei por vontade própria. Mas foi só pra me livrar da brisa que congelava meu nariz. Com sono de mais pra fechar a janela. Saí tonta e cambaleando pelas escadas.

—Bom dia. –o Edgar me cumprimentou.

Com sono de mais pra responder. Deitei no sofá, voltei a dormir, e exploda-se a lógica.

—Tá na hora de ir pra escola. –meu irmão me sacudiu e eu mal tinha piscado.

—Posso faltar?

—Não. Eu não pago essa bagaça e perco o tempo que eu poderia estar usando pra trabalho te levando lá pra você faltar.

—Eu não te bedi nada disso. –minha voz tá anormal.

—Acontece que se eu não fizer, vou pra cadeia. Então vai se arrumar pra ser alguém na vida.

—Eu já sou.

—Eu quis dizer alguém decente.

Fui até o banheiro, resmungando. Meu corpo estava mole. Comecei a espirrar, quase bati a cabeça na pia. Ah, pertinente. Levei um susto quando olhei no espelho. Estou resfriada. Que nostálgico. De qualquer forma, eu me arrumei. Estava muito frio. Nem o meu casaco e cachecol de lã estava resolvendo.

—Pronta? –meu irmão estava atrás da porta.

—Aham...

—Então sai daí. –quando eu fiz o que o Edgar mandou, ele tomou um susto. –O que aconteceu com você? Pensei que fosse aquela sua cara de mau humor de quando acorda, mas tá pior do que eu imaginei. E essa roupa toda aí? Parece um rocambole.

—Acho que to resbriada.

—Uh, que peninha, agora entra lá no carro. Eu não vou cair nessa.

Bas é sério!

—Você atua bem, deveria entrar no clube de teatro da sua escola. –a criatura me puxou pra fora de casa.

Fiquei enfezada a ida inteira. Se eu não quisesse ir ao colégio (eu admito que não queira, mas isso é outra coisa) eu arranjaria outro jeito de embromar. Só observo. To entusiasmada pra chegar à escola, infectar todo mundo e colocar a culpa no Cortês.

—Boa aula, e “bê” se “bara” de “brescura”. –ele tirou sarro (nada incomum) e me expulsou do carro.

Eu teria voltado para casa a pé, só faltava saber o caminho.

—Quésia! –era o Salamander (tipo, óbvio, ninguém mais na escola faz isso sem querer algo em troca), acho que ele ia me abraçar, mas parou e me analisou. Eu fiquei vermelha só de ficar perto dele.

—Oi... –honestamente, eu fiquei com medo de ser criticada.

—O que houve contigo? Seu nariz tá vermelho.

É, pois é. Sim. Vermelho. Que nem o resto da minha cara.

—Eu acho que to doente. –me esforcei pra minha voz ficar como de costume.

—Por que veio para a escola?

Beu irbão be obrigou. –missão falhada com sucesso.

—Quer ir à enfermaria?

—Não, eu consigo sobrebiber.

—Sua voz tá gozada. –ele deu um sorrisinho. Não queria me chatear, mas chateou.

Bocê não tem tanta boral bra balar isso.

—Verdade. A maioria que me conhece pergunta se eu sou “gringo”. Aí eu não sei o que significa, então mudo de assunto.

—Hm...

Fomos pra sala. “Bortuguês”, pra deixar o dia mais emocionante. E adivinha? Ela mandou cada um dos alunos ler um parágrafo do livro paradidático. Na minha vez...

—Leia logo, menina! –a bruxa gritava comigo. Eu balançava a cabeça em negação. –Vai perder os pontos de conceito! –dei os ombros. –Chega de brincar! –me segurou pelo braço e me deixou de pé na frente de todos os alunos. –Leia agora!

—Não, obrigada. –ia voltar ao meu lugar, mas ela me segurou pela gola do casaco, quase me enforcando.

Até o Hebrom leria melhor que eu naquele estado.

—Vai ler! Não foi um pedido, foi uma ordem! E se você não ler, vou zerar aquele teste! Não foi uma ameaça, foi uma promessa! –deu o livro na minha mão.

Entrou um garoto loiro com uma pinta perto do olho direito na sala. Cortou o espetáculo que a professora-dragão fazia.

—Quem é você? –ela questionou, com o tom estressado de sempre.

—Francisco Álvaro Dewei Van Raitz... Eu era de outra sala, mas a diretora insistiu em me transferir.

O rosto dele me lembrava a Ágata.

—Você é o Dewei? Ah, me desculpe pela grosseria. Pode sentar. –ELA SORRIU! GENTE, ELA SORRIU! QUANDO EU VI, ME ENGASGUEI COM MINHA PRÓPRIA SALIVA.

—Falou. –o garoto ficou na carteira atrás da minha.

A professora de Português olhou o relógio e me empurrou dizendo “Volte ao seu lugar”. A aula dela acabou. Por um triz eu não sou humilhada em público de novo (se você não considerar o que acabou de acontecer como uma humilhação).

Aula de História. Crise de espirros. O tal do Francisco me cutucou e perguntou se estava tudo bem.

Bais ou benos. Eu to doente. –respondi esperando bullying.

—E aquela mulher queria te obrigar a ler na frente de todo mundo? Que mocréia.

—É... O que bocê bez bra ela sorrir daquele jeito?

—Também queria saber. Devem ter dito que eu sou bom em Literatura. Só que é ao contrário. Eu tenho alguns colegas nessa sala. Aposto que disseram isso à ela pra eu me ferrar depois.

—Grandes abigos, hein?

—Claro, os melhores! Amigo que não zoa o outro não é amigo.

Eu ri, mas só por educação. A Judi nunca me zoava. Achei ofensivo.

Bocê é barente de uba tal de Ágata?

—Sim. Minha prima. Ela é a única pessoa que me dá medo.

Bocês debem ser barecidos só na abarência besbo.

—Na verdade, dizem que a gente se parece na personalidade também.

Bocê é agressivo?

—Ah, sei lá.

Conversamos até começar a aula de Geografia. O professor parecia bêbado, bem diferente das outras vezes. Mandou a gente ler o capítulo três e começou a dormir na mesa.

—Isso vai ser tipo aula vaga. –o loiro falou quando percebeu que quase ninguém tinha tirado o livro da mochila depois do aviso.

Barece. Brancisco, por que te mudaram de turma?

—Me chama de Dewei... Ou Francis. Os meus amigos me chamam assim. E não sei te dizer ao certo, meio que...

—Quésia, me empresta uma borracha? –o Hebrom me chamou. –Eu perdi a minha.

—Não tá vendo que eu estou conversando com ela?! –de uma hora pra outra o primo da Ágata se enfureceu. Começou a falar alto (o professor estava tão mal que continuou dormindo).  –Acha engraçado ficar se intrometendo assim na conversa dos outros? Acha isso divertido? A garota estava conversando comigo, não venha cheio de intimidade pra cima dela, muito menos quando ela estiver falando com alguém! Isso é falta de respeito, seu otário! Tá querendo que eu esmurre a sua cara pra você aprender a não ficar mexendo com as pessoas?! –levantou.

—Não, cara. Eu só estou querendo uma borracha... –Salamander se encolheu na carteira.

—Já chega de falar nisso! Vamos resolver lá fora! –Hebrom foi levado até o pátio. A classe inteira foi também. Eu fiquei tipo... Mas o quê?

—Briga! –era a mesma voz que tinha anunciado a guerra de comida ontem. Muita rebeldia pra uma pessoa só.

Fizeram uma circunferência. Os dois garotos estavam lá dentro. Eu não estava conseguindo nem ver. Queria entrar lá pra acabar com a palhaçada.

Fatos psíquicos de Hebrom

O amigo da Quésia quer me bater. Eu deixei de brigar... Não sei o que fazer, a única coisa que tenho certeza nisso tudo é que eu estou perdido.

—Não faz isso, por favor! Eu sou pacifista!

—Não quero saber sua religião, vou te esmurrar de qualquer jeito!

Pacifismo não é religião... Religião é outra coisa. Eu sou pacifista e tenho religião... Sou adventista do sétimo dia. Acho que não é um bom momento pra tentar explicar isso a ele.

—Eu não quero te machucar. –falei.

—Se fosse eu. Não deixava! –alguém, naquele monte de gente, falou. Só piorou tudo.

—Vamos ver quem vai se machucar! –veio para cima de mim e me deu um soco.

Não sinto nada, nada mesmo. É como se ele apenas empurrasse meu rosto, fraco, mas com rapidez. É como se eu fosse um monstro. O que tem de errado comigo...? Acho que sou uma das poucas pessoas que conseguem ficar deprimidas no meio de uma luta.

Fui pra trás. Caí em cima de alguém... Esse alguém me segurou.

—Hebrom, faz alguma coisa, cara! Não vai continuar de moleza, vai? –o Folk. Era o único que eu estava certo de que torceria contra mim. Ele me colocou para dentro do círculo.

—Quer dizer que você não vai chorar? –o garoto loiro tentou me acertar outra vez. Abaixei e com isso, ele socou o Folk. Queria ter pedido desculpas, mas eu estava ocupado muito correndo. Depois eu faço isso. –Volta aqui, frangote!

—Eu não vou te bater! –não tinha para onde eu fugir.

—Mas eu vou te bater!

—Não podemos resolver isso conversando?

—Deixa eu ver... Não! –ele veio pra cima de mim outra vez. Que nem um touro. Nunca mais peço uma borracha emprestada.

Consegui desviar de novo, mas ele bateu numa daquelas coisas que seguram a escola. Aquelas coisas grandes... Aquelas que têm na Grécia... Esqueci o nome. Francisco caiu com a cabeça sangrando no chão. Tentei ajudar.

Fatos psíquicos de Quésia

Finalmente eu consegui passar por aquela multidão. Me deparei com o Dewei com a testa sangrando e o Hebrom arrastando ele. Impossível.

—Não acredito que bocê bateu nele! –berrei.

—M-Mas eu não...! –Salamander soltou o loiro, que bateu com a cabeça no azulejo. –Ah, cara...! Desculpe! –continuou tentando arrastá-lo.

O professor apareceu no meio do círculo.

—O que está acontecendo aqui?! –ficou com os olhos arregalados e saiu correndo. –QUEM FEZ ISSO? QUEM FOI O BASTARDO SUJOU A PILASTRA COM SANGUE?

Começaram um tumulto, e eu aproveitei pra ir com o Hebrom e o Dewei até a enfermaria.

—É só botar um pouco de gelo. –uma moça de branco estava examinando a cabeça do Francis. –Mas... Como é que você se machucou?

—Eu bati a testa.

—Tá, mas como?

—Dona, como você acha que se bate uma testa? –ele suspirou.

—Tá, tá. Entendi, não precisa ser rude.

—Como ele está? –Hebrom perguntou. Estava mais apreensivo que eu. Não havia batido nele. Eu tinha certeza disso (ainda mais depois do Dewei contar o que aconteceu).

—Ele vai ficar bem. Tem certeza que é só ele quem precisa de assistência médica aqui? –a tia olhou pra mim. Super desconfortáveis essas coisas.

—Eu nasci assim, algum broblema? –tentei disfarçar o fato de eu estar cada vez pior por causa do resfriado. Só faltavam dois tempos para a aula acabar. Eu vou conseguir, preciso conseguir. Não dá pra eu morrer agora, o Hebrom vem à minha casa mais tarde.

Após algum tempo, os meninos fizeram as pazes e voltamos pra sala. Demorou tanto pra mulher pegar “um pouco de gelo” que quando saímos dali o recreio já tinha acabado. Dois tempos de Matemática. Pensando melhor, morrer agora não é má ideia... Mas até que passaram rápido. Hora da saída. Dessa vez até eu saí correndo.

O Edgar estava me esperando no carro. Aquele barulho irritante da buzina. Entrei no carro o mais rápido possível. Me joguei no banco de trás.

—Vamos bra casa antes que eu faleça. –minha última súplica, sem querer fazer drama.

O Hebrom apareceu, pedindo pra ir pra minha casa junto. Cortês deixou e disse pra ele sentar no banco de trás, pra cortar o meu barato de ficar deitada.

—Oi. –ele sorriu, abrindo a porta do carro.

—Oi... –eu já não estava tão ansiosa quanto antes.

Alguns segundos depois da partida...

—Posso tocar o seu cabelo? –Salamander perguntou com a cara mais lavada do mundo.

Bra quê?!

—Eu só quero saber como ele é.

—Tá, né... –ele enfiou as duas mãos na minha cabeça e ficou bagunçando ainda mais o meu cabelo. Até os ombros, castanho e todo repicado... Falando assim, nem parece que ele é feio.

—Há! É enroladinho! Lindo! Queria ter um parecido... –ficou mexendo nas minhas mechas. Como isso me deixa com sono... –Quer tocar o meu?

Eu aceitei. Novidade nenhuma, o cabelo dele é perfeito, do jeito que parece. Macio. Tinha cheiro de maçã (não, eu não fiquei cafungando a cabeça do moleque, né, por favor, até porque não dava pra fazer isso, meu nariz estava congestionado).

—Vocês são tão bizarros. –o meu irmão nos olhava pelo retrovisor.

Depois dessa a gente se afastou e ficou quieto. O único sensato da história tá sendo o Cortês, por mais difícil que seja admitir.


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Notas finais do capítulo

O que estão bocês achando? Será que finalmente rola um Hebrésia/Cormander nessa joça?



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