Os Jogos não acabam, Klaus escrita por AQuestionadora
— Consegui as passagens — Mags anuncia retornando até a sala. De fato há um tempo encerrou-se a negociação no escritório via telefônica. — Ser uma espécie de celebridade em Panem tem suas vantagens.
— Já? — não deixo de me animar, ergo-a no ar e beijo sua bochecha. — Mags, você é incrível, sabia? — digo soltando-a.
— Ah — Skirt zomba fazendo bico —, também queria beijinho.
Respondo sua fala com o som do meu riso discreto. Mags cola seus lábios em sua máscara — no exato ponto onde a bochecha estaria revelada se não fosse pelo ocultamento.
Os dois refazem as malas e arrumam os quartos que habitaram na curta estadia interrompida. Eu mesmo preparo minha própria bagagem, priorizando itens de higiene e uma quantia razoável de dinheiro, quando sou surpreendido por Taurus:
— Você deveria se desculpar antes de ir, filho.
Assinto com a cabeça com palavras engasgadas. Abraço meu pai como uma despedida e ele deseja-me sorte naquilo que designei como missão. Vejo Eros atrás dele e prometo-o trazer algo da Capital, seja um novo brinquedo ou um doce.
— Se você fundar a tal Academia, posso treinar como Carreirista? — pergunta-me.
Avalio meu irmão. Apesar da idade, aparenta ter mais devido a altura e os ombros largos. Ele se sairia bem treinando embora eu estremeça internamente ao imaginá-lo lutando pela vida na arena. Dizem que dois raios não caem na mesma arvore mas opto por não contestar a teoria e respondo:
— Você já vem treinando comigo nos finais de semana há um ano — pela expressão que seu rosto carrega esta parece não ser a resposta esperada, continuo. — Todos devem ter alguma chance nos Jogos — ele sorri como resposta e se afasta do quarto, também desejando-me boa viagem.
Seguro em mãos os passaportes que Mags imprimiu do site oficial da estação no escritório ao lado. Vejo o horário impresso e no que o relógio da parede indica. Há tempo para uma última despedida.
Guio-me até o quarto dos meus pais e vejo June deitada na cama com fotografias em mãos. As lágrimas estão presentes em seu rosto fresco desfocados pelo sorriso sincero que ela carrega da nostalgia. Encosto-me na batente da porta e delicio-me com a visão.
— Pode entrar — ela me surpreende com seus ouvidos bem apurados. — Eu te ouvi chegar.
Adentro a sala e sento-me na ponta da cama. Minha mãe ri e levanta o tronco para alcançar mais a lateral da cama, oferecendo-me um espaço livre ao seu lado. Aceito e pego uma das fotografias do monte. Logo na primeira página encontro-me aos dez anos segurando um recém-nascido Eros no colo de um modo desajeitado. A fotografia não conta com uma boa iluminação e o dedo que atrapalhou a lente da câmera na ocasião se mostra na lateral da imagem. Meu irmão é um pacote enrolado numa coberta marrom, sem cabelo e os olhos claros fechados no sono. Eu me vejo com os cabelos raspados, os fios loiros espetando o alto sutilmente com uma roupa suja de tinta. Minha mãe apoia o queixo em meu ombro para possuir ângulo e deslumbrar das mesmas fotos que eu.
— Faz tanto tempo — diz. — Você era um garotinho muito agitado. Não queria posar para a foto e só aceitou quando soube que assim eu não o deixaria brincar de patinete — rio com ela, tendo um borrado vislumbre do passado. — Eu sinto falta desse tempo, você precisava de mim.
Largo o álbum de poucas páginas na colcha na altura de nossas cinturas, seguro suas mãos e declaro sinceramente:
— Eu amo você.
— Não tenho dúvidas, Klaus — ela sorri graciosamente. — Mas não precisa mais de mim, pelo menos não como antigamente. Vi na arena quando se mostrou independente. Tenho que aceitar que você não é mais meu garotinho e que, em breve, Eros também deixará de ser. Eu só queria poder cuidar de vocês.
Abraço-a e ela desmancha-se nos meus braços. Quando separamo-nos, Mirian arruma meu cabelo e beija minha bochecha.
— Faça com que estas crianças tenham alguma chance.
— Farei — prometo.
Passo na casa de Bash e apanho-o para a viagem. Seu pai, num roteiro não declarado e padrão, também nos deseja sorte ao convencer o presidente Molina a cerca de nossas intenções para com os Jogos.
Estamos prestes a sair quando senhor Masonry adverte:
— Devolve a faca, Bash.
— Por quê? Eles não me detectariam como ameaça — rebate. — Você acha que eles pensariam que tenho em mente matar o presidente com uma única faca?
— Não é o desejo de qualquer habitante dos distritos? — seu pai dispara irônico e estende a mão para o filho, aguardando o objeto em questão.
Relutante ele entrega ao seu pai a arma escondida num suporte pequeno na canela. Esse é um dos hábitos que ele adquiriu após vencer os Jogos: andar sempre armado. Por sorte somente meu humor fora afetado e o treino excessivo que me castiga após sentimentos negativos me embalarem. Vejo seu rosto tenso observando cada milímetro quadrado da Aldeia e procuro tranquilizá-lo:
— Eu tenho um estojo cheio delas em casa.
Percebo os músculos de sua face relaxarem e ele soltar um suspiro. Até mesmo seu punhos são abertos e seus ombros deixam a tensão anterior.
— Obrigado, Klaus — assinto e encaminhamo-nos de volta para minha casa. Taurus o recebe e os dois passam a falar do programa que eles assistem em comum.
Vou até meu quarto de treino e dirijo-me até onde as facas estão acomodadas. Abro a tampa do vasto estojo que ocupa grande espaço da parede. Vejo minha coleção de cem facas reluzir contra a luz que emana do teto. Escolho uma que possui aparência semelhante a que Bash porta normalmente e entrego-o. Novamente ele me agradece e seguimos até a estação acompanhado por Eros.
— Já sabe, né, baixinho? Depois que subirmos no trem, direto para casa, ouviu? — advirto e ele rola os olhos para o apelido que há muito deixara de fazer sentido combinado a repreensão.
Mags ri com sua expressão e bagunça levemente seus fios loiros. Eros parece relaxar ao seu toque. Sei que meu irmão nutre uma paixão platônica pela garota do distrito praiano. Skirt também nota a mudança de seu comportamento, pois se intromete:
— Melhor esperar uns dez ou quinze anos para investir, Eros — zomba.
Vejo seu olhar constrangido e não deixo de rir enquanto estamos em um banco aguardando a chamada do trem. Finalmente um surge pelos trilhos do local e pelo letreiro identifico seu rumo tendo o Círculo da Cidade da Capital como parada final. Subimos nesse e nos despedimos de Eros.
O abraço e então brinco:
— Quando eu voltar, pode passar a me chamar de Pai dos Carreiristas.
Não quer ver anúncios?
Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!
Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!