O Andarilho escrita por netobtu


Capítulo 18
Capítulo 18




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            O Homem estava com muita fome e foi à caça (na verdade, não à caça propriamente dita, não foi matar nenhum animal, foi apenas procurar comida) de algo para encher-lhe a barriga. Incrivelmente a cidade parecia deserta agora, ninguém aparecera nem para lhe dar um simples cumprimento, ou, pior, para prendê-los novamente ou simplesmente disparar um tiro.

            Encontrou um enorme edifício em algum lugar da cidade e decidiu entrar, seguido pelo malabarista e pelo cão. O edifício era um antigo hospício abandonado, e os motivos pelo qual o Homem entrou ali me é desconhecido, leitor. Afinal, muito do que se descreve aqui se baseia basicamente na especulação e na tentativa de generalizar o Homem perante aos outros homens. Continuemos, no entanto, a narrar sobre o passeio do Homem, agora já dentro do hospício.

            Logo na recepção, havia um balcão e sobre ele estava debruçada uma figura encapuzada, de modo que o Homem só conseguia ver seu capuz. Parecia ler algum livro, talvez fosse um livro de registros.

            - Olá? - chamou o Homem.

            Não recebeu resposta alguma (o que já era esperado tanto por ele quanto por você, leitor, já que nada gostava muito de responder facilmente aos apelos do Homem). Olhou para trás e viu o malabarista sentado em uma cadeira próxima, lançou um olhar feio para ele e foi se aproximando cada vez mais do balcão, sempre lançando um "olá" aqui, um "oi" ali. A figura debruçada nem sequer se mexeu, então o Homem decidiu cutucá-la com as mãos, mas, antes que o fizesse, o malabarista o repreendeu:

            - Não faça isto.

            - Por quê? Deve estar dormindo, preciso de ajuda, estou morrendo de fome, vou acordá-lo.

            - Você nunca deve acordar alguém assim, cutucando. Não aqui.

            - E por que não?

            - Porque é falta de educação, você sabe bem disso.

            - Agora me vem você falar de educação! Você é um malabarista qualquer aí, um besta que vive me enchendo a paciência e... - e o Homem teve de parar com sua reclamação que provavelmente não teria fim.

            A figura agora levantava-se de seu provável sono, tinha o rosto esquelético, talvez fosse mesmo um esqueleto, os olhos eram inexistentes e, em seu lugar, havia um brilho azulado em forma de esfera que flutuava ali nas órbitas. Sua aparência era tão magra e estranha que o Homem ficou um tempo de boca aberta.

            - Pois não? - perguntou o esqueleto, olhando para o Homem.

            - Ah, oi, é que... - o Homem estava claramente transtornado pelo súbito despertar da figura - veja bem, estou perdido aqui - perdido estava mesmo, porém se esqueceu de dizer que havia sido preso, matado alguém, dentre outros infortúnios que claramente deviam ser muito difíceis para ele se lembrar - e estou com fome. Pode-se dizer que sou um andarilho, um danado da vida, sou muito pobre, veja como estou sujo. - e abriu os braços e girou, mostrando como estava realmente sujo.

            - Senhor, aqui não é restaurante. Mas temos um refeitório. - respondeu-lhe o ser esquelético.

            - Ótimo, aonde é?

            - Vá seguindo as placas que você encontra. E você, quem é? - dirigiu-se ao malabarista.

            - Olá, sou... eu sou? - perguntou o malabarista.

            - Certamente você é alguém. Tem hora marcada, alguma coisa? Está perdido, você se parece muito com um paciente daqui.

            - Olha, não sei do que o senhor está falando, só estou acompanhando este homem. - e apontou para o Homem, que ia já seguindo pelo corredor. - Aliás, vou com ele. Muito obrigado.

            - Sempre às ordens. - despediu-se o magricelo ser.

            Em passadas largas, logo o malabarista alcançou o Homem, que estava parado olhando uma imensa placa com várias setas, todas apontando para várias direções, inclusive algumas setas se dobravam dentro delas mesmas, enquanto outras setas eram circulares e terminavam aonde começavam.

            - Não entendo esta placa. - disse o Homem.

            - Que placa? - o malabarista perguntou, olhando para a placa.

            - Pare de se fazer de sonso, essa na sua frente.

            - Ah, sim. Pra que você quer entender esta placa?

            - Para chegar ao refeitório, mas a seta é somente um ponto, veja, não tem direção.

            - Então eu imagino que isso seja uma seta que foi desenhada para algum lado qualquer e foi virada para frente, ficando só a ponta dela aparecendo para quem quer que fosse olhar.

            - Não entendi nada, mas, se você entendeu, para onde é? - perguntou o Homem, balançando os ombros.

            - É entrando na parede.

            - Perfeito, agora sim você está fazendo muito sentido, vou entrar dentro da parede, como você manda, veja.

            E o Homem foi andando, crente que ia bater contra a sólida parede logo à sua frente, porém isto não ocorreu e ele entrou no refeitório, que estava lotado. Logo atrás veio o malabarista, empurrando-o, enquanto o cão já corria para lá e para cá no refeitório.

            - Mas... como pode? - perguntou o Homem, chocado, seus olhos estavam esbugalhados.

            - Você seguiu a direção, a placa nunca está errada. - respondeu o malabarista, já se posicionando logo atrás do último da fila da comida.

            O Homem também se posicionou atrás do malabarista, esperando sua vez. O barulho de talheres batendo contra as bandejas de plástico e o cheiro da comida o fez esquecer da esquisitice que acabou de acontecer, porque até então era impossível se atravessar uma parede da forma como ocorreu, para ele. Algo o cutucou no ombro e ele se virou. Era o ser da recepção:

            - Vejo que encontrou o refeitório, e bem na hora da refeição!

            - Pois é, estou com muita fome. Vai custar alguma coisa? Porque não tenho dinheiro, sabe.

            - Não vou te cobrar nada no momento, mas talvez possa vir a cobrar. Pode comer à vontade, sinta-se em casa. - e posicionou-se na fila, atrás do Homem.

            Quando chegou a vez do malabarista, ele saiu da fila, alegou não estar com fome, coisa que o Homem nem percebeu, tão eufórico estava em relação à sua refeição que viria. Só havia purê de batatas.


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