Daylight escrita por Boo


Capítulo 1
Chapter One




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Here I am waiting, I'll have to leave soon… Why am I holding on?

 

O corpo dele era quente, constantemente quente – mesmo que houvesse uma quantidade enorme de neve do lado de fora, ainda sim, sua pele seria absurdamente quente e aconchegante. Eu sentia seu braço pender na minha cintura e sua mão descansava em minha pele, e me pegava pensando em como era engraçado que nós dois houvéssemos passado tanto tempo – grande parte de nossas vidas na verdade – contando os dias para que o ano letivo finalmente acabasse e pudéssemos fugir para a familiaridade de um lugar que chamávamos de casa. E agora, cá estávamos...
Eu sabia que estava trocando os pés pelas mãos enquanto procurava – sem sucesso – uma forma de recuperar todo o tempo perdido, uma forma de retroceder e improvisar minutos e dias aqui e ali, tentando enganar o tempo e contando cada milésimo de segundo na esperança de que nesse meio tempo fosse possível que eu transformasse minha memória em uma câmera Polaroid capaz de criar um mural mental repleto de imagens em todos os cantos da minha mente. Imagens retratando coisas banais, pequenas de fato, coisas que só teriam significado para mim como, por exemplo, a forma como ele sorria quando me via aproximar: seus lábios se abriam instantaneamente em um sorriso, sua covinha se intensificava bem ali, ao lado direito do rosto; ou quem sabe talvez a forma como ele falava o meu nome, e como a sua voz rouca e profunda fazia com que um nome tão simples e tão sem graça soasse como se pertencesse à nona maravilha do mundo simplesmente por ter saído dali, do meu mais novo refugio de felicidade.

Ele foi, de fato, a primeira pessoa que eu não havia me preocupado em tentar entender, a primeira pessoa por quem eu me deixei levar com a facilidade que um vento de verão guia um barco à vela, a primeira por quem eu ignorei e aprendi a lidar com meu perfeccionismo e a necessidade de controle.
Ele era como um mar calmo, sem ondas por onde eu podia mergulhar e tentar descobrir o que havia no fundo, ali, onde quase ninguém havia chegado, em meio àquela imensidão azul como seus olhos – onde sempre me perdia, mesmo sem querer. Sua pele clara, pálida e salpicada de sardas – quem diria? – finas como grãos de areia era o meu descanso, havia se tornado meu porto seguro, a minha âncora que me prendia ao porto que eu chamava de sanidade. 
Eu amava desenhar em seu corpo, ligando suas pequenas pintas com as pontas dos dedos, ou deslizar minhas mãos espalmadas por suas costas e ombros recriando alguns dos mil carinhos que eu havia descoberto ser capaz de retribuir nestes últimos meses; eu o admirava por inteiro, mas era em seus cabelos que minhas mãos descansavam, fazendo cafuné naquele cabelo palha, ralo e fino que mal chegava aos ombros. E era ali, jogada em seus braços, em mais uma tarde preguiçosa de sábado, que eu tinha certeza de que nunca havia sido tão feliz, com tão pouco e em um espaço tão curto de tempo.

— Bom dia – sua voz rouca soou no meu ouvido, acompanhada de um beijo leve, dado com seus lábios finos contraindo-se contra o meu lóbulo.
— Bom dia – sussurei de volta, sentindo os cantos dos meus lábios se estenderem até o alto das bochechas.

Era diferente com a gente, pois nenhum de nós precisava se pronunciar, havíamos desenvolvido uma comunicação quase muda inteiramente corporal, onde, de alguma forma, sempre sabíamos exatamente o que fazer, e era por causa desse tipo de conexão que sua mão buscava a minha em momentos como aquele, e seu corpo se aconchegava contra o meu. Quase como algum tipo de ligação física, era como se nós houvéssemos nos transformado em alguma espécie de corpo, organismo, como um só. Um passo de um era, consequentemente, seguido pelo passo do outro.

Eu tinha plena noção que quando eu estava ao lado dele o tempo se tornava uma coisa ilusória, era quase como uma criança teimosa que insistia em correr enquanto seus pais pediam desesperadamente que ela andasse devagar para não cair no chão e se machucar. “Com calma!”, “Com elegância”, “Sem pressa”. O tempo parecia um ladrão determinado a nos roubar um do outro por algum motivo que eu sequer fazia questão de compreender e, na realidade, além de não conseguir, parecia nos aproximar cada vez mais, afinal de contas, nós não nos importávamos com o amanhã, pelo menos não ali, não agora.

— Preguiçosa. – ele sussurrou no meu ouvido, e eu não precisei olhar para ele para saber que sorria.
— Olha quem fala. – provoquei, beijando de leve o seu queixo pontudo.
— Precisamos nos levantar, Ros.
— Você é um estraga prazeres. – resmunguei.
— E você é uma mimada, preguiçosa. Pode ficar na minha cama se quiser. - ele respondeu seco.
— Só mais alguns minutos. – eu insisti segurando sua mão e o puxando pra perto.
— Já é bastante difícil ter que resistir à cama, você não está tornando as coisas nem um pouco mais fáceis. – ele se inclinou, beijou a ponta do meu nariz – Vamos lá, Ros. Você ainda precisa se vestir e eu preciso deixar você na sala comunal. Você pode não ter treino hoje, mas eu tenho.
— Eu sei chegar lá sozinha. – continuei resmungando, porém me levantei com certa relutância.
— Tudo bem, você conhece o caminho.

Ele não sabia insistir. E essa era uma das coisas que eu amava ao seu respeito, ele falava uma vez, pedia uma única vez, e então saía e te deixava pensando em como você estava se comportando de forma idiota e imatura. Naquele momento, ele saiu de perto e caminhou em direção ao banheiro, seu uniforme estava impecavelmente dobrado ao lado da cômoda próximo à porta entreaberta por onde eu podia vê-lo sem camisa, penteando os cabelos que, ao contrário dos meus, nunca ficavam desgrenhados quando passávamos a noite juntos.

— Para de me espiar. – ele riu, tirando a escova de dente da boca – Vamos lá Ros... Não torne as coisas mais complicadas.
— Me desculpe se eu queria passar algum tempo com você. – resmunguei entrando pela porta do banheiro sem permissão e dando um beijo em seu ombro, o abraçando por trás – Não vamos ter mais do que quatro ou cinco oportunidades de passarmos algum tempo juntos, você sabe disso.
— Não é o fim do mundo e você sabe disso.

Não é que eu não quisesse concordar, eu sabia que ele tinha razão, mas algo dentro de mim gritava loucamente que apesar de não ser o fim do mundo para ele parecia ser para mim. Mas quem era eu para fazê-lo compreender algo tão banal como os meus sentimentos complexos e minhas inseguranças, ou quem sabe aquele medo ensurdecedor de perdê-lo mesmo sabendo que nunca o tive de fato? Eu não era nenhum pouco diferente quando começava o meu discurso sobre como nós dois estávamos propensos a irmos em direções diferentes e a conversa sempre tomava rumos mais obscuros do que as escadas das masmorras em direção à sala comunal da Sonserina.
Eu tentava esconder e me esforçava para manter aquele sorriso aceso e radiante como um dia de verão, porém, a cada momento em que eu percebia que o momento de ir se aproximava, eu me via incapaz de conter a criança mimada e insatisfeita de dez anos que eu parecia guardar adormecida dentro do meu peito, e era com ela que eu lutava enquanto vestia o meu uniforme do dia anterior e que agora cheirava a waffles, panquecas e pecan, que cheirava exatamente como a essência de seu vape, que cheirava como o quase homem feito parado em minha frente com um sorriso torto maravilhoso e capaz de bambear minhas pernas.

— Não é como se não fossemos nos falar durante esses dias, ou nos ver. – ele passou a mão no meu cabelo e me pareceu quase um prêmio de consolação.
— Não, não é. Mas não é como se eu pudesse estar ao seu lado da mesma forma.
— Rose, por favor.
— Não Scorpius, eu digo por favor.

Nem eu nem ele dissemos mais nada, não era preciso. Conhecíamos nossos sentimentos melhor do que qualquer um, conhecíamos nossos defeitos, nossos motivos e nossas defesas. Ambos sabíamos o motivo das paredes estarem tão altas e tão difíceis de ultrapassar e que autodefesa emocional era somente mais uma de nossas desculpas, ou novas nomenclaturas para medo. Acima de tudo, conhecíamos nossa distância; distância essa que nossas mãos pareciam sempre incapazes de aceitar, porque estavam sempre procurando uma a outra incessantemente. Éramos fadados ao estrago, à divisão e à dor, porém nenhum de nós tinha coragem de falar nenhuma dessas palavras, ou consequências, em voz alta, nenhum de nós sequer se interessava em aceitar que o monstro do futuro parecia contar os segundos para nos recordar ao nascer de cada dia.

Em silêncio, eu e ele caminhamos para fora do quarto – localizado um andar acima das masmorras – em direção à torre da Grifinória, onde paramos e nos encaramos como se nos víssemos pela primeira vez. E lá estava ela, aquela covinha que derretia até mesmo meus piores pensamentos, e aquele sorriso torto, seguido da sensação do braço dele me puxando para junto de si.

— Tenha um bom dia, Weasley. – ele beijou de leve meus lábios.
— Você também, Malfoy. – minha voz saiu abafada pelos seus lábios e ele sorriu.


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