Capítulo 48 - Quando (quase) tudo se resolve

Raquel aguardava na mesa do restaurante de seu avô ansiosa. Finalmente...após tanto tempo dando indiretas (indiretas?), César iria assumir alguma posição no relacionamento deles. O velho Bacamarte ainda conversa com ela mais um pouco.

- Err...netinha...você sabe que, não importa o que aconteça, eu sempre vou estar do seu lado, não é?

- Que história é essa, vovô? É claro que vai dar certo

- Mas...nunca se sabe

- Foi ele, meu querido César, a pessoa que marcou o encontro...ele deve estar querendo começar alguma coisa. Não seria muita sacanagem ele marcar um encontro para me dar um fora?

O velho barbudo sente uma pontada no coração.

- Err...mas, nunca se sabe, não é? Olha...pense que é melhor ele disser que não gosta de você agora, do que te namorar sem gostar, não é?

- Vovô, quer parar de jogar praga?

- C-Claro..me perdoe. Espero que vocês possam conversar em paz..hehe

Bacamarte sai dali, deixando a mocinha no aguardo. "Tudo bem, tudo bem...vai doer, mas é melhor ela passar por isso agora do que depois", pensa o velho, voltando para a cozinha do restaurante. Nisso, finalmente César chega. Ele entra meio temeroso no restaurante, olhando em volta e procurando por Raquel. Ainda não tinha juntado coragem o suficiente para dar um fora nela.

- César, querido! Que bom! Você veio! - diz a ruivinha, toda contente.

- Err...é....é...eu vim - diz ele, claramente nervoso.

- O que foi? Tem algo para me dizer? - diz a inocente garota, olhando fundo com aqueles óculos nos olhos do tímido rapaz.

- Bem...é que...reparei que....você sente algo a mais por mim, não sente?

- Eu? Bem, bem...sabe...eu te acho um cara bem....interessante. Você é charmoso e...bem inteligente

- Mais ou menos. Minhas notas não são muito diferentes das do Thiago e não consigo chegar aos pés da Mariana

- E ainda é modesto! Você é o homem perfeito! - diz ela, toda animada,

- Hehe...assim você me deixa sme-graça

- Eu não elogio ninguém que não mereça. É verdade...

- Mas acontece que...

- Eu sei, eu sei. o Thiago comentou que você estava gostando de outra pessoa. Mas se você veio até aqui, é porque tomou uma decisão, não é?

- Bem, é verdade que tomei uma decisão, mas...não é bem o que está pensando

- Como assim? Você veio aqui me pedir em namoro, não foi?

- Então...chegamos ao ponto

- Ah, eu aceito

- Ei, espere

- Agora...só falta selarmos isso...com um beijo

Raquel tenta se aproximar dos lábios de César, mas ele não poderia ceder a tentação. Ele coloca as mãos nos ombros dela e fala em bom tom

- Não, não..eu....eu...eu não gosto de você!

- Hã? - Raquel recua imediatamente - O que disse?

- Err...não gosto de você do jeito que está pensando...mas te acho uma menina bem legal

- Então...porque marcou esse encontro? - diz Raquel, com um tom claramente tristonho.

- Bem, eu precisava dizer isso com todas as letras, ou você ficaria em cima de mim o tempo todo

- Como assim? Tá me chamando de grudenta?

- Bem...imagino que você seja bem...hã...possessiva

- Ora, essa...eu me arrumo toda para vir aqui, achando que finalmente iria encontrar o amor da minha vida, e você diz que não gosta de mim? Por que não me disse isso antes?

"Mas as minhas reações não eram óbvias? Essa menina é meio louca", pensa César.

- Tudo bem, tudo bem, eu não vou ficar chateada por causa disso - diz ela (claramente chateada)

- Sério? Bem...eu não gostaria que você ficasse..

- Mentira! Estou chateada! Tô revoltada, muito revoltada! Eu achava que finalmente encontraria o garoto dos meus sonhos!

- Se isso te serve de consolo, tem alguém que..

- Não quero ouvir! - diz Raquel, tapando os ouvidos - Não falo mais com você!

- Mas...

- Você quebrou meu coração e jogou todos os caquinhos no lixo! Seu malvado! Te odeio! - e ela sai correndo.

"Isso não foi dramático demais?", pensa César, custando para levar a reação dela a sério.

- Relaxe - diz Bacamarte - Amanhã ela já esqueceu isso

- Hã?

- É o jeito dela. Digamos que ela é meiga a maior parte do tempo, mas uma emoção forte faz ela explodir. Mesmo assim, logo ela volta ao normal

- Isso...não faz muito sentido...

- E alguma coisa nessa história faz? Agora...pode pagar o suco que ela pediu?

- Vai cobrar um suco numa situação dessas?

- Foi você que fez minha neta chorar! Agradeça por eu não jogar você pra fora a vassouradas! - grita o avô dela.

- Mas a ideia não foi sua?

- Mas isso não quer dizer que eu goste da situação! Só fiz isso porque já que você não corresponde ao amor sincero da minha neta, deveria pelo menos ser sincero com ela também!

- E eu tenho culpa? A gente não manda no coração! - César ainda tenta argumentar, mas, no fim, acaba pagando o suco.

Enquanto isso, Raquel chega na pensão e se tranca no quarto. Dona Joana até tenta ver o que aconteceu, mas ela realmente queria ficar sozinha. No fim da tarde, Thiago volta do quiosque junto com Renata (Mariana não foi naquele dia por ter que resolver uns assuntos na faculdade) e o rapaz parecia ansioso para chegar em casa.

- Ai, ai, será que a Raquel está bem?

- Por que? - pergunta Renata, embora já tivesse noção do que estava acontecendo.

- Bem...ela ia ter um encontro com o César hoje e....sabe...não que eu queira fazer fofoca, mas parece que ele não é a fim dela assim como ela é dele.

- Eu sei.

- Hmm?

- César é um bom garoto, mas eu não sei como a Raquel reagiria - Renata se vira para Thiago com um sorriso - Na verdade, Raquel é uma pessoa bem misteriosa...ela parece ser boazinha o tempo todo, mas parece que também tem momentos de tensão

- Acho ela bem parecida com você

- Não acho...quer dizer, eu pelo menos não me lembro de ter ficado extremamente nervosa alguma vez

- Eu também não lembro

- Acho que a Mariana ficou com todo o nervosismo só para ela no dia que a gente nasceu. Hehe

- Hmmm...a Mariana é mais nervosa, é verdade...

- Nervosa? Você acha?

- Ela me bate por qualquer coisinha!

- Aliás...o que você acha da Mariana?

- Bem...apesar de me bater e dar chilique por várias coisas, é bem esforçada...e bonita..e é uma boa amiga

- Pois é...acho que o Cícero também pensa isso.

- Quem é Cícero?

- É um novo colega de iniciação dela. Parece que os dois estão se dando muito bem. Ela nunca te contou?

- N-Não - diz Thiago, que, lá no fundo, lá no fundo mesmo, ficou meio incomodado com a situação.

- Bem, não sei...pode ser que saia alguma coisa daí

- É? Bom pra ela...se for um cara legal, mas não acho que o.. - Thiago para de falar. Lembrava que César ainda não queria se declarar.

- Que o que?

- Nada, não.

"Thiago, Thiago", pensa Renata, "Se o César realmente respondeu ao que a Raquel sente...talvez agora seja hora da Raquel também dizer o que sente"

 Chegando em casa, Thiago logo vai atrás de Raquel, mas Dona Joana avisa que ela queria ficar sozinha. Thiago diz já ter ideia do que aconteceu.

- Tem certeza? A menina nem quis comer nada

- Mas acho que posso falar com ela

Thiago bate no quarto da garota.

- Raquel! É o Thiago! Posso entrar?

- Hã? Thiago? - ela responde, limpando as lágrimas que restavam - Pode. Pode sim.

- O que houve? Dona Joana disse que você estava triste - diz o rapaz, entrando e se sentando perto dela na cama. Ele acaba dando uma espiada no decote dela, mas desvia o olhar. Não. Não era hora para isso. O que sentia por Raquel era muito superior a isso.

- Bem, é que...o César...disse não gostar de mim

- Mas...eu disse que ele já gostava de outra pessoa, não é?

- É. Eu sei. Mas...ele ainda não tinha se declarado, seja lá quem ela fosse. Queria manter a esperança. Mas agora já perdi todas. Ele devia ter me falado logo que não teria chance!

"Sério mesmo que ela nunca percebeu?", pensa Thiago.

- Mas, tudo bem, já chorei bastante. Só fiquei chateada porque estava gostando bastante dele. Sabe. Quando gosto de alguém, eu gosto mesmo, mas...se ele não corresponde, não posso fazer nada

Raquel fica quietinha por alguns instantes. Thiago vê nisso sua oportunidade.

"É agora. Preciso dizer agora!", pensa Thiago.

- N-Não fique triste, Raquel...sabe...eu...eu gosto muito de você!

Raquel ouve isso, mas parece não pegar a mensagem de fato.

- Obrigada, Thiago! Também gosto muito de você! - ela diz, o abraçando - Espero que você encontre alguém que realmente te ame

A expressão de Thiago muda de sorriso para frustração. Aquilo foi...um fora indireto? Quer dizer que, no fim das contas, ela realmente não gostava dele? Talvez devesse ser mais enfático...

- Então, Raquel, quando disse que gosto, também quis dizer que...

- Já sei! - ela diz, praticamente ignorando as últimas palavras dele - Quando entrar na faculdade, vou me esforçar para achar uma namorada para você! É o que amigos fazem, não?

- É...acho que sim - responde o garoto.


- Ainda bem que tenho você como amigo, Thiago! Você é mesmo como um irmão para mim!

- I-Irmão, é/

- Não conseguiria te ver de outra forma - ela o abraça novamente, para maior frustração de Thiago...

Raquel volta a sorrir, ainda que um pouquinho. Thiago também fica feliz, mas percebe que daquele mato não sairia coelho. Será que ela falou tudo aquilo inocentemente ou no fundo estava mesmo dando um fora indireto? Seja como for, Thiago resolve parar a conversa por ali.


- Se precisar de mais alguma coisa...é só chamar

- Obrigada. Daqui a pouco eu janto com vocês

- Então, tá..hehe

Agora era Thiago que estava mais chateado. Parece que, pelo menos naquele momento, não tinha muitas chances com Raquel. Estaria ele condenado a viver solitário para sempre? Que dramático...

- E aí? Rolou rápido essa sua visitinha ao quarto dela, né? - diz Stephany, ao ver Thiago parado no corredor, viajando nas ideias.

- O que? Ei, calma aí, não seja mente poluída, eu só...

- Tá, tá bom. Tá a fim de jogar videogame? Não tem muita graça matar zumbis sozinha

- Tudo bem...vai ser bom para esquecer...

- Foi tão ruim assim? Já sei...você falhou na hora H, né?

- Como pode ser tão mente poluída...aaah...vamos jogar logo!

- Hahuahuahauha!

No dia seguinte, as coisas parecem ter melhorado bem.

- Bom dia, gente! - diz Raquel, tão animada que nem parecia ter levado um fora no dia anterior.

- Raquel...acordou de bom humor hoje

- Não vale a pena ficar amargando o passado

"O avô dela estava certo...", pensa Thiago, "E...bem, talvez eu seja só o amigo dela mesmo...". Ele olha mais para baixo..."E uma amiga bem peituda"

- Perdeu alguma coisa, Thiago? - diz Renata

- Não, não. Nada, não - ele disfarça - Ei, cadê a Mari?

- Ela tem alguns assuntos para resolver na faculdade. À tarde ela deve aparecer no quiosque

- Ah, é? Com aquele novo amigo dela?

- Provavelmente. Por que?

- Nada, não

Enquanto isso, na faculdade, Mariana terminava de analisar os últimos dados.

- Pronto. É só entregar isso para o professor - diz ela para Cícero, que a olhava com carinho.

- Ótimo. Mesmo sendo só uma aluna do primeiro ano, você já é bem habilidosa

- Gosto de fazer tudo direitinho

- Escuta, Mariana

- Sim?

- Não quer almoçar comigo hoje? Depois você vai para o trabalho

- Hmm..por que não? Dá tempo, né? - ela responde. "Perfeito! Era o que eu queria...vamos ver se você é o homem que estou procurando!"

 Enquanto isso, César saía da sala do curso de inglês que se matriculou no fim do semestre, que era ali perto da faculdade mesmo. Parecia distraído.

"Pronto. Já resolvi isso", pensa o rapaz, "Agora...tudo bem, Raquel está brava comigo...mas devo aproveitar que tive coragem de dar um fora nela e usar essa coragem que me resta para me declarar a Mariana! Isso! Tenho que falar com ela!"

Pena que ele a vê naquela hora, saindo toda sorridente com Cícero. Como assim?

"Como assim?", ele pensa, "Quem é esse cara?"

César se aproxima mais e pode ouvir parte da conversa.

- Tem um restaurante italiano bom aqui perto. Acho que você vai gostar - diz Cícero, com uma voz galanteadora.

- Tá legal. Onde você quiser  - ela responde, animada.

"Não pode ser", pensa César, "Ela...ela me traiu!"