Bicho-papão. escrita por Secret


Capítulo 1
Medo do escuro.


Notas iniciais do capítulo

Olá!
A história é bem diferente do que eu costumo escrever, então críticas são bem vindas!
Espero que goste!



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— Mamãe, pode deixar a luz acesa?

— Claro, meu bem. — Ela riu e saiu, deixando a luz do corredor acesa e a porta entreaberta. Achando graça de seu filhinho de sete anos com medo do escuro.

É uma pena que isso tenha sido há nove anos.

E pior ainda que a cena continue se repetindo:

— Mãe, deixa a luz do corredor acesa?

— De novo, filho? Não está grande demais para ter medo do escuro? — A mulher suspirou, mas acatou o pedido, perguntando-se o que deveria fazer com seu filho. Será que o medo sumiria sozinho com o tempo? Não... A época para isso passou faz tempo.

O garoto, agora com dezesseis anos, agradeceu e virou-se para dormir. Ele sabia que devia encarar seus medos, sabia também que isso preocupava sua mãe. Mas não era culpa dele, ele só tinha pavor da completa escuridão. Ele sentia que não estava sozinho.

E não estava errado.

Desde pequeno Gabriel via “coisas” no escuro. Monstros enormes, olhos amarelos brilhantes, dentes afiados, lâminas, palhaços do mal, duendes psicopatas... Isso nunca mudava, mesmo que ele soubesse que o escuro era apenas a ausência de luz, mesmo que soubesse que nada surgia do nada para pegá-lo, nada morava em seu armário ou o observava ao pé da cama.

Mas, se não havia nada lá, por que aquela sensação não parava? Por que ela o perseguia por tantos anos? O problema era com ele ou com as trevas?

Mesmo agora, já praticamente um homem, ele mirava desconfiado um canto da parede que a luz não alcançava. Não havia nada lá, ele sabia disso. Mas por que parecia haver uma sombra animalesca? Por que ele conseguia ver as garras? Ou o sorriso cheio de presas prontas para dilacerá-lo? Os olhos de réptil brilhantes e amarelados?

O único alívio do garoto era a faixa de luz que separava o canto escuro do quarto de sua cama, graças à luz acesa do corredor. Aquilo o fazia sentir seguro, então ele limitou-se a encarar aquela sombra, convencendo-se de que não era real. Nunca admitiria, mas estava apavorado. Decidiu apenas virar para o outro lado e tratou de dormir.

A figura sorriu e desapareceu, fundindo-se completamente às sombras. Aliás, foram sempre apenas sombras, certo? Não havia nada lá...

Amanheceu. Gabriel se arrumou para ir à escola e desceu para o café da manhã.

— Bom dia filho, dormiu bem? — Sua mãe indagou. Ele assentiu. —Não teve problema com “monstros”, certo? — Ela riu, mas estava claramente preocupada.

— Não, mãe. Foi tudo bem. — Mentiu, lembrando-se da sombra que viu perto do armário, que tinha garras e presas. Ao menos era o que parecia.

Ele resolveu apenas ignorar isso, terminou o café da manhã e saiu para ir à escola.

Quando estava na calçada em frente ao prédio ouviu o sinal tocar indicando o início das aulas. Ele estava atrasado! Resolveu entrar de fininho e torcer para não ser pego por monitores nos corredores.

— Muito bonito, Gabriel, isso é hora de chegar?! — Tarde demais. Ele foi parado por uma das monitoras dos corredores, também conhecida como Vanessa. Ela era sua amiga de infância.

— Desculpa, Van. Acordei meio tarde hoje. — Ele ajeitou o cabelo e sorriu sem graça.

— Sabe, qualquer outro monitor te encaminharia para a direção só pelo número de atrasos! — Exclamou. — Tem sorte por ter sido eu a te pegar entrando de fininho! Pega esse bilhete e corre para a sala. — Ela entregou um papel justificando o atraso.

— Obrigado, Van! Não vai se repetir!

—Claro que não... — Ela ironizou. Já era a quinta vez que ouvia aquela frase. — Agora corre para a sala.

Ele acatou a sugestão e praticamente voou para sua sala de aula. O que é bem impressionante, considerando que as salas do primeiro ano ficam no terceiro andar.

— Desculpe o atraso, professor! — Exclamou ao abrir a porta. — Aqui está minha justificativa!

— Não me surpreende, senhor Gabriel. — Repreendeu-o. — Apenas sente-se.

Gabriel obedeceu e tentou prestar atenção na aula. E conseguiu... Por uns dois minutos, logo depois caiu em devaneios. Ele com certeza teria que pedir ajuda em biologia depois!

Gabriel pensava em seu medo do escuro, sabia que preocupava a mãe, mas não conseguia evitar! Talvez ele devesse tentar dormir com a luz apagada um dia. Depois pensou se seu irmão o ajudaria a entender biologia, e química, e história, e todas as outras matérias... Ele realmente não era um aluno exemplar! Logo uma bolinha de papel o tirou de seus devaneios, seu amigo riu para ele do outro lado da sala e jogou outra. Agora ele estava mais preocupado com a guerra de bolinhas de papel que em seus problemas. Não é como se um medo bobo fosse importante, certo?

— E então, Gabriel, pode me dizer a resposta? — A professora de matemática perguntou, retirando a bolinha de papel da mão dele. Ele apenas olhou em volta confuso, todos estavam observando-o.

Quando a aula de biologia havia acabado? E qual era essa tal pergunta? Aliás, ele sequer sabia qual assunto eles estavam aprendendo em matemática!

— Hmm... — Tentou ganhar tempo enquanto encarava seus colegas, esperando que alguém lhe desse a resposta. — A resposta da sua pergunta é... — Ele olhou desesperado para seu amigo, que estava do outro lado da sala, mas este apenas deu de ombros. No quadro havia uma expressão complicada demais na opinião do garoto— 42?

— Preste mais atenção na aula. — Ela repreendeu. — Muito bem, alunos. Quem pode me dar a resposta correta?

— Raiz quadrada de três, professora. — Disse um garoto, a professora confirmou a resposta e a aula continuou. O sinal do intervalo tocou poucos minutos depois.

— E aí, como foi a aula? — Vanessa perguntou sentando-se num banco ao lado de Gabriel.

— O professor de biologia brigou pelo atraso, nem vi a aula de história e a professora de matemática me pegou no meio de uma guerra de bolinhas de papel. Tudo normal. — O garoto riu. — Como foi monitorar os corredores?

— Normal. Alunos atrasados, corredores vazios e gente indo ao banheiro. Não é nada emocionante. — Deu de ombros e mordeu o sanduíche que tinha levado.

— Dá uma mordida? Esqueci meu lanche.

— Pega, cabeça de vento. — Zombou Vanessa e entregou o sanduíche. — Agora tenho que ir, tchau.

— Tchau. E valeu pelo lanche!

Depois do lanche, Gabriel teve a impressão de que estava esquecendo algo. O que não seria novidade. Após alguns minutos andando, lembrou-se: Ele não fez o dever de casa! Agora precisava correr para a sala antes da próxima aula!

Felizmente ele não teve muitos problemas para subir. Nenhum monitor o parou para perguntar o porquê daquela correria e ninguém para atrapalhá-lo na sala. Na verdade o terceiro andar estava quase vazio, com exceção de Gabriel e de dois garotos que sequer eram do primeiro ano. Ele parou um segundo para observar a cena, um deles estava com binóculos e parecia estar irritando o outro. Gabriel apenas deu de ombros e continuou correndo, tinha que chegar à sala antes que o sinal tocasse. Vai ver os garotos estavam fazendo algum trabalho do segundo ano.

— E aí, Gabe. O que esqueceu essa vez? — Cumprimentou Daniel, o amigo com quem Gabriel fizera a guerra de bolinhas de papel, parado em frente à sala.

— Dever de geografia. —Admitiu. O outro apenas riu.

— Bem, boa sorte então. A porta tá trancada.

— o quê?! Essa não! Minha mãe vai me matar!

— Relaxa. Eu te empresto quando abrirem a sala.

— Valeu, cara! Te devo essa!

— Já tá me devendo umas sete. — Zombou. — Olha que eu cobro!

O resto da manhã correu normalmente. Gabriel ficou brincando com Daniel em quase todas as aulas, com exceção da aula de geografia, na qual ele dormiu na carteira até ser acordado pelo professor. Felizmente o sinal tocou antes que o professor terminasse o sermão sobre “porque não se pode dormir na aula”.

Gabriel correu para casa, que ficava a poucas quadras da escola, e ao chegar se jogou no sofá e largou a mochila no chão.

— Oi, mãe! Voltei!

— Oi, querido. Como foram as aulas?

— Muito boas. —Mentiu. —O que tem para o almoço?

— Arroz, feijão, frango e purê de batata. Mas primeiro leva a mochila para seu quarto e tira o uniforme. Você já tá grandinho demais para que eu tenha que mandar você fazer isso, não acha?

— Ok.  Já vou.

— E não corra pela casa. Você ainda vai cair! Ah, querido, seu irmão vai passar a semana aqui. Ele chega hoje à tarde.

— Tá bom, mãe!

Lucas, o irmão mais velho de Gabriel, morava com o pai. Ele visitava a mãe em alguns fins de semana e feriados, além disso, se dava bem com o irmão, salvo algumas brigas. Gabriel levou a mochila para o quarto e decidiu mexer no computador até que seu irmão chegasse. Ele não pôde evitar encarar o canto do quarto que, à noite, era o mais escuro. À luz do sol parecia tão normal, mas ele tinha certeza que havia visto algo na noite anterior!

Seu irmão chegou por volta das 18h00min, uma hora atrasado. Gabriel riu, pensando que atraso devia ser de família! Sua mãe ficaria uma fera!

— Isso são horas de chegar, mocinho? — Ralhou ela assim como esperado, Lucas apenas deu de ombros.

— Desculpa! Muito trânsito! O pai mandou um abraço pra todo mundo. — Ele disse com seu jeito brincalhão e a abraçou, indo em direção a Gabriel. — Como está, maninho? Já arrumou alguma gatinha? — Riu enquanto bagunçava o cabelo do mais novo.

— Muito bem, queridos. Vão tomar banho e vestir o pijama antes do jantar. — A mãe deles ordenou gentilmente.

— Ah, mãe! Já tenho 18 anos! Não precisa mais me tratar como bebê, se contenta com o Gabriel mesmo! — Lucas exclamou.

— Ei! Eu sou só dois anos mais novo que você! Não sou bebê! — Gabriel entrou na discussão.

— Para o banho, os dois! — Ela ordenou novamente, eles obedeceram. Nunca se deve contrariar a mãe quando ela usa esse tom de voz!

Depois de uma briga para decidir quem usaria o banheiro primeiro, na qual Gabriel saiu vitorioso, os irmãos desceram, já de pijama, para o jantar.

— Então, Lucas, como está na escola? — A senhora perguntou.

— Bem, mãe... — Ele desviou do assunto. — Como está, maninho? — Desviou o assunto para Gabriel.

— Bem...Pode me dar uma força em biologia? — “E todas as outras matérias?” completou mentalmente, mas não diria isso na frente da mãe.

Eles conversaram por mais um tempo sobre assuntos diversos, como o que fariam no fim de semana. Às 21h00min a mãe os mandou para a cama, e não aceitou reclamações.

— Não acredito que ela ainda nos trata como crianças! — Lucas sussurrou para o irmão e este riu.

— Nem me fale. Bem, boa noite!

— Boa noite, mano! — Lucas sorriu e bagunçou os cabelos de Gabriel apenas para irritá-lo. Depois cada um foi para seu quarto.

O mais velho deitou-se na cama de cima do beliche, que ficou em seu antigo quarto quando se mudou com o pai, e fechou os olhos. Cerca de meia hora depois, ouviu batidas na porta.

— Quem é? — Perguntou baixo para não acordar a mãe.

— Gabriel. — O outro se identificou e ouviu sons de alguém saindo da cama, alguns segundo depois a porta foi aberta.

— Que foi?

—... Posso dormir com você hoje? — Sussurrou.

— O quê? — Ele perguntou apenas para confirmar. Seu irmãozinho continuava com aquele medo bobo?

— Posso dormir com você hoje? — Disse um pouco mais alto.

— Não vai dizer que ainda tem medo do escuro? — Zombou, mas parou ao ver a cara séria do irmão. — Sério? Ainda? Tudo bem, pode entrar. Não se acostuma, viu?

— Valeu,Lucas!Você é demais! — Sorriu. — Posso ficar na cama de cima?

— Sobe logo! — Exclamou. — E trata de dormir ou a mãe nos mata!

Gabriel assentiu e se deitou. Ele adorava dormir na cama de cima! Tanto pela segurança de ter o irmão mais velho por perto quanto pela visão panorâmica do quarto. Logo caiu no sono, mas foi despertado meia noite por um som estranho.

— Hã? Lucas? O que está fazendo? — Sentou-se, esfregando os olhos para espantar o sono.

— Shhh. — O mais velho pôs o indicador na boca e pediu silêncio. — Eu vou dar um pulinho rapidinho numa festa aqui perto. — Explicou calmamente. — Não se preocupe, eu volto logo. Não vou fazer nenhuma besteira. Não precisa contar para a mãe, ok?

— Tá bom. — Sussurrou Gabriel, ainda meio grogue de sono, não é como se fosse a primeira vez que Lucas fugia para uma festa. — Mas não demora, tá?

— Ok.

Lucas acabou de se trocar e saiu silenciosamente, deixando Gabriel sozinho. Não que isso importasse, o garoto se sentia seguro no quarto do irmão. Não era tão escuro quanto o próprio, pois a janela dava para a rua, sendo possível ver a luz dos postes entre as brechas da cortina. Além disso, havia um relógio digital na parede que brilhava no escuro, exibindo os números e ponteiros.

Gabriel acordou novamente com o som da porta sendo entreaberta. Ele mirou o relógio: 01h04min da manhã. Estranhou que o irmão tivesse voltado tão cedo.

— A festa não estava boa? — Disse baixo e ouviu a cama de baixo ranger indicando que alguém deitara.

— Não muito. — Ouviu seu irmão responder, igualmente baixo. — Além do mais, senti sua falta. Não devia ficar sozinho no quarto.

— Sem brincadeiras com meu medo do escuro. Pelo menos não a essa hora da madrugada! — Exclamou. — Boa noite.

— Boa noite, Gabriel.

O mais novo estranhou um pouco ser chamada pelo nome. Geralmente seu irmão só o chamava por apelidos, Além disso, sua voz não tinha o tom malandro e brincalhão de sempre. Ele apenas deu de ombros e voltou a dormir... Ou ao menos tentou, mas foi acordado pela terceira vez naquela noite com o som do guarda-roupa sendo aberto. Ele abriu os olhos, 03h27min de acordo com o relógio.

Mirou o guarda-roupa e encontrou seu irmão terminando de vestir o pijama e sorrindo sem graça. Algumas marcas de batom eram visíveis em seu rosto e pescoço.

— Foi mal pela demora, mano. A festa estava demais! Encontrei três gatinhas e sete amigos. Espero que não tenha sentido minha falta. — Lucas riu, sem entender a expressão confusa e assustada do irmão mais novo.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenha gostado!
Até o próximo!



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