Bicho-papão. escrita por Secret


Capítulo 2
Lucas...?


Notas iniciais do capítulo

Aproveite!



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                 Gabriel acordou com o som de sussurros altos, como se alguém estivesse brigando e tentando ser discreto. Ele conhecia bem esse som, ouvia muito antes do divórcio de seus pais. Ele se levantou devagar e abriu a porta lentamente, tomando cuidado com qualquer ruído. As vozes vinham da cozinha:

              — O que você acha que eu devo fazer? — Sua mãe exclamava. — Seu irmão tem 16 anos e ainda tem medo do escuro! Isso não é normal!

                — Se acalma, mãe. — Lucas tentava escapar daquela conversa, se arrependendo de comentar que Gabriel dormira em seu quarto naquela noite. — É só uma fase. — Mentiu. Nem ele acreditava naquilo mais.

                — Será que é minha culpa? Eu não dei atenção o bastante a ele depois do divórcio? — A mulher continuava preocupada, culpando-se.

                — Mãe, por que não faz o café da manhã e relaxa um pouco? Tudo bem, isso vai passar. — O filho mais velho sorriu encorajador e andou em direção ao corredor. Gabriel tentou voltar para o quarto sem fazer barulho, mas , quando estava abrindo a porta, uma mão o agarrou.

                Ele quase gritou, mas percebeu que era apenas Lucas. Ele o olhava com um misto de preocupação e zombaria:

                — Calma, maninho. Sou só eu.

                — Ah... Bom dia? — Gabriel fingiu que não tinha ouvido nada.

                — Boa tentativa, mas te vi espiando na cozinha. — Disse sério. — Aliás, é de família! Eu era o maior bisbilhoteiro! — Riu para suavizar o clima.

                — Vai contar para a mãe? — O mais novo perguntou preocupado.

                — Não. Isso a preocuparia ainda mais! Não acha? — Ele brincou. — Mas mais tarde devíamos conversar sobre isso. — Completou desanimado. Se havia algo que Lucas odiava era fazer o papel de “pessoa responsável e adulta” da conversa.

                — Então... Vamos tomar café da manhã? — Mudou de assunto.

                 — Claro!

*

                O resto do dia foi bastante divertido. Gabriel e Lucas foram levados ao zoológico por sua mãe e lancharam numa lanchonete qualquer antes de voltar para casa. O mais novo tentou ignorar a conversa que tinha ouvido de manhã e se distrair. Lucas apenas ria e contava histórias sobre a escola, festas e amigos. Gabriel não sabia se ele realmente não ligava para a conversa que tiveram de manhã ou apenas era um ótimo ator, mas parecia a imagem da descontração. Bem diferente de Gabriel.

                Eles realmente eram irmãos?

 Passaram o dia fora de casa se divertindo e aproveitando o fim de semana e, quando voltaram para casa, já estava anoitecendo.

                — O dia foi muito legal, mãe! — Lucas e Gabriel exclamaram juntos.

                — Que bom que se divertiram, meninos... — Ela sorriu, mas logo seu tom ficou mais sério. — Bem... Eu sei que prometi que iríamos ao cinema amanhã, mas tenho que ir numa viagem de última hora no trabalho. Me ligaram ontem e é muito bem remunerado. Não deu para recusar. Vocês ficam bem sozinhos por três ou quatro dias? — Ela indagou preocupada. Se sentia culpada por fazer aquilo, mas seria bem paga e, como mãe solteira, não podia recusar essa chance.

                — Relaxa, mãe. Vamos ficar ótimos! Já somos crescidos o bastante. Pode ir! — O mais velho disse em tom calmante.

                — É, pode ir. — O mais novo concordou. — Vamos ficar bem.

                — Obrigada, queridos. — Ela os abraçou. — E Lucas, cuide bem do seu irmão. — Sussurrou a última parte para que apenas este pudesse ouvir. — Vou sair amanhã bem cedo, mas vou deixar o café da manhã de vocês pronto antes de ir, ok?

                — Ok. — Concordaram.

*

                Pouco tempo depois chegou a hora de dormir. Essa era a hora que Gabriel, por motivos óbvios, mais detestava. Ele tomou um banho demorado e foi ao quarto de seu irmão pegar seu travesseiro e lençol. Duvidava que Lucas o deixasse dormir lá novamente. Mas, antes que saísse, seu irmão o impediu:

                — Onde pensa que vai, maninho? — Riu.

                —Hm... Embora? — O outro disse confuso.

                — Lembra que teríamos uma conversa chata? Bem, a hora chegou. — Lucas disse, parecendo odiar aquelas palavras tanto quanto o irmão.

                — Deixa eu adivinhar, não posso mais dormir aqui, tenho que dormir sozinho, ser homem e enfrentar meus medos. — Gabriel recitou o discurso que ouvira diversas vezes.

                —... Na verdade, não. — Lucas pareceu realmente perdido com o discurso do irmão. — Eu só ia dizer que, por mim, tudo bem. Todo mundo tem medo de alguma coisa. Só acho que podia disfarçar, viu como nossa mãe se preocupa com você. — Finalizou.

                — Então acha que eu devia fingir que não tenho medo e continuar assim? — O mais novo indagou. Seu irmão tinha ideias tão estranhas.

                — Agora que você falou, parece ridículo. — Lucas lamentou. — Quer saber? Eu desisto de dar conselhos! Durma aqui pelo tempo que quiser. — Concluiu e apagou a luz.

                — Valeu. Boa noite, Lucas.

                — Boa noite, maninho.

                Gabriel adormeceu tranquilamente. Ele se sentia mais seguro dividindo o quarto com seu irmão. Entretanto, foi acordado às 02h15min da madrugada por causa de uma ligação idiota no celular de Lucas.

                Às vezes ele queria que seu irmão fosse menos popular.

                — Alô? — Lucas atende com a voz grogue, sem reparar que seu irmão também acordou com o toque. — Não, não vai dar para ir numa festa hoje, cara. É, meio chato mesmo, mas não posso deixar meu irmão sozinho aqui. Ei! Eu não sou tão irresponsável! — Exclamou mais alto, já bem acordado. — Tá, fica para a próxima, tchau.

                Gabriel ficou irritado. Primeiro preocupava sua mãe, agora impedia seu irmão de sair porque tinha que “cuidar do irmãozinho”! Todo mundo o via como uma criança! Quer saber? Já era hora de mudar isso!

                — Pode ir. — Ele soou um pouco irritado.

                — O quê? Você estava acordado? — O mais velho sentou-se na cama. Isso não ia acabar bem!

                — O celular me acordou. — Justificou. — Sério, pode ir. A mãe só deve acordar lá pelas 05h00min da manhã, vai curtir a festa. — Insistiu. Não queria que seu irmão se prendesse por sua causa! Ele não era uma criança!

                —... Tem certeza? — Lucas hesitou. Ele gostava de festas, mas se preocupava com Gabriel.

                — Claro, pode ir. Eu vou ficar bem. — Garantiu o mais novo, mesmo sem confiança nessas palavras.

                Lucas, mesmo temeroso, acabou cedendo. Ele não resistia a uma festa! Um dia isso ainda o mataria, pensava zombeteiro.

                — Tudo bem. Eu volto logo, prometo! — Ele bagunçou os cabelos de Gabriel. Não conseguia evitar essa mania irritante. — Valeu, maninho!

                Lucas trocou de roupa inacreditavelmente rápido, habilidade que adquiriu com o hábito de sair escondido de casa, e quando estava prestes a sair do quarto, Gabriel o chamou:

                — Espera! — Exclamou sem pensar. — Você pode me dar a chave do quarto antes de ir? — Ele sorriu sem jeito. Mesmo sabendo que nada viria, se sentiria melhor com a porta trancada.

                — Ah... Claro. — Lucas jogou a chave para ele. — Se não se importar em acordar de madrugada para abrir para mim, ela é sua. — Concluiu com um sorriso.

                — Tudo bem. Até mais!

                — Até! Se cuida!

                Lucas saiu e Gabriel trancou a porta do quarto, sentindo-se bem mais seguro. Ele deitou na cama de cima do beliche e fechou os olhos, mas não conseguiu cair no sono. Depois de rolar de um lado para o outro por mais ou menos meia hora, ele desistiu de dormir e sentou-se na cama.

                — Que ótimo! Não consigo dormir! — Disse para si mesmo e olhou em volta, tentando se ocupar. O quarto de seu irmão era menor que o seu, mas bem mais iluminado. A janela dava para a rua, então os faróis de carros e luzes da rua entravam pelas brechas da cortina. A parte mais escura do quarto era a parede na qual o beliche se encontrava.

                — Eu bem que podia me mudar para cá. É mais legal que meu quarto. — Gabriel continuou pensando em voz alta.

                — Nem pense nisso! — Ouviu a voz de seu irmão na cama de baixo.

                ...Espera! O quê? Gabriel ficou confuso e espiou a cama de baixo, vendo a silhueta de Lucas, que estava deitado na cama.

                — Você não tinha ido para a festa? — O mais novo perguntou incrédulo. Será que ele tinha sonhado com aquilo?

                —... Quê? Ah, sim! — Lucas parecia mais perdido que ele. — Eu desisti. Não podia deixar meu irmão sozinho, certo?

                Gabriel congelou. O medo aumentando. “Irmão”, Lucas não o chamava assim; Lucas o chamava de “mano” ou “maninho”.

                — E como você entrou?

                — Pela porta, ué. — “Lucas” explicou como se fosse óbvio.

                — Ah. — Gabriel estava em pânico por dentro. Mas tentava manter a calma. Talvez seu irmão simplesmente tivesse uma cópia da chave, certo?  — Tudo bem... Lucas, posso te fazer uma pergunta?

                — Claro, Gabriel. — Ele respondeu. “Gabriel”... Ele tinha certeza que aquilo não era seu irmão! Mas e agora? O que faria? Ele se concentrou em uma pergunta simples, que Lucas poderia responder sem problemas:

                — O que achou do nosso passeio no shopping hoje? Foi divertido, né? — Arriscou.

                — Claro que foi. Shoppings são legais. — O outro concordou prontamente.

                Gabriel ficou mudo. Ele tinha que fugir dali o mais rápido possível!

                — Qual é o problema? — “Lucas” indagou, percebendo que havia algo errado.

                — Nós fomos ao zoológico hoje, não ao shopping. — Gabriel respondeu sem pensar e se arrependeu logo em seguida. Agora aquilo sabia que havia sido descoberto. De repente, o quarto ficou silenciosos demais.

                O mais novo juntou toda a coragem que restava e espiou a cama de baixo. A silhueta daquilo havia sentado na cama, estava tão perto de Gabriel. que poderia alcançá-lo apenas esticando o braço.

                — Oh... Entendo. — A voz ainda era de seu irmão. Mas o tom era sério demais. Ele percebeu que Gabriel o encarava e olhou para cima, exibindo um sorriso com presas e olhos amarelos com pupila de fenda.

                Gabriel tentou gritar, mas aquilo se levantou numa velocidade sobre-humana e tampou sua boca com a mão. Ele reparou que as unhas se assemelhavam a garras.

                —Não grite. — Ele pediu enquanto o encarava com seus brilhantes olhos.

                O garoto se arrependeu amargamente de mandar seu irmão embora do quarto naquela noite.

                — Tudo bem. Tudo bem. — A coisa que parecia seu irmão sussurrou para Gabriel enquanto cobria sua boca, impedindo que gritasse. — Preste atenção. Eu vou soltar você agora e você não vai gritar, ok? — Ele o encarava seriamente com seus olhos reptilianos.

                Gabriel assentiu lentamente. Ele ainda não entendia o que estava acontecendo. “Provavelmente é tudo um pesadelo”, pensou. Aquilo, ainda sorrindo com suas presas afiadas, largou lentamente o menino. Este, paralisado de medo, não gritou.

                O garoto encarava o ser a sua frente. Ao menos tentava, pois o quarto ainda era escuro o bastante para esconder alguns traços. Ele era muito parecido com seu irmão, tinha a mesma altura, feições e cabelo que ele; mas seus olhos amarelos brilhantes e seu sorriso anormalmente grande e afiado delatavam que ele não era humano.

                — Desculpe por isso. — Aquilo disse sem diminuir o sorriso e levou a mão com garras ao rosto de Gabriel. O garoto, saindo do transe causado pelo medo, tentou gritar, mas não teve tempo. Logo tudo ficou escuro.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenha gostado!
Agradecimentos a Dony e Noiseless, que comentaram no último capítulo!
Me animou muito!
Já comecei o capítulo 3!
Até mais!



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