Futuros Paralelos escrita por JD Fortunato


Capítulo 2
O sumiço do vidente


Notas iniciais do capítulo

Olá, leitores! Eis o primeiro capítulo e peço desculpa pela demora...



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Jamais me adaptei ao tempo. Olhar para o passado é como visualizar o horizonte: nem sempre podemos vê-lo tão bem e sempre está fora do nosso alcance. Para mim não há muita diferença entre o presente e o futuro, afinal, sempre posso dizer que daqui a um minuto será o futuro, ele e o presente estão completamente interligados, assim como nossas ações.

O futuro é escrito a partir das nossas ações e das pessoas ao nosso redor, de forma que seria impossível prevê-lo. Ou, pelo menos, era assim que eu pensava.

Ainda com pouca idade, coisas estranhas começaram a me acontecer. Sem aviso prévio, imagens começaram a aparecer na minha cabeça. Mesmo que eu tenha tentado me convencer, não era minha imaginação.

O que fazia isso assustador não era ver coisas surreais, e sim que eu sempre via a mesma coisa: a minha morte. Eu fiquei apavorado. Só pensava no meu próprio fim, e pior, nem sabia como. Mesmo tremendo de medo, eu pude raciocinar algo óbvio: Eu ainda estava vivo, então essa morte seria no futuro, e bem sei que o futuro só pode ser prescrito e sempre pode ser reescrito.

Todas as vezes que essas visões ocorriam, eu estava de olhos fechados. As visões nem sempre eram nítidas, mas da primeira vez, aos doze anos, pude me ver claramente caindo as escadas da minha escola. Abaixo dela havia um relógio analógico que marcava 10:35. Passei então a evitar a escada por volta daquele horário, passando metade do intervalo na sala de aula.

Forçando bastante, lembrei que ao fundo da visão, atrás da escada, o chão estava molhado. Três dias depois da minha visão realmente choveu e no horário previsto estava tudo igualzinho ao que havia visto.

Não me restavam mais dúvidas, eu estava certo de que havia previsto o futuro, e se tivesse me descuidado, eu teria morrido. Tendo tal risco, passei a andar com um relógio bem grande no pulso e outro no braço, que dava para ver a data também.

As visões voltaram a vir e eu sempre as evitei. Através do relógio e dos objetos ao fundo eu sabia quando aconteceria. Nunca contei para alguém da minha família, então era meu grande segredo.

Com o tempo, comecei a anotar alguns padrões de minha habilidade. As visões aconteciam a cada seis ou sete dias e nunca aconteciam quando estava dormindo ou de olhos abertos. Notei também que a nitidez e foco dependiam de quanto ocorreria. Se a visão estivesse clara, aconteceria entre um e três dias, do contrário, seria entre quatro a sete dias após a visão.

Logo completei dezessete anos e possuía total controle do meu estranho poder. Cheguei até mesmo a comentar sobre ele com meus melhores amigos, Júlio e Natasha, que acreditaram parcialmente.

Natasha chegou até a me perguntar como isso funcionava, apesar de cética, ela é bem compreensiva; enquanto Júlio ria de forma debochada. Mesmo sendo bobo, ele sabia que eu falava sério e era por isso que fazia aquilo. Pensava ele que brincando daquele jeito diminuiria minha preocupação. Estes eram meus amigos.

Algo que sempre tive consciência, é de que é impossível compreender tudo. Para mim, 100% era inexistente, pois o impossível pode acontecer a qualquer momento. E mesmo com tal noção, o acaso bateu na minha porta.

Sentado em minha cama, com os braços entrelaçados em volta de minhas pernas, o desespero me consumia com dúvidas insolúveis. Nem mesmo as teorias que minha mente projetava e simulava eram capazes de me convencer ou simplesmente me acalmar.

Mesmo que toda a minha vida tenha sido uma fuga incessável do ceifeiro, nada mais fazia sentido. Pela primeira vez eu não sabia como fugir da morte, pois eu não havia previsto uma.

Minhas mãos meio trêmulas e agitadas desgrenhavam meus cabelos cacheados, mas eu não sabia se aquilo estava me acalmando ou piorando tudo.

A visão que tive ocorreria naquele dia, às 17:00, e por incrível que pareça, eu não havia reconhecido o fundo. Estava embaçado de uma forma estranha.

Por não saber onde era, não poderia evitar. E antes fosse uma visão desfocada o meu problema, pois o fato era que eu não morria, e sim desaparecia, literalmente, e então, a visão acabava.

No princípio acreditei que eu era atingido por um raio, e devido a velocidade parecia que eu estava desaparecendo, porém não havia nenhum brilho ou coisa do tipo. Comecei a pensar que algo atrapalhou a visão, como uma interferência de sinal, mas não sabia explicar. E de qualquer forma, nada disso iria mudar o fato de que eu desapareceria. O mais assustador não era a morte, mas sim o desconhecido.

Lentamente foquei meus olhos no relógio e percebi que o momento estava chegando.

Com passos monótonos eu percorri minha casa, atravessando suas portas de modo que meus passos pareciam emitir um som lúgubre, como um suicida rumo ao abismo.

O horário da visão era na parte da tarde e, normalmente, eu fico em casa nesse horário. Sair de lá era minha bala de prata para evitar a predição.

Fui até a cozinha e encontrei minha mãe, Clara, e a abracei sem muitas palavras. Sentir seu calor era a última coisa que eu suplicaria.

Meus pés logo se colocaram na calçada e com as mãos no bolso comecei a caminhar para quem sabe onde.

Mesmo me locomovendo, não tirei os olhos do relógio. Os ponteiros pareciam girar aceleradamente ao ritmo das batidas de meu coração, e um minuto se tornava o tempo de um mero piscar.

Sem me dar conta, cheguei a uma extensa praça, onde se podia contar as pessoas que vagueavam por lá. O céu estava bem aberto, com nuvens branquinhas circulando com uma velocidade quase imperceptível e com um fundo azul claro onde meus pensamentos se perdiam.

De repente uma estranha sensação começou a cobrir meu corpo e ao tentar entender o que ocorria, vi que havia algumas falhas no que olhava, com algumas coisas invisíveis e outras meio translucidas, além de um brilho, como o de um prisma, fazendo parecer que a realidade estava rachando. E antes que eu pudesse chamar a atenção de alguém, o estranho fenômeno desapareceu.

Ao perceber que aquilo havia acabado, apalpei meu corpo para ver se ainda estava inteiro e comemorei como um fã de Hunter x Hunter ao saber que o mangá sairia do hiato.

Mas havia algo errado. Então, comecei a pensar: Por que eu não havia morrido, ou desaparecido? Se minhas visões nunca haviam errado, o que teria sido aquele fenômeno estranho? Raciocinei que devia ter sido aquilo que interferiu na visão.

Eu podia não entender o que havia acontecido, mas pelo menos eu continuava vivo e isso era o importante.

Para verificar se estava tudo bem, olhei para o relógio e confirmei o que já esperava, o horário da visão já havia passado.

Sem mais o que fazer, decidi voltar para casa e esquecer o ocorrido.

Com os ombros relaxados e um sorriso no rosto, eu retorno ao ponto de partida, porém, algo me chamou atenção desde a esquina.

Tudo na rua estava como sempre, mas minha casa não estava lá. No lugar dela encontrava-se uma lanchonete chamada “Sabor no ponto”, a qual jamais havia ouvido falar. Naquele momento fiquei muito preocupado, afinal, onde estaria minha mãe? Me convenci a entrar na lanchonete e ver se eles sabiam de algo.

O lugar tinha o mesmo tamanho da minha casa e era decorado com as cores vermelha e banca. Havia várias mesas redondas, com pessoas sendo servidas por jovens garçonetes. Me dirigi ao balcão e encontrei com uma recepcionista de meia idade, que logo me saudou educadamente:

ꟷ Seja bem-vindo, posso ajudá-lo?

ꟷ Eu gostaria de saber onde fica a casa dos Murray, não era por aqui? – perguntei-lhe um pouco sem jeito.

ꟷ Só um minuto.

A recepcionista adentrou uma porta branca para, aparentemente, falar com o gerente e sem muita demora voltou com o mesmo sorriso simpático e prestativo.

ꟷ Me informaram que aqui era sim a casa da família Murray, mas eles se mudaram há cinco anos.

ꟷ Há ci-cinco anos? – gaguejei ao ouvir aquilo.

Eu queria acreditar que era algum tipo de brincadeira. Eu havia saído por apenas alguns minutos!

Minha cabeça não conseguia processar aquilo. Concluí que, sem sombra de dúvida, aquilo tinha algo a ver com o fenômeno estranho.

ꟷ Moça, pode me dizer se havia algum filho na família? – perguntei já desesperado.

ꟷ Pelo que o gerente falou, a mulher que morava aqui não tinha filhos – ela respondeu, confusa com a minha pergunta.

ꟷ Muito obrigado... – Eu agradeci enquanto saía do estabelecimento

Eu realmente havia desaparecido. Minha casa sumira e eu também! Mas se esse era o caso, por que eu continuava lá? Naquele momento, tudo que eu conseguia pensar era que, se minha mãe não tinha filhos, isso queria dizer que eu nunca teria nascido...

Sem pensar duas vezes, peguei meu celular e comecei a ligar para algumas pessoas. Como já esperava, ninguém me reconheceu. E então só faltavam duas pessoas: Júlio e Natasha. Para meu infortúnio, Júlio não tinha mais o celular e Natasha nunca atendia. Para piorar, tive que ir até a casa deles a pé.

De um jeito ou de outro, eu precisava convencê-los de que os conhecia, se não iria passar a noite na rua, afinal, eu não tinha mais casa.

Meu rosto estava coberto de suor e minhas pernas mortas de cansaço. Já meio impaciente, bati no portão ondulado que logo foi aberto revelando uma fisionomia familiar.

Seu rosto sempre bem expressivo e com olheiras, era careca e usava uma camiseta que parecia ser de algum jogo que eu desconhecia. Júlio me olhou confuso, talvez por receber visita de alguém que não conhecia.

ꟷ Hm, olá... você é...?

­­ꟷ Ora, não se lembra de mim? Sou eu, Roberto, seu melhor amigo – falei de forma amistosa.

O careca me observou de cima a baixo e continuou me encarando com aquela expressão perdida e indiferente.

ꟷ Eu não te conheço. E também não tenho amigos.

ꟷ Como não tem? E a Natasha? – Tentei recorda-lo.

ꟷ Natasha Grafines? É só uma conhecida.

Era verdade. Se eu não tivesse nascido, eles nunca se tornariam amigos, afinal, eu havia conhecido Natasha primeiro e fiz deles amigos.

ꟷ Pois bem, se não acredita em mim, olha essa foto! – Tirei meu celular do bolso e expus para ele uma foto de nós três juntos – Nós tiramos essa foto ano passado.

Os olhos de Júlio se arregalaram e pude notar suas pernas bambeando, como se estivesse diante de um fantasma.

ꟷ Tudo bem, pode entrar – ele disse, pasmo.

Após entrar, meu velho amigo me conduziu pelas escadas – apesar de não precisar– até seu quarto, um lugar lotado de pôsteres onde não parava de tocar músicas japonesas. Sentei-me em sua cama e me tranquilizei, até porque já havia ido a sua casa várias vezes. Ele me encarava assustado, encostado na parede de frente para mim. Não sabia se ele havia acreditado ou se só queria tirar satisfação da foto... Pelo menos me deixara entrar.

ꟷ Tá legal, agora fala: quem é você?! Como tem uma foto comigo e com uma garota da minha turma? – interrogou, meio exaltado.

ꟷ Olha, vou ser sincero com você, mas não vai acreditar – avisei sem hesitação.

ꟷ Duvido que possa ser ainda mais estranho que essa situação – debochou ele, ainda assustado.

ꟷ Eu passei por uma espécie de fenômeno estranho e agora ninguém mais se lembra de mim, eu meio que desapareci – expliquei-lhe aflito.

ꟷ Mas isso é impossível.

ꟷ Ora, você joga jogos de fantasia e ficção, como pode não acreditar? – Apontei para o computador, que ainda tinha a página de um jogo online aberta.

ꟷ Mesmo assim, nunca ouvi falar de algo assim! – Ainda duvidava ele.

ꟷ Se é impossível, como possuo esta foto? Como sei que seu nome completo é Júlio Inácio da Costa e o da sua mãe Fernanda? E que você é fã do Rolling Stones e Death Note? Ainda acha impossível? Posso gritar o nome da garota que você gosta também...

ꟷ Não! Já basta, eu acredito! Eu acredito – gritou ele histericamente.

ꟷ Até que enfim. Não aguentava mais isso – Suspirei em alívio. – É muito chato ficar provando que eu existo, me deixa doido.

ꟷ Tudo bem, se tudo isso é verdade, o que você pretende fazer? Não adianta você convencer as pessoas que você existe, você precisa voltar a existir – comentou ele, com a mão no queixo.

Levantei da cama e olhei pela janela o sol se pondo no horizonte, dando espaço para a escuridão reinar na noite.

ꟷ Você tem razão, é por isso que tenho um plano.

Júlio se desencostou da parede e surpreendentemente desligou a música. Com olhos sérios, ele veio até mim.

ꟷ Qual o plano? – perguntou.

Lentamente pus minha mão sobre meu olho direito.

ꟷ Acreditaria se eu dissesse que tenho mais um segredo?


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