Na segunda-feira, cheguei na academia de ballet mais cedo. Quando entro na sala, não ha ninguém ainda. Dou uma olhada no meu corpo em frente ao espelho. Pareço magra demais diante daquela luz fluorescente.
Me assusto quando vejo uma mulher alta de cabelos pretos entrar na grande sala. Seu olhar penetrante encontra meu reflexo no espelho. É a srta.Nora.
—Ora, bom dia srta.Carson. Chegou cedo.
Viro-me para olhá-la. Me sinto intimidada.
—Ah... É. Eu pensei em chegar um pouco mais cedo hoje.
Ela sorri enquanto coloca a sua bolsa em cima de um banco de madeira. Ela está vestindo novamente o vestido longo preto e liso. Seus cabelos hoje estão soltos em camadas desordenadas, como se ele tivesse acabado de acordar. De fato, sua maquiagem está menos aparente.
—Eu tenho te observado muito. - ela se vira para mim e se aproxima. -Você me lembra muito minha filha.
Surpresa, eu sorrio.
—Eu não sabia que a senhora tem uma filha.
Ela sorri um sorriso amargurado.
—Tinha. Ela morreu há dois anos.
Sinto meu coração gelar.
—Ah... Eu sinto muito. Me desculpe, eu não...
—Está tudo bem. Acredito que você tenha ficado um pouco incomodada com meus olhares. Mas, o seu jeito me lembra muito o da minha querida Rose. Você prende o cabelo como ela. - ela sorri e aponta para meu cabelo preso no rabo de cavalo alto.
Sorrio.
—Todos me falam que eu pareço metida com esse rabo de cavalo.
Nora dá risada.
—Eu discordo. Acho muito bonito. Mas, enfim, você tem muito talento. Seus passos são muito delicados e você tem muita dedicação. Vejo como algumas meninas olham para você quando você se apresenta. Elas te invejam muito. Tome cuidado.
Não sei o que dizer, então apenas concordo com a cabeça.
—E aquele garoto, Lucas, parece gostar bastante de você.
Dou uma risadinha e balanço a cabeça negativamente.
—Não, somos só amigos.
—Bem, pelo menos da sua parte é assim, não é? O que foi, você tem namorado?
—Não. Acho que as pessoas me acham... Inocente demais.
Nora assente sorrindo.
—Bem, vai por mim, às vezes é muito melhor estar sozinha. Com certeza é muito melhor do que sofrer abusos verbais e apanhar de alguém.
Na hora que ela diz isso, com aquele sorriso amargurado no rosto, concluo que ela está falando por experiência própria. Chego a conclusão de que Nora é uma mulher que tem muitos fantasmas do passado.
—Mas seu amigo Lucas é muito interessante, muito bonito. E tem um porte interessante.
Me pergunto quantos anos ela deve ter? Será que está interessada em Lucas? Tenho vontade de revelar a ela que ele a acha uma mulher sofisticada e bonita.
—Ele te acha muito interessante. - digo.
Para minha surpresa, isso a desarma e ela cora um pouco.
—Ah... - ela olha para seus pés e franze o cenho. - Bem, que legal.
Não sei, mas acho que talvez tenha um interesse mútuo entre os dois.
Ouvimos passos se aproximando da sala e olhamos para a porta. Duas meninas acabam de chegar.
—Bem, espelho sigilo da sua parte neste assunto.
—Claro. - concordo com a cabeça e dou um sorriso para ela. -Acho melhor eu voltar para o banco e esperar o pessoal chegar.
Ela assente um tanto atordoada e eu me afasto dela. Obviamente me sinto mais aliviada porque sei o porquê dela me olhar tanto. Não posso deixar de sentir um pouco de pena. Claro que não quis perguntar como sua filha tinha morrido, mas era... Interessante você lembrar alguém que já tinha partido. E um pouco assustador também.
Abri uma barrinha de cereal de banana e dei uma mordida enquanto esperava as pessoas chegarem. A todo momento eu analisava Nora. Ela de fato era uma mulher muito interessante, e, quando eu disse que Lucas havia dito aquelas coisas sobre ela, eu não mentira. Ele parecia bem interessado nela, mas aquilo era um problema para ambos, já que não era profissional de nenhum dos lados.
Fico imersa em meus pensamentos até que a sala fica realmente cheia e Nora reúne todos nós em um círculo no meio da sala repleta de espelhos grandes e uma grande janela de vidro onde a luz do sol penetra com intensidade.
***
Quando a aula termina, estou com o coração acelerado. Não terei tempo de ir para casa, tomar um banho e trocar de roupa. Tenho que ir logo para chegar no Dangerous Woman.
Enquanto pego minhas coisas e coloco na bolsa, Chloé fala animada sobre seu final de semana e se anima com a ideia de eu trabalhar naquele lugar.
—Eu já fui lá uma vez. - ela diz enquanto saímos da sala e começamos a andar por um corredorzinho até virarmos a direita e darmos de cara com o balcão da recepção.
—As meninas de lá são muito lindas. Você poderia tentar dançar lá!
Olho para ela.
—Você está louca? Elas... Dançam de espartilhos e... - não termino a frase, só balanço a cabeça negativamente.
Ela ri e nós saímos do grande prédio de pintura descascada.
Quando chegamos na calçada e eu olho para o lado esquerdo, meu coração salta do peito. Chloé vê minha expressão e olha para o lado e sorri.
—Oi Kyle! O que está fazendo aqui?
Ele está olhando para mim. Esta usando uma camisa xadrez vermelha com listras pretas, calça jeans azul com alguns rasgos e um All-Star preto surrado. Seu cabelo vermelho está arrepiado para todos os lados e seu piercing preto na sobrancelha parece reluzir na luz do sol. Seus olhos verdes parecem estar mais claros também e eles estão estreitados por causa do sol forte.
—Eu disse que ia vir aqui para te dar o convite, não disse? - ele diz enfim desviando o olhar do meu e olhando para a prima.
Ela parece não notar nada, se nota, não faz nenhum comentário.
—Ah é verdade! Quando vai ser mesmo?
Kyle entrega para ela um papel preto dobrado quatro vezes e ela pega desdobrando-o.
—No sábado á noite.
—Ah meu Deus! -Chloé exclama. - É na mesma rua do Dangerous Woman! É do lado! - ela olha para mim. - Kyle e a banda dele vão tocar no bar do lado.
—Ah. - é só o que consigo dizer.
Kyle me fita com aqueles olhos verdes e sinto vontade de sair logo dali.
—Ela vai trabalhar lá no Dangerous Woman, sabia? - Chloé diz e tenho vontade de bater nela.
Por que ela está falando isso para ele?
Kyle franze o cenho.
—Como dançarina? - ele está perguntando diretamente para mim.
—Não, garçonete.
Ele assente e passa a mão pelos cabelos desgrenhados.
—Bem, boa sorte. Não é fácil trabalhar assim.
Assinto.
—É só por enquanto. Enquanto não arrumo algo melhor.
Ele assente e então todos nós ficamos em um silêncio desconfortável.
—Bem, eu... Tenho que ir. - digo.
—Kyle está indo para aquele lado não está? Você pode dar uma carona para ela.
—Não, eu... Tenho que passar na casa da Lara.
—Não precisa, de qualquer forma. Eu prefiro ir andando para conhecer direito o caminho. - falo e olho para Chloé e depois para Kyle que continua a me encarar.
Tenho que sair daqui imediatamente. - penso.
—Nos vemos amanhã. - falo para Chloé e lhe dou um abraço rápido.
Quando me endireito, olho para Kyle e faço um breve aceno com a cabeça e passo por ele e Chloé.
—Você está saindo com a Lara de novo? - ouço Chloé perguntar.
Mas não ouço a resposta. E nem quero ouvir. Apresso mais o passo e tento respirar fundo a cada passo que dou.
***
Durante todo o trajeto a pé, apesar de ser longe da escola de ballet, não cansei e minha mente ficou revivendo cada momento do que acabara de acontecer. Eu ficara com raiva dele. Eu não tinha pedido carona nenhuma! Ele podia ir para a casa de quem ele quisesse, não tinha pedido carona para ninguém. Maldita Chloé e sua boca grande. E agora no próximo sábado, teria grandes chances de eu acabar vendo ele. Reviro os olhos com essa ideia e rezo para que isso não aconteça.
Quando chego em frente ao Dangerous Woman, o letreiro está apagado. Olho no relógio, estou vinte minutos adiantada.