Paciente 99 escrita por Elliot White


Capítulo 1
Interlude


Notas iniciais do capítulo

História nova! Como o começo é sempre difícil, peço que quem ler, deixe um review? Boa leitura.



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24 de janeiro de 2025

 

Meu corpo é arrastado com pressa preso à maca hospitalar, passando por extensos corredores claros repletos de funcionários vestidos de branco, acima de mim lâmpadas fluorescentes passam como um raio, enquanto a doutora avisa:

— Você só vai ser internada, Victory. Não há nada com que se preocupar, são apenas pedras na vesícula. Ninguém morre por causa disso, talvez nem seja necessária cirurgia. – Sua voz feminina e calma fala, seus lábios pintados por um batom cor de maçã, sua aparência é acolhedora e seus óculos dão um ar de intelectual a ela.

Por mais que eu gostasse de tê-la como médica, não era nada animador passar as férias escolares internada em uma clínica. Principalmente por estar tão perto do meu aniversário. Quem faz aniversário no verão nunca tem uma festa das melhores, mas eu sempre consigo reunir um pequeno grupo de amigos, com muito esforço.

— Vai ficar tudo bem, filha. – Mina mãe me conforta, segurando minha mão ao meu lado, seu sorriso familiar e gentil, seus olhos cor do mar e seus cabelos, loiros. Ter uma mãe branca e loira sempre foi motivo para as pessoas de pensamento limitado (preconceituosos seria muito carinhoso) me falarem lixo e mais lixo. A maioria pensa que eu sou adotada. Não sou, o meu pai é negro, por isso eu sou negra. Como se ser negra já não fosse motivo para ser segregada em pleno século XXI. No entanto essa é a mãe perfeita para mim, e eu não desejaria outra.

— Por favor assine esses papéis, Srta. Kimonno – a doutora passou uma planilha para mamãe, depois de me acomodar no meu novo quarto, era limpo, mas cheirava a hospital, e não é a minha casa. – Sua filha precisará tomar uma medicação, nada demais.

— Me chame de Su, por favor, Margarete. – Minha mãe assinou rapidamente e devolveu os documentos.

— Eu já volto – Margarete respondeu, se ausentando.

— Então, é aqui que eu vou morar nas minhas férias. – Declarei, ironicamente depois de uns segundos de silêncio.

— Não é tão ruim.

— Ah claro, eu vou ser drogada, picada, vou comer comida ruim, e ainda vou ficar sozinha. – Desabafei, evitando olhá-la nos olhos, eu não conseguia.

— Victory Kimonno, você já passou por coisa bem pior na sua vida, é uma garota forte que eu me orgulho muito, e agora não consegue enfrentar isso? Isso aqui é temporário, logo irá acabar. – Mamãe discursou, tentando explicar da forma mais amável, porém eu não aceitava. Quando ela me chamava pelo nome e sobrenome, era para capturar minha atenção. – Assim que estiver liberada, vai receber o presente que quiser de aniversário, além de uma festa que superará a festa de debutante que nunca teve. – Continuou, e assim que terminou, a doutora bateu na porta:

— Agora é a hora da despedida, a hora de visitas é daqui a dois dias, do meio dia à uma hora. – Proferiu, direta, e eu recebi um abraço caloroso e uma despedida melosa e dispensável, e foi onde eu passei o resto do dia. A TV é bem meia-boca e não tem uma programação aproveitável, então tive tempo o bastante para pensar na vida, e lembrar de um fato que me perturbava há um tempo: eu nunca menstruei. Tudo bem, é normal menstruar aos dezoito, mas não ter me tornado mocinha ainda, faltando 6 dias para o grande dia em que eu seria de maior me preocupava. Eu espero que isso aconteça antes. Espero que a ginecologista daqui resolva esse problema. Será que eu sou a única garota que não é capaz de ter a porcaria de uma menstruação?

Pensando nisso, adormeci e fui despertada à noite (vi pela grande janela do meu quarto que era noite) por mais uma visita da médica:

— Hora do jantar! – Um sorriso cheio de dentes surgiu, e ela se pôs a remover os cabos do soro de mim – Você não precisa disso agora, e pode se levantar, não vai ficar a estadia toda grudada nessa maca. – A obedeci, deixando a “cama” e ficando de pé, pondo as pantufas rosas que estavam no chão; eu ainda vestia a exótica roupa hospitalar. – A comida não é tão ruim, então pense neste lugar como um hotel. – Ela continuou saindo do quarto e fazendo um sinal para que a seguisse.

— Aqui é um lugar onde os pacientes interagem, deve ter escutado que uma parte desta clínica é um sanatório, mas não se preocupe, não deixamos os pacientes de lá com vocês, então, aproveite. – Margarete se ausentou, depois de me deixar em um salão amplo, pintado em branco como tudo neste lugar, parecia uma praça de alimentação, tinha um refeitório, muitas mesas e uma multidão de pacientes, todos uniformizados com as mesmas vestes esverdeadas padrão.

Fui até onde ficava o refeitório, e fui recebida com um buffet com muitas opções. A doutora não exagerou quando disse que a comida era boa, quem sabe isso aqui fosse um hotel mesmo e não um hospital. Após me servir, sentei em uma mesa vaga. Eu poderia tentar socializar, mas se essa gente estava internada, deveriam ter distúrbios, então era melhor eu não me misturar muito. Além disso, me lembrei na hora dos filmes de prisão onde se você é o novato e mexer com alguém, irá apanhar. Não demorou muito para alguém surgir:

— Posso me sentar aqui? – Com a voz singela e inofensiva, um garoto de baixa estatura, porém muito grande e obeso, seu prato estava cheio.

— Claro. – Respondi, tentando ser gentil, e ele se sentou à minha frente. Logo, alguns olhares começaram a nos atingir, e não tardou para que uns pacientes se aproximassem de nós. ‘’Pronto”, pensei, descobriram que tinha carne fresca no pedaço. Uma mulher muito magra e com o cabelo bagunçado, acompanhada por alguns homens, de aparência mais abatida e não muito diferente da dela, no entanto todos altos e parecendo que tinham engolido um armário cada, o que me remeteu a mais filmes de cadeias.

— Ora, ora, nos mandaram uma escrava? Como eu devo te chamar, crioula? – A mesma começou com as ofensas. Tudo bem, mais brancos neonazistas na minha vida. Parece que eles me perseguem onde quer que eu vá. Os amigos dela riam enquanto ela falava, soltando “volta para a senzala” e “sai daqui macaca” para incentivá-la.


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Notas finais do capítulo

Amanhã não terei tempo de postar, mas tentarei atualizar toda semana. Digam o que acharam por favor?