Encontro Marcado escrita por Jessica Calazans


Capítulo 21
Capítulo 21




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Naquela noite, ela não conseguiu dormir, as cólicas iniciais eram insuportáveis, pareciam mais contrações do que realmente cólica, rasgavam suas costas.. Emília urrava de dor encolhida sobre o colchão da cama, então veio o primeiro sangramento seguido dois coágulos enormes, mas ela não viu nada de feto neles, e por um momento desejou que algo tivesse dado errado no procedimento. A quantidade não era tão absurda como ela esperava, mesmo assim era grande e isso a assustou. Se lavou e trocou o absorvente, e fez um esforço para não jogar a cabeça sobre o vaso e vomitar, a ânsia embrulhava o estômago vazio. Mas se vomitasse, poderia expelir todo o remédio e ela não podia correr esse risco.  Ela trocou inúmeras vezes de absorvente naquela noite. Como era indicado, horas depois da primeira dosagem, ela pôs mais dois comprimidos embaixo da língua.  Ainda sentia dores, apesar de não tão mais agudas, ainda eram difíceis de suportar. Cansada e meio febril, já que o corpo se arrepiava em pequenos calafrios, acabou por adormecer depois de ver o primeiro raio de sol da manhã.



Não foi um sono tranquilo, a dor, a consciência… tudo a atormentava. Despertou com o telefone a tocar, era Bernardo. Não sabia de onde tiraria forças para atendê-lo, mas ela não tinha escapatória

 

— Alô – Ela atendeu, a voz mais fraca que o comum, como se não soubesse quem estava no outro lado da linha

 

— Bom dia, meu amor. Te liguei ontem, mas você não me atendeu –

 

— Perdão.  Sai do hospital ontem e fui pra casa da Vitória.  Ficamos conversando, ela fez sopa pra mim, descansei e só depois vim pra casa Mas cheguei indo direto pra cama e acabei dormindo – Resolveu mentir por ser o caminho mais fácil

 

— Tudo bem, meu amor, presumi isso mesmo, por isso nem insisti. Mas que vozinha é essa? Ta tudo bem ? –

 

— Está sim, meu amor. Estou me recuperando, só isso. Quando volta? - Ela não sabia quando mentir se tornou tão fácil.

 

— Já comprei minha passagem para essa sexta, chego ás 11h da manhã –

 

— Depois de amanha? – E ele pode sentir o leve tom de descontentamento

 

— Eu posso voltar ano que vem se assim preferir –  Brincou,  apesar do pequeno resquício de seriedade ao sugerir

 

— Deixa de ser bobo, Bernardo. Temos que conversar,  esqueceu? É só a saudade e... – Ela tinha que pensar numa mentira rápido – E estou naqueles dias, entende? – Ela chegou a corar com a mentira tão suja. Mas de alguma forma, ela tinha que “evitar” Bernardo, não podiam ter relação por agora. A probabilidade de contrair infeção ao fazer sexo logo após o aborto era grande.

 

Ela ouviu a gargalhada rouca lhe preencher os ouvidos, aquecendo seu coração.  Adorava ouvir sua risada, que parecia despertar o que havia de mais bonito em si. Ela chegou a sorrir, sorriso que se apagou ao sentir o liquido avermelhardo descer mais uma vez

 

— Também estou morrendo de saudades, minha doce pimenta. Mas acho que não estou com sorte – Ele brincou – Mas não tem problema não. Eu lhe farei companhia e fazer todas as suas manhas nesse final de semana. O que acha? Ainda posso levar umas barras de chocolate pra você daqui da Espanha. Você se distrai e eu sobrevivo  – Sem querer ela riu, e ele adorou o som que saiu dos lábios femininos. Sentindo-se aliviado

 

— Você é tao bobo, Bernardo –  Ela enxugou as lágrimas que vieram com o riso. Não sabiam se era pela bobagem, ou se era pela emoção de ser tão cuidada e amada por aquele homem.

 

— Apenas por você, Emília, apenas por você – Rebateu sem o tom piadista de outrora – Tem se cuidado? O médico receitou algum medicamento? –

 

— Sim, meu amor. Tudo sob controle. E você? Como estão indo os negócios? -  Desconversou

 

— Bem, finalmente vamos resolver algumas pendência hj e assinar o contrato. Inclusive vou daqui a pouco para a uma última reunião, já não aguentava Só não volto hoje mesmo porque tenho conhecer o terreno, falar com o arquiteto, essas coisas…

 

— E consegue ver isso até amanhã? –

 

— Uhum. As coisas mais burocráticas. No mais, a gente vai resolvendo via audioconferência. E Luís não deve demorar a designar algum administrador para cá. Ele também está esperando eu chegar para assinarmos o convênio. Já  até me ligou e deve marcar um jantar pro final de semana.  Aliás, ele concorda com a mudança que você fez. Quis falar com você, mas você esteve ausente esses dias.  Vou analisar com calma, e fazer um planejamento…

 

—  Podemos analisar juntos quando você voltar, mas acho inviável a responsabilidade do hospital ser objetiva. Tem que haver sim uma solidariedade entre os hospital e a empresa –

 

— Pelos visto nem vai ter conversa neh? Vocês do direito, levam muito a ferro a fogo a literalidade das normas  –

 

— Quer mesmo discutir isso? – E o leve alterar da voz indicava que ele terreno era um terreno perigoso.

 

— Não, não quero. Só que dizer que te amo, estou morto de saudade. Tenho que desligar a reunião vai começar. Desculpa ter te acordado, saudoso da sua voz –

 

— Eu também te amo, e muito. Boa sorte, estou esperando… E me acorde sempre, amo acordar com o som da sua voz –

 

— Se cuida, Milly –

 

— Se cuida você também –

 

Finalmente desligou, e ela suspirou, sentindo esvair a pequena alegria que Bernardo lhe trouxera. Os lençóis estavam ensopados de suor, o próprio pijama também estava, sinal que a febre resolveu ceder sozinha. Ainda sentia a cólica, mas era bem menos aguda que a de horas atrás, e mais suportável. Resolveu olhar a notificação do celular antes de ir se lavar. Viu a mensagem de Vitória, dizendo que precisavam conversar, bem como ela suspeitou.  Ela não podia exigir um ato tão vil daquela mulher. Algo dizia que Vitória não conseguiria.

 

“ Tirei uma folguinha hoje. Que tal vir á minha casa, almoçar comigo? Mando Ariel buscar você”

 

“ Ótimo, também estou de folga hoje. Fico aqui esperando” Vitória respondeu quase no mesmo instante.



Depois da troca  de mensagens, Emília foi ao banheiro, a fim de fazer sua higiene. Talvez um banho a fizesse se sentir ainda melhor. Optou pela ducha ao invés da banheira.  A água fria lavava a pele. Ela fechou os olhos, apreciando aquele momento de calmaria, ignorando a bílis que queria soltar pela garganta. Então ela sentiu a dor mais aguda que já sentira na vida, parecia que algo rasgava suas costas por inteiro. Lhe faltou o ar, a visão se tornando turva. Ela achou que fosse desmaiar ali. Foi quando o maior fluxo de sangue desde a madruga desceu entre suas pernas, acompanhado de pedaços de tecido. Mas não só, uma coisa pequena, transparente, quente e mole foi expelido junto. Ela não teve dívidas. Era seu bebê, seu bebê que ainda nem se formou direito. Seu pequeno Benjamim. Um grito escapou dos lábios, ela os tampou tarde demais.  Deixou-se se escorregar pela parede, jogando-se no chão. E ali, presa na própria culpa, ela chorou, como nunca havia chorado na vida, talvez com exceção na morte do pai… Estava feito, ela não podia voltar atrás… Ela mesma tinha matado o seu  pequeno Benjamim….


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