Encontro Marcado escrita por Jessica Calazans


Capítulo 20
Capítulo 20




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/686719/chapter/20

— Hum..? – Ela o fitou confusa quando finalmente o ouviu chamá-la

 

— Só perguntei se posso levá-la para casa –

 

— Por favor, Ariel..agora só quero o conforto de minha casa  –



Ele assentiu e se pôs a dirigir. Emília ao olhar o celular, vislumbrou três chamadas perdidas de Bernardo.  Uma lágrima lhe esquentou a face,  ela não retornaria, não agora. Mais uma vez ela conferiu a encomenda, os comprimidos realmente pareciam verdadeiros.

 

— Me perdoe, meu amor. Me perdoe! – Ela nem sabia para quem estava pedindo desculpas, enquanto mais lágrimas caíam dos olhos castanhos, e o pequeno frasco de  Cytotec preso entre os  da canhota trêmula



(....)

 

 

Já era quase duas da madrugada quando Bento voltou para o apartamento, espantou-se ao ver Vitória ainda acordada, não era de seu feitio dormir tarde, mesmo quando estava de folga.

 

— Mãe? — A chamou. Surpreso ao vê-la acordada jogada no sofá.

 

— Bento? Achei que fosse dormir fora — Rebateu igualmente surpresa

 

— Foi justamente o que disse para que dormisse tranquila. Por que ainda está acordada? — Ele se sentou ao seu lado, deixando que ela descansasse a cabeça em seu ombro.

 

Vitória relatou tudo que aconteceu, se esforçando para não chorar outra vez — Estou sentindo uma coisa tão ruim, Bento — Ela levou a mão lado esquerdo do peito, como indicando onde era a sensação

 

— Você não vai fazer essa loucura não, é? Por Deus! Isso é desumano —

 

— Ela está deprimida, eu não sei o que fazer. Ela está em fase de negação, não quer ajuda —

 

— Como não sabe o que fazer? Vitória, é o seu neto — E ela sentiu o tom de repulsa ao ouvir o Vitória sair de seus lábios

 

—  E o que queria que eu fizesse? Queria que eu chegasse e falasse: “ Olha, Emília, não dá. É o meu neto que está na sua barriga”? Não é tão simples, Bento — Vitória quase alterou o tom de voz

 

— E não foi pra isso que veio aqui? Para lhe dizer a verdade? Ou devo achar que veio para ficar degustando chá de fim de tarde com ela? —

 

— Não fala assim, Bento. Odeio quando vem com esse sarcasmo. Eu não to bem, por favor —

 

— Desculpe, desculpe, desculpe! — Ele a abraçou, beijando sua testa com carinho — É que você me preocupa e toda essa situação... —



— Está morrendo de pena de mim, não está? — Perguntou, ainda mais aconchegada nos braços do filho.

 

— Estou sim — Foi sincero, apertando o abraço

 

— Eu também, Bento. Estou morrendo de pena de mim —

 


(..)

 

E enquanto isso, na residência dos Beraldini Bodrin, Emília se fitava no espelho depois de mais um longo banho. Tinha se banhado na casa de Vitória, mas sentia-se suja, e tinha certeza que não era pela pouca poeira que pegou na rua. Era uma sujeira que vinha da alma, da consciência pesada. Entretanto, ela não desistiria.

 

Prendeu as mechas ainda molhadas num coque mal feito, enquanto ainda encarava o próprio reflexo  no espelho que ordenava a parede ladrilhada do toalete.

 

Abriu o frasco, e contou os 6 comprimidos iniciais. Suspirou, como se buscando o ar, a coragem viesse junto. Acariciou aquela minima ondulação que começava a se formar, e ela teve que fazer um esforço para não chorar outra vez

 

— Eu consigo te sentir daí, sabia? Tenho o dobro do apetite e metade da minha energia. Me parte o coração não estar tão encantada com  você como eu deveria. Estou ao mesmo arrependida e sem arrependimentos. Acredite, eu estou triste que este seja um adeus. Triste porque nunca conseguirei te conhecer. Você poderia ter os olhos do seu pai e o meu nariz, poderíamos fazer as nossas próprias tradições e sermos uma família. Mas... Benjamim, isso, Benjamim...nós vamos nos encontrar novamente, e prometo que a próxima vez que olhar aquele sinal de positivo azul, a próxima vez em que você estiver na mesma realidade que eu, estarei preparada para você —

 

Parecia tolice dizer aquelas coisas para o seu bebê, mas ela precisava tanto, tanto que ele a entendesse. Ele precisava saber do seu amor, precisava saber que o laço que existia  entre ambos desde o momento ela viu o sinal do azul do teste, jamais seria rompido

 

— Eu quero que você seja feliz. Mais do que desejar coisas boas para mim, eu quero as melhores coisas para o futuro. É por isso que não posso ser sua mãe agora. Não seria justo trazer uma nova vida ao mundo que ainda está sendo assombrado pelos fantasmas que vivi. Eu quero que você tenha tudo o que eu não tive quando era criança. Quero que você seja melhor do que eu era e mais magnífico do que eu nunca poderia ser — Um soluço escapou da garganta. Garganta que ardia num aperto, que a sufocava por causa do choro que ela prendia.

 

— Não posso fazer com você o que fizeram comigo, não posso. Eu não posso te trazer para este lugar. Não deste jeito. Eu te amo, Benjamim, e queria que as circunstâncias fossem diferentes. Prometo que te verei novamente e, da próxima vez, você poderá me chamar de mãe —

 

O choro finalmente rompeu, mas não titubeou. Enfiou os 6 comprimidos na boca, abaixo da língua. Sobre a pia, deixou que o choro levasse toda a amargura e sofrimento. E só quando mais calma, lavou o rosto para finalmente se deitar.

 

Naquela noite, ela não conseguiu dormir, as cólicas iniciais eram insuportáveis, pareciam mais contrações do que realmente cólica, rasgavam suas costas.. Emília urrava de dor encolhida sobre o colchão da cama, então veio o primeiro sangramento seguido dois coágulos enormes, mas ela não viu nada de feto neles, e por um momento desejou que algo tivesse dado errado no procedimento. A quantidade  de sangue não era tão absurda como ela esperava, mesmo assim era em grande quantidade e isso a assustou. Se lavou e trocou o absorvente, e fez um esforço para não jogar a cabeça sobre o vaso e vomitar, a ânsia embrulhava o estômago vazio. Mas se vomitasse, poderia expelir todo o remédio e ela não podia correr esse risco. Ela trocou inúmeras vezes de absorvente naquela noite. Como era indicado, horas depois da primeira dosagem, ela pôs mais dois comprimidos embaixo da língua.  Ainda sentia dores, apesar de não tão mais agudas, ainda eram difíceis de suportar. Cansada e meio febril, já que o corpo se arrepiava em pequenos calafrios, acabou por adormecer depois de ver o primeiro raio de sol da manhã.

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Encontro Marcado" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.