Narcisos escrita por Jeniffer


Capítulo 1
Another love


Notas iniciais do capítulo

Sugiro que leia esta história ouvindo a música que a inspirou: https://www.youtube.com/watch?v=MwpMEbgC7DA&nohtml5=False

E, caso nunca tenha assistido ao vídeo, sugira que assista antes de ler... ♥



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Eu sempre admirei os seus olhos. Não por serem de um azul tão profundo quanto o oceano, mas por verem muito mais do que os olhos de outras pessoas. É a única explicação que consegui formular para o fato de você ter me encontrado em meio a um mundo tão cheio e caótico.

Eu deveria saber que você compreenderia imediatamente, que seus olhos de oceano perceberiam em uma batida de coração tudo o que eu levei tanto tempo para esconder. E tudo o que você precisou foi olhar para ela e então para mim.

Eu disse que nem mesmo lembrava que a foto estava ali, esquecida no meio de um livro qualquer. Mas a verdade é que eu nunca me esqueci dela, guardada na página 59 do livro favorito dela, perfeitamente alinhada com a sua frase favorita, sublinhada com caneta azul.

Eu queria te levar para algum lugar que mostrasse que eu me importo, um lugar que fosse só nosso e que significasse alguma coisa. Mas não posso levá-la a nenhum dos lugares que eu conheço, pois acorrentei um fantasma em cada um deles. Fragmentos de memórias tão translúcidos e lamentadores que você os perceberia em segundos.

Você está olhando para os narcisos com tanta raiva agora. Sei o que você está pensando, mas não havia outras flores naquele dia, por isso eu os escolhi. O céu estava tão nublado quanto os seus olhos e eu pensei que um pouco de amarelo como o sol fosse melhorar o seu dia. Eles não estão tão bonitos quanto na primavera passada, mas você pareceu gostar. Você não sabe disso, é claro. Não foi você quem os recebeu de mim na primavera passada. Eu poderia ter escolhido outras flores, mas eu só conheço estas. É estranho como, com medo do novo, eu sempre volto para o conheço.

Eu queria beijá-la e fazer tudo ficar bem, assim como você tem tentado fazer desde que chegou aqui. Lembro-me do primeiro dia que você me viu e então se fez notar. Lembro-me de como voltou no dia seguinte e no dia depois daquele. Eu abri a porta e os braços e deixei que você ficasse. Depois de dividir tantas noites com pessoas diferentes, era reconfortante voltar sempre para o mesmo rosto.

Você segura minha mão e fala comigo, mas eu não escuto. Estou vendo seus olhos de oceano transbordarem pelo seu rosto e, de repente, eu sou um pequeno barco afundando neles. Não sinto seus dedos nos meus. Acho que, naquele dia, cortei tão fundo que destruí as conexões entre eles e meu coração. Fiz isso para impedir que as coisas negativas que eu tocasse me afetassem, entrando pela minha corrente sanguínea e se espalhando por meu organismo. Descobri, tarde demais, que não tenho veias especiais para as coisas positivas e acabei cortando-as também.

Você percebeu, eu sei. O meu toque frio era óbvio demais.

Não entendo porque você continua aqui.

Você não entende como eu sou grato por  você continuar aqui.

Agora você está partindo e eu quero me apaixonar, procurando em meu cérebro o comando que me fará amá-la total e verdadeiramente. Você está partindo e eu quero chorar, imitar seus olhos transbordantes, mas todas as minhas lágrimas foras usadas com outro amor. Seus olhos são oceanos e os meus são desertos.

Prometi que, se alguém a machucasse, eu brigaria. Eu não sabia que isso significava que teria que lutar comigo mesmo. E eu lutei, muito mais do que a permiti ver, mas minhas mãos estão quebradas desde a última batalha perdida. Eu sou o agressor e o agredido, o herói e o vilão, o ataque e também a defesa. Eu sou o perdedor, mas nunca o vencedor.

Por isso eu uso minha voz.

“Idiota, perdedor, vazio, esquecido, canalha.” Você não ouve minha voz, pois estou gritando em minha mente, concordando com as palavras que você está jogando em mim do mesmo modo que está jogando seus sapatos na mala. E assim como ela, eu também estou guardando tudo.

Eu permaneço calado, ainda sentado nesta poltrona que foi o único item do apartamento que não deixei você tocar. Uma pequena ilha esquecida no meio do mar em fúria que você é agora. Você diz que eu não entendo, mas não sabe que, quando me calo, minha mente vira uma bagunça. E isso não significa que eu não entenda. Sua fúria é mais clara para mim do que é para você mesma.

Eu a observo levar consigo cada detalhe que evidencia sua presença no apartamento. Seus livros, sua xícara, o papel de parede e o ventilador que balançou seus cabelos durante o verão. Você até mesmo abriu a janela, como se quisesse que o seu perfume também se esvaísse.

Eu observo você quebrar cada detalhe que evidencia minha presença no apartamento. Meus discos, meu prato, os quadros na parede e os cobertores que me aqueceram no inverno. Você até quebrou o espelho no corredor, como se quisesse que eu não notasse mais minha própria presença.

Então você saiu, batendo a porta com toda a fúria de uma tempestade avassaladora que deixa apenas silêncio e destruição em seu encalço, deixando o apartamento e a mim em pedaços.

É muita gentileza sua deixar-nos exatamente como estávamos quando você chegou.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado ♥