Capítulo 2

Peeta POV

Katniss Everdeen sempre foi linda. Magra, cabelos pretos, líder de torcida, simpática e tinha muitas outras qualidades. Então é claro que eu ia me apaixonar por ela. Só que eu nunca na minha vida esperaria que ela fosse corresponder ao que eu sentia.

                No dia do meu décimo quarto aniversário, meu amigo Finnick Odair, um dos skatistas mais talentosos de nossa turma, me chamou para assistirmos um dos jogos de futebol e eu aceitei. Quando entramos no campo e seguimos para as arquibancadas, ela estava quase lotada e só sobravam alguns poucos assentos na parte mais baixa do lugar.

                Finnick e eu sentamos lado a lado e olhamos para o campo, onde o jogo ainda não havia começado. As líderes de torcida faziam uma apresentação enquanto o time entrava em campo sendo ovacionados pela maior parte da torcida. Quando o outro time entrou em campo três quartos das pessoas presentes começaram a vaiar, e as líderes de torcida, que estavam perto do local em que eu e Odair estávamos sentados, se viraram para nós pedindo que vaiássemos mais alto.

                Não foi a primeira vez que a vi, mas foi a primeira vez que meu coração deu um solavanco ao olhar aquele sorriso branco e que vi seus olhos brilhando de felicidade por fazer o que lhe dava prazer. Seus cabelos negros amarrados que estavam quase se soltando do rabo de cavalo mal feito e seu uniforme a deixavam mais linda do que já era. Fiquei como um bobo olhando-a pelo resto do jogo, sem nem perceber que nosso time havia ganhado e que haveria uma comemoração na casa do capitão do time.

                Segui Finnick até a casa onde tinham marcado a festa, na esperança de vê-la de novo e não me decepcionei. Ela com certeza tinha ido em casa se arrumar, já que estava sem seu uniforme e com um vestido azul e sandálias nos pés.

                Tentei disfarçar minha fascinação, mas não consegui, já que Finnick me perguntou se eu queria um pano para enxugar a baba. Respondi que não e nesse momento eu ouvi sua voz falando comigo. Achei que era alucinação, mas quando me virei, a líder de torcida que me encantou tanto no jogo de futebol estava realmente falando comigo.

                - Você é Peeta Mellark, certo? – ela perguntou esticando a mão e pegando a minha num cumprimento bem formal para uma líder de torcida.

                - Sim, sou eu – respondi deixando meu sorriso crescer pelo rosto ao ver que ela não só veio falar comigo, como também sabia meu nome – E você, quem é?

                Não sei de onde criei essa coragem toda para conversar com ela, mas veio a calhar no momento.

                - Achei que sabia meu nome, já que está me olhando desde que estávamos na escola.

                Nesse momento quis que um buraco se abrisse no chão para colocar minha cabeça nele. Minha vergonha era tanta que senti meu rosto super quente na hora e dei um sorriso sem graça.

                - Pelo jeito não foi só eu que achava que você precisava de um babador – Finnick disse baixo no meu ouvido e saiu vagarosamente em direção ao resto da nossa turma.

                - M-Me des-des-culpa por isso, eu só... – tentei me explicar, mas ela foi mais rápida.

                - Não precisa pedir desculpas Mellark, achei fofo esse seu fascínio – e ela abriu um grande sorriso, um dos sorrisos que eu descobri ser um dos muitos que ela tinha e sorri de volta – A propósito, meu nome é Katniss Everdeen – ela disse e me puxou pra pista de dança.

~~X~~

                - Hey Mellark – ouvi alguém me gritar, me tirando de minhas boas lembranças. E esse alguém era a última pessoa que eu queria conversar. Pude sentir os olhares de todos dentro do ônibus direcionados a mim, mesmo continuando a olhar pela janela. Pude ver que até o Sr. Martin me olhava pelo espelho retrovisor enquanto esperava o resto dos alunos que faltava para entrar no ônibus.

                Nem precisei me virar para ver que ela tinha sentado no banco vago ao meu lado, seu perfume, o mesmo de anos atrás, entrou pelas minhas narinas no mesmo instante que ela sentou-se ao meu lado e isso me despertou mais flashbacks, mas agora partes dolorosas que eu não queria me recordar em nenhum momento.

                Senti meus olhos se encherem de lágrimas, mas eu não ia dar o gostinho de ninguém dentro desse ônibus me ver chorar. Depois do que essa cheerleader maligna fez para mim, eu sempre fui conhecido como o galinha da escola que nunca se apaixonava e nunca chorava, e não era porque a Everdeen tinha voltado que isso ia mudar agora.

                - O que você quer? – suspirei e fechei meus olhos sem virar para o seu lado.

                - Podemos conversar? – ela pediu em voz baixa – Temos algumas coisas pendentes, Lark.

                Do mesmo jeito que eu resumi seu sobrenome em poucas letras, ela também o fez com o meu. Por isso, quando namorávamos éramos conhecidos como EverLark.

                - Não.Me.Chame.Assim – foi nesse momento que eu me virei pra ela e olhei em seus olhos. Eu estava com raiva e pude perceber que ela viu isso, pois se afastou um pouco de mim.

                Mas foi só olhar em seus olhos que nosso primeiro beijo veio a tona em minha memória.

                Depois de dançarmos umas três músicas, Katniss e eu fomos procurar algo para beber que não contivesse álcool. Estávamos suados e ofegantes já que o lugar onde foi montada a pista de dança era fechado e sem muita circulação de ar.

                Encontramos algumas latas de refrigerantes e sucos, então pegamos um cada e fomos nos sentar na borda da piscina. Katniss tirou suas sandálias, colocou os pés na água e me puxou para me sentar ao seu lado. Tirei apenas meus tênis e meias e coloquei minhas pernas na água, molhando minha calça jeans.

                Ficamos em silêncio enquanto bebíamos nossos refrigerantes. Podia sentir olhares estranhos de todas as pessoas que estavam perto de nós.

                Claro.

                O que a menina mais linda e popular da escola estava fazendo com o skatista estranho? Até eu estava me perguntando isso.

                - Essas pessoas devem estar achando estranho – Katniss deu voz aos meus pensamentos – Eu e você sentados juntos.

                Ela me olhou e sorriu. Fiquei como um bobo olhando seu sorriso.

                - Sim. O skatista e a popular – completei sua fala, amargurado – Típico de filme americano.

                - Mas na maioria desses filmes a popular prefere o nerd, não é? – ela disse segurando meu queixo e virando meu rosto para o seu.

                - Sim. Mas eu sou o skatista estranho – continuei a falar olhando em seus olhos claros.

                - E que tal se a gente mudasse esse roteiro um pouco? – Katniss sussurrou e aproximou sua boca da minha, me dando um selinho. Suspirei sentindo a leve pressão de seus lábios nos meus.

                Sem nem lembrar que estávamos no meio de um monte adolescentes que nos julgavam por aparência, aprofundei minha língua em sua boca e a puxei pela cintura para mais perto de mim. Eu só tinha beijado uma garota na minha vida, mas no momento eu parecia o cara mais experiente do mundo.

                Mordi seu lábio inferior com delicadeza e a ouvi suspirar. Sua língua brincava com a minha e sua mão puxava os cabelos de minha nuca. Nos afastamos quando a falta de ar se fez presente e pude ouvir os gritinhos ao redor de nós.

                - Não liga pra eles, é inveja – Katniss disse me olhando e segurando minha mão.

                - Desculpe – ela disse e eu não sabia pelo que ela me pedia desculpas – Gale disse que talvez fosse melhor a gente conversar, mas acho que não foi uma boa ideia vir tentar.

                - Tem razão, não foi uma boa ideia – eu disse ainda nervoso – Agora pode voltar para o lugar onde estava sentada? Preciso falar com Cressida.

                Inventei essa desculpa na hora e Katniss nem me olhou de novo, se levantou e se encaminhou para a saída. Cressida nem mesmo tinha entrado no ônibus, ela tinha ficado na escola fazendo alguma coisa que não me interessava. Assim que Katniss desceu, o ônibus saiu para começar seu trajeto de deixar alunos.

                Voltei o olhar pela janela enquanto o ônibus seguia pela avenida. Pensando em como essa garota poderia me fazer tão mal e ainda querer conversar.

                Mas minha curiosidade estava gritando para saber o que ela queria conversar comigo, já que depois que ela foi embora nunca mais tivemos nenhum tipo de contado. Gale até tentou fazer-nos conversar algumas vezes, mas foram tentativas inúteis. Tão inúteis que cheguei a brigar com ele um dia para parar de fazer isso. Então ele foi obrigada a parar.

                Eu sei que na maioria das vezes era Katniss quem pedia para Gale tentar, esperando que a raiva que eu tenho dela tivesse passado. Mas ela se enganou. Nunca ia passar.

                Não era bem raiva o que eu sentia por Katniss. Mas eu ainda não sabia nomear, então preferia que ela ficasse longe de mim.

                Um pouco antes de chegar em casa, quando já tinha descido do ônibus sob os olhares de todos os alunos, meu celular tocou e quando olhei o identificador de chamadas, vi que era Finnick.

                - Alô – eu disse feliz, Finnick  tinha viajado por todas as férias e não havia conseguido falar com ele por todo o mês.

                - Fala gostosão! Sentiu minha falta? – ele disse gargalhando. Finnick tinha se assumido gay há mais de um ano atrás e a partir de então começaram-se as brincadeiras de gostosão, lindo, gatinho e mais alguns elogios, mas eu sempre falava pra ele que ele não fazia muito meu tipo. Ele disse que sempre admirou garotos, mas que tinha muito medo por causa de seus pais e depois de uma briga com o pai, ele se assumiu e saiu de casa.

                - Por que não chegou antes, seu moreno falso? – disse usando o apelido que tinha dado a ele quando ele teve que pintar seu cabelo claro de preto pra ganhar uma aposta.

                - Atraso de voo. O que eu perdi?

                - Você não vai acreditar no que eu vou te contar...

                - Fofoca? Pode falar, vai gatinho.

                - Katniss Everdeen voltou para a cidade. E pelo jeito, para ficar – contei e a linha ficou muda. Cheguei a olhar a tela do celular pra ver se ele tinha desligado, mas a chamada ainda estava ativa.

                - Me diz que é um trote de volta as aulas Peeta – Finnick disse com a voz séria e percebi que ele estava com raiva. Ele nunca me chamava pelo nome.

                Eu sabia que ele não ia gostar da notícia, já que sempre fomos melhores amigos e ele me viu de um jeito nada legal quando tudo aconteceu entre Katniss e eu. Mas não imaginava que ia sentir essa raiva toda.

                - Não é um trote. Ela foi para a escola hoje, estava junto a Gale.

                - Que vadia! Por que ela não podia ficar onde ela estava? – Finnick disse quase gritando.

                - Calma cara. Ela não vai se aproximar de mim – ou pelo menos eu espero que não.

                - Eu realmente espero que não Peeta Mellark, porque se não eu arranco aquela palha que ela chama de cabelo.

                Me assustei com a reação de Finnick e decidi encerrar a ligação antes que ele se estressasse mais.

                - Quando puder, vem aqui em casa e a gente conversa mais okay?

                - Tudo bem, mais tarde eu vou aí – ele disse – Tchauzinho.

                - Tchau – pelo menos ele tinha voltado ao seu bom humor de sempre.

                Desliguei o celular e entrei em casa, encontrando minha mãe na sala conversando com meu pai e minha prima, Annie, que morava com a gente.

                - Oi filho – meu pai me cumprimentou – Senta aqui, queremos falar com você.

                Sentei ao lado de Annie e dei um beijo em seu rosto.

                - Estávamos conversando e quero que você comece a estagiar em uma de nossas padarias. Afinal, tudo aquilo vai ser seu um dia – meu pai disse e eu tenho certeza que fiz careta.

                Não tinha vontade nenhuma de herdar nenhuma padaria. Administração não era minha área e meu pai sabia disso. Sabia e não aceitava. Ele não aceitava o fato de que eu não era igual a ele, que o que eu quero é ser um artista e não um administrador de empresas.

                - Como eu sei que não posso recusar, eu aceito. Mas saiba que não é de bom grado – eu disse a ele, me levantei e segui para o meu quarto.

                Quando entrei, vi que meu notebook estava aberto e ligado. Mas eu não o tinha deixado assim. Me aproximei e vi a seguinte mensagem escrita em um documento em branco:

                “Você não vai fugir de mim, Lark. Uma hora a gente vai ter que conversar e eu vou te explicar tudo o que aconteceu e que nem eu sabia.”

                Respirei fundo e sentei em minha cama. Pelo jeito Katniss não tinha esquecido a mania de pular a janela do meu quarto e entrar sem ser percebida. E o mais interessante era que eu tinha descido do ônibus não tinha nem dez minutos, então ela deve ter pego carona com alguém e vindo antes que eu pusesse meus pés em casa.

                Toda essa insistência em falar comigo fazia minha curiosidade só aumentar. Liguei para Gale, para tentar arrancar dele o que Katniss queria de mim.

                - Fala Mellark – ele atendeu.

                - O que ta fazendo? – perguntei direto.

                - Nada, por quê?

                - Me encontra no shopping em uma hora, pode ser?

                - Pode – ele disse e desligou. Tão educado esse meu amigo.

                Coloquei meu celular no criado ao lado da minha cama, fechei a mensagem que Katniss tinha deixado no meu notebook, o desliguei e fui tomar banho pra poder sair e arrancar do meu melhor amigo o que a sua melhor amiga queria de mim.

                Apesar de já estar desconfiado e quase sempre eu acertava nos palpites.