FusionTale escrita por Neko D Lully


Capítulo 33
Memórias


Notas iniciais do capítulo

Esse deu um trabalhinho viu... Sei que ele ficou enorme, sinto muito, mas como muitos leitores me disseram que não importava o tamanho e quando perguntei no twitter se deveria dividir quase me bateram pelo computador dizendo que não, então eu deixei grande do jeito que tá. Por isso nem vou me demorar muito nas notas.
Aliás, me aconselharam a fazer uma playlist com as musicas que aconselharia a vocês escutarem enquanto leem o cap. Espero que gostem, as selecionei não apenas por melodia, mas pela letra. Acho que combina de algum jeito com o momento, então aproveitem!
https://www.youtube.com/watch?v=uy2tXnk9nsg&list=PLIEQ4KYvFP3dYvzHEXqI0Ou80uhthVzlR



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FusionTale - Memórias

Sans não era uma criança.

Ele não precisava ser embalado e privado das realidades tristes do mundo. Ele não precisava de pessoas protegendo-o ou fechando seus olhos. Ele não precisava de ninguém para explicar as consequências de suas escolhas ou as circunstâncias de uma determinada situação, pelo contrário! Muito cedo havia amadurecido, visto com seus próprios olhos como as pessoas poderiam ser cruéis, tendo suas experiências que consequentemente o fizeram ser quem é hoje.

Contudo, foi exatamente por conta desse amadurecimento precoce que ele sofria agora. Pois a dor e o arrependimento de suas escolhas nunca foram tão evidentes... Agora que não mais poderia voltar atrás ou concertar. E não dava para fingir ou fazer-se de cego, porque ele estaria apenas enganando a si mesmo, negando o que ele já sabia e estava tão claro como cristal. Pois ele sabia que a culpa de estar onde estava era toda sua e nunca antes ele sentiu como palavras não ditas poderiam doer tanto uma alma.

Foi sua própria escolha permanecer em silêncio sobre suas condições. Foi sua escolha se afastar de sua família por vergonha do que estava se tornando e o que estava fazendo. Foi sua, totalmente sua escolha empurrar e engolir tudo o que antes deveria ter expressado para as pessoas que realmente tinham importância em sua vida. E até então ele pensou que estava fazendo o certo, pois assim poderia viver com eles, por mais que as condições fossem estranhas. Pois assim ele não veria a rejeição nos olhos das pessoas que amava e admirava, de sua própria família. E agora ele era engolido por essas decisões, por essas escolhas que não poderiam mais ser remediadas ou concertadas.

Ele sentiu-se sendo engolido por seu próprio remorso. Afogando-se na tristeza da perda de forma tão visível que Frisk estava com medo. Medo de que ele não conseguisse mais se recuperar, por mais que acreditasse avidamente na força que o albino tinha. No entanto, ela estava bem ciente de como ele havia colocado sua família como o mais importante de sua vida, vivendo com seu próprio desconforto e pecado apenas para que eles se mantivessem ilesos. Sans era o tipo de pessoa que se colocaria entre a ponta de uma espada e um ente querido sem hesitar ou se quer piscar.

E era exatamente isso que o estava puxando para o mais fundo de seus pensamentos deprimentes.

— Você não poderia ter feito nada. - murmurou, sentando-se ao lado dele na cama. De alguma forma tinha conseguido arrastá-lo até ali, apesar de seu estado desolado. As lágrimas haviam parado, mas sua mente parecia ter se perdido em outro mundo, muito provavelmente escavando memórias que simplesmente o fariam se sentir ainda pior do que originalmente já estava com a dada situação. Como resposta, porém, Frisk recebeu apenas um resmungo distraído, olhos azuis mais focados no teto de seu próprio quarto do que na garota que tinha ao lado, mente ainda a vagar. - Se precisar de qualquer coisa vou estar lá embaixo. Tente descansar um pouco e... Parar de pensar. Não vai ajudar em nada ficar remoendo o que já aconteceu.

— O que mais posso fazer? - ele retrucou, virando o rosto para a parede a seu lado, realmente não parecendo muito interessado. Frisk sabia que insistir em tentar dar algum tipo de conselho não ajudaria em nada, principalmente porque o que a pessoa menos queria ouvir naquele momento eram os mesmos discursos lamentosos de sempre. Gaster poderia não ter morrido, mas a sensação era a mesma como se estivesse de luto. Sans nunca mais poderia vê-lo, pelo menos não até a próxima redefinição, mas isso ele não sabia.

— Manter-se firme. Sua vida ainda continua e você não está sozinho. - com um leve aperto encorajador no braço do albino,Frisk ergueu-se de seu lugar, finalmente dedicando-se a sair do quarto para deixá-lo sozinho com sua própria dor. Ela não poderia fazer mais nada além de garantir sua própria presença como apoio até então. Ainda assim, ela prometia que na próxima redefinição concertaria as coisas de algum modo e para isso, ela precisava também de seu próprio tempo para pensar e colocar as ideias no lugar.

Fechando a porta atrás si deixou que um suspiro cansado escapasse de seus lábios, apoiando-se na porta por alguns instantes antes de finalmente endireitar-se para descer as escadas. Porém, quando seus olhos vagaram por instantes ao redor para, só então, direcionar-se as escadas o que pareceu estática chamou-lhe a atenção pelo canto do olho. Foi muito parecido ao erro de sintonia de uma televisão, junto a um leve ruído grave em seus ouvidos o qual não soube exatamente identificar o que poderia ser. Entretanto, quando voltou a cabeça na direção tudo sumiu, como se nada mais fosse do que apenas fruto de sua imaginação.

Com curiosidade, Frisk caminhou para onde pensou ter visto tal estática. Passos lentos e olhar atento, percebendo, apenas então, o degradar do chão por debaixo de uma porta em específico, passando do tom marrom madeira para o cinza em apenas um pulo. E de todas as vezes em que a morena tinha visitado a casa em nenhum momento ela tinha visto tal degradado, e não era pelo fato de não ter reparado ou prestado atenção. Frisk teria certeza que ela ia se recordar se tivesse visto tal estranho detalhe.

E talvez, apenas para comprovar o fato de não ser um detalhe normal, assim quando viu-se perto o suficiente da porta para basicamente encontrar-se de frente para ela, a tal mancha cinza desapareceu como se nunca tivesse estado ali antes, engolidos pela estranha estática que praticamente sugou a cor cinza para dentro do quarto por trás da porta, quase como um erro em seus próprios olhos em captar imagens, não de forma biológica, mas eletrônica, por mais estranho que isso pudesse parecer.  Os ruídos em seu ouvido então tomaram um ritmo específico, iniciando-se praticamente instantaneamente depois da estática ter desaparecido, extremamente semelhante a sonoridade de uma voz a montar palavras em uma língua estranha a qual não era capaz de entender e ainda assim, de alguma forma, sentir que queria dizer que era para entrar.

A morena sabia, porém, de quem era aquele quarto. Sabia que ele pertencia a Gaster e que talvez não fosse uma boa ideia se aventurar para seus interiores enquanto toda aquela situação louca estava a se desenrolar, ainda assim, algo a chamava para dentro, de uma forma estranha e sensitiva, miseravelmente apoiada por sua curiosidade. a qual também não lhe dava espaços para recusar.

E poderia muito bem ser uma escolha estúpida que acabasse por gerar problemas seguintes, mas ela ainda assim se permitiu essa pequena aventura.

Então, sem hesitar, levou uma mão a maçaneta, apenas para perceber que a porta encontrava-se trancada. Novamente, talvez, como um indicativo que deveria desistir, contudo, Frisk era teimosa e por isso insistiu, uma de suas mãos descendo para a fechadura, deixando que seu poder penetrasse pela abertura, moldando-se a partir da forma certa a qual seria necessária para encaixar-se no segredo da tranca até finalmente ver-se capaz de abrir a dita porta.

Observando os arredores Frisk encontrou-se em um quarto relativamente simples, cama de solteiro em um canto, o armário de madeira na parede de frente para ela enquanto uma mesa de escritório se encontrava quase ao centro do cômodo, de frente para a porta e na frente da janela a qual deixava passar uma luz espectral pela cortina, tudo tão quieto que quase dava a impressão de não ter tido um ocupante durante muito tempo. Próxima a janela, não muito distante de onde se encontrava a mesa estava uma singela cômoda de madeira a qual apoiava uma televisão simples, bem menor que aquela que se mantinha na sala.  

Com passos lentos e cautelosos a morena entrou, olhos atentos procurando cada detalhe do lugar. Ela nunca tinha entrado ali antes, talvez por nunca ser próxima de Gaster o suficiente para ser convidada a entrar ou ter alguma oportunidade que a levasse a tal.

Seu foco passou a ser as fotografias sobre a mesa, dando a volta pelo móvel para assim ver, não arriscando-se a tocar em qualquer coisa que estivesse ali, já bastava estar a bisbilhotar o lugar sem uma autorização.

Sua expressão, porém, se suavizou ao ver a imagem. Quatro pessoas, uma visivelmente sendo Gaster, um tanto mais novo, um sorriso genuíno em sua face ainda de aspecto cansado. Em seus braços estava um garotinho de enorme sorriso, cabelos brancos e lenço azul no pescoço, mesmo na foto percebia-se que estava inquieto, dando dificuldades ao pai de segurá-lo de forma a não deixá-lo cair. Ela demorou um pouco para perceber que tal criança, de bochechas salientes, sorriso infantil e olhos azuis quentes e inocentes, era Sans. Onde aquele garotinho teria ido parar depois de todos esses anos? Como a vida poderia ter sido tão cruel para tirar tal alegria de seu rosto?

Ao lado estava uma mulher a qual Frisk nunca tinha visto, de uma beleza invejável. Seus olhos eram de um azul reluzente, cabelos longos e ondulados, de um dourado palha, rosto rosado e enorme sorriso, tal como o do pequeno Sans. Visivelmente menor que Gaster em vários centímetros, corpo avantajado, forte e recheado por curvas bem demarcadas. Nos seus braços estava um pequeno garotinho de não mais de quatro anos, enorme sorriso no rosto exibindo a falta de um de seus dentes, olhos alaranjados brilhantes, cabelos brancos como os do pai e do irmão mais velho. Definitivamente Papyrus era um garotinho deveras meigo.

Outra foto, também sobre a mesa, era apenas de duas pessoas, Gaster e a mulher. Ela com um belo vestido branco arrastando-se no chão e véu sobre a cabeça, jogado sobre os cabelos loiros perfeitamente arrumados, abraçada com Gaster o qual trajava um lustroso terno, cabelo puxado para trás e sorriso alegre, disfarçando perfeitamente bem a expressão naturalmente cansada que parecia possuir, dando-lhe um ar verdadeiramente belo o qual muitas vezes era perdido por seu rosto sério e muitas vezes sombrio. Outras duas fotos pareciam tratar-se de Sans e Papyrus, cada qual em uma diferente, com provavelmente não mais do que um ano de vida.

Era complicado imaginar que uma família de rosto tão feliz tenha se quebrado tão profundamente... O que aconteceu?

Novamente a estática no canto de sua visão chamou-lhe a atenção acompanhada pelo ruído estranho o qual parecia ter se intensificado. Frisk ergueu o olhar das fotos, voltando-se para onde a estática a indicava, apenas para deparar-se, não com o nada, mas sim com uma enorme figura em um canto do quarto que anteriormente estava vazio, toda a região envolta tendo tornado-se cinzenta, sem graça, quase como se não fizesse parte do lugar.

— Gaster? - a morena murmurou, surpresa. Não apenas por ver quem na verdade deveria ter se perdido em um lugar distante, inalcançável, como também por sua aparência.

Suas cicatrizes agora aparentavam ser rachaduras em um rosto de porcelana, sulcos negros profundos. Sua pele, já naturalmente pálida, estava ainda mais branca, se é que era possível e seu rosto parecia quase cadavérico. Olhos fundos, reluzindo na escuridão com uma intensidade assustadora, partes do seu corpo pareciam falhas, borradas, quase como se estivesse a derreter. Comparado ao homem que Frisk havia conhecido aquele que via agora era apenas um fantasma assustadoramente deformado.

Sem dizer uma única palavra, porém, ele apontou para uma gaveta na cômoda onde a televisão encontrava-se acomodada, dedos tão finos quanto esqueletos, brancos como ossos, destacando-se no manto negro escuro o qual parecia usar, rodeando-lhe o corpo de tal forma que facilmente dava a impressão de que se tratava de um amontoado de massa negra bruxuleante a fazer parte das sombras do quarto.

A morena sentiu pena do pobre homem ao mesmo tempo que via-se levemente assustada com seu estado atual. Coração bombeando sangue desenfreado dentro de seu peito, visivelmente amedrontado, levando adrenalina para todo seu corpo em lapsos constantes de segundos. Ainda assim, ela tentou se acalmar, respiração profunda e contida, tão pausada que quase poderia dizer que estava parando de respirar.

De alguma forma Gaster estava conseguindo se comunicar com ela, atravessando as barreiras do tempo espaço e aparecer ali. Como e por que ela ainda não sabia, mas não era como se estando apavorada poderia ajudar em alguma coisa.

Respirando profundamente ela se aproximou, passos arrastados e cuidadosos. Ela não sabia exatamente porque encontrava-se tão preocupada, mesmo que a visão de Gaster naquela forma fosse deveras assustadora, tinha quase certeza que ele não era perigoso, ou pelo menos isso queria acreditar. Afinal, o comentário de Chara sobre o lugar onde ele estava agora ainda assombrava sua mente, afirmando com todas as palavras que aqueles que caiam no vazio não mantinham-se como originalmente eram. Talvez fosse uma das explicações porque ela mesma havia perdido total e completo controle de sua maldade quando era um fantasma.

Com mãos um pouco tremulas Frisk abriu a gaveta para a qual Gaster havia apontado, deparando-se com caixas de CDs cuidadosamente postas e arrumadas em fileiras dentro do compartimento disponível. Toda a parte interna da gaveta parecia perfeitamente limpa, envolvida com um pano lilás, cada CD perfeitamente guardado, imaculado, alguns tendo em suas capas anotações, nomes com datas específicas, muito provavelmente referentes a seu conteúdo. Tudo indicando que tais objetos deveriam ter um extremo valor emocional, muito provavelmente sendo organizados e utilizados todos os dias durante um longo período de tempo.

— É isso que queria? - perguntou, um tanto confusa, observando como o homem, não muito distante de onde estava agora, apontava para o aparelho de reprodução perfeitamente colocado em uma prateleira de madeira presa a parede um pouco acima da televisão. - Quer que eu coloque para reproduzir? - o homem consentiu. - Por que... Por que precisa da minha ajuda para isso?

Como resposta Gaster tentou pegar um dos CDs disponíveis dentro da gaveta, apena para ter suas finas e ossudas mãos atravessando a matéria como se seu corpo não fosse mais do que um simples espectro inexistente. Formando um "oh" surpreso com a boca, Frisk não mais perguntou, escolhendo qualquer um dos CDs que tinha a frente e por fim colocando-o no aparelho de reprodução, ligando a televisão para que pudessem assistir.

Inicialmente nada pôde ser visto até finalmente a imagem entrar em foco, mostrando um lugar extremamente claro, paredes brancas simples com a tintura já rachada e desgastadas, aparelhos médicos ao redor indicando com perfeição que deveriam se encontrar em um quarto de hospital. Bem na frente da câmera a qual filmava encontrava-se uma maca na qual estava deitada uma bela mulher de longos cabelos de um dourado palha, recoberta por lençóis verdes claro, ligeiramente recostada sobre o enorme travesseiro em suas costas, ajeitado para que ela ainda se mantivesse sentada, quase deitada. Em seus braços estava um amontoado de manto azul, um tanto volumoso, mas era realmente seu enorme sorriso que chamava a atenção.

Deveria estar realmente feliz.

Ora, Gaster, não seja chato! É necessário! É um momento especial, não quer guardá-lo para a vida inteira?! Vamos! - a mulher reclamou, sua voz um tanto alta de mais, naturalmente estrondosa, e nem um pouco delicada. Frisk supôs, de acordo com o diálogo da filmagem, que Gaster seria aquele a segurar a câmera. - Venha! Chegue mais perto para poder filmá-lo! Tão lindo...

A criança era pequena, muito pequena, todo o manto que a envolvia parecia ser grande de mais para sua forma miúda. No entanto, sua aparência ainda se mantinha como a de uma criança saudável, com bochechas gordas e salientes, bracinhos repletos de dobras insistentemente mantendo-se fora do manto, por mais que ele fosse ajeitado para cobri-lo por completo. O que mais se destacava, porém, em sua pequena forma, além de sua pele doentiamente branca, definitivamente eram os enormes olhos azuis dignos de um anjo de porcelana. Olhos esses que encaravam os adultos a sua volta, com uma intensidade e curiosidade que dificilmente poderiam ser aplicadas para um recém nascido.

Ei, pequeno. Você nós deu um bom susto, hein? — a criança encarou a mulher que o carregava, pequenos dedos agarrando inconscientemente a manta. Era quase como se parecesse que tentava reconhecer a voz que acabasse de falar, associando-a a imagem que agora poderia vez. Com cuidado ela o elevou para próximo de seu rosto, o suficiente para que pudesse tocar-lhe a bochecha com sua própria, como em um abraço carinhoso, lágrimas escorrendo por seu rosto. - Bem vindo ao mundo, Sans...

E a criança riu em resposta, um gostosa risada com direito a um sorriso sem dentes enquanto suas rechonchudas mãos tateavam o rosto de sua mãe, quase como se tivesse a intenção de limpar-lhe as lágrimas. Em seguida a bela loira voltou seus olhos para a câmera, seu enorme sorriso nunca deixando seu rosto enquanto as lágrimas permaneciam a cair.

Haha... Gaster, você está chorando por acaso? Vamos, pode deixar a câmera de lado e segurá-lo. — a imagem tremeu, mas não foi deixada de lado. - Não seja bobo, ele não vai quebrar. Venha, vai ficar tudo bem... Tudo já está bem.

Levando em conta que a filmagem havia sido encerrada, Frisk supôs que Gaster tinha aceitado a proposta. E era uma memória bonita, Frisk se sentiu submergida na boa sensação que ela era capaz de transmitir, uma tranquilidade e alegria que não poderia ser medida, com direito e enormes sorrisos. E ainda assim era intimo de mais, apesar de antes não ter se sentido incomodada em assistir, agora ela se perguntava se realmente era uma boa ideia estar ali vendo como se não fosse nada, uma memória, um momento que não tinha nada haver com ela. Contudo, assim que ergueu o olhar na direção de Gaster a seu lado e observou o triste, mas belo sorriso nostálgico o qual ele sustentava, não conseguiu deter sua mão de puxar outro CD, prontamente colocando-o para transmitir mais um momento.

Primeiro a imagem desfocada e então, depois de segundos, estava a visão do que parecia ser exatamente a sala no andar de baixo da mesma casa onde se encontravam. No centro da imagem, aparentemente alguns passos de distância, se encontrava a mesma mulher de fios dourados, ajoelhada no chão enquanto segurava um pequeno e inquieto garotinho de não mais de um ano, provavelmente menos, que insistia em tentar manter-se em pé sozinho, chacoalhando desequilibrado nas mãos de sua mãe que o mantinha no lugar agarrando-o pela cintura.

O pequeno trajava um doce pijama azul, uma única peça de roupa que lhe cobria por completo todo o corpo, até mesmo os pés. Seu rosto rechonchudo e travesso tinha um enorme sorriso ainda banguela, apesar dos primeiros dentes já estarem ameaçando por nascer, se Frisk bem tinha identificado os pontinhos brancos.

Não me olhe desse jeito, Gaster! Não podemos chocá-lo durante sua vida inteira, ele tem que aprender a se virar sozinho mesmo em suas condições! - a mulher repreendeu, seus olhos azuis encarando a câmera com desaprovação antes de voltar-se novamente para o pequeno garoto o qual apoiava. Ele parecia demasiadamente inquieto para se manter no lugar, tão animado para dar seus primeiros passos quanto aqueles que o assistiam. - Agora prepare-se para pegá-lo quando ele for. Será de maior ajuda do que ficar o tempo todo fazendo as coisas por ele. E garanta de filmar! Você vai me agradecer depois!

O leve balançar na imagem indicou que Gaster se ajeitava. Levando em consideração o alinhamento com a altura da mulher, Frisk supôs que ele também encontrava-se agachado, pronto para interceptar o garoto inquieto. Devagar, com certa insegurança pelo equilíbrio instável do pequeno albino a mulher o soltou, nunca afastando-se de mais para assim ser capaz de pegá-lo caso ameaçasse cair. No entanto, o pequeno parecia determinado a chegar até seu pai começando com pequenos passos incertos e bambos, pequenos braços erguidos em um instinto de manter-se sobre ambas as pernas sem cair.

Bem devagar ele se aproximou, sempre recebendo os incentivos constantes de sua mãe. A distância não era muito grande e logo a imagem da alongada mão de Gaster apareceu, esperando ansiosa que seu pequeno garoto vitorioso nessa conquista conseguisse alcançá-la e por fim se apoiar. Era visível a euforia dos adultos quando mãos gordinhas finalmente seguraram a palma fina e magra que tinha a frente um pouco antes de finalmente perder o equilíbrio, sendo prontamente segurado pelo pai.

Papa! — a criança exclamou feliz, enorme sorriso no rosto enquanto era comodamente sentada no chão, apontando feliz na direção da câmera, olhos azuis a brilhar. Instantes seguintes veio o tremor da imagem que em seguida subiu para filmar a mulher que se aproximou, rosto marcado pela surpresa, enquanto um enorme sorriso desenhava-se em seu rosto.

Você filmou Gaster?! Por favor, diz que sim! - a mulher exclamou, exaltada e feliz, quase dando saltinhos em seu lugar, como uma criança que acabou de receber um presente de natal. A imagem tremeu novamente, descendo novamente para o pequeno albino que agora mantinha-se demasiadamente entretido com as fissuras do chão para realmente notar a euforia de seus pais. A mulher o ergueu em seus braços, chamando-lhe a atenção. - Fale de novo, Sansy. Diz Papai.

— Papa! Papa! - repetiu o pequeno com alegria, erguendo os bracinhos em vitória, como se soubesse perfeitamente que tivesse feito algo bom. Como resposta ele recebeu doce abraço de sua mãe, parabenizando-o não apenas por dar seus primeiros passos, como para dizer suas primeiras palavras, tudo no mesmo dia. Parecia tão orgulhosa e tão feliz que mesmo Frisk, observando agora no presente, não conseguiu deixar de sorrir.

A filmagem se aproximou, a alongada mão de Gaster novamente aparecendo para acariciar o rosto do alegre garoto que elevou seus olhos azuis para ele, a alegria inocente em seus olhos tão inteligentes. Porém, seu sorriso foi prontamente substituído por um profundo bocejo, pálpebras caindo em sonolência enquanto aconchegava-se nos braços de sua mãe. A mulher riu.

Me dê a câmera Gaster, ele dorme melhor quando está com você. — ela resmungou, seu tom finalmente diminuindo para não incomodar a criança em seus braços. De forma visivelmente desengonçada os dois trocaram de posição, sendo agora Gaster aquele que embalava o filho enquanto a loira filmava.

A ultima imagem antes do fim da filmagem foi um adormecido pequeno Sans bem aconchegado nos braços de seu pai, agarrando com suas pequenas mãozinhas sua blusa enquanto o próprio Gaster mantinha-se a encará-lo com um sorriso carinhoso, olhos a brilhar em uma mistura de alegria, orgulho e carinho.

— Vocês pareciam tão felizes... Qual era o nome dela? - Frisk ergueu o olhar para o homem a seu lado, ainda perdido em suas memórias antes de finalmente mover a mão em uma resposta. "Miriam", ela tinha obviamente a personalidade de Papyrus. - O que aconteceu com ela?

"Morreu quando voltava do trabalho uma noite há dezesseis anos. Sans nunca aceitou isso muito bem... Não que eu possa culpá-lo, afinal as condições do acontecimento não foram agradáveis. Ele sempre foi um garoto muito esperto, mesmo aos dez anos acho que ele entendeu perfeitamente o que estava acontecendo, sem que ninguém precisasse explicar" cansado, Gaster parecia terrivelmente cansado ao falar sobre o assunto e, por mais curiosa que estivesse sobre o ocorrido, ela sabia que deveria deixar o assunto morrer.

Ela estava prestes a mudar o CD novamente quando a pressão de magia arrepiou-lhe os pelos do corpo. Foi contido, mas ainda assim ameaçador, demasiadamente conhecido para que ela pudesse se confundir, virando-se da forma mais firme que conseguia se manter para encarar os olhos azuis, visivelmente irritados e traídos. Ela conhecia aquele olhar, ao mesmo tempo que reconhecia a tensão de seu corpo, tão facilmente como era para ela lê-lo como a um livro.

— Como entrou aqui? - ele perguntou, voz assustadoramente calma, contida. Seus olhos azuis foram para a televisão e então para a capa de CD ainda nas mãos da morena. Muito poderia se supor daquela cena em questão.

— Eu conheço esse olhar, Sans. Não tire conclusões precipitadas sem saber o que está acontecendo, você tem a mania de julgar muito antes de conhecer, por mais que tente esconder esse defeito. Você é muito desconfiado. - comentou com um suspiro cansado, seus olhos tentando não perder a figura de Gaster a seu lado, mesmo que ele aparentasse estar um tanto incomodado. Aparentemente Sans não era capaz de vê-lo como Frisk, o que obviamente complicaria na explicação da situação. - Apesar que tenho quase certeza que não ia acreditar se contasse minhas razões.

— Tente. - Sans insistiu, ainda tenso, olhos a brilhar tanto em desconfiança como em magia.

— Ok... Eu não sei como, mas de alguma forma Gaster conseguiu aparecer aqui para relembrar algumas velhas memórias. Eu apenas estou ajudando já que parece que ele não pode influenciar em nada por aqui. - os olhos do rapaz a sua frente se estreitaram em desconfiança, mesmo que fosse capaz de dizer que Frisk não estava mentindo, o que era demasiadamente fácil pois ela não sabia mentir, sua resposta tinha sido muito surreal para realmente ser verdadeira. - Eu disse que não ia acreditar.

— Não tem como acreditar. Brincar com algo assim não tem a menor graça, você deveria saber.

— Poderia me dizer algo que possa convencê-lo? Alguma coisa que apenas vocês possam saber? - Frisk perguntou para Gaster. E deveria ser uma cena deveras estranha, afinal, basicamente ela estava a falar sozinha, virando-se para um canto vazio do quarto. No entanto, Gaster assentiu, prontamente respondendo. - A jaqueta azul que você tem, foi sua mãe que fez quando você tinha seis anos. Mas ela ficava grande de mais em você, então até os dez você usou apenas o lanço azul que também foi ela que fez. As outras que você tem você pediu para que a fizessem com base na que você ganhou da sua mãe... Oh! Isso explica porque você não gosta que mais ninguém use e toma tanto cuidado com ela.

E Sans parecia além de surpreso, rosto saindo da desconfiança para cair na completa perplexidade enquanto observava o quarto, sem encontrar nada que pudesse indicar que seu pai estava realmente ali. No entanto, apenas ele, Gaster e Pap sabiam sobre o fato de que sua mãe era boa em costura e que havia confeccionado tanto sua jaqueta como o cachecol que Papyrus usava desde seus quatro anos. Sem falar que o lenço azul tinha caído no esquecimento há muito tempo, Sans nem mais sabia onde ele estava e acreditava ter perdido em algum momento de sua vida, não tinha como Frisk saber sem ter sido Pap ou Gaster a contar e Sans duvidava que seu irmão iria entrar no assunto por mais que Frisk fosse sua amiga. Qualquer conversa que acabasse relacionada a sua mãe, ambos os irmãos esquivavam-se como o diabo corria da cruz.

— Como...

— Eu também não sei. - os olhos dourados de Frisk novamente caíram na figura de Gaster, esperando que ele pudesse esclarecer sobre tal situação encontrada agora.

Aparentemente, de acordo com o que Gaster tentou explicar e Frisk traduzir para Sans, o vazio estava tão instável quanto o próprio espaço tempo, de alguma forma, e por tal abria rachaduras, brechas que eram capaz de ver outras linhas, pontos variados no tempo desse universo. Foi como se uma iluminada compreensão distorcida e obscura tivesse sido empurrada para dentro de seu cérebro de uma vez, dando-lhe a oportunidade, junto a soma de seus conhecimentos anteriores e sua absurda quantidade de magia, de alguma forma, conseguir empurrar uma "imagem" para esse momento em específico do tempo, ainda assim, instável e difícil de manter, impossível se ele não tivesse toda magia que ele naturalmente possuía desde pequeno.

Frisk tinha se esquecido que Gaster poderia ser muito poderoso, afinal, Sans tinha que ter levado isso de alguém em sua família, mesmo Pap era dotado de tal quantidade absurda, apesar de não tão extrapolado quanto os outros dois mais velhos da família. Seja como for Gaster estava ali agora, uma imagem refletida de seu eu no vazio, não sendo realmente capaz de interferir na realidade em si, principalmente porque ele não estava realmente ali. Era confuso, mas de alguma forma Frisk conseguia ver através da barreira do espaço tempo e assim ser capaz de ver Gaster. Para isso, porém, não havia uma explicação plausível.

— Agora que você tem todas as suas respostas, gostaria de se juntar a nós nesse momento de recordações? Tenho que acrescentar que você era um bebê muito fofo e se mostrasse isso para a maior parte das garotas que trás aqui, apostaria uma nota que elas se apaixonariam ainda mais por você. - zombou Frisk, dando-lhe um sorriso despreocupado.

— Já basta como são agora, não preciso que elas se tornem pior. Mas e você? Não corre o mesmo risco? - retrucou, apesar do leve corar em seu rosto enquanto aproximava-se para se acomodar em um canto qualquer. Ele observou, um tanto apreensivo, como a morena se dispunha a por mais um CD dentro do aparelho.

— Isso você talvez nunca vá saber, Sansy. - ela murmurou em resposta, deixando vídeo rodar antes que Sans pudesse ter a oportunidade de retrucar.   

Novamente o cenário aparentou-se ser um quarto de hospital, Miriam deitada na maca com um manto alaranjado em seus braços, um pequeno Sans de quatro anos sentado a seu lado, esticando o pescoço para ver o que sua mãe carregava, enormes olhos azuis curiosos e ansiosos. Gaster novamente deveria estar segurando a câmera próximo o suficiente para que pudesse ver o pequeno que agora encontrava-se embolado no manto. Não precisava ser um gênio para saber quem era.

Dê um oi para seu irmãozinho, Sans. — Miriam sorriu, ajeitando-se para que o pequeno garoto sentado em sua cama pudesse ver melhor a criança a qual carregava. E era engraçado, em certo ponto, ver o rosto curioso do irmão mais velho, boca formando um perfeito "o", olhos arregalados e pescoço esticado procurando equilibrar-se, mesmo que visivelmente sua vontade fosse chegar mais perto. - Será nossa nova obrigação, acha que está preparado para essa responsabilidade? Um irmãzinho não é fácil de lidar.

— Nada é de mais para o magnífico Sans! Mwehehehehehe!

E Frisk não conseguiu segurar a risada que lhe escapou, principalmente pelo sorriso zombeteiro de Gaster e o profundo rubor no rosto de Sans. Agora sabe perfeitamente de onde Papyrus imitou, tanto a risada quanto a forma de agir. Sans deve ter perdido seu brilho depois que a mãe morreu, juntando tudo que foi forçado a passar em seguida, mas nunca deve ter deixado Papyrus perder o dele.  

Ele é tão pequeno... - o pequeno Sans resmungou, olhos ainda focados na criança dormindo tranquilamente nos braços de sua mãe.

Você também já foi assim. Na verdade, você nasceu ainda menor do que ele. - respondeu Miriam em um sorriso, no entanto, o pequeno Sans torceu o nariz em desgosto, provavelmente imaginando-se menor do que seu irmão mais novo. Miriam riu. - E é por ele ser tão pequeno que temos que ter cuidado com ele. Vai precisar da sua ajuda para aprender o que deve ou não fazer e se manter longe de encrencas. E como o mais velho é sua responsabilidade também zelar por seu mais novo, entendeu?

— Vou ser o melhor irmão mais velho! O magnífico Sans irá tornar seu irmão grande e digno! Ele será o Grande Papyrus! - afirmou o pequeno com convicção, sorriso determinado em seu rosto antes de cair em uma careta pensativa. - Mas eu serei maior que ele. Os irmãos mais velhos sempre são maiores!

— Parece que isso não aconteceu, Sans. - Frisk comentou, divertida, procurando um novo CD enquanto aquele se encerrava depois que Pap acordou de seu sono e começou a chorar de forma estridente. Sans deixou escapar um bufo divertido, apesar das bochechas rosadas e os olhos um tanto vermelhos. A morena sabia que ele estava fazendo todo o esforço possível para não chorar, ela sabia que ele passou a odiar demonstrar emoções, escondendo-se em uma mascara. Motivos provavelmente era por conta do medo de que as pessoas percebessem suas fraquezas e o atacassem quando não estava bem, mas ela não poderia ter certeza.

— Eu desisti dessa ideia quando Pap completou seus quatorze anos e era do meu tamanho. Fico feliz que ele nunca jogou isso na minha cara, mas acho que deveria esperar por isso. É do meu bro que estamos falando, ele é incapaz de fazer algo assim. - um pequeno sorriso se desenhou em seu rosto, um sorriso cheio de orgulho, com uma pitada de tristeza.

Outro CD foi colocado e a filmagem começou.

Dessa vez Sans parecia ter alcançado seus oito anos enquanto Pap mantinha-se nos quatro, empolgado a correr atrás de seu irmão mais velho. Sans ainda era uma bolinha rechonchuda de bochechas e braços salientes e roliços, ainda mais adorável com seus enormes olhos azuis, sorriso gigante e enorme lenço azul enroscado no pescoço, deixando-se como um babador na parte da frente e duas enormes caldas atrás. Pap, por sua vez era magro, um contraste perfeito, de rosto delicado e olhos alaranjados tão grandes quanto os de seu irmão, sorriso arreganhado de tal forma que quase acertavam suas orelhas de abano, exibindo o buraco que tinha sido formado pela queda de um de seus molares de leite. Pequeno, erguia-se ao lado de seu irmão com um cachecol vermelho muito maior do que ele poderia realmente aguentar usar, no entanto, Frisk já imaginava que insistentemente ele continuaria com ele, mesmo que tropeçasse no pano que sobrava ou precisasse da quatro voltas em seu pescoço.

A filmagem era feita de um plano superior, conseguindo capturar a visão de toda a sala no andar de baixo, focando-se nas duas pequenas crianças a arrastar-se com lentidão na parte da frente do sofá, atentas e cautelosas, primeiro o mais velho e em seguida o mais novo, tentando não se embolar no tecido de seu cachecol que arrastava-se pelo chão. Obviamente não estavam cientes de estar sendo filmadas. Logo atrás do sofá estava a cabeleira loira da mãe dos garotos, agachada e bem escondida da visão deles, obviamente segurando as gargalhadas de diversão.

Sans riu em antecipação pela cena, recordando-se daquele dia.

— Eu lembro disso. Pap e eu gostávamos de brincar de super herói, igual os que víamos na televisão. Eu era o cientista que criava aparelhos super avançados e Papyrus era como... O Superman ou algo assim e nossa mãe sempre fazia o vilão. Não importava o quão tarde ela chegava, sempre que pedíamos para brincar ela aceitava com um sorriso. - a nostalgia embebia tanto sua fala como sua face, deixando-lhe um ar triste, velho. Aquela mulher lhe fazia falta. - Eu não imaginava que nosso pai estava filmando... Nossa mãe sempre gostou muito de gravar os momentos em vídeo. Ela continuava a afirmar que agradeceríamos a ela alguma dia... Bem... Acho que ela estava certa no final.

Com um estridente "boo" a mulher ergueu-se de seu esconderijo, braços erguidos enquanto divertia-se com o grito assustado de seus garotos. Ela permitiu-se rir um pouco antes de começar com seu discursos de vilão maligno, sendo prontamente rebatido pelos pequenos garotos, empolgados e envolvidos na brincadeira. Uma visão que daria gosto de se ver pessoalmente, uma família alegre, que poucos talvez tinham a capacidade de ter. Muitas vezes Frisk apenas conseguiu tal façanha quando encontrou-se no subterrâneo, com os monstros os quais havia conseguido formar uma firme amizade.

— Policial. - seus olhos dourados caíram novamente sobre o albino a seu lado, confusos. Sans encarava a tela, com tristeza e amargura, muito provavelmente lamentando-se pelo tempo que não iria mais voltar. - Ela era policial. Trabalhava junto com o pai de Undyne, muitas vezes chegava altas horas da noite em casa, eu e Pap costumávamos esperar ela na sala junto com nosso pai... Perdi a conta de quantas vezes dormimos antes dela chegar.

Isso explicava o motivo de Pap querer ser policial antes de Undyne convencê-lo a mudar de sonho.

— Ela parece ser uma mãe incrível. - resmungou Frisk, observando o enorme sorriso no rosto da mulher mostrada na tela a sua frente. Observando direito poderia ver as olheiras debaixo de seus olhos, abafadas por sua alegria sem tamanho.

— Ela era... Papyrus puxou sua personalidade, eu diria, era seu charme de todo jeito. Não existia uma pessoa que não gostasse dela... Bom, talvez os caras que ela prendia. Ainda assim soube que ela dava uma chance para todos, era gentil e acreditava que qualquer um poderia mudar, uma mentalidade que acho que Papyrus também pegou dela. Ela não tinha muita magia, sabe? Quase nada e em uma cidade onde a maior parte do corpo policial precisava de força para enfrentar usuários de magia, para seguir seu sonho, ela teve que se focar em outros pontos. Então ela era forte, eu a vi uma vez derrubando um homem com o dobro de seu tamanho, acho que mesmo Undyne concordaria comigo ao dizer que não existia uma pessoa mais forte do que ela... Mas ela ainda era uma mulher... Uma mulher com inimigos. - as mãos de Sans se apertaram, ombros se encolhendo enquanto a magia borbulhava pela fúria. - Pelo que eu sei ela tinha tido que passar da hora de seu expediente naquela noite também e acabou retornando muito tarde. Ela não gostava de dirigir, então vinha a pé para casa todos os dias, até então não tinha dado problemas e confiávamos que ela era capaz de se defender. Esquecemos que algumas magias podem imobilizar uma pessoa, mesmo a mais forte, apesar de não ser muito comum... Magias de controle, especializada em outros organismos vivos. O azar daquela noite foi que o usuário estava bêbado e a pegou desprevenida. Moramos muito próximo as periferias então é bem comum toparmos com arruaceiros ou coisas assim.

Frisk não estava gostando do rumo daquele assunto, esquecendo-se das imagens a passar no vídeo enquanto preocupava-se em consolar Sans, bem acreditando que aquela não deveria ser uma memória fácil de puxar. O rosto de Gaster, não muito distante, contorceu-se em puro desgosto e dor.

— Ela não teve realmente uma chance para lutar ou resistir. Lembro que naquela noite ela não voltou, por mais que esperasse, por mais que tentasse ficar acordado esperando ouvir o som da porta abrindo, ela nunca aparecia e a noite foi a mais longa que já vivi. Ela sempre retornava, não importa o quão tarde, sempre voltava. Foi encontrada no final da manhã do dia seguinte, em um beco algumas ruas daqui... Eu fiquei com tanto ódio! Ela sempre acreditou no melhor nas pessoas e acabou daquele jeito! Violentada, expostas... Nem mesmo no seu funeral alguns de seus colegas prestaram respeito! Porque você sabe, se uma mulher termina desse jeito é porque ela provocou... Ela que não lutou, é culpa dela que estava no lugar errado na hora errada, sua culpa por não ser atenta, por estar ali... Eu fiquei tão furioso! - o albino respirou fundo, tentando manter a calma, mesmo com o tremor que havia começado a tomar conta de seus braços. - Eu sei que ela não ia querer que eu fizesse o que eu fiz. Eu sei que se Gaster ou Papyrus descobrisse o que aconteceu naquela noite... E o que se repetiu depois... Eles iam ficar arrependidos e chateados. Eu sei que não foi o certo a se fazer, mas eu realmente não pensei! Eu simplesmente... Simplesmente... Agi.

E Frisk não realmente poderia culpá-lo. Encaixando as peças que tinha ela facilmente poderia dizer que o incidente que levou Sans a matar pela primeira vez tinha sido a morte de sua mãe, há dezesseis anos. Pelo que se recordava o tal estuprador, se bem havia entendido, fazia parte da gangue a qual Sans agora era o líder, a mesma que o havia recrutado como moeda de troca por ter matado um dos seus. E mesmo que Frisk não era a favor da morte como moeda de troca, muito menos da vingança, ela não poderia julgar Sans, qualquer um sentiria a mesma vontade em seu lugar. A diferença entre Sans e esses que apenas ansiavam é que ele tinha a inteligência, força e recursos para tal, para não dizer da fúria e determinação.

Aquele homem, se é que poderia chamá-lo assim depois do que tinha feito, foi o responsável de quebrar toda uma família. A dor que eles carregavam dia após dia depois daquilo... O erros cometidos desde então... Nada poderia ser mudado. Tal incidente também mostrava perfeitamente o motivo da fúria descontrolada que ambos os irmãos sentiam para qualquer ato desrespeitoso para com alguma outra pessoa, transformando até mesmo o doce Papyrus em um lutador feroz. Ela nem ao menos queria saber a reação de Gaster, tão calmo como era, resguardava em seu interior a capacidade silenciosa de subjulgar qualquer um em seu poder desenfreado.

— Depois disso, tudo apenas foi de mal a pior. - o albino continuou, respiração um pouco mais controlada, olhar baixo. - Não somos uma família rica, o pouco de luxo veio do bom salário que nossa mãe ganhava. Pai ainda não era chefe de pesquisa, um simples subordinado quase no mesmo nível de um estagiário... Não sobreviveríamos muito tempo apenas com seu salário e o seguro de vida da nossa mãe. Nem meu pai ou minha mãe tinham irmãos para pedir ajuda, Gaster cortou laços com seus pais enquanto por parte da minha mãe meus avós não haviam apoiado o casamento entre os dois e apenas mantinham contato por conta da minha mãe e Pap. Pap porque ele era muito parecido com ela, mas eles odiavam por completo eu e Gaster... Talvez porque eu era muito mais parecido com ele, apesar de ter alguns traços da minha mãe... Depois que ela morreu eles culparam meu pai e se distanciaram por completo, nos deixando por conta própria. Gaster se afundou no trabalho, fazendo horas extras e quase não tendo mais tempo em casa até que finalmente conseguiu ser promovido e as coisas começaram a melhorar... Eu tentei ajudar como podia, eu ganhava um pouco de dinheiro com... Você sabe... Mas não poderia ser muito evidente... Eles desconfiariam e...

 Sans sabia que Gaster estava escutando, ele não queria admitir seus pecados mesmo agora e Frisk compreendia seus motivos. O medo da acusação, do julgamento e da não compreensão poderiam ser de mais para ele suportar, principalmente agora. Contudo, ela também sabia que manter tais segredos nas atuais circunstâncias era o mesmo que insistir em cometer os mesmos erros quando tinha toda a oportunidade de resolver a situação.

Seus olhos recaíram sobre Gaster, percebendo o franzir profundo de seu cenho enquanto encarava seu filho, olhos brilhando em uma mistura que poderia se dizer entre confusão e tristeza. Ele muito provavelmente tentava entender as informações as quais Sans não havia disponibilizado, procurando em sua memória alguma pista. Como poderia ser sua reação? Frisk começou a se questionar. Ele acusaria Sans? Não parecia ser o tipo de homem que poderia fazer tal coisa, mas ainda assim... Talvez ficasse decepcionado, desapontado... Era o mais provável, mas e se ele ficasse furioso? E se ele reagisse de forma demasiadamente negativa?

E quanto mais pensava mais a morena sentia-se agoniada, puxando para si talvez os mesmos sentimentos que o rapaz a seu lado deveria ter sentido a cada momento de sua vida, martirizando-se na duvida de contar ou não, dividido e angustiado, lutando contra si mesmo todos os dias desde que se levantava até o momento que ia dormir, dolorido e arrependido cada vez que se via mentindo, bem sabendo que era por medo...

Apesar do medo não ser um defeito, apenas uma emoção humana comum, uma emoção que mostrava que ele estava vivo, no entanto, era um sentimento que deveria ser dominado e vencido. E exatamente aquele momento era sua oportunidade para tal.

— Sans... Eu sei que você não quer contar, mas agora mais do que nunca você tem a chance de fazer o que se arrependeu tanto durante todos esses anos. Gaster está aqui, ele está te escutando e eu sei que você tem medo do que ele possa pensar sobre você, mas você não pode segurar isso para sempre. Ele é seu pai, tenho certeza que se explicar ele vai entender. - Sans voltou seu olhar para ela, indeciso e acuado, escondendo o medo bem ao fundo de toda sua confusão. Frisk, por sua parte, levou uma mão a seu ombro, tentando dar-lhe apoio. - Você não sabe quando vai ter outra chance. Não me faça ter que lembrá-lo do que aconteceu quando você percebeu que não tinha volta, que era tarde de mais. Quer mesmo continuar a se arrepender? A chance está aqui, bem na sua frente, por mais que não possa vê-lo, basta... Falar o que estava entalado na garganta por todo esse tempo.

— Por que você tem que parecer tão certa do que fala? - o rapaz questionou com amargura, o sorriso triste e cansado em seu rosto, obviamente já tendo cedido a insistência da morena. Ela sorriu, acariciando-lhe os cabelos.

— Porque eu te conheço e por mais que não acredite em mim eu quero te ajudar. Agora respire fundo e pense em uma forma de começar a falar, se quiser eu posso sair para dar mais privacidade. Sei que não quer que mais ninguém saiba sobre isso.

— Não... Não precisa. Eu não posso vê-lo então apenas você pode me dizer se não estou falando para as paredes. Vai saber por quanto tempo ele ainda vai ficar aqui... - ele resmungou, uma de suas mãos a procurar o pulso da garota, segurando-o com firmeza, quase como se na verdade ele procurasse apoio e não simplesmente uma intermediária entre ele e seu pai. Já Gaster parecia confuso, encarando desde Frisk para Sans, sentindo-se terrível por não ser capaz de compreender a conversa e sentir-se a parte de algo que parecia ser tão importante para seu filho, trazendo de volta a agonizante sensação de que não sabia nada sobre seu próprio filho. Sans respirou fundo, fechando os olhos, a procura das palavras para começar. - Eu... Eu sinto muito, pai... - começou, voz quebrada e fraca, chamando a atenção de Gaster que por instantes havia se perdido em pensamentos. - Eu sinto muito que... Que nunca tenha te falado que eu não te culpo, nem pelo que aconteceu com minha mãe, como por ter se afastado. Eu entendi que você precisava cuidar de nós, que precisava dar tudo de si para que não fossemos mandados para a rua, apenas... Eu apenas não conseguia te dizer a verdade...

Novamente as lágrimas, forçando-o a apertar os olhos tentando impedir que continuassem a escorrer ao mesmo tempo que tornava sua expressão muito semelhante a uma que aparentasse dor. Ele expirou profundamente e então continuou:

— Sempre tive muito orgulho de você, do que você fazia, de quem você era... Eu sempre quis ser igual a você e isso não mudou, mas agora eu não posso mais... Eu sinto muito, mas eu não posso! Porque naquela noite, depois do funeral da mamãe eu... Eu sinto tanto, eu apenas perdi a cabeça. Sei que não é desculpa, mas eu juro que se tivesse tido a mente clara eu talvez não tivesse feito... Se eu soubesse... Naquela noite eu fui atrás do homem que a matou! De alguma forma consegui pegar o rastro de magia e o segui até ele. Ele se gabava pelo que tinha feito, ele... Era tão asqueroso o jeito como ele falava dela! Eu simplesmente fiz! - os ombros começaram a tremer, respiração pesada. - Pensei que tinha pensado em tudo, pensei que tinha tudo sobre controle e juro que me senti enjoado depois de... Depois de matá-lo. Eu não queria mais fazer qualquer coisa parecida, eu juro que queria que tivesse sido a ultima vez, mas eu me esqueci como as pessoas daquele lugar davam mais valor a dizer tais detalhes para as gangues da região do que para a polícia! E quando eles apareceram... Você não estava em casa, Pap estava dormindo e... Eles disseram que precisavam de alguma coisa para compensar a perda! Eles iriam machucar Pap e eu... Eu simplesmente não poderia permitir algo assim!

Gaster escutou, atônito, cada palavra que jorrava da boca de seu filho, quase sem voltar a tomar fôlego para continuar. Frisk o encarou com atenção, procurando em cada detalhe de suas feições alguma coisa que pudesse indicar o que estava sentindo naquele momento, mas ele era tão estoico quanto Sans e apenas deixou transparecer a surpresa, fato facilmente compreensível. Ele estava apenas a ouvir que seu filho tinha se tornado um assassino fora da lei, o mesmo filho que conviveu com ele durante todos os dias em um período de vinte e seis anos e, apesar de obviamente ter notado detalhes estranhos em suas atitudes, nunca tinha dado conta de que poderia se tratar de uma história com tal profundidade.

— Tive tanta vergonha do que estava fazendo que não conseguia mais agir como se nada estivesse acontecendo perto de vocês. Eu tinha medo que descobrissem e... Simplesmente não queria nem pensar! Eu juro que muitas vezes pensei em pedir ajuda, mas eu não conseguia dizer nada para você! Não tinha coragem de dizer o que eu estava me tornando e como isso poderia decepcionar você! E tudo foi ficando tão estranho, tão distante... Comecei a pensar que talvez fosse o melhor, mas eu era egoísta de mais e não conseguia simplesmente largar nossa família, mesmo que fosse para impedir que eles chegassem em vocês! Juro, juro que se tivesse a chance eu concertaria tudo! Eu mudaria o que fiz! Mas... Eu sinto muito! Sinto muito!

E novamente ele chorou tão abertamente como nunca antes Frisk imaginou vê-lo fazer. E era complicado de se imaginar, um verdadeiro choque em sua perspectiva. Sans era um personagem deveras duro, apesar de sua depressão evidente, insistentemente mascarada por seu senso de humor duvidoso, ele nunca se deixou cair ao ponto de derramar lágrimas com pessoas ao redor e a morena não sabia se sentia-se perturbada por presenciar ou comovida por ter certeza de que sua presença era de confiança o suficiente para ele se deixar cair daquela maneira.

Mas o assunto ainda não tinha terminado e precisava de uma resposta para o outro lado. Seus olhos caíram sobre Gaster, ainda preso em uma expressão de surpresa, observando seu filho o qual por anos não viu chorar. E era que diversas emoções lhe passavam, ele não sabia ao certo como deveria reagir. Não culpava Sans, e talvez fosse errado de sua parte, tanto como pai assim como pessoa, dizer que estava feliz e aliviado ao saber que o desgraçado que lhe tinha tirado sua amada esposa agora apodrecia no inferno. Ele estaria mentido se dissesse que ele próprio não teve essa vontade na época, principalmente pelo fato de nunca ter sido encontrado, agora tendo bem evidente o motivo por tal, mas ele tinha dois pequenos para cuidar e precisou colocar seu desejo por vingança bem no fundo de sua alma, concentrando-se no mais importante.

Contudo, saber no que aquilo havia acarretado para o pequeno e sorridente garoto, tornando-o aquilo que tanto odiava, gerava-lhe uma tristeza que não poderia ser medida, junto ao arrependimento de não ter reparado mais cedo para ajudá-lo, para orientá-lo e talvez ter arrumado uma forma, juntos, de resolver o problema para agora ele ter uma vida melhor. Para não dizer uma pequena pitada de orgulho, pois apesar de todos seus pesares e erros, Sans evidentemente pensou em sua família e suportou até o ultimo instante para que nada pudesse lhes acontecer. Talvez não fosse a melhor forma, mas ainda era uma tentativa. Claro, como pai ele não apoiava as atitudes tomadas e sentia-se irrequieto ao saber que seu filho era uma espécie de marginal fora da lei, ainda assim seria cuspir em seu sacrifício ao julgá-lo.

Com um sorriso triste, porém carinhoso, ele voltou-se para Frisk, assinando as palavras que evidentemente queria que fossem transmitidas para o rapaz o qual tentava consolar, um tanto hesitante. Afinal, como tratar alguém com o qual você estava acostumada a ter intimidade, quando para essa pessoa tal proximidade não existia?

— Estou orgulhoso de você, mesmo que não apoie boa parte de suas atuais ações eu percebo que foi sempre na intenção de manter eu e seu irmão fora de perigo e isso é admirável. Apenas me arrependo de não ter sido capaz de perceber para que pudesse te ajudar aliviar um pouco de seu peso... Talvez se não tivesse me focado tanto no trabalho... - Frisk traduziu, atraindo o olhar de Sans em sua pessoa, olhos que suplicavam em ter certeza que o que ouvia não era uma mentira para reconfortá-lo, chamas de esperança já brotando em meio as lágrimas cristalinas ainda acumuladas. Frisk, porém, dedicou-lhe um resplandecente sorriso. - Você sabe que eu não consigo mentir, Sans. Foi exatamente o que ele disse.

E sabe aquela sensação de alívio quando um enorme peso era lhe tirado dos ombros e você finalmente poderia descansar? Uma tranquilidade, uma paz... Era complicado expressar, mas depois de tantos anos mantendo o segredo bem escondido, com todos os pecados e dores, Sans finalmente poderia sentir como se respirar não era tão pesado. E ele sabia que não merecia, sabia que tinha tirado demasiadas vidas para ser tratado com tanta tranquilidade... Mas, porra, ele estava tão feliz! Tão feliz que tinha encontrado a compreensão e não o ódio e repulsa de seu pai.

E foi impressionante, depois de tantos anos acostumando-se a um sorriso forjado, poder finalmente dar um verdadeiro, um que era digno da criança que foi mostrada nas filmagens as quais havia acabado de ver. O fez parecer até mesmo mais jovem.

— Obrigado... - ele resmungou, quase em um chiado assobio por entre os dentes, limpando as lágrimas com a manga de sua jaqueta.

— Esse sim foi um sorriso digno do pequeno Blueberry que eu vi nos vídeos. - comentou a morena em divertimento, sentindo sua alma mais leve ao ver o apaziguar da situação. Sans a encarou com confusão.

— Blueberry?

— É. Todo azul, gordinho, você era um pequeno Blueberry quando criança. Eu me pergunto se colocarmos o lenço de volta você voltaria a parecer com ele. - ela deleitou-se com o resultado de seu comentário, observando como o albino tornava-se rubro pela vergonha de seu novo apelido. Gaster soltou o que poderia ser dito como um bufo de divertimento, em seguida apontando para a gaveta onde se encontrava o CDs. Mais ao fundo, pelo que Frisk descobriu ao olhar mais atentamente, estava um pedaço de pano amarrotado e esfarrapado, apesar de perfeitamente limpo. de um azul anil desgastado e já ligeiramente desbotado.

— Não. - o tom tinha vindo em alerta, quase como uma ordem, perfeitamente ignorada pela morena que insistiu em se aproximar, sorriso travesso em seu rosto, escapando das mãos insistentes do albino que a queriam manter distante, de alguma forma enrolando o pedaço de pano em seu pescoço da melhor maneira que conseguiu em sua posição desfavorável. Ela ainda foi capaz de sorrir com o resultado.

— Combina com o visual! Você deveria usar mais vezes, te deixa mais jovem! - riu, apressando-se em tirar uma foto com seu telefone para poder guardar como recordação. Sans, por sua vez, amuou em uma careta infantil de desgosto, tornando todo o momento mais divertido do que originalmente deveria ser. Era bom ver que tudo tinha conseguido concertar-se e terminar bem. Bom, pelo menos quase tudo, ela ainda tinha que, de alguma forma na próxima redefinição, impedir que Gaster terminasse nessa situação. - Agora você vai para o seu quarto descansar, enquanto eu vou lá para baixo preparar algo quente para você tomar. Foi emoção de mais para um dia só.

— Quer tomar o lugar de minha mãe agora?

— Sou nova de mais para o gosto de Gaster, acredito eu, então não. Talvez uma irmã ou uma amiga, agora pro quarto antes que Pap apareça e te encontre nessa situação, tenho certeza que não vai querer isso. - o cenho franzido de Sans disse tudo e antes que pudesse protestar Frisk o empurrou para fora do quarto.

Gaster observou toda a cena em divertimento, acreditando que não teria reclamado nem um pouco se aquela garota tivesse se tornado sua nora em algum momento em circunstâncias diferentes. Sans precisava de alguém que pudesse não apenas colocá-lo na linha, como também ser tão companheiro como aquela garota estava a ser.

"Vai cuidar bem dele?" perguntou o mais velho assim que a atenção da garota novamente voltou-se para sua pessoa.

— Tenha certeza disso. - ela dedicou-lhe um sorriso brilhante que, por instantes, recordou-lhe o de sua própria esposa quando se encontraram pela primeira vez, em seus anos de faculdade. Aquilo, por algum motivo, trouxe-lhe tranquilidade para sua alma. - Posso lhe pedir um favor, em troca? - o homem ergueu uma sobrancelha, confuso com a mudança de tom da garota, rosto caindo em uma súbita seriedade. Ele consentiu, um tanto curioso e hesitante. - Me disseram que um lugar muito importante está em algum lugar onde você está preso agora. Por algum motivo eu não consigo ir até lá, apesar de naturalmente ter sido capaz por muito tempo, então não sei o que está acontecendo. Você poderia procurar para mim? Não deve ser difícil de encontrar, sendo um lugar mais ou menos iluminado com dois botões flutuantes em amarelo escrito Reset e Continue. Só preciso que veja o que está acontecendo lá, mais nada.

O homem a encarou, intrigado com seu estranho pedido. Aquela era uma criança deveras estranha, se seu filho guardava segredos, ela era uma pequena caixa de mistérios bem loucos. Gaster escutou durante muito tempo sobre a criança adotada de formas peculiares pelos Dreemurs, Asgore era seu melhor amigo e constantemente estava a orgulhar-se de seus meninos, sejam de seu sangue ou não. No entanto, a garota que ele conheceu, aparecendo em sua casa e apresentando-se como amiga de seu filho mais novo, não parecia em nada com a sorridente e esperançosa criança a qual lhe foi descrita. Seu olhar era velho, cansado, quase como se tivesse vivido um século ao invés de quase poucas duas décadas. E agora com esse pedido estranho, conhecendo um lugar que estava fora dos limites do tempo espaço, de descrições tão precisas e suspeitas...

E mais do que qualquer coisa ele consentiu a seu pedido por mera curiosidade. Se aquele lugar existia mesmo no espaço escuro onde ele estava preso naquele momento então não deveria ser muito complicado de se encontrar. Um ponto brilhante no mar de escuridão, deveria ser simples, não?

E assim ele desapareceu, sua magia já tendo prolongado de mais sua imagem naquele plano, não que se arrependesse apesar de sua verdadeira vontade fosse a de poder tocar em seu filho para consolá-lo, ele ainda foi capaz de falar com ele de alguma forma. No entanto, manter-se ali gastava uma quantidade absurda de magia e ele ainda pretendia voltar em algum outro momento. Frisk o observou desvanecer-se como um fantasma, cores novamente sendo repostas no lugar onde anteriormente encontrava-se cinzento

Com um suspiro a morena arrumou os CDs cuidadosamente dentro da gaveta, desligando a televisão e o aparelho de reprodução para finalmente dedicar-se a descer para a cozinha para esquentar um copo de leite para Sans. Era uma solução um tanto infantil, no entanto eficaz, afinal, ele era a medida perfeita para tranquilizar qualquer um a ponto de fazê-lo dormir. No caminho ela conferiu seu telefone, apenas para perceber várias chamadas e mensagens perdidas de sua irmã juntamente com algumas de sua mãe. Ela sabia que não poderia evitar Chara para sempre, nunca poderia saber quando a próxima redefinição estava por vir e definitivamente passar meses fora de casa estava fora de cogitação, de algum modo Chara a encontraria e a forçaria a contar o que estava acontecendo. Frisk teria que arrumar alguma maneira de contar, sem realmente colocar em tópico todos os detalhes.

Não havia a necessidade de saber se tudo posteriormente seria esquecido. Frisk estava cansada de se repetir.

Enquanto mexia-se pela cozinha, sabendo perfeitamente onde encontrar tudo o que precisava de tantas vezes que já tinha estado na casa, dedicou-se a marcar o numero de Diana em seu celular, bem sabendo que precisaria informar que nem ela e nem Sans iriam para a cede naquele dia. Ela por conta de seu trabalho e Sans para que pudesse colocar alguém para controlar Ralph. Como já tinha sido dito o albino não necessariamente precisava ir até lá, no entanto ele ainda permanecia comunicável para algum problema, dessa vez não seria o caso. Frisk iria limitar qualquer contato com o mundo do lado de fora por aquele dia, para que ele pudesse se acalmar e organizar as ideias em mente. Contudo ele já tinha agido de forma estranha pela rua e, se por acaso Ralph arrumasse uma maneira de descobrir sobre isso, era uma ameaça que Frisk gostaria de antecipar.

Você não deveria estar na aula, garota? - a voz de Diana a cumprimento do outro lado da linha, assim que a chamada havia sido atendida. A morena não conseguiu conter o pequeno sorriso que se desenhou em seu rosto. Diana sempre seria uma demonstração de instinto maternal para aqueles que gostava, mesmo que fosse uma mulher deveras assustadora quando precisava.

— Tive alguns probleminhas no começo dessa manhã e vou precisar de sua ajuda para manter um olho atento em algumas pessoas aí na gangue por mim. - o copo foi para o micro-ondas, marcando um tempo de não mais do que dois minutos. - Carl está com você?

Sim, ele está comigo. Já fechamos a porta para que ninguém escute. Você sabe que a linha pode estar sendo gravada, não é?

— Alguém arriscaria a fazer isso com você depois da ultima vez que percebeu que estavam vigiando suas ligações? - perguntou em divertimento, apesar do verdadeiro resultado de tal ocorrido não tivesse sido dos mais agradáveis. Foi uma das vantagens de ter entrado meses antes, Frisk conseguiu observar acontecimentos que antes haviam lhe escapado. Diana riu do outro lado, em concordância.

Fale o que precisa, Anjo. São raras as vezes que me pede um favor, deve ser importante.

— Quero que fique de olho em Ralph. Eu sei que ele está ansioso para jogar mais alguma coisa contra Sans e esse vai ser o pior momento. Ele não está bem, Dee-dee, não posso dizer o motivo, mas pode levar um tempo para colocar a cabeça de volta no lugar e para isso ele precisa ficar longe de estresse. Eu tenho certeza que se esse... - Frisk respirou fundo, tentando não amaldiçoar. Era complicado quando se sabia perfeitamente a índole de quem estava lidando. - Se ele descobrir vai usar isso como vantagem. Por isso preciso que fiquem atentos a qualquer atividade estranha dele. Se puder avisar outros eu agradeceria, quanto mais pessoas para observá-lo, mais fácil vai ser para saber se ele trama alguma coisa. Não precisa dizer nada sobre o que está acontecendo, apenas dizer que é um favor meu.

Mais de um está disposto a ajudá-la, Anjo. Seu nome está sendo tão influente como o de Sans. - Carl comentou, Frisk poderia muito bem deduzir o sorriso em seu rosto apenas pelo seu tom. - Mas você sabe, querida, que se ele se ausentar de mais vão começar a pensar...

— Só preciso de hoje. Vocês o conhecem, vai voltar ao normal rápido, é apenas que essa vez a situação foi um pouco mais pesada... - era um jeito de resumir. Ela não poderia garantir, porém, que o albino realmente se sentiria melhor no dia seguinte, mas era uma esperança que poderia ter e que ela tentaria a todo custo realizar.

Não se preocupe, estaremos de olho. - Diana garantiu, aliviando em muito as preocupações que Frisk poderia ter. Era bom nunca subestimar a capacidade de arrumar aliados, a morena estaca começando a perceber como poderia ser realmente útil ter bons contatos, por mais que inicialmente não fosse essa sua intenção.

Agora, meu anjinho amor da minha vida, poderia nos dizer como exatamente você foi parar nessa situação tão... Intima com o chefinho? Quero dizer, aparentemente você caiu em um de seus problemas... Pessoais. - a insinuação e malicia era palpável mesmo para Frisk em seu lado da linha. Carl definitivamente não sabia quando perder tempo para tentar empurrar uma vida amorosa entre ela e Sans. Não importava a linha do tempo, era sempre o mesmo, e não como se realmente pudesse culpa-lo, tanto Frisk como Sans não ajudavam muito com seus flertes constantes.

— Carl, por favor, não co... - seu protestos foram interrompidos quando braços fortes envolveram-lhe pela cintura, quase fazendo-a derrubar o corpo de leite o qual havia acabado de tirar do micro-ondas, quente, um pouco mais elevado do que a temperatura de morno. Contudo, ela não se sobressaltou, corpo demasiadamente acostumado ao que estava colado a suas costas para realmente ter algum tipo de reação. Obviamente ela havia se surpreendido com a aproximação sorrateira, e ainda assim seu corpo estava acostumado instintivamente a reparar nas leves variações mágicas que Sans fazia quando caia em um atalho, mesmo que seu cérebro não as notasse conscientemente. - Eu ligo depois. - e antes de realmente esperar uma resposta ela desligou, rosto inclinando-se um pouco para observar a cabeleira branca em seu ombro. - Sans, eu disse para ir para seu quarto.

Com um suspiro cansado, Frisk deixou o copo sobre o balcão da mesa, logo abaixo da prateleira que sustentava o micro-ondas, para, apenas então, desvencilhar-se dos braços de Sans, com calma e delicadeza. Aparentemente ele já tinha se preparado para deitar, pelo que percebia por sua falta de camisa e a calça de moletom desgastado a qual usava, ainda assim ela não sabia e nem imaginava a que se devia tal demonstração de carência repentina que o levou a descer de seu quarto em tais condições. Ela simplesmente não questionou e o puxou de volta para o quarto, quase arrastando-o pela mão escadas acima,  o copo de leite em sua mão livre, bem equilibrado apesar do calor que emanava pelo vidro.

Sempre em silêncio, ela o deixou acomodar-se sobre a cama, colocando o copo sobre a cômoda ao lado e então pondo-se a arrumar a bagunça do lugar, bem ciente do olhar atento que o albino lhe dedicava com tanta insistência. Ele sempre foi muito atento a ela, talvez porque ela era uma das poucas pessoas que conseguia quebrar o padrão o qual ele estava acostumado a ver em quem conhecia, sem interesses escondidos e sempre disposta a ajudar, para não contar o fato de ter o tipo de beleza que obviamente o atraia. Apesar de que, ela bem sabia, o olhar que ele lhe dedicava agora não era referente a nenhuma dessas possibilidades. Era quase como se tentasse ver dentro de sua mente e, apenas assim, encontrar as respostas as quais procurava tão avidamente.

Quando se viu satisfeita, Frisk sorriu, obsevando seu trabalho. Não era a primeira vez que o fazia, algumas vezes, em linhas do tempo passadas, quando mantinha-se entediada no quarto de Sans, muitas vezes já tendo algum tipo de relacionamento com ele, ou simplesmente incomodada com a sujeira ela punha-se a organizar as coisas, pouco a pouco descobrindo onde colocar devidamente cada objeito para não desagradar seu proprietário. Ela não reparou, porém, como isso poderia ser estranho agora.

— Bem, você deveria tentar dormir um pouco. Vou estar lá embaixo caso precis... - a mão em seu pulso a deteve antes que realmente pudesse se dispor a mover-se para sair. Seus olhos dourados recaíram nos azuis apenas para encontrar uma enorme confusão salpicada de curiosidade latente.

— O que é você? - ele perguntou, pausadamente, olhos nunca deixando os dela. Uma pergunta estranha, principalmente por ter usado o termo "o que" e não "quem". Por tal ela não respondeu e esperou que ele continuasse a elaborar sua pergunta. - Não importa o quanto eu pense, suas atitudes são estranhas. Sempre parece que... Você sabe exatamente o que vai acontecer, com quem está lidando e como deve agir. Você vai para dentro de uma gangue, sem obviamente nunca ter estado lá e parece conhecer tudo o que acontece lá dentro. Você se envolve com pessoas que teoricamente deveriam ser todo tipo de escoria da sociedade como se fossem velhos amigos, sempre sabendo o que dizer e fazer para envolve-los na palma da sua mão, como se os conhecesse desde sempre. Você conhece toda a cidade e quase todas as pessoas, mesmo quando elas mesmas não te conhecem. E como se isso não bastasse você sabe muito mais sobre tempo e espaço do que uma garota simples do ensino médio deveria saber. Trata tudo com tal naturalidade que é até mesmo assustador! Mesmo lá embaixo, quando te abracei, você nem ao menos se incomodou, agiu como se fosse normal. Você mesma disse que me conhecia, mesmo tendo tão pouco contato você sabe como eu vou agir ou o que eu estou pensando simplesmente me encarando nos olhos. Por isso eu pergunto o que é você?

E ela tinha deixado muito óbvio, não tinha? Todo o descuido por sua parte jogado em sua cara e acusando-lhe de seus próprios erros. Durante toda aquela linha, esquecendo-se da prudência, consumida pelo sentimento estranho em sua alma que prontamente se identificou como uma mudança no cronograma o qual ela não tinha causado, uma falha. E era obvio também que Sans, acima de todos, iria notar, porque, assim como ela havia colocado diversas vezes, ele sempre foi atento a ela, independente do motivo.

Agora, porém, não lhe cabia lamentar seu erro, mas sim saber se deveria dizer ou não a verdade.

De qualquer forma ela não sabia mentir e duvidava que Sans a deixaria ir tão facilmente depois de ter tantas duvidas em sua cabeça acumuladas desde que a conheceu. Deveriam ter sido meses coletando os pequenos detalhes, meses questionando-se o que ela escondia, até aquele momento, o momento onde ele deve ter reparado que não se tratava de um vazamento de informações para uma espiã, mas a simples estranheza de uma garota que deveria estar escondendo detalhes muito mais obscuros do que ele teria imaginado inicialmente.

Suspirando mais uma vez, ela ergueu o queixo, encarando de forma solene, sorriso fraco no rosto, pronta para deixar escapar o que fazia tempos que não contava. Talvez não fosse a escolha certa, mas ela estava cansada de mais para pensar em algo melhor.

— O que você acharia se eu dissesse que existe uma forma de voltar no tempo? Um poder capaz de brincar de criar linhas temporais?

— É impossível existir uma magia que controla o tempo dessa forma. - Sans estreitou os olhos, encarando-a com desconfiança, mas novamente ele não encontrava mentiras. Frisk estava séria, apesar de visivelmente cansada. - Nunca houve qualquer relato de magia que tenha algum poder sobre o tempo.

— Não sei se pode ser chamado de magia, mas com uma alma determinada vem o peso do controle do tempo. Tão facilmente como é para mim respirar eu posso resetar o mundo e fazê-lo começar desde um determinado ponto. Mais ninguém vai lembrar, a não ser eu. Mudando tudo que eu quero, tudo que fiz de errado. É um poder assustador, não é? - e ela sorriu com tristeza. Era um poder perigoso, um que ela não queria mais, um que ela estava cansada de ter que sofrer as consequências. - Dessa vez eu me descuidei... Sinceramente eu não me importo muito, não é como se as pessoas reparassem muito em por que ou como eu sei determinadas coisas, na maioria das vezes ela simplesmente relevam. Mas acho que extrapolei um pouco no descaso nessa linha...

— "Nessa linha"? Você só pode estar brincando! Quantas vezes isso aconteceu?! Quantas vezes eu passei por isso?! Quantas vezes passamos por tudo isso?!

— Se fala do que aconteceu com Gaster, essa foi a primeira. Normalmente apenas minhas ações influenciam em mudanças no cronograma, mas dessa vez não foi assim. Eu não entendo porque ele simplesmente decidiu mexer com o tempo, mas se digo que brincar com ele é perigoso é porque eu tenho experiência com isso. - ela não se importou que seu pulso estivesse sendo segurado com força além do necessário. Ela não se importou com o olhar acusador que lhe foi lançado, ou com a fúria visível nos olhos azuis. Ela sabia seus pecados e sabia o que merecia.

— Então por que não volta?! Por que ao invés de assistir todo esse show você simplesmente não voltou e concertou?!

— Porque eu não posso e acredite, se eu pudesse, já teria feito. - seus ombros caíram, o olhar se perdeu em algum ponto qualquer do chão, alma novamente pesando ao recordar sua situação. Ela gostava de relevar, mas agora que teria que pronunciar em voz alta o que acontecia parecia que todo o desespero emocional que sentiu voltasse com todas as forças. - Acredite quando digo, Sans, eu não quero voltar no tempo. Eu não quero repetir os mesmos dias uma e outra vez como está acontecendo recentemente. Eu quero apenas seguir minha vida, viver momentos que eu não conheço. Mas alguma coisa está acontecendo e o mundo está voltando uma e outra vez e apenas eu me recordo. Eu vivo esse mesmo ano mais de setenta vezes. Não importa o que eu faça essas voltas no tempo não querem parar!

— "Mais de setenta"? Como... Como assim você não controla mais? O poder não é seu?

— Eu não sei. O mundo simplesmente se refez em outubro desse ano e voltou para o começo do meu terceiro ano, no dia dois de setembro do ano passado! E isso vem se repetindo uma e outra vez sem que eu possa fazer nada para parar!

— Por que então não pede ajuda?! Se isso está acontecendo realmente deve ter alguém que saiba como resolver! Você sabia que meu pai mexia com magia, por que então... - Frisk soltou uma risada amarga, seu cansaço nunca sendo tão evidente. Quantas vezes ela tinha, afinal, tentado contar para Sans? Gaster? Asriel? Chara? Quantas vezes tinha gritado por ajuda sem que nada mudasse? Sem que pudessem fazer qualquer coisa antes do mundo ser refeito novamente e ela ter que convencê-los de novo e de novo?

— Acha que eu não tentei? Eu procurei você, eu procurei Gaster, mas não importa se eu consegui convencê-los ou não, nada vai mudar! O mundo vai voltar para o dia dois de setembro e eu terei que começar tudo de novo. Mesmo Chara, que é a mais fácil de acreditar em mim, não pode fazer nada para ajudar. Sem conseguir acessar o menu onde os controles estão eu não posso ter como controlar as redefinições. - as lágrimas começaram a se acumular, todo o desespero novamente invadindo suas emoções com cada palavra. Isso porque ela já tinha tido uma conversa semelhante com Sans, bem no começo de toda a confusão, tentando, com todas as suas forças, convencê-lo que ela estava a dizer a verdade. E era tão frustrante! - Na melhor das expectativa todos acreditam em mim, mas ainda existem linhas em que pensam... Eu cansei, Sans. Cansei de me repetir, de ser mandada para centros de ajuda, de não ter apoio. Mesmo que minha irmã esteja do meu lado, muitas vezes, não dá pra impedir de acharem que estou louca. Então eu parei de tentar e procurei resolver a situação por mim mesma. E, como pode ver, não estou tendo grandes avanços.

E era uma história complicada de se engolir. Viagens no tempo? Um mundo constantemente em loop de acontecimentos? Onde apenas uma pessoa tinha conhecimento de tal? O quão louco isso poderia ser? Mas seu pai tinha se perdido em um lugar fora do tempo espaço, então por que não um poder de controlar o tempo fora de controle?

E, avaliando melhor a animada e altruísta garota que tinha a frente, ele poderia ver o quão exaurida ela estava. O quão desesperada e desamparada... E ele sentia-se mal, por algum motivo ele sentia-se mal por não conseguir entender ou compartilhar de tal dor. Sua alma encontrava-se divida em tantos loucos sentimentos que ele não realmente conseguia saber o que deveria dizer ou fazer. E no meio de toda essa confusão o único que ele conseguia pensar era:

— E por que não desiste? Por que continuar insistindo em ajudar, em conhecer as mesmas pessoas, em acabar com o problema? Se não consegue entrar uma solução por que continua tentando?

E a resposta foi tudo o que ele menos esperava. Primeiro recebeu o sorriso brilhante, embebido pelas lágrimas que começavam a escorrer para em seguida escutar, da forma mais sincera que jamais escutou, as seguintes palavras:

— Porque eu amo a todos. Porque eu sou egoísta e teimosa e quero, com todas as forças que ainda me restam, ter uma vida com todos vocês, como foi na primeira linha do tempo antes de tudo acontecer. Porque eu não consigo, simplesmente não consigo abrir mão de todos vocês. - Frisk fungou, sua mão livre subindo para enxugar as lágrimas que insistiam em cair, por mais que seu sorriso nunca sumisse de seu rosto. - Eu não quero abrir mão de ninguém porque amo a todos. Eu amo tanto, tanto... Eu não posso desistir! Por mais que possa ser uma solução fácil eu não posso! Porque se eu desistir talvez  eu perca alguém no caminho e não posso suportar isso!

Sem realmente pensar no que estava fazendo, Sans puxou a garota para seu colo, aconchegando-a em seus braços de forma que pudesse consolá-la. Com delicadeza ele afagou-lhe os cabelos, apertando-a em um abraço enquanto a deixava chorar, sem dizer uma só palavra, assim como ela havia feito com ele. Talvez ele não conseguisse compreender o que ela estava passando e talvez ele ainda estivesse confuso e cheio de perguntas, mas ele ainda pagava suas dividas. Frisk tinha ficado com ele durante todo esse momento, o viu chorar sem julgá-lo, ela o apoiou quando precisou então ele faria o mesmo por ela.

O conforto se instalou com naturalidade, nenhum dos dois envolvidos sentiu-se incomodo ou acuado com a proximidade que trocavam, mesmo que para um deles ela não fosse normal ainda. Ele não se importou, porém, deixando-se levar pela comodidade e calor que desprendiam ambos, o contato e o carinho que era brindado naquele momento inesperado o qual ambos precisavam.

E mesmo que tivesse sido seu primeiro contato mais intimo com a garota, por mais que os dois estivessem a flertar um com o outro durante todos os meses que se conheceram, tudo sentiu-se apenas... Natural, quase nostálgico. Era como se sempre tivesse tido aquela proximidade, aquele carinho um com o outro e sentia-se bem. Tentadoramente bem. Poder tê-la sentada em seu colo, cada perna posta em um lado de seu quadril, aparentando ser tão pequena em seus braços, mesmo que ele próprio não fosse muito alto. Poder acariciar-lhe os cabelos dessa forma, inalando o inebriante cheiro que desprendia deles, sentindo-se normal ao depositar um casto beijo sobre a cabeça, descendo delicadamente para o pescoço, braços sempre a envolvendo com força o suficiente para mantê-la ali. Era como se ela tivesse sempre pertencido a ele, por mais que tivesse, inicialmente, recusado-a como além de uma tentação sexual.

Ele sentia que queria muito mais. E era um sentimento totalmente novo, apesar de estranhamente familiar, para alguém que durante a vida inteira nunca procurou alguém para simplesmente se fixar.

— Ei, kid... Nós já... Nos conhecemos, não é? Quero dizer, essa proximidade, nós já a tivemos, certo? De alguma forma eu e você já... Estivemos juntos. - sem se afastar eles se encararam, primeiro para presenciar a surpresa nos olhos dourados antes de amolecerem em um calor esperançoso, feliz. E como se aqueles olhos já não lhe causassem um efeito quase de subimissão, encarando-o daquela maneira, logo agora, definitivamente o fariam ceder por completo. Jogar pela janela todo o controle que tinha e simplesmente se deixar afogar nesses sentimentos tão estranhos. - Então... Você não se importaria se eu, por acaso... - ele se aproximou, sem nunca deixar de encará-la, preso do calor dos olhos dourados, quase não sentindo os dedos pequenos acariciando-lhe o rosto, quase convidando-o a se aproximar mais. Ele tinha medo de fechar os olhos e tudo não passar de um sonho. Um estranho sonho que começou como um pesadelo. - Passar dos limites, não é?

Assim ele avançou, sem pudor algum devorando os lábios tentadores que tinha a frente, deliciando-se com o sabor que agora invadia sua boca. Ele estava perdidamente apaixonado por aquele beijo, sendo complicado para sua mente se quer trabalhar em algum pensamente coerente enquanto brincava com a língua de sua companheira a qual, descaradamente, deixando-se levar pelo momento, mordeu-lhe o lábio, puxando-o de leve enquanto se afastavam. Como resposta ele grunhiu, novamente avançando, faminto, querendo mais e mais daquele simples gesto, mãos a descer por suas costas até seu quadril, puxando-o para mais perto, apertando-o descaradamente em seu desejo tão evidente.

E ela não lutou, em nenhum momento disse para parar ou o empurrou. Pelo contrário! Ele quase se viu a perder a cabeça quando ela arranhou-lhe a nuca até os primeiros fios de cabelo puxando-o enquanto gemia contra sua boca. Ela o provocava, e ela sabia como provocá-lo, sabia onde tocá-lo, sabia como mimá-lo da forma como mais gostada e ele não sabia se deveria se assustar ou simplesmente se deixar levar pelas carícias.

Devagar ele subiu as mãos para dentro de sua blusa, deleitando-se com cada pedaço de pele que poderia encontrar, puxando o tecido junto, tendo toda a intenção de retirar a irritante peça do caminho. Ele a sentiu estremecer em antecipação quando alcançou o começo de seus seios, tocando-o por cima do sutiã ainda posto, enquanto ele próprio estava ansioso pelo forte desejo de vê-la completamente exposta. Foi um desejo que por tanto tempo teve e, agora, mais do que nunca, com todas as emoções estranhas que passavam-lhe pelo corpo, estava ainda pior.

Sem esperar mais ele arrancou-lhe a camisa, por milagre o cachecol vermelho tinha permanecido em seu lugar, apesar de completamente desengonçado e desarrumado, prestes a se desenrolar do pescoço da morena. Ainda assim ele não se importou, a visão da pele morena e convidativa a sua frente era mais interessante, sentindo-se lamber os lábios, sorriso malicioso começando a se esticar por seu rosto.

Apressado, forçou-a a se manter de joelhos, erguendo-se um pouco acima de sua altura ainda a permanecer em seu colo, sem afastar um milímetro se quer. E assim ele começou seu percurso, primeiro beijando-lhe com paixão, em seguida escorregando para seu pescoço, passando pela mandíbula. Não poupou, em nenhum momento, cada parte de pele que entrava em sue caminho, deixando marcas em cada região que conseguia alcançar, mordendo e chupando, garantindo de deixar bem claro que ele, no momento, era o que tinha o direito de tocá-la. E, apesar de todo seu envolvimento na situação, sua mente nublada pelo desejo, ele ainda procurava manter um certo cuidado em seus gestos. Contudo, ainda existiam determinadas situações as quais era complicado manter o controle sobre si mesmo.

Ele tinha chegado a curva do pescoço, prestes a descer para o ombro. O lugar, porém, deveria deter uma sensibilidade a qual ele não conhecia, mas posteriormente deveria se lembrar, gerando um pequeno espasmo na morena, a qual, por consequência, empurrou um pouco mais o quadril contra o seu em um pequeno salto. Sua região pélvica estava sensível, por assim dizer, foi um mero reflexo que o levou a morder com mais força, seus dentes pontudos perfurando a carne sensível de forma leve, mas ainda evidente o suficiente para pequenas gotas de sangue conseguiram escapar. Frisk gemeu, uma mistura de dor e prazer, e ele não poderia negar, foi excitante.

Com um casto beijo como pedido de desculpas e um afagar delicado em seus cabelos atrás da orelha como indicativo de que estava perdoado, ambos continuarem.

Era engraçado como não precisavam realmente de palavras, ao mesmo tempo que, para Sans, era assustador. Aquela garota... Ela o conhecia o suficientemente bem para conseguir passar exatamente o que queria para ele e compreende-lo com apenas o uso de gestos simples, toques singelos e mudos.

Dedos ágeis e experientes abriram o fecho do sutiã, jogando-o para um canto qualquer do quarto enquanto a boca, já sedenta, começava a brincar com um dos seios, uma das mãos encarregando-se do outro, puxando e retorcendo o mamilo já sensível, deleitando-se com os sons que conseguia arrancar. Sua mão livre desceu pela coluna até a barra do short, puxando-o um pouco para baixo, sentindo o estremecer do corpo da garota debaixo do dedilhar experiente de seus dedos a procura de pontos sensíveis, querendo novamente causar-lhe espasmos que a fariam pular em seu colo.

Sem saber exatamente quanto tempo se manteve a brincar, apenas foi forçado a realmente parar quando as mãos da morena, anteriormente focadas em seu cabelo, o empurraram para baixo, deitando-o em sua própria cama enquanto ela mantinha-se sobre seu colo, corpo erguido a encará-lo desde cima. Ele nunca tinha visto tal sorriso em seu rosto, e, deveria dizer, o agradava completamente. Toda aquela malicia e desejo direcionadas apenas para ele, faziam seu coração dar voltas em seu peito como um louco.

E Frisk sabia o que fazer. Ele a havia ensinado como deveria tocá-lo de forma a agradar.

Com uma das mãos, apoiando-se na outra, ela delineou o rosto do albino, descendo até seu queixo, puxando-o em uma caricia leve em sua barba para um beijo profundo. Um no qual ela utilizou de tudo o que sabia para distrair-lhe a mente. Mordendo-lhe o lábio, sugando-lhe a língua, tomando o controle da situação enquanto rebolava o quadril contra o dele, sorrindo contra o beijo quando o escutou grunhir em um ofegar abafado, mãos a descer para seu quadril, apertando-o com tal força que ela juraria que ficaria marcado.

Em um sorriso zombeteiro ela puxou as mãos dele para colocá-las sobre sua cabeça, prendendo-o pelos pulsos enquanto deliciava-se com seu pescoço, começando no lóbulo da orelha onde brincou um pouco. Ela sabia que ele não gostava de mordidas, então ela procurava evitar utilizar dos dentes, em compensação, entretanto, para lhe deixar marcas visíveis, suas unhas faziam o trabalho, traçando um bonito vermelho em todo seu braço, desde o pulso até a escápula. Alguns arranhões tão profundos que prontamente tornavam-se vergões elevados, outros a conseguir abrir pequenos machucados em seus braço.

Lentamente ela desceu, deixando marcas durante todo seu percurso até encontrar-se com o rosto de frente a virilha do rapaz, ofegante a encarar-lhe com um sorriso sabendo. Antes que ele pudesse ter a chance de comentar qualquer coisa, porém, ela avançou, língua e lábios fazendo o trabalho. Ela divertiu-se com o gemido evidente do albino, o qual jogou a cabeça para traz, mãos apertando os lençóis de sua cama e descendo para os cabelos castanhos, agarrando-os com força, sem saber se deveria puxar ou empurrar.

Sans soltou um grunhido gutural quando Frisk se afastou, um pouco antes de finalmente ceder. Ela sentou-se novamente sobre seu quadril, o que também não lhe ajudava muito em seu estado, e sorriu com inocência. Definitivamente estava brincando com fogo...

— Q-quantas... - ele ofegou, ainda sem conseguir conter nem sua respiração acelerada nem o coração louco em seu peito. Engolindo em seco, tentou continuar: - Q-quantas v-vezes... Nós f-fizemos isso a-antes, Kiddo?

— Mais do que posso contar, Chefe. — oh, ele iria ficar louco. O arrepio subiu por toda sua coluna quando a escutou dizer aquela simples palavras, uma simples palavra em tal entonação. Ele a desejava como um louco, seu corpo queimando a pedido de mais contato, mais intimidade, o animal em sua alma o arrastando para a insanidade de tanto desejo. Precisava de mais. - Mas sabe... Tem uma coisa que não tentamos ainda e eu queria... Experimentar. Mas... É um tanto... Intimo de mais.

Ele ergueu uma sobrancelha, observando com curiosidade o rubor no rosto da garota tornar-se ainda mais evidente.

— Mais do que estamos tendo agora?

Como resposta ela tocou o próprio peito, fazendo sua alma saltar para fora em um brilho vermelho intenso, apesar de visivelmente estar desgastado, maltratado. Era uma alma envelhecida, cansada, apesar de toda sua evidente força. Com um mover de lábios evidentemente demarcando um "oh" em compreensão ele fez o mesmo, sua alma de brilho azulado agora pairando sobre sua mão, entre os dois juntamente com a alma vermelha.

Era uma ação deveras intima de mais. Almas eram a materialização da essência da pessoa, todas as suas memórias, caráter, pensamentos, ela era o acumulo de tudo o que significava estar vivo, tudo o que formava a pessoa. Deixar outra pessoa tocá-la era quase o mesmo de ter relações sexuais, talvez um nível a mais. Era se expor por completo. Ainda assim, nenhum dos dois realmente hesitava ou constrangia-se pelo momento. Era como se tal intimidade já existisse e eles não tivessem nada o que esconder, eles não temiam um ao outro e se aceitavam de forma tão profunda que era refletida em seu subconsciente, em suas almas.

Com cuidado, Frisk tomou a alma azul em suas mãos, sentindo como era refrescante, emanando, não calor, mas uma sensação fria, como uma sombra em um dia quente de verão. Tranquilidade, calma e paciência. Essas eram as características que marcavam aquela alma. Ao mesmo tempo que escondia, em algum recanto qualquer, um poder perigoso, uma fúria e insanidade que só eram controlados por conta de sua compreensão sobre si mesmo. Era uma alma pesada, cheia de culpa e tristeza, uma alma carregada de tantos sentimentos negativos quanto positivos, que tentava se manter inteira.

Aquele era Sans.

Impulsionada por um sentimento complicado de descrever ela aproximou a alma de seu rosto, tocando-lhe com os lábios em um singelo beijo, tão leve que quase não poderia dizer que havia encostado. Ainda assim o suficiente para transmitir uma corrente elétrica estranha para seu portador, um estranho prazer que tremeu todo seu corpo.

Ele a derrubou sobre a cama, o resto de suas roupas ainda postas sendo jogado em um canto qualquer do quarto. Suas almas flutuando entre ambos, demasiadamente próximas.

Tentando manter o controle, mesmo com o estranho prazer que lhe percorreu ainda nublando-lhe a mente, Sans aproximou seu rosto do da morena, uma de suas mãos a sustentar o corpo enquanto a outra acariciava os cabelos castanhos, pronto para penetrá-la. Ele aproximou-se um pouco mais, empurrando sua alma contra a dela, o contanto passando arrepios para ambos que agarram-se com desespero, procurando manter-se perto. Uma necessidade latente a qual não poderiam explicar.

O beijo feroz veio junto ao mover de corpos, almas fundindo-se ao mesmo tempo, trazendo mais prazer do que ambos jamais haviam sentido em suas vidas. Azul e vermelho tornando-se roxo em meio ao ato, todo o quarto transformando-se em uma cacofonia de gemidos e gritos sem ritmo, intensificando-se de acordo com o momento. Eles simplesmente se perderam em seu próprio mundo, jogando-se na intimidade e proximidade que tinham, esquecendo-se do tempo que transcorria sem parar, das pessoas e dos problemas. Só existiam eles e mais nada.

Movimentos ferozes um contra o outro, abusando de toda a flexibilidade de seus corpos, sempre procurando mais contato, mais fundo, mais forte, mais rápido. A fusão de suas almas tornou tudo mais intimo, de um jeito tão profundo que não poderiam realmente entrar em palavras, cada sensação sendo compartilhada e multiplicada, cada gesto transmitindo perfeitamente o sentimento que queria passar, compreendendo-se em um escala muito maior do que poderiam um dia imaginar.

Não sabiam exatamente o tempo que haviam levado, cansados se deixaram cair sobre a cama desejando apenas dormir. A separação das almas tornou-se quase doloroso, um vazio estranho, saltando para dentro dos corpos os quais pertenciam, permanecendo com o desejo de mais.

— O mundo ainda vai voltar no tempo? - Sans perguntou, sonolento, braços bem apertados entorno da morena, escondendo seu rosto em suas costas.

— Provavelmente. Eu não consigo saber quando, mas sempre acontece. - Frisk respondeu em confusão.

— Eu não quero me esquecer disso... Não quero me esquecer de você...

Com um sorriso triste Frisk apertou-lhe a mão, entrelaçando os dedos da melhor forma que conseguiu encontrar na posição em que estavam.

— Eu também não quero que esqueça, Sans. - resmungou, mais para si mesma do que para o albino à suas costas, deixando-se, por fim, cair no sono.

Não soube exatamente por quanto tempo esteve dormindo, se era manhã ou tarde, se estavam no dia seguinte ou não e talvez também não importava. Sua alma ainda sentia-se um tanto estranha, corpo cansado e um tanto dolorido, presa em braços fortes que não a queriam deixar se mover.

Ainda atordoada, embriagada pelo sono, tentou se levantar, apenas para ser frustrada e puxada de volta para a cama, corpo reclamando por cada movimento que fazia. A procura do culpado, seus olhos caíram no albino ainda dormido a seu lado, rosto contorcido em uma careta de desgosto enquanto a abraçava com força, obviamente inquieto. Um pesadelo, provavelmente. Não era a primeira vez que ela o via com tal problema, agora bem ciente dos medos os quais convivia todos os dias e que justificavam seus terrores noturnos.

Sorrindo com carinho, aproximando-se devagar, depositou-lhe um casto beijo sobre os fios brancos, sussurrando-lhe que tudo estava bem, que seu irmão estava seguro e não tinha que se preocupar. Ela estava ali com ele e nada iria acontecer.

Quase imediatamente o rapaz relaxou, rosto voltando a tornar-se tranquilo, braços afrouxando seu aperto entorno de sua cintura permitindo-lhe escapar para fora da cama, bem a tempo de escutar seu estomago a reclamar pela fome. Realmente ela não recordava-se de ter se alimentado no meio de toda a confusão que se desenrolou, talvez não fosse uma má ideia descer e pegar alguma coisa para comer, Pap não se importaria e Sans parecia que não iria despertar tão cedo.

Ainda dolorida ela se levantou, tentando evitar rir alto de mais quando Sans resmungou em protesto em seu sono. Com um ultimo afago em seus cabelos brancos ela o deixou, pegando debaixo da cama sua jaqueta preta com detalhes em vermelho e amarelo, a jaqueta dela, a qual ela sabia perfeitamente que Sans gostava de jogar ali sempre que chegava em casa, grande o suficiente para servir-lhe como um vestido como queria. Daria muito trabalho encontrar toda sua roupa pelo quarto, ela não o tinha arrumado por completo e sabia como Sans poderia ser bem sortudo em jogar suas roupas nos mais inusitados lugares do quarto quando não prestava atenção.

Despreocupada ela desceu as escadas do segundo andar, caminhando para a cozinha. Se ela bem conhecia os dois irmãos, tinha certeza que deveria ter algum resto de comida em algum lugar na geladeira, mesmo que seja apenas algum hambúrguer vindo do Grillbys, trago por Sans e obviamente desmerecido por Papyrus. Oh! E lá estava! Quase completamente escondido por algumas caixas de leite e suco. Era  o suficiente por enquanto, Frisk tinha certeza que logo deveria retornar para casa, sua mãe já deveria estar arrancando os cabelos em preocupação. Teria que pensar em alguma desculpa a dar.

Para não dizer, também, do fato de ter que começar a pensar no que fazer com o caso de Gaster. Precisava de algum plano para impedi-lo, contudo, como nunca teve muita intimidade com ele era complicado saber exatamente como... Ela tinha uma data e talvez um local, mas estar lá no momento certo e na hora certa seria complicado.

Pensativa e um tanto distraída, em suas primeiras mordidas no hambúrguer, Frisk saiu para a sala, apenas para deparar-se com Papyrus, no pé da escada, observando-a com igual surpresa com a qual ela o encarava naquele momento. Seu rosto tornou-se rubro ao instante, recordando-se como estava vestida, uma de suas mãos apertando o tecido da jaqueta a qual unicamente usava, puxando-o para baixo.

Ops?

Com um suspiro Papyrus se aproximou, olhar estranhamente sério, pesado de mais para Frisk sustentar em toda sua vergonha. Fazia quanto tempo que ele estava em casa? Teria ouvido alguma coisa? Nem deveria ser realmente necessário, apenas seu estado já era demasiadamente explicito para indicar o que tinha acontecido.

— Por que com ele, Frisk? Você sabe o problema que ele tem com esse tipo de situação. - Pap resmungou, voz estranhamente baixa, próximo o suficiente para afastar-lhe os cabelos e assim dar visão as marcas bastante evidentes e chamativas no pescoço. Seu cachecol fazia falta agora. - Não deveria ter se deixado se levar pelo momento, se foi isso que aconteceu.

— Eu estaria mentindo se dissesse que foi apenas de momento, Pap. - a garota resmungou, ainda constrangida. - Olha, não se preocupe, ok? Tenho tudo sob controle.

— Tem certeza? A ultima coisa que eu quero é que vocês dois se machuquem com isso... Ele é meu irmão e você é minha amiga. Não quero ver acabar como eu sempre vejo meu irmão terminar...

— Eu prometo a você, Pap. Tudo vai ficar bem. - ela sorriu, tentando passar a confiança que realmente queria ter. Não estava muito preocupada com sua relação com Sans, no final ela sempre acabaria sendo a única machucada por ser obrigada a lembrar depois que o tempo retornasse ao começo.

O rapaz suspirou, decidido a confiar. Se realmente desse certo, ele queria acreditar que daria, talvez toda a situação com seu irmão melhorasse.

Frisk deixou-se cair no sofá, sem apetite, observando como Pap desaparecia para dentro de seu próprio quarto. Bem, ela deveria ter imaginado que algo assim poderia chegar a acontecer, agora era tarde para lamentar. Agora deveria gastar o resto de seu tempo para pensar o que faria na próxima redefinição, mesmo que não soubesse quando ela poderia vir o quanto antes pensasse sobre isso mais cedo poderia ter algum tipo de solução.

Entretanto, obviamente, o curso de acontecimentos parecia não estar a seu favor. O som que anteriormente tinha escutado com a primeira chegada de Gaster voltou a lhe incomodar os ouvidos, todavia, em um tom tão alto que quase deu-lhe vontade de arrancar os próprios ouvidos. Toda a visão caiu em uma estática estranha e sua cabeça latejou, tudo por rápidos e insuportáveis segundos antes de finalmente ter a imagem de Gaster a sua frente, contudo, ao invés de apenas uma parte do que via estar cinza, toda a sala parecia ter perdido suas cores.

Atordoada, Frisk encarou o homem, cabeça ainda dolorida. Percebeu então que ele parecia cansado, assustado, talvez um pouco alterado, tentando de alguma forma manter-se sobre seus pés. Deveria ter usado demasiada magia para atravessar o espaço tempo.

— G-gaster? O que aconteceu? - os olhos dele voltaram-se para sua direção, vidrados e arregalados e, Frisk jurava, se fosse possível gaguejar ou embolar palavras dentro da linguagem de sinais Gaster estava fazendo exatamente isso. Mesmo ela, com anos de conhecimento e uso de tal método não conseguia compreender o que ele estava a dizer. - Acalme-se! Eu não consigo entender nada!

E ele tentou novamente.

"O lugar que você me pediu para ver, eu encontrei. Tem algo estranho... Eu não sei a certo, mas tenho certeza que está errado. O importante é que tem..."

E antes que Frisk fosse capaz de ver o resto da frase que Gaster queria dizer com tanta urgência ela "despertou". De volta a seu quarto, com seu pijama, Chara na cama do outro lado no dia dois de setembro.

O mundo tinha sido refeito.


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Notas finais do capítulo

Desculpem o tamanho, espero realmente que tenham apreciado, o proximo não vai ser tão grande e eu ainda estou tentando pensar uma maneira de realmente montá-lo...
Bem, espero que tenham gostado da playlist tbm, tem uma mistureba de banda que eu curto nela.
Até o próximo e continuem determinados!