Caçadores de Cabeças escrita por Kentaro Miyazaki


Capítulo 3
O Acidente




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Deitado na cama em um quarto de uma humilde casa encontrada em uma pequena aldeia, havia um homem que despertava devagar, este que possuía cabelos castanhos um pouco longos, e olhos azuis como diamante, seu porte físico era semelhante ao de um soldado que já houvera enfrentado diversas batalhas.

O quarto em que estava era simples, possuía uma janela próxima à cama, uma cômoda ao lado da mesma e um pequeno armário, era possível notar um casaco no formato de sobretudo com um estilo bem peculiar ao seu lado na cabeceira da cama. Conforme abrira seus olhos, pela janela logo ao lado avistava um grande moinho banhado pelo escarlate do por do sol.

O homem sentou-se na cama, estava pálido, aparentava ter acabado de sair de um sonho ruim, seu corpo estava praticamente enfaixado por inteiro, no lugar de seu braço esquerdo havia uma prótese mecânica dourada, um pouco maior que o tamanho de um braço comum, era repleto de engrenagens e parecia ter dutos de canalização de vapor, sua mão parecia muito com garras de lobo e a prótese aparentava ter sido feita especialmente para combates ao invés de usos cotidianos.

Seu olho esquerdo também estava enfaixado, ao retirar o curativo o homem percebera que era impossível enxergar mediante ele, algo houvera-lhe cegado daquele olho.

O homem estava inquieto, não conseguia se localizar, não lembrava-se do lugar que se encontrava, em realidade, não lembrava-se de absolutamente nada, nem ao menos seu próprio nome vinha-lhe à cabeça. Ele então levantara-se da cama e ia em direção à porta, ao tentar agarrar a maçaneta com sua mão direita, perdera o equilíbrio e acabou caindo no chão fazendo um enorme estrondo. Rapidamente alguém abriu a porta de maneira bem desesperada, avistando logo em seguida o rapaz caído, logo ouvira-se um grito de susto, o individuo que havia aberto a porta era uma jovem garota, carregava em sua mão esquerda um balde e em seu ombro uma toalha.

—Vovô! –Gritou a menina. –Rápido vovô! O senhor Wolfgang acordou!

—Ah, meu deus! –Um idoso rapidamente viera em direção ao quarto e avistara o homem caído no chão. –Rápido, vamos colocar ele na cama novamente.

—Tudo bem.

Após uns minutos, o homem estava deitado na cama novamente, ao abrir lentamente seus olhos, dessa vez a primeira coisa que avistara era o rosto de uma jovem moça sentada na beirada da cama.

—O que? Quem... Quem é você? Onde estou? –Diz o homem com sua voz bem fraca pois acabara de recuperar sua consciência.

—Você está na clínica do meu avô, Saibara.

O homem não fala mais nada, apenas olha fixamente nos olhos da garota e um silêncio cobre o ambiente por uns segundos.

—Ah, m-me desculpe! –A garota fica envergonhada após o breve momento que seus olhares cruzaram. –Esqueci de me apresentar, eu me chamo Sofia Saibara, muito prazer.

—Eu... Não me lembro de como me chamo...

—O que? Você não lembra seu nome?

—Eu... Não consigo me lembrar... Não consigo me lembrar de nada...

—Ah, minha nossa, perda total de memória! Não pode ser, que horrível... Ah é! Me lembrei de um detalhe. –Sofia rapidamente abre a gaveta de uma cômoda ao lado da cama e retira um cartão. –Olhe esse registro de identidade, estava no seu bolso quando o encontramos.

Sofia entrega o cartão para o homem, este o qual observa fixamente e consegue reconhecer sua foto no tal registro, e no lugar do nome está grafado “Wolfgang Reinhardt”.

—Wolfgang... É assim que eu me chamo?

—Bom, é bem provável que sim, apesar de que eu nunca havia visto um registro como esse.

O homem então vira o cartão e observa a parte de trás, acaba notando uma marcação ali, “HH”, o mesmo fica observando inquietamente aquela marca.

—HH, eu gostaria de saber o porquê de seu registro ter essa marca, pena que pelo visto ficarei na curiosidade.

O homem fica em silêncio e permanece olhando aquela marca.

—N-não! Não me entenda errado, desculpa meus modos, não quis te ofender.

—Hmpf. –O homem dá um longo suspiro, levanta-se da cama e começa a tirar suas ataduras.

—Espere, para aonde você vai?

—Tenho que ir, não posso perder mais tempo aqui.

O homem pega o enorme casaco e vai lentamente em direção à porta, conforme foi apoiando seus pés no chão acabou sofrendo um leve tropeço, porém recuperou logo em seguida.

—Pare! Você não está em condições de sair! –Exclama a menina.

O homem a ignora e continua em direção à porta, porém quando ia levar sua mão para a maçaneta a fim de abri-la, eis que alguém do outro lado a abre antes, era novamente o idoso que aparecera anteriormente.

—Por favor, espere mais um momento.

—Me dê bons motivos para isso. –O homem responde arrogantemente.

—Bom, em primeiro lugar é porque fui eu que lhe salvei, em segundo, não está em condições para sair agora, e terceiro, não gostaria de pistas sobre quem realmente é?...

—Quem, eu sou? –Wolfgang arregala seus olhos e em um repentino de entusiasmo o mesmo segura os ombros do ancião. –Sim, me conte! Quem eu sou? De onde eu vim? Como eu vim parar aqui? O que...

—Se acalme! Eu serei sincero, posso te ajudar em pelo menos lhe dizer como veio parar aqui, porém não sei muito além disso...

—Tudo bem. –Responde após ter voltado ao seu estado sereno. –Diga-me, como me achou?

—Bom, foi muito repentino, há uns dois anos atrás houve um acidente em uma base de infantaria alemã bem afastada da região urbana, ela fica em um penhasco numa grande colina há uns cinco quilômetros daqui. Ninguém sabe ao certo de que maneira ocorreu esse acidente, e nem o que de fato aconteceu, não há nenhum registro em bibliotecas e não foi divulgado nada nos jornais até hoje, porém no momento do acontecido, eu presenciei uma cena com meus próprios olhos, uma cena que jamais acreditaria se outra pessoa houvera me contado... Ouviu-se um grande estrondo, e em um piscar de olhos várias árvores da colina desapareceram como um feixe de luz, seguido disso veio um grande deslizamento de terra que se aproximava cada vez mais dessa aldeia, isso fez com que todos nós rapidamente pegássemos o necessário e fugíssemos para o mais longe que conseguíssemos...

O idoso faz uma pausa em seu relato.

—Continue, o que aconteceu depois? –Indagou a Saibara.

—Acalme-se, o que vem a seguir é algo que me causa muita angustia, estou me preparando para conseguir por em palavras a cena terrífica que eu havia visto. –O idoso pigarreou e continuou o relato. –Eu deixei Sofia nas mãos de amigos que fugiam comigo no momento e parti em direção à colina, bom, eu pensei tê-la deixado. Conforme fui me aproximando da colina onde estava havendo o deslizamento de terras, ouvi um som de remexer ao meio dos arbustos, logo então saquei um punhal que guardava em meu bolso no caso de precisar me proteger de algum animal selvagem, porém graças aos céus era um falso alarme, já sou velho, não teria condições de enfrentar sozinho um urso ou um lobo. Era Sofia que houvera balançado os matos enquanto me seguia escondida por entre eles, dei-lhe uma bela de uma bronca por ter me seguido e logo continuamos seguindo o caminho entre as árvores. Após longos minutos de caminhada, o som do desmoronamento de pedras houvera cessado, logo após acabava me deparando com o começo da colina, e ali eu avistei diversos cadáveres espalhados por ela, eram soldados que estavam ali caídos, eles estavam quase que empilhados, muitos possuíam membros degolados, eu fiquei horrorizado com aquela cena, porém mesmo assim fui de corpo em corpo para certificar se não havia alguém ainda com vida no meio daqueles. Pacientemente subi a colina checando a pulsação de cada corpo que encontrava no caminho, mas era em vão, então logo pensei em retornar para os meus colegas da vila, eis que Sofia grita-me para ver algo que ela havia encontrado, rapidamente fui a sua direção e o vi, estava deitado nos barrancos da colina enquanto gemia de dor, estava com suas roupas inteiramente rasgadas, um tapa-olho no olho esquerdo e seu braço mecânico estava danificado com as engrenagens girando incessantemente e vapores sendo expelidos dos dutos, eu e Sofia então tratamos de te carregar para a aldeia, e após chegar à mesma encontrei ela com leves estragos por causa do deslizamento, porém minha sorte é tão grande que encontrei minha clínica completamente aos pedaços, os outros aldeões estavam voltando já que o deslizamento havia cessado bem antes que o esperado, então os mesmos com o passar de semanas me ajudaram a reconstruir a clínica enquanto Sofia cuidava de seus ferimentos, porém em momento algum você havia acordado, até agora...

—Espere um momento, isso significa que estou há dois anos desacordado? E por que foi em direção ao perigo e me resgatou?

—Ora ora, uma de cada vez. Sim, faz dois anos que estava inconsciente, e bom, eu não realmente precisava de um motivo para ir para as colinas, mas se quiser que eu justifique, posso lhe dizer que é porque sou um médico, meu dever é cuidar dos doentes e feridos, e pensei que poderiam ter vários precisando de ajuda ali.

—Foi por isso que me salvou? Eu poderia ser um assassino.

—E até agora não pude comprovar que você não é. –Responde Saibara. –Afinal, pelos seus trajes, e bem... Armas que carregava consigo, só poderia pensar que fosse um assassino de aluguel ou outro tipo de mercenário.

—Arma?

—Sim, eu as guardei pra lhe devolver caso acordasse.

—O senhor é louco, como eu lhe disse, isso justifica ainda mais que o senhor não tivesse me salvado.

—Louco seria se eu não o fizesse.

Wolfgang expressa um sinal de confuso, porém permanece em silêncio.

—Entenda filho, eu realmente não me importo se você é um anjo ou um demônio, eu cuidarei de você e depois você se acertará com a justiça se for o caso. Você possui algo de precioso, isso se chama vida, e se estiver precisando eu irei cumprir minha obrigação como médico mesmo que isso ponha minha vida em risco,

—Realmente, é algo nobre de se pensar, não sei se eu seria capaz de ter uma atitude tão nobre quanto a sua.

—Ora, você realmente parece um mercenário, mas realmente ao meu ver você é um bom homem, não parece do tipo que faria mal a alguém. –O idoso abre um sorriso. –Bom, sinto muito, mas não posso te ajudar mais a fundo sobre suas memórias, mas de qualquer forma, antes que parta, irei lhe entregar seus equipamentos.

—Estou realmente muito agradecido, porém eu não tenho dinheiro algum para pagar o tempo que fiquei sobre vossos cuidados.

—Não se preocupe com isso, podemos dizer que estamos quites.

—Tudo bem. –Wolfgang confuso, estranha o fato de Saibara ter mencionado estarem quites, pois não se lembra de tê-lo retribuído de nenhuma maneira sequer, mas resolve simplesmente ignorar. –Bom, posso pegar as armas? Estou um pouco apressado para partir.

—Eu realmente acho que devia esperar mais um pouco, não está totalmente recuperado, mas tudo bem, se quer tanto partir não irei impedi-lo. Sofia!

—S-sim!

—Pegue as roupas dele.

—Tudo bem.

Porém, ao Sofia reparar no pedido de seu avô, houve-se um momento cômico, já que Wolfgang estava completamente enfaixado, trajando apenas roupa íntima e o casaco que estava na cabeceira de sua cama, e devido ao seu repentino despertar nem tivera dado conta de que iria sair da clínica praticamente despido, ao todos repararem em tal feito, Saibara deixou escapar altas gargalhadas, Sofia avermelhou-se ao perceber que estava em frente a um homem quase sem roupa, e Wolfgang ficou em silêncio em contraste às risadas de Saibara, provavelmente devido a um grande constrangimento, Sofia então rapidamente se recompôs e foi em busca das roupas.

—Espero que goste, eu mesma que as fiz. –Disse com uma voz tão doce, quiçá devido sua vergonha, entregando-lhe uma camisa de malha preta e uma calça de couro.

—Muito obrigado. –Wolfgang veste as roupas recebidas por cima de suas ataduras.

—Vamos, aqui estão seus “equipamentos”. –Diz Saibara com certa ironia, entregando-lhe uma pistola dourada, uma faca de combate em uma bainha igualmente dourada, e uma capa que aparentava ser de baixo devido ao seu enorme tamanho fechada com um cateado.

—O que tem dentro dessa capa?

—Não sei, como pode ver, eu não consegui abrir o cadeado você a carregava nas costas quando te encontrei, mas provavelmente deve ter um instrumento aí dentro.

—Bom, eu não lembro nem ao menos se sei tocar algo, ela deve ser inútil para levar em uma viagem agora então.

—Não, talvez lhe sirva de algo mais a frente, eu a levaria se fosse você.

—É... –Wolfgang a observa fixamente enquanto reflete ao fundo de sua memória em busca de lembrar algo relacionado à mesma. –Tem razão.

—Você já vai embora?

—Sim, garotinha, já estou de partida. –Houve-se um silêncio neste momento, sendo brevemente interrompido. –Muito obrigado por tudo que fizeram por mim, e me desculpe por tê-los tratado com ignorância.

—Tudo bem, garoto. –O ancião novamente solta suas gargalhadas. –Eu lhe desejo boa sorte em sua viagem, e por favor, se precisar de alguma ajuda, pode contar conosco.

—Moço! Er... Eu... Por favor... –Sofia tenta falar com Wolfgang, porém está tão constrangida que gagueja varias vezes até finalmente conseguir. –Por favor... Quando se lembrar de tudo, você promete vir nos visitar de novo?

—Sim, eu prometo.

Então em um pequeno momento, os três ali presentes se olhavam em silêncio, cada um com um sorriso em seu semblante, naquele momento por algum motivo Wolfgang mesmo confuso, sentia um calor subir em sua alma, como se estivesse ao lado de sua família, e por algum motivo, Saibara e Sofia compartilhavam do mesmo sentimento, porém este lindo momento foi interrompido por um grande som de cavalaria vindo de fora.

—Não acredito, eles já vieram?... Sofia, se esconda com o jovenzinho, eu irei.

—Mas vovô...

—Faça o que eu lhe mandei!

—Ta... Vem comigo. –Sofia leva Wolfgang para o sótão da casa, enquanto Saibara vira-se de costas e vai em direção à porta.

—Vovô! –Saibara se vira para Sofia novamente. –Tome cuidado...

—Não se preocupe, minha netinha.


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