Duas Moedas escrita por Seto Scorpyos


Capítulo 2
Capítulo 2




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O moreno abriu a porta, visivelmente constrangido. O pediatra entrou e olhou em volta, curioso. O pequeno apartamento estava frio e úmido, e tinha poucos móveis. Apesar da extrema simplicidade, limpo e bem cuidado.

— Não temos muito... a doença de Leo... – Levi parou, envergonhado e olhou em volta – Não tenho como trabalhar com regularidade...

— Não se preocupe com isso, Levi – Natan comentou, solícito.

— Sente-se. – o moreno ofereceu, inconscientemente colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha.

Natan abriu o sobretudo e sentou-se. Levi sentou-se de frente a ele, olhando-o com expectativa.

— E Lucas? – o pediatra perguntou, educado.

— Está trabalhando no jardim do coronel, aqui ao lado – o homem respondeu, baixando os olhos – ele sempre vai quando volta da escola... eu disse que não precisava, mas...

Encolheu os ombros, sem conseguir encontrar as palavras. O pediatra o encarou com um olhar admirado.

— Seu filho é um homem impressionante. – disse, sério.

Levi sorriu, pesaroso.

— Eu coloquei peso demais sobre ele...

— Eu entendo, mas isso não é tão ruim assim. – o pediatra comentou e vendo a expressão do outro, mudou de assunto – Leo vai ficar bem, já estamos preparando a cirurgia e faremos nosso melhor, Levi.

— Eu agradeço tudo o que está fazendo, mas eu ainda me sinto... – o moreno olhou para o lado, sem conseguir explicar – Eu só quero que tudo termine.

— Não vai demorar agora. – Natan garantiu, calmo. Diante do sorriso tímido, apoiou os antebraços nas coxas e sorriu. O silêncio entre eles começou a pesar e ele resolveu falar logo sobre o que o levou até lá – Eu vim por causa da minha mãe.

O moreno elevou uma sobrancelha, confuso. O médico sorriu e encolheu os ombros.

— Foi minha culpa. Eu falei a ela sobre Lucas e... – a expressão culpada do loiro fez o moreno rir.

Natan observou o sorriso do homem, francamente divertido. Levi era decididamente muito bonito e ainda mais sem a sombra que sempre toldava seu olhar. Apesar da aparência cansada, estava muito melhor que antes. O alívio era visível e suavizou os traços marcantes do rosto bem desenhado. Surpreso com o rumo dos próprios pensamentos, Natan deu uma leve sacudida na cabeça.

— Bem, ela pediu para que eu perguntasse se Lucas pode cuidar do jardim dela. – o olhar que recebeu do outro o fez pensar no quão ridículo estava sendo, mas não tinha outro plano.

— Eu não... – Levi não sabia o que responder e então, o médico teve uma idéia.

— Vamos fazer assim, vocês vem comigo e conversam com a minha mãe. Depois decidem, ok?

Na verdade, estava levando em conta que ele não recusaria um convite diante da situação. Vendo a hesitação, sorriu de leve, mais confiante.

— Está bem. – o moreno concordou, um pouco sem jeito.

Natan sabia que estava forçando, mas não viu outro jeito. Não conseguiu tirar aqueles dois da cabeça, por mais que tentasse. Precisava saber que estavam bem. Com um sorriso, o observou  pegar uma pequena bolsa, já pronta sobre o sofá. Diante do olhar, Levi encolheu os ombros.

— Sempre deixo tudo pronto. – explicou, constrangido.

Lucas ficou surpreso ao ver o carro do médico. O garotinho veio correndo, com os olhos arregalados.

— O que aconteceu? – perguntou, com os olhos indo de Levi para Natan.

— Calma! – o moreno parou ao lado do carro e segurou o filho – O doutor Livorno veio nos buscar. A mãe dele quer falar com você sobre o jardim. Não é nada com o Leo.

O alívio foi evidente na expressão de Lucas. O pequeno olhou do pai para o médico, que se aproximou.

— Dá para você vir com a gente agora? – Natan perguntou, olhando para o jardim atrás de Lucas – Se não der, nós te esperamos.

— Eu estava terminando. – o pequeno explicou, com um sorriso aberto.

Com a explicação, Lucas voltou pelo caminho e os dois homens observaram o pequeno recolher as coisas que usara e guardar num carrinho. Um senhor abriu a porta da casa e saiu, dirigindo-se a eles.

— Levi... bom te ver. – inclinou-se de leve e encarou Natan com curiosidade.

O jovem sentiu o rosto esquentar, mas respondeu ao cumprimento e apresentou Natan.

— Senhor Oliveira, este é Natan Livorno, o...

— Melhor pediatra do país. – o senhor completou, com um sorriso. – É uma honra conhecê-lo – acrescentou.

Sem saber explicar porque, Natan não gostou do sorriso do homem e estreitou os olhos, mas inclinou a cabeça. Levi não percebeu a reação, observando o filho voltar para perto dele. O senhor tirou algumas moedas do bolso e estendeu ao pequeno.

— Até depois de amanhã. – despediu-se e então, se inclinou novamente.

— Até. – Levi se despediu e Lucas também.

Natan fez um cumprimento rápido e sem perceber, colocou a mão nas costas de Levi e segurou o pequeno com a outra, guiando-os para o carro. O moreno ficou surpreso, mas não reagiu.

Lucas entrou atrás, olhando tudo com interesse. Assim que o prendeu com o cinto, Natan esperou até que Levi entrasse e se sentasse no banco do carona, passando o cinto.

— Deixa que eu trave. – ofereceu, depois de se sentar e perceber que o moreno não conseguiu prender o cinto.

Com um pouco de surpresa, notou o constrangimento do moreno e sem que pudesse evitar, sorriu de leve.

— Que bonito! Aonde vamos? – o pequeno perguntou, olhando em volta e depois para os dois sentados à frente, sem perceber o clima entre eles.

— Eu vim te buscar para conhecer a minha mãe. – o loiro explicou, virando para trás no banco.

O pequeno o encarou com olhos arregalados.

— Uma vovó? – perguntou, inocente.

O pediatra riu, divertido.

— Ela não é tão velha, mas acho que pode considerá-la uma vovó. – respondeu, com um sorriso.

Levi observou que Lucas e Natan se comunicavam com desenvoltura, como se se conhecessem desde sempre. Sentiu-se um pouco estranho e por alguns minutos, não soube por quê. Depois, mordeu levemente o lábio e olhou para fora, fingindo que admirava a paisagem.

Era ciúme.

Estava com ciúme do filho com o médico e se sentiu ridículo por isso.

— Está tudo bem?

A voz suave o fez se virar de uma vez, assustado. Natan elevou uma sobrancelha, sem dizer nada.

— Papai? – Lucas tentou se inclinar para frente e apoiar o pai, mas o cinto o prendeu.

— Esta tudo bem. – Levi se virou para trás e sorriu para o filho.

Diante do olhar do médico, notou que estava apertando o cinto convulsivamente e deu um sorriso constrangido. Natan o encarou por alguns minutos e então se recostou e ligou o carro.

— Lucas, como foi seu dia? – perguntou, olhando rápido pelo retrovisor.

O menino ergueu um olhar assustado, retorcendo as mãozinhas, e Natan sorriu, tentando passar confiança. Lucas olhou para o pai, tão imerso em pensamentos que não notou o súbito silêncio.

— Eu... eu plantei sementes... – a vozinha soou, incerta.

— Sério? Do quê? – Levi perguntou, virando-se no banco.

Natan e Lucas o encararam, visivelmente aliviados e então, o pequeno contou aos dois tudo o que fez no dia. O loiro explicou ao garoto por alto o motivo da visita e Lucas ficou empolgado em conhecer o jardim da vovó. De novo Levi ficou incomodado com a facilidade de relacionamento entre o filho e o médico, mas conseguiu disfarçar.

****

A mansão era realmente impressionante e Lucas timidamente se agarrou à mão do pai, mas ele também não estava tão bem quanto queria parecer. Na verdade, estava intimidado.

Um senhor de idade abriu a porta e o médico sorriu, passando Lucas e Levi à frente. O homem os olhos com um sorriso discreto.

— Ali, estes são Lucas e Levi. – indicando o mais velho com a cabeça, apresentou - Este é Ali, ele cuida de nós.

— Oi. – o pequeno cumprimentou, envergonhado.

Levi se inclinou respeitosamente, com um meio sorriso. Ambos foram conduzidos para dentro e Lucas olhou em volta, empolgado.

— Mas que grande! – disse, com os olhos arregalados.

— Posso te levar para conhecer tudo, depois. – o médico ofereceu, com um sorriso.

— De verdade? – o pequeno se soltou da mão do pai e deu alguns pulinhos, animado.

Natan lançou um olhar para o moreno, que estava observando o filho.

— Se seu pai deixar.

O garoto se virou para o pai, expectante.

— Posso, papai? – pediu, com voz esperançosa.

— Se você ficar bonzinho e não bagunçar... – o sorriso saiu um pouco incerto.

— Oba! Que bom! – o pequeno comemorou.

O jardim deixou o pequeno sem fala.

— Quanta coisa! – murmurou, com um sorriso aberto.

— Filho?

Os dois adultos se viraram, mas antes que o médico pudesse responder à senhora que os olhava com um sorriso no rosto, Lucas pulou na frente.

— Vovó, é tudo seu? – ele perguntou, juntando as pequenas mãos.

A mulher sorriu mais abertamente e Levi corou de vergonha.

— Lucas!

— Sim, Lucas – ela respondeu, se aproximando – É tudo meu e fico feliz que goste.

— Posso? – ele perguntou, olhando do pai para a senhora e deles, para o jardim.

— É claro que sim, se seu pai deixar. – ela concordou, amável.

O moreno não sabia para onde olhar e num gesto automático concordou, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha. Por estar com a cabeça baixa, não viu o olhar de Natan sobre si, mas Glória sim. Ela notou o olhar do filho sobre o homem moreno e se espantou com a intensidade.

— Venham sentar-se. – convidou, precisando disfarçar o espanto.

Depois de que sentaram, Natan pareceu perceber que esqueceu o principal.

— Mãe, este é Levi. – apresentou, sério – E esta é minha mãe, Glória.

— Prazer. – ela disse, curvando levemente a cabeça.

Ele se ergueu e se inclinou, respeitoso.

— Todo meu, senhora – sentou-se, envergonhado – Desculpe por meu filho... ele ama jardins, não quis ser desrespeitoso.

— Não se preocupe, meu filho já tinha me falado sobre ele. – ela encarou o homem com atenção – Deve estar muito orgulhoso.

Levi deu um sorriso constrangido.

— Ainda não sei direito sobre isso, o doutor Livorno – parou, sem jeito - Natan não me deu detalhes e Lucas... só diz que vai ficar tudo bem. – passou a língua pelo lábio ressequido – Na verdade, senhora, estou um pouco perdido.

Ela sorriu, compreensiva.

— As melhores coisas de Deus nos deixam confusos, mesmo. – ela disse, lançando um olhar para o filho, que se mantinha em silêncio.

— Acho melhor ir atrás dele... – Levi disse, sem saber direito o que fazer.

Quando começou a se levantar, o médico segurou seu pulso.

— Deixa que eu vou.

Sem esperar resposta, se levantou e desceu as escadas. Levi o acompanhou com o olhar confuso.

— Meu filho às vezes parece muito estranho. – ela comentou, olhando-o também.

— Eu... – o moreno parou, hesitando.

— Ahn! Não precisa esconder que ele te deixa confuso. Ele nos deixa confusos. – ela enfatizou, rindo.

Levi sorriu, constrangido. O mordomo entrou com uma bandeja e atrás dele, um homem e uma mulher jovem.

— Querido! – a senhora Livorno ganhou um beijo no rosto e apresentou Levi, que ficou ainda mais envergonhado – Este é Levi e estes são Otávio e Lívia, meu marido e minha filha.

O moreno se levantou e se inclinou, sendo cumprimentado da mesma forma. Os recém chegados se sentaram e logo a conversa voltou, depois de se servirem. Levi se sentiu um pouco deslocado, mas os outros se esforçaram para deixá-lo à vontade.

 - Então, Levi, no que trabalha? – o senhor Livorno perguntou, encarando o outro homem.

— Eu trabalhava no museu de história, mas agora não mais. Só algumas pesquisas avulsas.... eu estou sempre no hospital... – Levi respondeu, corando um pouco.

— Deve ser difícil... – o mais velho comentou, compreensivo.

— Mãe... o que aconteceu? – a mulher se inclinou, preocupada.

A senhora Livorno estava com a mão delicada na boca, de olhos marejados.

— Estão ouvindo isso? – perguntou, baixo.

Os quatro ficaram em silêncio e então, risadas soaram. Levi ficou surpreso em ouvir a risada do filho, acompanhada por outra um pouco mais rouca.

— Estão rindo... estão ouvindo?... estão rindo... – a mais velha comentou, emocionada.

O moreno olhou os Livorno, confuso.

— Desculpem se meu filho... vou chamá-lo. – comentou, sem jeito, começando a se levantar.

— Não! Por favor! – a senhora pediu, estendendo a mão. – Meu filho está rindo... é...

Lívia olhou para Levi e encolheu os ombros.

— É que meu irmão não ri mais, e muito menos gargalha desse jeito. – ela parou e olhou para o jardim, com um sorriso triste. – Você é que deve nos desculpar, mas é que eu achei sinceramente que não aconteceria mais.

Levi olhou para o casal Livorno, o senhor amparava a esposa, que tentava a custo se conter.

— O que aconteceu com ele? – perguntou, sem conseguir conter a curiosidade.

— Ele perdeu um paciente.... uma criança. Os pais ficaram enrolando e quando finalmente autorizaram a cirurgia, era tarde demais. No começo culparam meu irmão, mas a investigação provou que os pais estavam demorando a decidir por causa do valor da operação. Mesmo depois de reduzir o máximo possível, ainda continuaram a reclamar e depois, quando a criança morreu, o culparam. Foi horrível e depois disso, ele simplesmente não... – Lívia respondeu, respirando fundo.

O moreno olhou para ela, tocado e muito envergonhado.

— Desculpe por invadir... – ele pediu, baixinho.

Ela deu de ombros e balançou a mão, sorrindo de forma triste.

— Não é segredo. – Lívia rebateu – Ele fala muito do seu filho e de você.

— Lucas gosta muito dele e eu ainda me sinto meio perdido, mas... – o moreno encolheu os ombros, sem saber como explicar a estranha relação.

— O que será que eles estão fazendo? – o senhor Livorno perguntou, erguendo-se.

Os outros o seguiram e foram para perto da balaustrada do terraço. Levi arregalou os olhos ao ver Natan e Lucas jogando bola.

— Onde eles conseguiram a bola? – o mais velho se perguntou, sorrindo.

Lívia riu baixinho, feliz ao ver o irmão jogar bola. Lucas era muito melhor que ele, mas o loiro não desistiu fácil e quando o pequeno fez um “gol”, jogando-se sobre ele, se deixou cair e fez cócegas na criança. Levi se sentiu estranho, vendo o médico brincar com seu filho. Aquela amizade nascida do nada, aquela intimidade toda... sacudiu a cabeça, recriminando-se. Estava paranóico com a situação toda, mas não tinha o direito de ir por esse lado.

A senhora Livorno ofegou e levou a mão ao peito quando viu o filho rolar na grama com o pequeno, rindo despreocupadamente.

— Ele está realmente rindo... – ela murmurou, tocada.

— Isso é muito bom. – o senhor Livorno, e olhou para o moreno – Obrigado por ter trazido o pequeno Lucas, Levi.

O historiador olhou para os três, visivelmente felizes, e sorriu, mais leve. Com cuidado, o senhor Livorno amparou a esposa e Lívia tocou levemente no ombro do moreno, guiando-os novamente para a mesa. O mordomo estava parado, olhando o quadro na grama logo abaixo, mas assim que os quatro voltaram à mesa, limpou discretamente o rosto.

— Avise aos dois que... – ela começou, engasgando-se. Olhou para o marido, pesarosa – Não quero que pare...

— Avise aos dois que o lanche está pronto. – o mais velho pediu, e depois que o mordomo desceu as escadas, olhou para Levi – Você estava fazendo pesquisas em quais áreas?

O moreno explicou por alto que apenas coletava material para alguns pesquisadores do museu. Se empolgou explicando, mas parou quando Natan e Lucas subiram. O pequeno estava nos ombros do loiro, segurando um monte de cabelo.

— Papai, fiz um monte de gol! – o garoto comemorou, fazendo o gesto de muito com a mãozinha.

— Que bom! Quantos? – Levi perguntou, sorrindo ao ver o filho suado com um sorriso enorme.

Lucas parou e arregalou os olhos.

— Não sei... mas foi mais que ele. – respondeu, apontando para a cabeça loira.

— Ei! – o médico reclamou, olhando para cima.

O pequeno riu e o loiro tirou-o dos ombros. Levi olhou o estado dos dois e depois para a mesa limpa. Quando percebeu que os dois simplesmente iam comer, deu um pulo da cadeira.

— Negativo! Vocês estão imundos! – protestou, sem perceber o que estava fazendo e diante do olhar surpreso e divertido do médico, corou intensamente.

— Bem feito! Os dois sujinhos tem que tomar um banho de escova! – Lívia riu, divertida – Isso, Levi, não deixa não!

O moreno estranhou ser chamado pelo nome, e corou um pouco mais. De repente, olhou para o lado e encarou a senhora Livorno, que os observava com os olhos arregalados.

— Desculpe, eu sei que a casa é sua... – começou, envergonhado.

— Tudo bem! Eu não teria forças para repreender mesmo. – ela respondeu, sorrindo.

— Espera um pouco! É minha mãe! Do lado de quem a senhora está? – o médico protestou, olhando de um para o outro – Vem, Lucas, eles se juntaram em bando contra nós...

O loiro estendeu a mão e o garoto olhou incerto para o pai, mas sem esperar, segurou-a.

— Naquela bolsa tem roupas para o Lucas? – o médico perguntou, suspirando.

— Tem, eu vou pegar... – Levi se virou prontamente.

— Espere, Levi. Deixa que eu cuido dele. – o mais alto pediu, encarando o moreno com atenção.

O outro hesitou claramente e olhou em volta, sem jeito.

— Eu... eu sempre cuido... quero dizer... – parou, sem saber como explicar.

— Não precisa ficar tão sem graça. Eu entendo. – Natan respondeu, com um meio sorriso – Só pensei em ajudar.

O casal Livorno observava os dois com atenção, notando o olhar do filho sobre o homem moreno. Lívia franziu um pouco a testa, mas sorriu para Lucas, que olhava de um para o outro.

— Devem decidir logo, Lucas está com fome. – comentou, suprimindo um sorriso.

O senhor Livorno resolveu entrar no meio, mesmo correndo o risco de Levi não aceitar sua decisão.

— Porque não deixa o Natan ir com Lucas? Eles precisam se limpar e enquanto isso, você me explica direito como faz as pesquisas. Além disso, pode preparar a porção deles para quando voltarem. – explicou, calmo.

A esposa apertou de leve sua mão, concordando com sua sugestão. Lívia percebeu o gesto dos pais, mas não disse nada.

— Está bem, mas comporte-se, Lucas. – Levi recomendou, cedendo.

Os dois saíram, sendo observados pelo moreno. Os pais do médico trocaram um olhar e a senhora sorriu, um pouco corada. Habilidosamente, Otávio conduziu novamente a conversa, percebendo que Levi sempre se empolgava quando falava dos filhos e do trabalho. Sem que precisasse perguntar, sabia que a esposa e a filha estavam curiosas sobre a esposa dele, mas não se atreveria a ir tão longe. Quando o filho soubesse, certamente contaria a eles.

A conversa girou sobre o trabalho do marido de Lívia, advogado como o pai dela. O moreno não escondeu a surpresa.

— Achei que o senhor também era médico. – ele comentou, um pouco sem jeito – Bem... por causa...

O mais velho encolheu os ombros, olhando pensativamente para a xícara de chá em suas mãos.

— Natan também é advogado formado, e eu nunca pensei que pudesse ser pediatra. Ele nunca gostou muito de contato com crianças, sempre foi muito seco... e depois da... bem, - o homem encarou o moreno – Posso apenas dizer que nunca pensei que ele deixasse alguém chegar perto o suficiente para ser importante.

Levi se mexeu, inquieto, mas antes que respondesse, os dois voltaram. Estavam com cabelos molhados e de roupa trocada. Lívia arregalou os olhos ao ver o irmão, e trocou um olhar espantado com a mãe. O olhar do mais velho cintilou, mas sabiamente não disse nada.

— Estou limpinho, papai. Ó – o pequeno mostrou as mãos e deu o pescoço para o pai cheirar.

— Humm... cheiro gostoso. – Levi respondeu, dando colo ao filho.

— O sabonete do doutor é roxo. – Lucas respondeu, sério. – É... chá de folha? – perguntou, olhando para o médico.

— Lavanda. – Natan respondeu, sentando-se no chão.

A senhora Livorno desviou os olhos, piscando e Levi pensou que aquela devia ser uma coisa que ele também não fazia muito. Lucas olhou esperançosamente para o pai.

— Pode?

A pontada de ciúme voltou, mas foi prontamente suprimida.

— Claro, vou servir vocês. – disse, sem notar o sorriso divertido de Lívia.

Levi desceu o filho e sem realmente notar, preparou os dois pratos com os bolos e colocou suco nos dois copos. Serviu o filho e depois o médico, que agradeceu. Lucas olhou o pai, sentando-se perto do médico no chão.

— O senhor comeu? – perguntou, preocupado.

— Estou comendo desde que cheguei. – o moreno respondeu, sentando-se de novo.

O pequeno encarou o pai e então, olhou para os outros. Subitamente pareceu tímido e Natan riu, divertido.

— Na verdade, estava me perguntando quando ia notar. – comentou, segurando o bolo com a mão.

Lucas olhou para ele e dele, para o mais velho.

— É um vovô? – perguntou, com os olhos arregalados.

— Lucas... – Levi murmurou, sem graça.

Otávio fez um gesto, detendo-o e sorriu, olhando para o garoto.

— Você tem um vovô? – perguntou, com um sorriso calmo.

— Não. Só o papai e meu irmãozinho, Leo... – o pequenino parou, franzindo a testa – Leonardo Monteiro.

A seriedade do pequeno arrancou sorrisos dos adultos. Lucas inclinou a cabeça e olhou os mais velhos.

— Vovô e vovó. – disse, olhando para o pai – Será que é macio?

Levi não sabia para onde olhar, totalmente envergonhado.

— Lucas, por favor. – pediu, vermelho.

A senhora Livorno não perdeu a chance. Colocou a xícara de lado e estendeu os braços.

— Vem. – chamou, com um sorriso.

Lucas olhou para o pai, que corou um pouco mais. Apesar da vergonha, não podia simplesmente negar.

— Tudo bem, mas devagar para não machucar a vovó. – orientou, sentindo-se perder a batalha.

O pequeno se ergueu de um pulo, mas subiu no colo de Glória com cuidado. Lucas se acomodou, suspirando.

— É macio... – comemorou, feliz.

Os adultos não se contiveram e riram, divertidos. Levi se sentiu um pouco culpado por não ter uma família para oferecer ao filho e seu olhar ficou triste. Temendo que tivesse se traído, olhou em volta e para seu desconforto, percebeu que Natan o encarava. Avermelhou o rosto imediatamente, desviando o olhar.

O pequeno passou do colo da senhora para o do marido, deixando o moreno ainda mais sem graça. A senhora Livorno notou o desconforto e o ciúme no olhar do recente amigo e achou melhor estabelecer algumas coisas.

— Levi, desculpe-nos por favor. – os adultos olharam para ela e Lucas olhou dela para o pai, fazendo menção de descer do colo de Otávio. A mais velha sorriu timidamente – É que nós somos um pouco não convencionais, e gostamos muito de você e de Lucas. Quando Leonardo sair do hospital, tenho certeza de que gostaremos dele também. Desculpe se nós estamos deixando você desconfortável, mas... poderia por favor nos deixar mimar Lucas um pouco? Eu gostaria muito de poder ouvi-lo me chamar de vovó.

— Desculpe, Levi. Somos informais demais. – Lívia completou, sem graça – Foi mal, não queríamos te assustar.

O moreno se sentiu mesquinho e mordeu o lábio, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha. Lívia quase perdeu o olhar do irmão sobre ele, e teve que se esforçar para não dizer nada.

— Quando Natan nos contou sobre vocês, quisemos muito conhecê-los. Por favor, nos desculpe se invadimos seu espaço. – Otávio completou, sério.

— Papai, eu fiz alguma coisa errada? – Lucas perguntou, olhando os adultos alternadamente.

— Não, Lucas. Está tudo bem. – o moreno respondeu, sentindo-se pesado. Sorriu um pouco sem humor e estendeu o prato de bolo para o filho – Cuidado para não sujar o vovô.

O sorriso luminoso do pequeno fez com que sentisse a pior criatura do universo. Lucas educadamente ofereceu bolo ao mais velho, que aceitou dividir. Mais tranqüila, a senhora Livorno pegou o copo com suco, ambos mimando o garotinho.

O clima pesado se desfez e o grupo conversou animado. Um pouco depois, Armando, o marido de Lívia, chegou com os dois filhos. Levi ficou um pouco preocupado, mas logo os três estavam brincando, totalmente à vontade. Os filhos de Lívia eram mais velhos que Lucas e o aceitaram totalmente, cuidando dele de um jeito que surpreendeu o moreno.

As crianças foram jogar bola no espaço em frente ao terraço, sob o olhar atento dos adultos, que riram do jeito cuidadoso dos maiores com Lucas.

— Vem, Levi. Vou te mostrar a casa. – Natan disse, finalmente se levantando do chão.

Lívia abriu a boca para dizer alguma coisa, mas o olhar da mãe a deteve.

— Vou avisar Lucas, ele queria ver também. – o moreno disse, se levantando.

Levi só não contava com a resistência das crianças. Os dois garotos mais velhos, Marcos e Jaime, não queriam deixar o pequeno ir com eles.

— Depois a gente mostra, tio! – Marcos pediu, olhando de um para outro.

— É, a gente mostra tudo depois. – Jaime ofereceu, segurando a mãozinha – Pode ser, Lucas?

— Ele deve estar cansado. É pequenino ainda. – o médico argumentou, notando a face corada do garotinho.

Lucas olhou para os adultos e então, para os novos amigos. Ficou um pouco sem graça e olhou o pai.

— Eu queria brincar mais. – murmurou, desviando os olhos.

Natan ficou penalizado e abaixou-se no nível dos garotos.

— Podem brincar no quarto, então. Tem um monte de coisas legais e Lucas pode descansar um pouco. – sugeriu, olhando os três – Depois podem mostrar a casa a ele.

O pequeno olhou o pai e Levi concordou, encarando o filho com atenção. Os garotos saíram correndo e Natan se levantou.

— Filho, vá ver se vão estar bem. – Otávio pediu, olhando o pediatra significativamente e então, se virou para o moreno – Venha, Levi... quero que veja minha biblioteca.

O loiro observou os dois se afastarem antes de entrar na casa pela porta de vidro do jardim, indo atrás dos garotos. Lívia abriu a boca, espantada.

— Eu não vi isso, vi? – ela perguntou, olhando o marido e a mãe.

Glória olhou a filha e o genro. – Nunca pensei que talvez...

— Mãe, aquele olhar... e trazê-los...  – a mulher mais nova rebateu, respirando fundo – Nunca pensei que pudesse ver tanto sentimento no olhar dele.

Armando piscou e encarou as duas mulheres.

— Natan está interessado nele? – perguntou, arregalando os olhos – Nesse rapaz moreno?

A esposa olhou o marido por alguns minutos e então, estreitou os olhos.

— Incomoda você? – perguntou, séria.

O homem pensou por alguns minutos e então, deu de ombros.

— Se eles não se beijarem na frente dos garotos, por mim tudo bem. – respondeu, concentrando-se em comer.

As mulheres trocaram um olhar e, apesar da curiosidade, ficaram lá fora conversando.

****

— O senhor está me dizendo que... – o moreno parou, confuso e pálido – Desnutrido e à beira de um colapso... – a voz dele sumiu.

Otávio o pegou pelo braço e o sentou, servindo uma dose de bebida.

— Tome, vai se sentir melhor. – colocou o copo na mão do moreno e o fez tomar um pouco.

Levi tossiu e engasgou, avermelhando o rosto, mas depois de alguns minutos, pareceu mais controlado.

— Mas Natan não disse nada... – franziu a testa – Ele não disse...

— Na verdade, acho que os trouxe aqui para dizer. Ele está muito preocupado com vocês, e sinceramente depois de conhecê-los, posso dizer que nós também. – o mais velho respondeu, grave e o moreno o observou se sentar e encará-lo, sem entender - Natan quer vocês por perto e eu concordo.

Olhando o homem à sua frente, Otávio quase desistiu de se meter na vida do filho, mas aquele brilho no olhar dele precisava ser cuidado. Não sabia se Levi poderia corresponder, mas independente disso, deixa-los ir não era um opção.

— Por favor, não nos odeie nem considere esmola ou caridade... é só que somos assim mesmo... quando gostamos de alguém, gostamos e queremos ajudar... – ele sorriu e olhou o jovem magro e pálido – Natan sempre diz que somos loucos, mas que tudo bem, de perto ninguém é normal mesmo...

Levi riu, mais relaxado e Otávio percebeu que ia arriscar mesmo se o filho gritasse depois.

— Por isso, quero te oferecer um emprego, não caridade. Emprego e quando digo emprego, é emprego mesmo. – disse, olhando o mais novo de frente.

— O senhor mal me conhece... – o moreno murmurou, envergonhado.

— Seu filho nos atesta seu caráter. Além do mais, preciso de netos novos, os meus já estão meio acabados. - a piada, dita displicentemente, fez Levi o encarar, espantado. O outro continuou, ignorando a reação – Mas isso não é tudo. Por Deus! Um homem como seu filho deve ser ajudado e protegido. Ele tem... – parou e se inclinou para frente, olhando o moreno – Algo diferente... e eu quero muito ver as coisas maravilhosas que vai fazer quando crescer.

Levi tomou um pouco mais da bebida e respirou fundo, sentindo que estava num trem desgovernado.

— Que emprego? – perguntou, tímido.

— Fazer as pesquisas para mim e meu escritório, organizar minha biblioteca e arquivos. – vendo o olhar dele nos livros, sorriu por dentro – E tire esse sorriso do olhar porque ainda não viu meu arquivo.

Levi corou um pouco, mas diante do olhar divertido, relaxou. Os Livorno eram estranhos.

— Eu moro longe, mas posso vir depois que deixar Lucas na escola. – começou, mas parou ao ver o gesto de Otávio.

— Vou pedir a Natan que te mostre os chalés. Quero que fiquem aqui.

O historiador franziu a testa, subitamente sério e desconfiado. O mais velho notou e o encarou.

— Trabalhando para mim, você mora no chalé e economiza o dinheiro do aluguel, e também economiza com as despesas gerais. Quando Leonardo sair do hospital, se você não quiser mais trabalhar aqui, então terá algum tipo de reserva para se mudarem – o advogado ergueu a mão em advertência – Não é caridade, porque vou cobrar em serviço bem feito e devo dizer que não é fácil trabalhar para mim. Sou pior que meu filho em termos de detalhes.

— Senhor... – o moreno tentou encontrar as palavras e então, decidiu ser sincero – Tudo está indo rápido demais e eu estou meio perdido e confuso... Eu...

— Eu entendo. Não somos conhecidos por nossa paciência. – o mais velho se recostou e encarou o outro homem com atenção – Mas eu sei reconhecer quando alguém merece ajuda, e você merece ajuda, Levi... mas não sei se estou oferecendo ajuda ou uma passagem para o hospício...

A expressão do homem fez Levi erguer uma sobrancelha. O advogado riu.

— Já viu minha família, não é? Somos loucos! – e então riu.

Levi olhou para o sério advogado dizendo aquelas coisas e sorriu. Não ia dizer em voz alta, mas pareciam mesmo loucos. Sua usual reserva diminuiu e ele respirou fundo.

— Vou conversar com Lucas... eu posso responder depois? – o moreno perguntou, educado.

— Tudo bem, eu achei que fosse fazer isso mesmo.

O homem respirou aliviado. Em toda a sua vida de advocacia, nunca teve que ter tanta imaginação e tão pouco tempo para elaborar um plano e executa-lo. Sorriu, satisfeito consigo mesmo.

Lívia colocou a cabeça para dentro da biblioteca e rolou os olhos, entrando.

— Pai! Não faça Levi pensar que somos loucos! – ela disse, olhando o mais velho com a testa franzida e depois para o mais novo. – Dá um desconto para o que ele diz, Levi...

— Seu pai me ofereceu um emprego. – o moreno respondeu, com um sorriso tímido – E um chalé para morar...

A mulher olhou o pai e o brilho no olhar dele disse tudo o que ela precisava.

— Contou também que é um chefe terrível? – ela perguntou, virando-se para o moreno – Olha... eu não consegui e vê bem! É meu pai!

Levi olhou de um para outro e sorriu de leve.

— Tenho que conversar com Lucas... – respondeu, baixo.

— E sabe que eles vão mimar seu filho, não é? – ela suspirou, resignada – Lucas não merece...

— Eu disse que estamos mesmo precisando de novos netos, os que temos estão um pouco esculhambados... – o mais velho comentou, distraído.

— EI! – ela protestou, sem parecer realmente brava.

O moreno olhou de um para outro, espantado.

— Você está deixando o jovem com medo da gente! – o advogado se levantou e Levi fez o mesmo, deixando o copo sobre a bandeja.

— Acho melhor ir atrás de Lucas. – murmurou, sem jeito.

— Vamos, eu levo você até lá e mostro a casa no caminho. – Otávio disse, passando à frente dos dois e saindo da biblioteca.

A casa era realmente enorme, cheia de quadros e peças valiosas. Apesar disso, Levi notou que eles não eram esnobes nem arrogantes. Faziam piada e riam de si mesmos, deixando os outros mais confortáveis. Enquanto subiam as escadas, Otávio reclamou que quis instalar uma escada rolante, mas que os filhos não deixaram.

— Estou velho, caindo aos pedaços e ninguém tem dó... – reclamou, resignado.

Levi e Lívia trocaram um olhar e sorriram. O homem parou e se virou para o moreno.

— Ala da direita, quarto dos pais e quarto de hóspedes. Ala da direita, quarto dos filhos e quarto dos netos. – explicou, indo nesta direção.

Glória estava parada no corredor, olhando para dentro de um dos quartos. Levi podia imaginar a bagunça que estavam fazendo. Ela os olhou e sorriu e de novo, e o moreno notou os olhos úmidos.

O mordomo chegou quase ao mesmo tempo, segurando um aparelho de telefone sem fio.

— Menino Natan... telefone... – ele avisou, esperando respeitosamente, mas sorriu de leve ao ver o pediatra sair do quarto desgrenhado e ofegante, mas ninguém teve tempo de dizer nada.

O loiro empalideceu quando ouviu a outra pessoa no telefone sem fio. Seu olhar caiu sobre o moreno, que se encolheu e levou a mão ao peito, sentindo-se pesado.

— Estou indo. – afirmou e desligou o telefone, encarando o outro com um suspiro – Levi, tenho que ir ao hospital.

O pesquisador empalideceu mortalmente e se apoiou à parede.

— Leo?

O loiro concordou com a cabeça e se virou para a mãe, que olhava de um para o outro.

— Mãe, por favor, cuida do Levi para mim?

— Vou com você! – o outro protestou, com os olhos já vermelhos.

— Levi... – o médico tentou ser o mais suave que pode – A situação não é boa...

— Vou com você.

O tom firme do outro, apesar de sua expressão atormentada, fez Natan desistir. No fim, tanto ele quanto Lucas foram ao hospital com ele. Seus pais e sua irmã foram também, em outro carro. O cunhado acabou ficando com os filhos, tão preocupado quanto os outros, mas não discutiu.

O loiro tentou fazer Lucas ficar com as outras crianças, mas o garoto ficou irredutível e não quis se afastar do pai. Levi até tentou ajudar, mas não muito. Ambos estavam acostumados a contarem um com o outro nas horas de crise.


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