NO DIA SEGUINTE, pude reencontrar a garota ruiva, Hanna, pois não exigia mais tanto esforço me levantar. A visitei em seu quarto e ela continuava muda, organizando algumas roupas que lhe foram emprestadas. Agora, ela vestia uma blusa enorme e preta que cobria seu short, se é que ela usava algum. Presumi que aquela roupa não era de nenhuma das duas garotas, e sim de Cazz. Talvez ela preferisse se vestir assim. Seus longos cabelos avermelhados estavam presos em um rabo-de-cavalo, e os olhos verdes estavam tão frios e distantes, que me fez sentir desconfortável. Seu quarto era enorme, e igualmente sombrio. As paredes enegrecidas tinham fotos de pessoas raquíticas, pálidas e sem pupila. Nos armários, as caveirinhas pareciam sorrir para mim, e os sinos de vento no teto causavam um barulho monótono e macabro. Hanna parecia não se importar, guardava as roupas distraidamente em um guarda-roupa de madeira. Das persianas, uma luz pálida invadia o quarto e era a única iluminação. Mas o que mais me incomodou foi o cheiro. O cheiro de velharia tomava conta do lugar, me deixando pouco a vontade. Me sentei na cama e esta rangiu como se fosse quebrar.

— Hanna... - chamei. Ela interrompeu o que fazia e voltou os olhos para mim. - esse é mesmo o seu nome?

Ela desviou os olhos, pensativa e depois deu de ombros.

— Por que disse que eu me chamava Finnie? Quer dizer... Eu acho que nunca te vi antes.

Hanna se aproximou e sentou-se frente a mim. Ela segurou meus ombros e assentiu. Não consegui captar a mensagem, então fiz uma segunda tentativa.

— Por que você não fala? - perguntei - Você não é muda, eu sei. Disse para os três como nos chamávamos.

Seus olhos se entristeceram. Ela soltou meus ombros e puxou a barra da blusa.

— Hanna... O que foi?

Ela abriu a boca para falar, e, por um momento, achei que ouviria sua voz pela primeira vez. Mas então se interrompeu e assumiu uma expressão de desapontamento.

— Você não consegue falar? - sussurrei, com pena.

Ela balaçou a cabeça em negação.

Pensei em uma solução. Então uma ideia surgiu. Caminhei até uma estante pavorosa e apanhei um livro. Havia uma pena e tinteiro sobre um criado mudo, então os peguei também. Carreguei-os até Hanna e entreguei-os à ela.

— Escreva. - pedi. Eu não sabia se ela sabia escrever, tampouco se poderia. Mas ela aceitou o livro, a pena e o tinteiro sem hesitar. Abriu o livro nas páginas finais e molhou a ponta da pena no tinteiro. Então pôs-se a rabiscar algumas palavras.

Não tentei ver, apenas esperei. Até que Hanna me entregou o livro, e olhei para ela antes de ler. Ela fez um sinal com a cabeça em direção ao livro e eu assenti.

Sua letra era um garrancho e felizmente eu me lembrava de como ler, mesmo que com alguma dificuldade.

"Foi uma maldição. Eu me lembro de muitas coisas, mas não posso te contar. Mas uma coisa eu tenho que te dizer, Finnie. Somos irmãs. Gêmeas, para ser mais precisa. E tem mais: não confie nos Desalmados, eles são crueis."

Meus olhos se arregalaram e olhei para ela. Ela assentiu, confirmando o que estava escrito.

— Mas... Quando acordamos na cabana... Você parecia tão confusa quanto eu.

Hanna se esgueirou e rabiscou no espaço branco do livro: "Eu estava."

— Não entendo... - murmurei

— Minha cabeça está confusa... Eu... Por que estamos aqui, Hanna?

Ela continuou parada, sem fazer nada.

Nesse instante, Cazz entrou no quarto. Eu podia jurar que estava mais pálido, mais triste, mais cansado... Menos humano. Suas roupas eram azuis, tanto a blusa quanto a bermuda, e os pés estavam descalços.

— Killy e Poly estão chamando vocês para o café e... - as palavras morreram em sua boca quando ele avistou o livro em minhas mãos - o que é isso?

— O que parece? - retruquei - estava lendo um pouco, ou acaso é proibido?

Seus ombros caíram e ele suspirou.

— Fiquem à vontade, por favor - Cazz se virou e saiu do quarto, exausto.

— O que houve com ele? - perguntei à Hanna. Ela deu de ombros.