Azul escrita por OmegaKim


Capítulo 7
Sete - Antinomia.


Notas iniciais do capítulo

Vim mais cedo do que o previsto, ne kkkk.
Esse capitulo é narrado apenas pelo Will, com alternancia de povs do passado e presente.
boa leitura.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/685625/chapter/7

Sete – Antinomia.

Will: Dez anos antes.

— Elizabeth, me solte. – falei, mas a garota se empenhou em continuar onde estava. Ela passou os bracinhos magros pela minha cintura e continuou ali. – Lizzie, por favor. – pedi, soltando seus braços da minha cintura. – Madame Sam já está vindo, você precisa ficar atrás de mim.

Eu sabia que ela estava com medo, era a sua primeira vez fazendo isso. Mas não era como se Madame Sam fosse ser boazinha com ela por causa disso, a verdade era que ninguém ia ser bonzinho com ela naquele lugar. Elizabeth tinha que aprender desde de cedo como as coisas funcionavam por ali.

A garota tinha chegado fazia mais de um mês, era um ano mais nova do que eu. Mas parecia bem mais nova do que isso, era baixinha e magrela com os olhos verdes grandes e inocentes, o cabelo escuro cortado de forma desigual como se ela mesma tivesse feito isso com uma tesoura cega.

— Estou com medo, Will. – confessou baixinho contra o tecido da minha camisa.

— Tudo bem, Lizzie. – falei. – Vai ficar tudo bem. – me desvencilhei dela e fiquei de frente para si. – Isso nem demora muito, eles não vão nos machucar. – contei e acariciei o seu rosto, ela piscou os olhos para mim. Parecia estar tentando não chorar. – É apenas um procedimento de rotina. Eles vão nos contar e nos avaliar, para saber se estamos bem e então vão nos liberar. – contei.

— Tem certeza? – ela coçou o olho esquerdo, ainda parecia desconfiada.

Elizabeth sempre ia ser desconfiada.

Assenti para ela ao mesmo tempo que a porta se abria e Madame Sam entrava com Alex bem no seu encalço. Ele também era pequeno, ainda franzinho, olhava para baixo e parecia envergonhado. Sempre fora assim, quieto com os olhos escuros inteligentes e a cabeça cheia de ideias.

Nós, os órfãos, nos arrumamos em uma fila indiana. Elizabeth estava bem atrás de mim, deslizei minha mão para trás e ela segurou meus dedos. Estava com a mão gelada de nervosismo.

Madame Sam andou ao lado da fila, as mãos para trás. Estava bem vestida como sempre e tinha uma expressão séria no rosto. Alex a estava seguindo, do jeito que sempre fazia mas ao contrário da mãe, não nos encarava, preferia olhar para os próprios pés. Só quando passou ao nosso lado, foi que ele ousou levantar o rosto e me mostrar um sorriso mínimo.

— Parece que estão todos aqui. – ela disse depois que nos conferiu. – Vamos começar, um por um vai entrar naquela sala. – apontou para a porta no outro lado do salão. – Entenderam? – Lizzie aumentou o aperto nos meus dedos.

Ficamos calados, abaixei a cabeça. Observei meus tênis surrados, pensando se isso alguma vez ia acabar. Acontecia uma vez a cada dois meses. No começo eu costumava pensar nisso como um exame médico, porque realmente era como um exame médico. Eles nos examinavam, coletavam sangue, viam o quanto tínhamos crescido ou conferiam o nosso peso, mas essa era a rotina para os mais novos. Depois que completei oito anos, a rotina de exames mudou. Ainda conferiam o meu peso e altura, para saber se eu estava saudável. Mas agora havia outras coisas também, depois que o exame médico terminava, eu era obrigado a continuar na sala, em pé contra a parede enquanto diversas pessoas passavam por mim. Adultos que nunca tinha visto antes. Eles me avaliavam com os olhos, tocavam no meu rosto e perguntavam coisas aos sussurros para Madame Sam. E depois que isso acabava, durante a semana eu era obrigado a encontrar com algumas dessas pessoas. Com o tempo, percebi que essa rotina era mais como um mercado.

Éramos examinados, para assegurar a nossa qualidade e então os compradores vinham. Nos escolhiam, compravam horas conosco.

Mas Elizabeth ainda era nova, ela ainda não passaria por esse tratamento. Ela apenas passaria pelo exame médico e seria liberada logo, ainda era muito nova e pelo que eu tinha percebido, as crianças muito novas não rendiam tanto quanto nós, as crianças mais velhas.

Observei enquanto um por um dos garotos e garotas a minha frente iam para o exame. Alguns saiam, outros continuavam lá.

— Por que não estão saindo? – a garota me sussurrou e eu encarei a porta de madeira.

Logo seria a minha vez. Eu já tinha oito anos, cada vez mais perto dos dez. Eu sabia o que acontecia com as crianças que não eram adotadas até os dez anos, sabia das histórias que as outras crianças contavam, do modo como tudo ficava pior, do modo como os encontros não se resumiam mais a só conversar e mimar, eles queriam tocar e sentir.

— Não deve ser nada demais. – menti.

Eu sabia o que estava acontecendo, sabia que eles deviam estar encostados na parede, quietos enquanto os adultos passavam por si e os avaliavam, escolhendo a melhor carne.

— Sua vez. – Madame Sam disse, pisquei como que acordando de um transe e soltei a mão de Lizzie.

Não olhei para trás enquanto me dirigia a sala, tentava andar devagar mas sabia que mesmo que me arrastasse como uma lesma não ia conseguir me livrar daquilo. Talvez eu só piorasse as coisas para o meu lado. Girei a maçaneta e entrei na sala.

Era apenas uma sala sem graça, toda marrom com moveis velhos. Havia uma maca, uma balança, uma cadeira onde tiravam o nosso sangue. O médico estava em pé no centro da sala, estava de costas mas quando escutou a porta ser aberta, ficou de frente para mim. Apontou a cadeira e me sentei ali, ele não disse palavra alguma durante todo o exame. Verificou a minha pressão, minha altura, meu peso e tirou o meu sangue. Fez alguns exames rápidos e algumas anotações em uma folha. Então me entregou o papel e afastou a cortina no fundo da sala, vi mais uma porta ali. Ele abriu-a e eu me dirigi até lá, fui parar em outra sala. Eu já sabia a rotina então apenas a segui.

Encostei-me na parede da sala, segurei o papel que recebi do médio à frente do meu peito e esperei. Olhei para frente, tentava pensar em qualquer outra coisa, queria me desligar daquele lugar.

Algumas pessoas passaram por mim, lançaram olhares para mim e depois seguiram em frente. Outros, ficavam e liam o que estava escrito no papel e depois me avaliavam com o olhar, erguiam as mãos e tocavam o meu rosto, me faziam abrir a boca e conferiam os meus dentes. No entanto, acabavam seguindo em frente, conferiam as crianças que estavam encostadas na parede ao meu lado. Fiquei ainda muito tempo ali, parado, imóvel e desejando que acabasse logo. Mas hoje era como se estivesse passando tudo mais lentamente, até que ela apareceu.

Tinha o cabelo vermelho num tom de cobre, tão brilhante quanto. Era esguia e tinha um rosto limpo de qualquer coisa, parecia bonita demais para aquele lugar, sofisticada demais para estar ali. Ela parou na minha frente, se inclinou para ler o papel na minha mão e depois sorriu para mim.

— Seu sangue é AB? – perguntou, mas apenas pisquei confuso para ela. – É um sangue bem raro, - ela ergueu uma das mãos e notei que usava luvas pretas de couro, acariciou minha bochecha e sorriu. – Você é bem bonito. Como se chama?

— William. – respondi baixinho.

Era uma das regras de Madame Sam. Só podíamos abrir a boca se alguém falasse conosco primeiro.

— Prazer, William. – ela sorriu mais um pouco e dessa vez mostrou os dentes brancos bem alinhados, mas na luz baixa daquela sala, me pareceu assustadora como as bruxas dos contos de fada. Ela era a bruxa má da branca de neve, que tinha se disfarçado de velhinha boazinha para fazê-la morder a maçã. – Eu sou Victoria.

777

Will: Dez anos depois

Estava correndo, sentia o vento bater contra o meu rosto, o suor secando instantaneamente na minha pele me fazendo ficar com frio. Mas eu não podia parar, precisava me distrair, cansar meu corpo para que assim minha mente se cansasse também. Não aguentava mais pensar no que Alex tinha me contado. Queria arrancar aquilo tudo da minha mente, queria esquecer tudo aquilo, queria de volta o conforto da presença de Noah, queria os momentos antes da ligação de Victoria de volta...

Me encostei na parede em um dos prédios. Baixei meus olhos para o meu relógio de pulso e percebi que ainda era cinco da manhã e que o dia prometia nuvens nubladas e chuva, porque o sol ainda não tinha surgido. Procurei o meu celular no bolso do meu short e procurei o número de Noah, liguei para ele. Precisava escutar a sua voz.

Alô? -  disse com a voz arrastada de sono.

— Oi. – falei percebendo agora que ele poderia estar dormindo e que eu não deveria ter ligado tão cedo. – Acordei você? – estava me sentindo culpado agora.

Não, está tudo bem. Eu já ia ter que acordar daqui a duas horas mesmo. -  disse e acabei soltando uma risadinha.

— Desculpe.

— ­Aconteceu alguma coisa? – agora parecia preocupado, acho que estava mais alerta agora.

Essa era uma das coisas interessantes nele. Havia essa energia natural nele, como se o seu cérebro estivesse constantemente em alerta, era o que fazia ele acordar mais rápido do que algumas pessoas e perceber coisas mais rápido que outras pessoas, acho que por isso era tão bom em matemática.

— Não. – apressei em dizer. – Eu só queria escutar a sua voz. – me encostei na parede e subitamente estava dando um sorriso, pois tinha acabado de imaginar a sua expressão, as bochechas ficando vermelhas. O silêncio que se seguiu só mostrou que eu estava certo. – Quer tomar café comigo? – acabei perguntando.

Tomar café?

— Podemos passar o dia juntos. – falei. – Hoje é sábado, Docinho. – as pessoas na rua me observavam. Escutei a risada de Noah do outro lado da linha e acabei rindo também, indicando que havia entendido a piada. Era a nossa piada interna. Não era sábado.

Desencostei da parede e comecei a andar. Ia passar em casa, tomar um banho e trocar de roupas.

Isso... isso ia ser perfeito.— ele disse, parecia mais animado agora, imaginei-o jogando a coberta para o lado se pondo de pé.

— Passo aí para te buscar. – avisei e ele concordou e depois desligou.

Guardei o celular no bolso e voltei a correr. Estava mais leve, ia esquecer os problemas hoje. Eu devia isso a mim mesmo.

777

Sua pele estava com cheiro de sabonete e o cabelo azul ainda estava molhado, senti uma vontade súbita de enfiar meus dedos ali e traze-lo para perto. Queria beija-lo tão intensamente, que não pude me impedir. Assim que ele entrou no carro, me inclinei em sua direção e o trouxe para perto. Minha mão na sua nuca e sua boca na minha sem resistência. Noah suspirou contra a minha boca, do jeito que sempre fazia quando estava gostando. Senti a ponta dos seus dedos deslizando por meu cabelo e descendo por meu pescoço, acariciou minha nuca. O trouxe para mais perto ao mesmo tempo que descia minha boca por seu pescoço e sentia as suas mãos entrando por baixo da minha camisa e tocando minha barriga.

Eu não sabia o quanto estava com saudade de tê-lo me tocando até o momento que ele me tocou. Fazia muito tempo desde a última vez que isso aconteceu e depois do clima estranho que tinha ficado, quando tentei algo com ele, eu não sabia quando íamos poder tentar de novo. Mas ali estava ele, deixando que eu o beijasse enquanto ele me tocava. Beijei o seu pescoço e deitei minha cabeça ali.

— Suas mãos estão geladas. – sussurrei contra a sua pele.

— A madrugada está fria. – respondeu baixo e passou os braços a minha volta, aspirei seu cheiro e fechei os olhos.

Era tão confortável ficar nos seus braços que por um momento considerei ficar ali o resto do dia.  O seu abraço era o lado bom da vida, tinha acabado de me dar conta disso.

— Eu posso te esquentar. – falei e em resposta ele beijou meu pescoço e um arrepio desceu por minha espinha.

— Mais tarde. – acabou respondendo e se afastou de mim, notei o nervosismo na sua voz.

Por um momento fiquei confuso por ele ter se afastado, mas logo entendi o que tinha acontecido. Noah achava que eu estava em referindo aquilo enquanto, na verdade, eu apenas me referia deitar com ele em algum lugar e ficar ali. Voltei a me aproximar dele e beijei o canto da sua boca, o que o fez sorrir.

— Espero que tenha trazido roupa de banho. – sussurrei no seu ouvido.

Piscou os olhos na minha direção, estava confuso.

— Estamos indo passar o dia em Santa Mônica. – contei.

— Praia? Você quer dizer que eu vou ter que... – ele puxou as mangas do casaco que estava usando, olhou para baixo, estava nervoso ou apreensivo.

— Não, se você não quiser. – falei e coloquei minha mão sobre a sua. Noah levantou o rosto e me fitou, os olhos castanhos cheios de agradecimento. - Pode ficar de olho em mim enquanto eu dou um mergulho. – pisquei para ele.

O que deu o efeito esperado, Noah acabou rindo baixinho. E antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, ele se empertigou na minha direção deixou um beijo nos meus lábios. Foi rápido e delicado, como se ele não tivesse certeza se podia continuar ou não, nem ao menos tinha me dado tempo de fechar os olhos.

— Eu te amo. – disse.

Levantei minha mão e acariciei seu rosto.

— Também te amo. – encostei minha testa na sua e logo estava o beijando novamente.

777

Will: Oito anos antes

Meus dez anos chegaram mais rápido do que queria e com eles vieram as certezas de um futuro que eu não queria.

Ter dez anos de idade era bem pior do que eu podia imaginar. Os Adultos vinham com mais frequência ao meu encontro, eu recebia aulas de etiqueta, frequentava uma boa escola e até me davam um prato decente de comida. Afinal, eu precisava ser saudável. Ninguém queria abusar de crianças franzinas ou maltratadas. Havia alguma coisa realmente atraente em crianças com bochechas rosadas de saúde e educadas.

— Cante pra mim, William. – Madame Sam pedia ao menos uma vez no dia.

Ela costumava me levar para o seu quarto e enquanto bebia vinho sentada na beira da sua cama, pedia para que eu cantasse. Eu cantava. E quando mais tarde, ela pedia para que deitasse na cama consigo. Eu deitava. Eu obedecia a tudo que ela pedia, não contestava nada, apenas aceitava. Afinal, precisava manter Elizabeth a salvo. Precisava mantê-la longe de todo esse mundo sujo.

Era o trato que havia implícito entre eu e Madame Sam: eu fazia tudo que era preciso e em troca, ela mantia Lizzie longe disso.

— Por que você dorme no quarto da minha mãe? – Alex tinha me perguntado um dia, quando me viu saindo do quarto dela.

— Ela gosta de mim. – respondi simplesmente antes de seguir para o meu quarto junto das outras crianças.

Assim que entrei no dormitório encontrei com Elizabeth. Ela estava arrumando a sua cama quando me viu. Correu até mim e me abraçou, me limitei a dar-lhes tapinhas no topo da cabeça, o que a fez rir.

— Onde você estava? – perguntou.

Ela ainda era pequena, mesmo que houvesse apenas um ano de diferença entre nós, ela ainda era uma cabeça menor do que eu. O cabelo escuro estava curto agora e por isso se parecia mais com um menino do que com uma menina.

— Estava com Madame Sam. – contei.

Observei enquanto Liz comprimia os lábios, numa tentativa de não mostrar a sua desaprovação. Mas ela não disse nada sobre isso.

Em parte, não tentava mentir para ela. Contava algumas coisas do que aconteciam comigo, mas nunca contava tudo. Nunca dizia o quão nojento era ou o quanto eu só queria fugir dali, mas não podia fugir. Não podia deixar Lizzie para trás. Ela era só uma criança inocente, um ponto limpo no meio daquele mar de sujeira.

— Vai tomar café comigo? – perguntou levantando o rosto e me fitando, os olhos muito verdes sobre mim.

— Hoje não posso, Lizzie. – falei e ela me soltou, parecia chateada agora.

Desde que a garota chegara no Orfanato, não havia ninguém com quem ela falasse mais do que comigo. Quando crianças novas chegavam aqui, não há uma festa de boas-vindas ou sorrisos encorajadores. Há apenas uma áurea de tristeza e olhares compadecidos, afinal os que estão aqui há mais tempo sabiam como era viver aqui. Mas havia algo de extremamente frágil em Liz que me chamou a atenção e fez com que eu me aproximasse dela e com o passar do tempo acabamos nos tornando o que chamávamos de “família de duas pessoas”, ela era a irmãzinha que eu nunca teria e por isso, precisava protege-la.  

— Vai ficar com a mãe de Alex de novo? – cruzou os braços.

— Não. Victoria quer me levar para passear. – disse. – Talvez ela queira me adotar. – menti.

Era o único jeito de não fazê-la desconfiar.

— Mas se ela adotar você, eu vou ficar sozinha aqui. – me aproximei e abracei.

— Posso convence-la a levar nós dois. – menti mais um pouco.

Sinto muito por isso, Lizzie.

Nunca quis mentir para ela, nunca quis que as coisas terminassem do jeito que terminaram, nunca quis nada disso. Só queria mantê-la longe daquilo tudo. E durante um tempo, consegui. Realmente consegui manter aquelas mãos sujas longe dela.

Mais tarde naquele dia, Victoria veio me buscar no Orfanato. Ela era muito bonita com aquele cabelo vermelho e o sorriso aberto, usava roupas da moda e tudo nela era extremamente atraente e por isso, eu costumava manter um pé atrás com ela. No entanto, diferente do homem do mês passado, o Sr. K ou Tio K – como gostava que eu o chamasse – Victoria tinha em dito seu nome e não uma letra aleatória do alfabeto e nem pedia que eu a chamasse de tia, assim como não pedia para que eu tirasse minha roupa na sua frente. Havia algo de calmante nos gestos e nas palavras que ela me dizia, o que era mil vezes mais assustador do que o modo explícito do Sr. K.  

Estava acostumado ao carinho excessivo dos adultos para comigo, não com a gentileza dela em me perguntar o que eu queria fazer, se gostava daquilo ou disso. Os outros nunca me deixavam escolher coisas, eles simplesmente compravam e esperavam que eu agradecesse e sorrisse e fizesse o que eles pediam.

Naquele dia, Victoria me levou para a sua casa. Tinha uma casa grande e luxuosa e mais uma vez me perguntei como ela conseguira tanto dinheiro.

Observei enquanto ela tirava o casaco e o jogava sobre o sofá da sala. A mulher se sentou na poltrona florida ao lado do sofá, fitei as suas pernas e o salto alto nos seus pés.

— Venha aqui, William.

Sempre me chamava de William, nunca Will – como Elizabeth – ou Willy – como Alex.

Fitei o seu rosto e fui até si.

— Você fica tão charmoso usando óculos. – comentou e tocou na minha bochecha quis me afastar mas não o fiz. – Está cada vez mais bonito, sabia? – e sorriu ainda tocando meu rosto e então subitamente ela se aproximou e me beijou.

Encostou seus lábios machados de batom vermelho nos meus, fiquei tão assustado que permaneci de olhos abertos enquanto sentia a sua língua deslizar para dentro da minha boca. Não sabia o que fazer, nunca tinha beijado antes. Já tinha ouvido os outros comentarem sobre isso no Orfanato, mas nunca tinha realmente pensado nisso como algo que eu pudesse fazer. Mas ali estava ela, colando sua boca na minha como se eu fosse algum tipo de comida deliciosa.

— Nunca fez isso antes? – perguntou divertida enquanto limpava o batom dos meus lábios. – Não é ruim, não é? – mas continuei a fitando, como se não pudesse reconhecer quem era aquela mulher. – Não se preocupe, William, logo logo você vai começar a gostar. – ela segurou na minha mão enquanto ficava de pé. – Que tal um banho, hein. Está calor hoje.

Victoria começou andar e me levava junto, tropecei nos meus pés mas continuei deixando que ela me levasse. Assim que entramos no banheiro, ela começou a tirar as roupas. Primeiro os saltos, a saia e então a blusa. Estava parado na porta do banheiro, com medo demais para conseguir entrar ou sair correndo dali. Observei petrificado enquanto ela colocava a banheira para encher. Havia uma certeza horrível se arrastando sobre mim, eu já sabia o que ia acontecer. Mas não estava pronto para isso...

— O-o que está fazendo? – gaguejei quando ela se baixou na minha frente, estava só de calcinha e sutiã de renda preto.

— Estou preparando o nosso banho. – disse sem olhar pra mim, estava empenhada em desabotoar minha camisa.

— Por que? – soltei inutilmente.

— Porque temos que comemorar. – contou e dessa vez sorriu, mas ainda não olhava pra mim, estava desabotoando e abrindo o zíper do meu short. – Conversei com Madame Sam, William. Você é meu agora. Ninguém mais vai poder te tocar.

— Você pode. – falei e Victoria me fitou, os olhos escuros cheios de malicia.

— Eu posso. – confirmou e engoli em seco. – Venha.

Estava tremendo quando ele me fez entrar na banheira, a água morna não estava fazendo um bom trabalho em me aquecer, continuava tremendo quando ela também entrou na banheira. Estava sentada de frente para mim, totalmente nua a ponta dos cabelos vermelhos molhadas se colando no colo. Fitei os seus seios, eram grandes e bem redondos, o mamilo rosado estava despontado como se ela estivesse com frio. Mas eu sabia que não estava. Já tinha visto aquilo antes, nas noites em que passava junto de Madame Sam, quando deitava em sua cama na sua presença e ela me fazia deslizar minha mão por seu corpo.

Victoria estava excitada.

— Pode tocar. – disse e só percebi que ainda estava fitando os seus seios, desviei meus olhos de lá e a encarei. Não sabia se ela estava me dando uma ordem ou me oferecendo uma opção.

Mas antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela segurou minha mão e colocou-a sobre o seu seio esquerdo. Estava molhado e quente, assustado com isso retirei minha mão dali. Sabia que aquilo era terrivelmente errado, sabia que não era normal que uma mulher mais velha quisesse tomar banho com um garoto de dez anos, assim como sabia que não era normal que alguém da minha idade tivesse que folhear aquele livro de imagens estranhas, que o Sr. K tinha me feito ver.

— Por que eles estão nus? – eu tinha perguntado ao homem.

Contudo, ele não respondeu. Apenas tinha se limitado a me dá uma risadinha.

— Por que está chorando, querido? – Victoria perguntou e me fez levantar o rosto ao colocar seus dedos embaixo do meu queixo.

Queria ir embora dali. Queria ter uma infância normal, queria brincar com as outras crianças do jeito que meus colegas de escola faziam, queria me preocupar com coisas fúteis e não com quem seria meu abusador da vez. Queria manter Elizabeth a salvo... Queria tantas coisas para alguém que só tinha dez anos.

— Não chore. – disse e se aproximou mais. – Não vai doer. Você vai acabar gostando.

Mas eu não gostei.

777

Will: Oito anos depois

Diferente de Los Angeles que estava mergulhado em um cinza nublado das nuvens, Santa Mônica estava explodindo em sol e calor. Havia bastante gente na praia, famílias, grupos de amigos, namorados... Passamos de carro pela Ocean Avenue. Observei as pessoas por ali. Santa Mônica era a praia mais perto de LA e por isso sempre vivia cheia, além é claro, de ser uma das praias mais alto astral que havia por ali. Seus atrativos estavam nos tantos de coisas que ela oferecia, que ia desde a comida, muitas lojas com preços ótimos, parque de diversões e a famosa roda gigante, que era o que costumava atrair as pessoas para cá juntamente da bela praia.

Procurei um estacionamento e deixei o carro lá.

— Tudo bem aí? – perguntei a Noah quando vi mexer no celular com uma expressão preocupada, estava digitando alguma coisa.

— Sim, sim. – respondeu e então me fitou. – Bianca está com problemas. – contou.

— É grave? – começamos a andar.

— Nada demais, aposto. – falou. – Mas você sabe como é, sempre fazendo uma tempestade em um copo d’água. – digitou mais alguma coisa e então guardou o celular no bolso do jeans. – Onde quer ir primeiro? – e segurou minha mão.

— Te prometi um café da manhã, certo? – disse. – Então vamos tomar um café da manhã.

Seguimos pela Third Street Promemade atrás de algum lugar para tomar um café da manhã. Encontramos uma boa lanchonete e observei meio surpreso enquanto Noah se esbaldava em doces e comidas nada leves para um café da manhã.

— Não vai passar mal se comer isso? – perguntei.

— Nada. – falou e começou a comer o seu pedaço de bolo.

Era uma fatia de bolo de chocolate bem grande, coberto de chantilly e cerejas. À sua frente ainda havia um milk-shake de morango. Fiquei observando enquanto ele comia, como se nunca tivesse visto um desses na vida.

— Sua avó não te deixa comer doces, não é? – adivinhei e pelo jeito como ele me olhou, eu soube que tinha acertado.

— Ela diz que faz mal para os dentes. – contou e acabei rindo.

Era o tipo de coisa que avó dele faria mesmo. Tinha passado tempo suficiente na presença daquela mulher para perceber que tipo de pessoa controladora ela era. E também tinha passado muito tempo na presença de Maya para constatar isso. A mulher tinha uma casa cheia de regras, que envolviam a hora das refeições e horários para dormir. Tudo era muito regrado. Não era à toa que Noah era tão relutante em seguir aquilo tudo, não me admirava que ela tivesse lhe tirado os doces que ele tanto amava como forma de força-lo a seguir as regras.

— Pode comer. – falei por fim. – Só não exagere. – e tomei um gole do meu café.

Colocou mais um pouco de bolo na boca ao mesmo tempo que eu via alguém entrar na lanchonete. Estava usando roupas casuais, short e uma camisa leve. E poderia estar sem os saltos, mas o cabelo vermelho ainda era o mesmo. Ela se sentou num dos lugares vazios à bancada da lanchonete e se inclinou sobre a mesma, disse alguma coisa ao atendente e então voltou a sentar. Ainda estava de costas para mim, mas eu nunca esqueceria nada sobre aquela mulher.

— Tudo bem? – Noah perguntou lançando um olhar castanho preocupado para cima de mim.

— Sim. – falei e para disfarçar o meu desconforto me inclinei sobre a mesa até Noah e comi um pedaço da sua fatia de bolo.

— Ei. – reclamou, mas ele estava rindo então não levei a sério.

Ainda fiquei observando aquela mulher até o momento que ela foi ao banheiro. E fui atrás dela. Precisava saber o que Victoria estava fazendo em Santa Mônica, justo no dia em que eu estaria aqui. Enquanto seguia até lá me dei conta de que não havia como ela saber que eu estaria ali com Noah, afinal contei apenas a Alex e depois contei a Noah, que deve ter dito algo aos seus avós. Mas tirando essas pessoas, não havia ninguém que pudesse ser suspeito o suficiente para contar qualquer coisa a ela. Então só havia uma explicação.

— Grampeou o meu celular. – falei assim que a encontrei no corredor para o banheiro.

Estava encostada na parede com um sorriso no rosto e os braços cruzados. Quantos anos você tem agora?, me perguntei, trinta?

— Olá, William.

— Grampeou o meu celular. – repeti e cada vez que eu dizia, fazia mais sentido.

— Acho que você me pegou. – e soltou uma risada, se desencostou da parede e veio em minha direção. – Sempre tão inteligente, não é? – tocou o meu rosto, mas dei um passo para trás.

— O que está fazendo aqui?

— Apenas curtindo a praia de Santa Mônica. – parecia tão natural dizendo isso. – Uma coincidência te encontrar por aqui, não é? Aquele que está com você, é o Noah? Sempre soube que tinha bom gosto. – eu não conseguia dizer nada e nem ao menos me mexer enquanto ela se aproximava de novo, segurou o meu rosto e a expressão boazinha do seu rosto se desfez. Peguei o seu olhar cheio de raiva. – Onde está aquele verme do Alex?

— Eu não... – comecei a dizer, mas ela me interrompeu com um tapa.

— Não minta pra mim! – exclamou um pouco alto demais e tão autoritária quanto uma mãe, mas ela não era minha mãe.

Baixei o rosto fitei o chão enquanto sentia o lado esquerdo do meu rosto arder, não tinha coragem de olhar para ela. Era como se eu tivesse voltado no tempo, tinha dez anos novamente e estávamos naquela banheira. “Você vai gostar”.

Escutei ela suspirar.

— Viu o que me fez fazer? – ela segurou o meu rosto, me fez olhar para si. Seus olhos avaliaram a marca na minha bochecha. – Você me tira do sério, William. – acariciou esse lado como se assim pudesse apagar tudo que já me fez. – Não queria te machucar, querido. – e mais rápido do que eu podia prever, ela me beijou.

Permaneci de olhos abertos enquanto ela colava seus lábios nos meus repetidas vezes, era incapaz de me mexer ou de afasta-la. Estou no Orfanato de novo, pensei, tenho dez anos de novo e ela nunca me deixou ir. Victoria parou de me beija e me abraçou, encostou a cabeça no meu peito.

— Senti tanto a sua falta. – sussurrou contra o tecido da minha camisa.

Em um minuto estava sendo cínica, depois estava gritando comigo e agora estava dizendo que sentia minha falta. Victoria era tão louca quanto eu lembrava.

— Você tinha me deixado ir embora. – encontrei minha voz.

— Eu menti. – confessou. – Sempre estive te observando e quando começou a sair com aquele garoto, você não sabe como me senti. Eu tinha que fazer alguma coisa... Você me pertence, William. – levantou o rosto, segurou o meu rosto, olhava bem nos meus olhos me forçando a ver o que ela sentia.

— Você é doente. – falei olhando em seus olhos.

E o que quer que estivesse nos seus olhos virou raiva e mais uma vez ela estava acertando a mão no meu rosto, mas dessa vez foi mais forte porque senti o gosto de sangue.

— Saia de perto dele! – alguém gritou e subitamente estava se enfiando entre eu e Victoria, estava a empurrando para longe de mim. Foquei meus olhos assustados no garoto de cabelo azul à minha frente, de costas para mim.

Tinha as mãos fechadas em punho e parecia tão bravo que quase não reconheci o garoto de sorriso fácil por quem tinha me apaixonado.

— Noah. – chamei, mas ele não se virou para me olhar e nem sequer me respondeu. Mantia contato visual com Victoria.

— O que pensa que está fazendo?! – ele gritou para Victoria. – Você é louca?!

Mas a mulher se limitou a ajeitar o cabelo, colocou uma mecha vermelha atrás da orelha e olhou bem pra mim.

— Diga a ele, William. – pediu. – Conte tudo sobre nós.

— Nós? – Noah disse e dessa vez se virou para me fitar, estava tão confuso.

— Você disse que eu podia ir embora. – falei inutilmente.

A certeza de que ela nunca tinha cumprido a sua promessa ou que tudo o que aconteceu com Noah foi culpa dela estava destruindo as minhas defesas, estava derrubando os meus muros e trazendo todo o pavor de volta.

Mas antes que ela pudesse dizer alguma coisa, o segurança da lanchonete nos abordou. Ele surgiu no começo do corredor com uma cara de poucos amigos e disse numa voz grave:

— Algum problema por aqui?

— Vamos embora daqui. – reuni coragem para segurar na mão de Noah e o tirar dali.

Avancei com ele para longe daquela mulher, passei pelo segurança e não lhe disse nada mas recebi um olhar desconfiado.

— Mande lembranças à Alex. – ela ainda gritou as minhas costas, o que só fez que eu apressasse o passo.

Na primeira lixeira que encontrei joguei meu celular e durante todo o caminho para o mais longe possível dali, Noah não disse uma palavra. Ele me seguia em silêncio, estava pensativo e eu sabia que ele estava fazendo muita força para não me forçar a falar o que tinha acontecido. Parei de andar quando chegamos a praia, eu me sentei na areia e Noah me acompanhou, sua mão procurou a minha sobre a areia e a segurou.

Olhei para nossas mãos juntas sem realmente poder acreditar que ele pudesse está sendo compreensivo e paciente, quanto tudo que eu estava sendo era paranoico e retraído, escondendo coisas dele e deixando meu passado afetar o nosso relacionamento.

— Deve estar se perguntando quem era ela. – falei.

— Não precisa contar, se não quiser.

— Ela se chama Victoria. – contei, precisava contar. Se eu não confiasse nele, ia confiar em quem? – A conheci quando era criança no Orfanato. Acho que o resto da história você já pode adivinhar.

Noah ficou em silêncio e eu também não disse mais nada, ficamos sentados ali. Cada um absorvendo seus devidos fantasmas. Eu estava pensando em como contaria o resto da história pra ele, como elaboraria as frases certas sem fazer parecer tão horrível quanto era.

“Havia um Sr. K e um Sr. J, ambos também gostavam de crianças... Eles eram engraçados e gentis, mas me pediam coisas estranhas”.

— Sabe, - Noah começou me tirando dos meus pensamentos escuros. – eu nunca andei na roda gigante daqui. – eu o fitei, estava meio confuso com a mudança súbita de assunto. – Nós poderíamos ir. O que acha?

Continuei o fitando sem saber ao certo o que dizer, mas sabia o que ele estava fazendo. Tínhamos vindo aqui para nos divertir, para nos desligar dos problemas e passar um tempo juntos. Estava tentando me distrair, estava me dando um tempo. Era um gesto tão doce, tão simples...

— Acho que poderíamos ir. – me escutei dizer e ele sorriu pra mim.

Eu ia concertar as coisas, ia deixar tudo como era antes. Ergui o meu braço e o trouxe para perto, o abracei. Ele tinha cheiro de verão, sol e sabonete de fruta, era calmante. E quando o beijei, tinha gosto de chantilly por causa da cobertura do bolo que estava comendo antes. Era tudo tão familiar em Noah, a forma dos lábios, o cheiro, a textura da sua pele, tudo nele era reconfortante. Me peguei pensando enquanto o beijava nos desejos que meu eu de dez anos tinha, no modo como queria sair daquele Orfanato e ter um lar de verdade.

Eu tenho um lar, me dei conta.

— Você é meu lar. – sussurrei contra o seu pescoço ao mesmo tempo que ele passava os braços a minha volta e me acolhia, achando que assim podia me proteger.

Não podia, mas eu queria acreditar que sim.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O nome do capitulo é uma palavra nova que aprendi e tava afim de usar kkk e eu acho que combinou bem com isso aqui.
Bjs e até.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Azul" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.