Azul escrita por OmegaKim


Capítulo 6
Seis - Fantasmas.




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Will

Seguro a câmera e ajusto a lente, então aperto o botão e a foto é tirada. Ele não estava olhando para mim, estava de lado falando alguma coisa com o jornaleiro. O cabelo azul escondido embaixo do boné dos Los Angeles Lakers, que até onde eu sabia era o time do coração de toda a sua família inclusive o seu. Mas estou com a câmera pronta quando ele olha pra mim. Click. E estou eternizando o seu olhar castanho.

— Não tire fotos minhas. – reclama enquanto vem em minha direção, mas ele está rindo e por isso não levo a sério.

Tirei mais uma foto.

— Tenho que aproveitar o modelo. – disse e ele riu mais um pouco, uma revista em sua mão. – O que é isso? – desliguei a câmera, coloquei a tampa na lente.

— É só algo que Kate me pediu para comprar. – falou e enrolou a mesma e enfiou no bolso interno do casaco antes que eu pudesse ver a capa. – Vamos entrar?

— Vamos. – falei e o segui para dentro do lugar.

Tínhamos vindo assistir ao jogo de basquete do Los Angeles Lakers. Eu tinha comprado os ingressos e ligado para ele, mesmo achando que sair apenas nós dois com todo o problema que Alex tinha trazido, ser perigoso. Eu ainda não sabia que tipos de pessoas estavam atrás de Alex e por isso não sabia que tipos de pessoas podiam estar atrás de mim. Mas não pude me impedir de não comprar quando ofereceram, assim como não pude me impedir de não pensar nele quando já tinha os ingressos em mãos.

— Aqui diz 5B. – Noah leu no seu ingresso. – Acho que deve ser por ali... – e olhou para a arquibancada da esquerda, mas antes que alguém pudesse nós ver, segurei sua mão. – Oh. – se sobressaltou. O trouxe para mais perto, passei minha mão por trás da sua nuca e o beijei.

Tinha estado pensando mais em beija-lo durante o jogo, do que assistir o jogo exatamente. Em parte porque sabia o quanto tinha me tornado um namorado desleixado ultimamente e como isso o estava deixando triste. No fim, esse jogo de basquete veio bem a calhar.

Eu não sabia que estava com tanta saudade dele, até o ter tão perto. Sua boca se encaixava sem resistência na minha e ele tinha gosto de café e canela, o que era uma mistura estranha, mas gostosa. No entanto, ele colocou a mão no meu peito e me afastou. Notei as bochechas vermelhas e o olhar surpreso no rosto. Mas eu afastei sua mão e o trouxe para perto mais uma vez. Queria beijá-lo mais um pouco, queria continuar provando o gosto da sua boca, queria enfiar meus dedos por entre os seus cabelos, embaixo da sua camisa, sentir a textura da sua pele, colocar minha boca ali... Mas então ele me afastou de novo, parecia mais desconcertado do que antes e só então notei as pessoas passando por nós e entendi a sua recusa em me beijar. Noah estava com vergonha.   

— Todas essas pessoas... – ele tentou me dizer sem olhar nos meus olhos.

— Tudo bem. – falei e entrelacei minha mão na sua.

Eu o entendia, sabia sobre os seus fantasmas assim como ele sabia sobre a existência dos meus. Entendia porque ele estava com vergonha de me beijar em público. Algumas pessoas não se incomodavam, outras não gostavam mas ignoravam e ainda existiam aquelas, que realmente se incomodavam e diziam coisas ruins. E era esse último tipo de pessoas que Noah estava evitando, ainda mais depois do que aconteceu há duas semanas com o seu colega de escola. Algumas pessoas tinham encurralado o garoto na saída da escola e coisas ruins aconteceram.

A verdade era que esse tipo de violência estava acontecendo aos montes por aí, os índices de agressão e discriminação com homossexuais estava aumentando de acordo com os jornais. E por isso eu entendia a hesitação de Noah.

Seguimos até os nossos lugares na arquibancada. Noah deitou sua cabeça no meu ombro enquanto o jogo começava e peguei os olhares de algumas pessoas na nossa direção, ignorei todos.

Tirei o boné da sua cabeça.

— Hey. – reclamou.

— Não consigo ver o seu rosto com isso na sua cabeça. – falei e coloquei o boné na minha cabeça.

— E eu não consigo ver o seu. – levantou a cabeça do meu ombro e aproximou o seu rosto no meu. Me beijou rapidamente.

E foi assim que eu soube que estávamos bem, que ele tinha me desculpado pelo meu desleixo das últimas semanas. Sorri.

O jogo teve início e observei seus olhos castanhos se focarem na quadra, tão bonitos.

Céus, como eu o amava.

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Alex

Segurei o controle remoto e mudei de canal. Uma, duas, três vezes. Mas não havia nada remotamente interessante passando na tv. Então optei por a desligar. Me deitei no sofá e observei o teto ao mesmo tempo que o gato de Will pulava sobre meu estômago.

— Ai. – reclamei, mas o gato não pareceu se importar com isso, pois continuou se ajeitando para deitar em cima de mim.

Passei minha mão sobre ele, que começou a ronronar.

— Está carente? – perguntei ao gato. – Está com saudade de Will? – continuei acariciando o gato e mais ele ronronava. – Ele vai voltar logo, está em um encontro romântico com Noah. – contei e na menção do nome do namorado de Willy, o gato levantou a cabeça e abriu os olhos amarelos. – Hum. Você conhece o Noah? – o gato ficou de pé sobre meu estômago e olhava em volta, como se estivesse procurando o garoto, mas ele não estava lá. – Acho que você é mais parecido com Will do que pensei. – acabado dizendo e coloquei o gato no chão.

Me deitei de lado e fiquei observando o animal. Ele se sentou no tapete e me fitou, os olhos amarelos avaliativos sobre mim como se estivesse exigindo que eu mostrasse Noah.

— Ele não está aqui. – digo inutilmente ao gato.

O que há comigo agora? Estou mesmo dando uma explicação a um gato?

Suspiro. Deito de barriga para cima e volto a fitar o teto.

— Ele não está aqui. – repito e penso em Will e no modo como ele está sempre tão irritado.

Pensei nas últimas semanas, em como Willy estava estudando e trabalhando e ainda assim estava me acobertando, me escondendo aqui. Pensei em como ele estava deixando Noah de lado, pensando que assim o está protegendo. Eu queria poder contar a ele, dizer toda a verdade. Mas se ele souber qualquer pedaço dessa história, ele vai me odiar. E Willy é a minha única família, não posso permitir que ele me odeie. No entanto, há Noah. E há a lembrança dos dias negros, quando o seu namorado tinha desaparecido e ele quase enlouqueceu. Há o que eu fiz para ajuda-lo e há o preço que estão cobrando agora.

Escuto o bip do meu celular avisando que uma mensagem tinha chegado. Me levanto do sofá e pego o celular, que estava sobre a mesa.

Era o meu celular reserva. O que ninguém tinha o número e o qual eu nunca usava, a não ser que fosse extremamente necessário e por isso estranhei o fato de uma mensagem ter chegado. Nem mesmo Willy tinha o número.  

Apertei o botão “abrir” no celular e meus olhos se arregalam com o que recebi. Não era uma mensagem, era uma foto. Uma foto de Noah e Will. 

— Droga. – xingo.

777

Bianca

— Bianca, querida, olhe para a câmera. – minha mãe mandou com um sorriso no rosto.

Segurei o celular atrás da minha costa e sorri para a câmera. Era mais um daqueles jantares de negócios, onde eu tinha que usar vestidos bonitos e sorrir para as câmeras e para todos.

— Por que não vai conversar com Ellen, querida. – e mamãe não deixou que eu dissesse nada, apenas me empurrou em direção a Ellen.

Quase tropecei nos meus saltos, mas consegui me equilibrar. Ainda olhei para minha mãe, que lançou um olhar mandão para mim antes de voltar para a sua conversa com as outras mulheres. Avistei a avó de Noah, Elise, no meio do grupinho da minha mãe e por um momento tive esperança de que Noah estivesse aqui. Porque então, poderíamos ficar juntos e eu não ia ser obrigada a falar com ninguém, principalmente filhinhas mimadas de outras mulheres mimadas. Mas não vi Noah.

— Olá. – falei assim que cheguei até ela.

O seu cabelo loiro estava preso em uma trança de lado e o seu vestido era muito bonito, com o decote quadrado e a fenda na perna, que ia até acima do joelho. Não era vulgar, era apenas elegante.

— Olá. – me cumprimentou de volta, uma taça de champanhe na mão.

Não sabia que ela tinha idade para beber. Meus pais não me deixavam beber mais que duas taças durante os jantares, mas eu esperava que quando completasse a maioridade pudesse tomar um porre apenas para ter o que contar para os meus netos no futuro.

— Curtindo a festa? – eu não era tão boa assim em puxar assunto, mas achava que se conseguisse ficar ao menos cinco minutos aqui, ao seu lado, minha mãe ia parar de pegar no meu pé pelo resto do jantar.

— Curtindo não é bem a palavra. – respondeu e olhou para algo atrás de mim, olhei também para saber o que era.

Eram os irmãos Jackson. Anne e Nicolas, os gêmeos mais insuportáveis de todos os tempos.

— Que idiotas. – me escutei falar.

Não gostava deles assim como eles não gostavam de mim, apesar de na infância termos sido amigos e de que meu primeiro beijo tenha sido com Nicolas. Mas isso aconteceu em outra época.

— Concordo plenamente. – Ellen concordou e a encarei, então ela sorriu. – Mas temos que manter as máscaras, certo? – ergueu a taça e andou até os gêmeos. – Olá, Anne. – observei, surpresa, ela sorrir para os dois e principalmente para Nicolas. – Olá, Nick.

Peguei o olhar de Nick cair sobre mim, mas ele não havia nada ali. Nem raiva nem saudade, era como se ele estivesse olhando para uma paisagem. Assenti para ele, que assentiu de volta. Então lhe dei as costas.

Senti meu celular vibrar na minha mão, olhei o visor. Kate chamando. Procurei um lugar sem muitas pessoas para poder atender o celular. Acabei encontrando a sombra de uma árvore.

— Alô?

— Você tem cinco minutos para fugir desse jantar idiota e nos encontrar na frente da sua mansão. – disse, a voz no tom mandão que ela costumava usar com Derek.

— O que? – soltei.

— Vem logo, Bi! – esse era Daniel, reconheci a sua voz.

— Estamos te esperando. – Derek ainda disse antes de desligar.

Encarei o celular e olhei em volta. Eles disseram que estão aqui em frente à minha casa. Olhei para as pessoas se divertindo a minha volta, rindo e conversando sobre qualquer coisa, coisas fúteis. Eu não pertencia a aquele lugar, com aquelas pessoas.

Segurei meu celular e comecei a andar em direção a saída. E como esperado encontrei Kate, Daniel e Derek em um carro, no outro lado da rua, em frente à minha casa.

— O que estão fazendo aqui? – perguntei me aproximando do carro.

Devia ser o carro da mãe de Derek.

— Viemos te resgatar. – Kate disse e Daniel abriu a porta para mim.

— Entra logo, princesa. – ele disse sorrindo e eu joguei meu cabelo cacheado para trás e entrei no carro.

— Para onde vamos? – perguntei.

Kate e Daniel olharam para Derek, que sorriu.

— Aguarde e verá. – então deu a partida no carro e saímos dali.

777

Will

— Ainda temos tempo para um cinema. – falei para Noah depois que saímos do jogo de basquete.

Me surpreendi com o fato de já ser noite. Quanto tempo passamos lá?

— Hum. – focou seus olhos em mim enquanto bebia a sua coca. – Por mim tudo bem.   

Entrelacei minha mão na sua ao mesmo tempo que ele jogava o copo vazio na lixeira. Observei um sorriso mínimo se formar nos seus lábios, beijei o canto da sua boca.

— Posso dormir no seu apartamento hoje? – perguntou.

— Talvez. – falei sorrindo. – Você não tem aula amanhã?

— Amanhã é sábado. – contou e eu acabei rindo enquanto sua boca tocava a minha.

— Amanhã é sexta. – corrigi.

— Podemos fingir que é sábado. – ele também estava rindo contra a minha boca.

— Podemos. – me ouvir concordar, esquecendo por um momento que Alex estava no meu apartamento.

— Tudo bem. – ele me beijou rapidamente e antes que eu pudesse reclamar, Noah já estava me levando dali.

Seguimos de mãos dadas até o cinema, que não era tão longe dali então dava para ir andando. Enquanto íamos, me peguei observando os detalhes do seu rosto. Noah parecia uma daquelas pessoas que tinham parado no tempo, o rosto ainda era o mesmo de um ano atrás. Era como se ele estivesse estacionado nos dezesseis anos, apesar de já estar perto dos dezoito. Lembrei dos meus colegas da faculdade, principalmente Frank, que costumava implicar comigo dizendo que eu tinha encontrado Noah em um jardim de infância. Era uma piada besta, porque Noah era só um ano mais novo do que eu. E esse um ano não era lá muita coisa perto de tudo que eu sentia. No entanto havia momentos em que ele se comportava como uma criança assim como havia momentos em que ele parecia mais adulto do que o seu pai. Eu sabia que Noah estava passando por dias difíceis depois que tinha descoberto sobre o transtorno bipolar e também sabia o tanto de esforço que ele estava fazendo, segurando a barra que era a minha ausência. Eu não devia estar sendo tão ausente, mas simplesmente não sabia como consertar isso agora.

Dobramos a esquina, sua mão ainda na minha quando entramos no cinema. Era quinta e talvez por isso estava cheio ou talvez fosse por causa do filme que estava estreando hoje. Havia o cheiro de manteiga no ar e dos perfumes variados das pessoas. Noah virou a aba do boné para trás da cabeça, escondendo a sua nuca. Ele soltou a minha mão e ficou de frente pra mim.

— O que quer assistir? – me perguntou, mas ficou de frente para um cartaz de filme colado à parede, não deixando que eu observasse seu rosto por muito tempo.

— Você escolhe. – respondi ajeitando a alça da câmera no meu ombro.

— Han... Eu gosto desse. – tocou com a ponta do indicador no cartaz a sua frente.

Mas antes que eu pudesse dizer alguma coisa meu celular tocou, enfiei minha mão no bolso de trás do meu jeans e peguei o aparelho.

— Vou comprar os ingressos. – ele disse ao mesmo tempo que eu atendia, ainda assenti para ele antes que ele se afastasse para entrar na fila.

— Alô. – falei.

Olá, William. — uma voz feminina respondeu. Franzi a testa. Conhecia aquela voz. – Já faz algum tempo desde que nos vimos, não é? Mas você se lembra de mim. Não lembra? — afastei o celular da minha orelha e fitei o número, mas não havia número. Estava me ligando desconhecido.

— Quem está falando? – resolvi perguntar depois de aproximar o celular outra vez.

Quem é o garoto que está com você? – devolveu em vez de responder. Olhei em volta, como se assim pudesse encontrá-la. Não encontrei.  – É o Noah? — senti um arrepio frio na nuca, olhei para trás de mim. Mas não havia ninguém suspeito. Eram só casais, famílias, grupos de amigos. Não havia ninguém minimamente suspeito olhando em minha direção ou na direção de Noah.

Procurei Noah com os olhos. Ainda estava na fila, olhava para seus pés. Mas devia ter sentindo meu olhar sobre si, pois olhou na minha direção e sorriu. Sorri de volta. Ele estava bem, me tranquilizei. Ele está bem.

Escutei coisas sobre ele. Cabelo azul, dezessete anos, pele macia... – ela continuava dizendo.

— Fique longe dele! – falei entre dentes e como resposta ela riu.

Sempre tão mandão. -  riu mais um pouco. – Você nunca muda.

Engoli em seco com essa última frase. Eu já sabia de onde conhecia essa voz.

— O que você quer? – me escutei perguntar.

Eu quero o que Alex pegou de volta.

— Não sei do que está falando. – menti.

Não minta pra mim! – se irritou, a voz se elevando do outro lado da linha. – Sei que está com ele. Alex não tinha mais ninguém, você seria a única pessoa para quem ele correria.

— Eu não sei de nada. – menti mais um pouco, meus olhos focados nas costas de Noah. Estava apavorado com ideia de que alguém pudesse rapta-lo na minha frente, tinha que vigia-lo. – Não vejo Alex há dez anos.

E do outro lado da linha, ela suspirou.

Tudo bem. Talvez você esteja com um problema de memória, então vou te ajudar: Sei o nome dos seus pais, sei o nome da sua melhor amiga e sei aonde seu namorado mora, então acho melhor você me dizer aonde aquele rato está.

— Já disse que não sei. – continuei mentindo, não podia entregar Alex assim, sem saber porque de repente ele parecia tão importante para ela.

William, querido, meu assunto não é com você. Eu só quero o Alex, se me disser onde ele está não vou tocar em nenhum fio azul do cabelo do seu namorado. Eu prometo. Em nome dos velhos tempos, eu prometo.

Olhei em volta mais uma vez. Onde você está? Onde você está? Fiquei de frente para a saída, observei as pessoas que entravam e as que saíam. Saí do cinema e fitei o rosto das pessoas na rua e foi então que a vi. Parada, do outro lado da rua, em pé sobre a calçada. Salto, sobretudo e o batom vermelho perfeito. Tinha o cabelo vermelho, no tom que eu lembrava e mesmo estando longe, eu sabia a cor exata dos seus olhos, preto como piche. Ela sorriu para mim ao mesmo tempo que eu engolia em seco.

— Como... como você me encontrou? – sussurrei no celular.

Nunca te perdi de vista, William. Sempre estou de olho nas coisas que me pertencem.

— Mas achei que... – não terminei a frase, mas nem precisei pois ela estava rindo como se o que eu fosse contar fosse a piada mais engraçada do mundo.

Apenas me entregue Alex, tudo bem? Em troca deixo você voltar para a sua vidinha.

— Eu não sei onde...

Ou talvez, possamos sair para dá uma volta. Eu, você e o Noah.

— Achei você! – meu namorado disse surgindo de lugar nenhum ao meu lado, me virei para fita-lo. – Já comprei os ingressos. – e fez os ingressos dançarem em frente ao meu rosto ao mesmo tempo que ria da sua atitude.

— Você decide, William. – ela ainda disse antes de desligar.

— Tudo bem? – Noah perguntou, o sorriso sumindo do seu rosto.

Olhei para trás em busca dela, mas não a vi. Guardei o celular no bolso da minha jaqueta e segurei o braço de Noah.

— Vamos embora daqui. – disse e comecei a arrasta-lo para longe dali.

— O que aconteceu? – perguntou, mas não respondi. Apenas continuei o levando para longe dali.

Precisava mantê-lo seguro.

— Vou te levar para o meu apartamento. – falei. Estava nervoso e meio paranoico, olhava para todos os lados enquanto caminhava como se qualquer uma daquelas pessoas pudesse ser cúmplice daquela mulher e tirassem Noah de mim. – Pode avisar a sua avó quando chegarmos lá. – continuei dizendo.

— Espera. Para. – Noah parou de andar e puxou o seu braço do meu aperto. – O que aconteceu?

— Não aconteceu nada, Noah. – menti. Não podia contar tudo a ele agora. – Eu pensei que pudesse...

— Para com isso! – exclamou e me surpreendi com o tom alto da sua voz. – Para de mentir para mim!

— Não estou mentindo para você. – neguei apesar de ser verdade.

— Está sim. Você fica arranjando desculpas, me evitando, escondendo coisas de mim, mentindo... Acha que eu sou idiota? Acha que eu não sei quando mente?

Algumas pessoas estavam nos observando, outras passavam direto mas não sem antes nos lançar algum olhar desconfiado.

— Tudo bem. – falei. Eu não podia protege-lo, estava me dando conta disso agora. – Eu não vou mentir – me aproximei e segurei suas mãos. – também não vou me afastar. – ele levantou os olhos castanhos para me fitar, procurou no meu rosto algum sinal de mentira. – Prometo.

— Vai me contar o que está acontecendo? – perguntou.

Assenti, mesmo achando que a verdade era horrorosa demais para ele saber.

777

Noah

Will não me levou para o seu apartamento como prometera, na verdade ele apenas me trouxe para casa. Disse que nos encontraríamos amanhã e se despediu com um beijo rápido na minha bochecha, nem ao menos me deixou dizer qualquer coisa.

Ele tinha estado inquieto a viagem toda. Verificava o espelho retrovisor a cada dois minutos, olhava as notificações no celular e sempre que podia conferia o horário no relógio de pulso. Mas não tinha dito absolutamente nada. Permaneceu quieto com o rosto muito sério, como se estivesse pensando em algum problema matemático sem solução, era a sua expressão de preocupação. Eu consegui reconhecer o modo como ele franzia a testa e o azul desfocado dos olhos. Will estava preocupado com alguma coisa.

Uma parte minha quis perguntar o que havia de errado, exigir uma explicação, mas a outra só quis ficar quieto porque sabia que ele não iria responder. A verdade era que eu estava chateado pelo modo como as coisas estavam se desenrolando conosco. O encontro não estava indo bem? Não tínhamos dado risadas suficientes juntos? O clima estranho tinha até mesmo se dissolvido durante aquelas poucas horas e eu sabia que se tivéssemos continuado, amanhã estaria tudo bem e ficaria assim por um bom tempo. Mas alguma coisa tinha dado errado...

— Oh, você chegou. – Maya disse surgindo na sala com uma tigela de pipoca na mão e o celular na outra.

Não respondi, em parte porque não estava falando com ela e em parte porque estava sem vontade. Continuei deitado no sofá, olhei para o teto.

— Saquei. – falou. – Tratamento de silêncio para mim. – ela se sentou no chão, em frente ao sofá que eu estava, as costas encostadas nele.

Olhei de soslaio para as suas costas, a forma dos ombros desnudos. Maya tinha sardas no corpo do jeito que Erika tinha, pequenos pontinhos marrons jogados sobre uma superfície pálida. Eu lembrava de contar os pontinhos marrons em suas bochechas quando era mais novo, quando ela se debruçava sobre mim na cama e me dava um beijo de boa noite quando papai não podia e Erika não queria. As sardas no rosto foram sumindo na medida que ela crescia e agora só restaram essas espalhadas pelo ombro e pela barriga, mas eram tão poucas que quase ninguém notava. Era uma das poucas coisas que ela tinha em comum com nossa mãe, mas agora essa única coisa estava desaparecendo enquanto comigo, as coisas em comum com ela estavam surgindo aos montes.

— Existe algum tipo de prazo de validade para isso? – e comeu um pouco de pipoca.

Suspirei e girei o anel no meu dedo anelar. Tinha o conseguido na semana passada durante a terapia quando ganhei uma aposta contra Ellen e Henry.

Não respondi, mas mesmo se eu quisesse não ia precisar porque o barulho do carro dos meus avós se fez presente. Levantei do sofá depressa e subi para o meu quarto antes que eles entrassem em casa. Não estava afim de falar com eles também, porque eles iam fazer perguntas sobre meu encontro com Will e eu realmente não queria falar sobre isso.

— Olha só, parece que vovó e vovô estão na lista do silêncio também. – Maya ironizou. – Não me sinto mais tão sozinha. – lancei um olhar feio para ela, que apenas se limitou a comer mais um pouco de pipoca.

Apressei o passo para o meu quarto quando escutei a porta ser aberta.

Tirei meus sapatos e a camisa que estava usando, e me joguei na minha cama. Virei de lado e sem querer foquei meus olhos nos meus remédios, os dois frascos sobre o meu criado mudo ao lado do meu despertador. Meus eternos companheiros, afinal não havia chance alguma de que eu pudesse deixar de toma-los algum dia. Quer dizer a não ser que eu quisesse me tonar um maluco e quisesse terminar os meus dias em uma ala psiquiátrica como minha mãe. Mas apesar dos meses que já estávamos juntos ainda achava estranho o efeito que eles tinham.

“São inibidores, Noah. Eles vão amortecer as suas emoções, as descargas elétricas dos seu cérebro para que você não fique descontrolado.” – foi o que o doutor disse na primeira vez, quando recebi o diagnóstico. Mas eu não estava realmente escutando, era como se a pessoa que estivesse ali na sua frente fosse alguém totalmente diferente de mim. Escutava as palavras, contudo não sentia que elas eram realmente para mim, estava apenas encarando os fracos de remédio sobre a sua mesa e pensando que gosto teriam.

Fechei os olhos e rolei para ficar de barriga para cima.

Como eu odiava aqueles remédios. “eles servem para me manter na linha, no fim não querem que eu seja eu mesma”. Foi o que Erika disse na nossa última conversa. Não sabia porque estava pensando nisso agora e nem porque tinha começado a pensar nela nesses últimos dias, mas a cada passo que eu dava era como escutar a voz dela na minha cabeça, seja rindo ou apenas repetindo frases da minha infância. Frases sem sentindo aparente que rondavam minha mente e me deixavam pensativo.

Durante os anos após a minha visita a ela no hospital psiquiátrico, uma parte minha tinha sempre considerado que as coisas só aconteceram daquele jeito porque ela estava louca, enquanto a outra parte só estava dominada pela forma como ela era incapaz de gostar de mim. Mas agora que tínhamos a loucura em comum, eu costumava me pegar pensando se teríamos o mesmo fim.

777

Alex

Estava em pé, encostado na bancada da cozinha quando a porta se abriu e um Will calmo demais entrou no apartamento. Tinha ficado pensando em como mostraria a ele a foto que recebi ou se era mesmo o certo mostrar a ele a foto. Ainda achava que a ignorância do assunto podia salva-lo, e acho que não teria falado nada se ele tivesse passado direto e se trancado no seu quarto, contudo ele parou na minha frente e me encarou. E como se ele tivesse contado alguma piada, lhe dei um sorriso.

Ele já sabia de tudo.

— Chegou pra mim enquanto você estava no seu encontro. – empurrei o celular em sua direção, a tela acesa e a foto congelada ali.

Willy desviou os olhos de mim e encarou a tela do celular por alguns segundos, eu conseguia ver a imagem dele e de Noah refletida na lente do seu óculos. Então, finalmente, voltou a me fitar, o azul da sua íris quase preto por causa da luz fraca da cozinha e por causa da raiva, que estava sentido de mim por ter me enfiado em sua vida assim e colocado a coisa mais importante para si em perigo.

Ela me ligou. – confessou e arregalei os olhos. – Não sei como ela me achou. – ele se afastou um pouco, olhou para os lados como se ela pudesse estar ali nos observando.

— Mas como...

— Achei que você podia me responder isso. – cruzou os seus olhos com os meus, mas não fui capaz de manter o olhar, desviei. – O que você pegou?

E ali estava a pergunta de um milhão de dólares. Tive que segurar a vontade de rir mais uma vez, em parte porque sabia que uma risada não seria bem-vinda agora então por isso, me segurei e pensei nas palavras que usaria para contar a terrível história, mas não havia palavras certas. Não havia, para o meu desespero, nada certo na nossa vida. Principalmente, na nossa. As crianças marcadas. Por muito tempo eu tinha pensado em que tipo de maldição tinham jogado sobre nós e como conseguiríamos acabar com ela e viver em paz. Tinha realmente acreditado que podia acabar com tudo, que podia esquecer e viver como Willy estava fazendo, do jeito que Elizabeth estava tentando. Mas não podia. Essas coisas sempre voltavam, afinal eram assuntos inacabados e coisas inacabadas sempre voltam para te perturbar.

E agora estavam perturbando.

— Sugiro que pegue seu namorado e suma da face da Terra. – acabei dizendo em um excesso de coragem que nunca tive.

— O que está falando?

— Estou falando que temos que sumir do mapa, pegar Noah e todas as coisas importantes e então desaparecer.

— Não vou fugir.

— Então não fuja, fique aqui com Victoria e todos os outros na sua cola. – me irritei, no entanto estava era irritado comigo do que com ele. Me desencostei da bancada, queria correr dali e me esconder.  

— Que droga, Alex! Está se escutando?!

Claro que eu estava e por isso estava irritado. Tinha fugido minha vida inteira...

— Não banque o idiota agora. Diga de uma vez o que você fez! – estava tão sério que fui obrigado a engolir em seco. – Ela não teria me ligado e me ameaçado se você não tivesse feito uma coisa grave.

— Willy... – comecei.

— Fala. – me fitou bem nos olhos e foi como se ele pudesse ler minha alma e puxar os segredos para fora.

— Eu descobri tudo. – disse simplesmente como se isso pudesse explicar toda essa confusão. Contudo as palavras foram pulando da minha boca como que conectadas com a primeira, a história foi ganhando forma diante dos olhos de Willy. – Quando me pediu para ir atrás de informações sobre o caso de Noah, eu acabei tropeçando em algumas coisas, coisas ruins, coisas sobre nós. – ele me fitou assustado, sabia do que eu estava falando. – Estava no meio dos arquivos policiais, tudo sobre o que acontecia no Orfanato.

— É normal que a polícia tenha isso, - falou. – foram eles que acabaram com aquilo.

— Você não entendeu. – tentei de novo, estava reunindo toda a coragem que tinha para contar aquilo. – Eles não tinham aquilo como arquivo policial, não eram provas de um caso, eram como folhas de pagamento de uma empresa. Eles sempre souberam do que acontecia naquele lugar, eram pagos para ficarem calados.

— Pagos? Não, a polícia... Eles fecharam... – estava tão confuso que não conseguia formar uma frase completa.

— Eles sabiam de tudo. E depois que você saiu de lá, as coisas ficaram complicadas então, quando você denunciou o local, eles tiveram que fingir que não sabia de nada e fecharam o lugar. Minha... mãe foi presa. – quase engasguei. – E todo o mercado negro mudou de local.

Willy voltou a me fitar e tive vontade de dizer “nunca acabou, Willy. Estávamos apenas nos enganando”.  

— O que isso tem a ver com o caso do Noah?

— Nunca achou estranho que o Florista nunca foi caçado pela polícia? Havia provas suficientes para que se começasse uma investigação em cima dele, não havia? Você mesmo leu o arquivo sobre ele.

Will balançou a cabeça e se afastou como se não pudesse mais escutar sobre isso, mas eu não podia mais parar. Sair de trás da bancada e o segui até a sala, observei enquanto ele se sentava no sofá e o seu gato surgia de lugar nenhum e vinha se esfregar no seu tornozelo, ele acariciou as costas do gato sem muito entusiasmo e com rosto baixo disse:

— Está dizendo que a polícia estava acobertando os crimes dele?

— Estou dizendo que o Florista é apenas a ponta do iceberg.  

Ele voltou a me fitar. Mordi o lábio, afinal eu tinha muita coisa para contar.


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Notas finais do capítulo

Eu sei, eu sei... Não devia ter desaparecido desse jeito. Mas o que aconteceu foi que minha cabeça ficou uma bagunça e minha vida ficou uma bagunça e de repente eu não conseguia me concentrar em quase nada... Sinto muito por isso.
As coisas estão se ajeitando agora e eu até mesmo vim postar :D.
Espero que tenham gostado do cap, ele é meio como uma introdução para toda a confusão que vai vir no próximo.
Bjs e até.



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