Por que não me tiraste a minha vitalidade, ou a minha razão? Mas você justo quis a minha vontade de escrever, o pilar principal da minha sanidade e fonte de toda a minha criatividade. De tantas outras, foste a mais cruel, a mais suja e perversa. Se me quisesse morto, por que logo não o fez? Tinhas de ser a adaga de fio cego que rouba a vida de quem a toca aos poucos. Tinhas de ser fria a ponto de dizer que me amava enquanto concluía o seu plano.

          Cá estou a sete palmos abaixo da terra, ainda lúcido. Sinto que já é tarde demais para um ato de sobrevivência. Prefiro deixar por assim mesmo, e não ampliar a dor de ver o meu mundo desabando diante os meus olhos. Os mesmos olhos que um dia pude lhe ver ao longe com sua família.  Seu pai já era conhecido de nossa família, e só quando chegaram à sala que pude ter certeza de que era você. Quanta ternura os seus olhos brilhavam, quanta beleza fazia os meus a brilhar mais. O mesmo sorriso tímido e delicado ao canto da boca. A mesma voz que fazia de mim o maior e mais obediente vassalo.

         Tudo por acreditar na verdade. Tudo por fazer o que é certo. Mas não me arrependo das minhas escolhas, porque já está tudo feito. Eu só não consigo aceitar a derrota. Em instantes todas as minhas lembranças irão comigo, onde ninguém as encontrará, e isso não me deixa menos preocupado.