A Última Gota escrita por Nina F


Capítulo 5
Capítulo Quatro




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Depois da reprise, me lembro apenas de seguir até o quarto com os pensamentos enevoados, porém, no momento em que apaguei as luzes e me deixei cair sobre os cobertores macios, caí no sono imediatamente. Durmo um sono levemente agitado, até que sinto alguém chacoalhando meu ombro delicadamente. Me reviro na cama e dou tudo de mim para abrir os olhos, Megara está sentada ao meu lado, já com roupas totalmente diferentes e um sorriso mais contido e verdadeiro no rosto.

— Bem vindo à Capital, de novo.

Sou obrigado a vestir apenas um roupão branco quando me enviam para minha equipe de preparação, que, felizmente, é a mesma do ano passado. Há as gêmeas Lucy e Lucille, que quase sempre se vestem da mesma maneira, diferenciando entre si apenas pelas cores, e Hugo, um cara alto e esguio, que sempre usa roupas formais e conversa pelos cotovelos quando se trata da vida alheia. Quando sou entregue a uma sala de paredes e chão claros, eles estão lá para me receber de braços abertos, sorrisos escancarados e boas-vindas escandalosas.

— Cato! – Lucille rapidamente me puxa num abraço longo e apertado que me faz revirar os olhos e sorrir. – Nosso tributo favorito!

— É uma honra trabalhar com você novamente, Cato. – Hugo também tem o tom afetado da Capital quando me cumprimenta, inclinando-se levemente.

— Digo o mesmo, - solto uma risada fraca quando Lucille trata de arrumar meu cabelo pós-sono altamente revolto – estou feliz que sejam minha equipe este ano também.

Olho ao redor, percebendo o silêncio que ocupa o lugar do estardalhaço que Lucy faria. Ela não está presente. Acredito fazer uma carranca quando olho para Lucille, pois ela rapidamente se explica.

— Lucy está chegando, não se preocupe. Agora venha aqui, deixe-nos ver você.

Lucille e Hugo me rodeiam por algum tempo, me examinando e já planejando todos os passos da minha preparação. Ela trota para lá e para cá em saltos altos estranhos que têm uma forma curva, usando um vestido de material lustrado num tom de verde que dói os olhos. Hugo é mais contido, mas isso não significa que seu terno roxo não seja chamativo, assim como sua peruca combinando. Eles estão discutindo algo a cerca da minha barba quando um gritinho esganiçado faz-se ouvir da porta da sala. Sei que Lucy agora está aqui antes mesmo de me virar.

— Cato Hadley! – ela se recosta no batente da porta e inesperadamente começa a chorar, as palavras seguintes saindo balbuciadas – Eu estou tão feliz em te ver!

Eu já sabia que Lucy é muito emotiva, mas aquilo realmente me assusta. A irmã rapidamente vai de encontro a ela, amparando-a para dentro da sala e tentando acalmá-la. No final, demora um pouco até que Lucy tome um calmante e consiga me abraçar decentemente. O traço azul que delineia sua pálpebra agora levemente borrado, quando ela me encara com os olhos verdes.

— Me desculpe pela confusão, querido, – Lucy sorri, me dando um apertão na bochecha que tenho a certeza de que ficará marca – são os hormônios da gravidez, estou completamente desarranjada.

— Você está grávida? – minha careta de dor acaba contribuindo para uma expressão surpresa.

Ela assente e então gesticula como se chamasse alguém. Não entendo o que Lucy está fazendo até que uma garota surja ao meu lado. Não faço sequer ideia de onde ela tenha saído.

— Esta é Edith, estou treinando-a para me substituir quando o bebê nascer. – Lucy puxa a garota para seu lado com veemência demais. – Você será meu último tributo, Catinho!

A garota, Edith, deve estar em seus vinte anos, com um cabelo longo pintado de cor de rosa bem vivo e uma tatuagem dourada no rosto. Ela está tão vermelha que nem mesmo a camada grossa de maquiagem que usa consegue esconder isso enquanto ela evita me olhar diretamente nos olhos.

Lucille imediatamente me pega pelos ombros e me guia na direção da mesa de procedimentos no centro da sala.

— Ela te adora, então apenas releve caso ela se empolgue demais com você. – ela range, à respeito da garota e então levanta novamente o tom de voz, ao que me empurra para que eu me deite sobre a mesa – Vamos começar!

Minha equipe de preparação faz de tudo comigo, como se eu fosse um boneco inanimado que não sente dor alguma. São tantos os potes e vidros de produtos que não sei qual a função de cada um. Um primeiro gel faz minha pele gelar, um segundo praticamente me esfola vivo, sendo necessário um terceiro para aliviar a ardência do anterior e por aí vai. A novata até tenta ajudar, mas logo em sua primeira tarefa, quando Hugo empurra um pote em suas mãos e pede para que ela passe a coisa sobre o meu peito, ela não consegue sequer me tocar direito antes de ter um ataque de histeria.

— Novatos... – minha equipe murmura em uníssono, após tirarem a garota dali.

Permaneço sentado na mesa enquanto eles dolorosamente eliminam os pelos do meu peito e dão um jeito para que minha barba não cresça por algumas semanas. Lucy, Lucille e Hugo não se calam por um só instante e eu realmente não entendo como o assunto sai de um pato ruim de alguma festa, para os tributos deste ano.

— Não gostei da garota do Distrito 1, não me lembro o nome... – enquanto olha para o alto, pensativa, Lucille puxa a derradeira tira de pano com cera do meu peito, me levando a fazer uma careta de dor. – Revlon!

— Nem eu! – Hugo imediatamente passa a ela um pote de uma pasta esverdeada espessa. – Ela me parece ser mais arrogante do que aquela do ano passado, a que morreu de picada de Teleguiada, lembram?

— Glimmer – digo.

Me lembro muito bem dela, estava em meu grupo. Glimmer tinha habilidades interessantes, mas tentava desesperadamente dar em cima de qualquer garoto, a fim de conseguir mais atenção. Ela me irritava e, pessoalmente, eu não a achava nem um pouco atraente, mas assumo que morreu uma maneira bem ruim. No incidente com o ninho de Vespas Teleguiadas que Katniss derrubou sobre nós, eu saí com algumas poucas picadas, mas aquilo foi o bastante para me fazer gritar em dor e agonia por horas a fio. Me lembro do cadáver desfigurado de Glimmer e sei que para ela foi  mil vezes pior.

Lucy suspira, se sentando ao meu lado e fazendo uma pausa.

— Mas eu gostei muito daquela garota, Violet, a sua parceira de distrito! - ela diz, cutucando meu ombro. – Eles já estavam preparando-a quando fui pedir cera emprestada à Noreena.

Há um murmúrio de aprovação dos outros e eu arqueio as sobrancelhas para o nada, tentando não transparecer o quão mais atento eu fico quando os comentários passam a se referir à Violet.

— Ah, sim! Ela é tão bonita! – exclama Hugo.

— É, sim. Vi as fotos de ontem em uma revista e você também estava nelas - Lucille acrescenta para mim, com um sorriso zombeteiro – Vocês ficaram tão lindos juntos, Cato...

Eu rio do comentário e logo outro tributo se torna o assunto principal, e então algum estilista... É a vida deles aqui, comentar sobre festas, outras pessoas e sobre a nova cor da moda.

Minha preparação chega ao final quando Hugo finalmente penteia meu cabelo com gel e então eles se vão, me desejando sorte mais tarde ao mesmo tempo que dizem ter certeza de que serei o tributo mais exuberante. Fico sozinho na sala por alguns momentos, andando de um lado ao outro, mas quando minha estilista entra pela porta, percebo que é um rosto completamente estranho para mim.

Ela usa óculos escuros, o cabelo loiro lentamente se torna amarelo e termina em cachos sobre seus ombros. Ela sorri ao fechar a porta e tira os óculos, se aproximando e me estendendo a mão.

— Cato, como vai? Sou Mars, sua nova estilista.

Aperto sua mão com uma expressão de desconfiança enquanto observo-a. Me parece decente, vestida de um modo menos extravagante.

— Nova estilista?

— Sim, seus mentores pediram pela troca dos antigos estilistas do seu distrito.

— Claro que sim, fizeram bem. Eles não fizeram um trabalho muito bom. – digo, com mais azedume do que pretendia.

Não posso evitar fazer uma careta. Nossa dupla de estilistas do ano passado tinha um pouco de criatividade, mas ainda assim fomos facilmente sobrepujados pelo Distrito 12. Isso significou que não eram bons o bastante. Minha estilista, Sora, era até mesmo um pouco mal-educada.

— Eu lhe garanto que o 2 hoje receberá o destaque que merece. – ela sorri abertamente. – Posso te olhar um pouco?

Desamarro o roupão e fico nu enquanto Mars caminha lentamente ao meu redor, me medindo com os olhos e me tocando, ainda que de uma maneira respeitosa. É claro que fico ligeiramente constrangido, mas me esforço para desprender minha atenção da situação. Quando ficamos frente a frente novamente, ela bagunça meu cabelo e observa meu rosto com um olhar clínico.

— Tudo bem, - ela torna a sorrir – pode se vestir. Vamos conversar um pouco.

Enquanto recoloco o roupão, Mars caminha até a parede lateral e uma porta se abre do nada ali. Assim que passo, ela torna a deslizar e sela a passagem, fazendo a parede parecer totalmente sólida outra vez. O cômodo em que estamos é amplo, com uma parede feita inteiramente de vidro nos dando uma vista panorâmica da Capital e me fazendo perceber o quão alto estamos. Mars se senta a uma pequena mesa do centro da sala e eu a sigo, ocupando a cadeira defronte a ela. Nossos pratos do almoço já estão servidos e levemente fumegantes.

Minha estilista toma sua taça cristalina e bebe de um líquido azul, o qual não ouso experimentar.

— Meu irmão, Victor, está trabalhando com sua parceira. – ela começa. – Nós estudamos várias filmagens das cerimônias anteriores e achamos melhor reciclar uma ideia antiga e melhorá-la. Diga-me, Cato, vocês no Distrito 2 produzem armas, treinam Pacificadores e têm minas, certo?

— É. – respondo, comendo um pouco do meu prato. – Escavamos pedras, trabalhamos em construções por toda Panem, esse tipo de coisa.

— Entendo. – ela maneia a cabeça, tamborilando as unhas compridas sobre o vidro da mesa. – E o 2 sempre tem tributos muito fortes, não é mesmo? Fortes como rochas...

Após algumas últimas horas de preparação, estou em um traje sem mangas e botas de um cinza polido. É imponente, tenho de admitir, numa textura estranha, mas que reflete a luz de um jeito eficiente, sem parecer exagerado demais. Quando Mars e eu atingimos o nível inferior do Centro de Transformação, a maioria dos tributos já está lá acompanhada de seus estilistas e mentores. Achamos a carruagem do 2, que é feita puramente de algo que parecer ser aço, puxada por cavalos brancos. Enquanto esperamos os outros, Mars insiste em dar últimos retoques no meu cabelo ou arrumar e espanar meu traje. Ela está limpando algo em minhas costas quando avisto a carruagem do 12. Mal presto atenção ao tributos em questão, mas Katniss e Peeta estão logo ao lado. Ele fala algo com o garoto enquanto Katniss conversa aos sussurros com um dos estilistas.

Me lembro da última vez que os vi em carne e osso, foi durante sua Turnê da Vitória, quando eles foram ao 2 e fizeram um ridículo discurso a cerca de sua vitória nos Jogos. Geralmente, na Turnê, o vitorioso fica frente a frente com as famílias dos tributos mortos e fala sobre quão grandes foram suas perdas e como ele sente por isso. A diferença é que eu estava lá também, enquanto Katniss mal conseguia me olhar e Peeta fazia o possível para recitar suas falas prontas com antecedência, que com certeza não foram escritas por eles. Não nos falamos diretamente naquele dia.

Mas desta vez, quando ergue os olhos e me vê olhando, ele me cumprimenta com um aceno de cabeça. Retribuo o gesto e me viro em direção à Mars, prestes a reclamar da demora quando Violet surge do elevador com seu estilista em seu encalço. Não posso ignorar sua beleza, andando sobre saltos que a deixam quase da minha altura.

— Nos atrasamos muito? – ela pergunta com preocupação quando se aproxima.

De perto, Violet está ainda melhor. Ela usa um vestido curto no melhor estilo da Capital, também sem mangas e num tecido diferente do meu – se é que é um tecido. Quando dou por mim, já estou tocando sua saia, que descubro ser rígida, sentindo as várias pequenas e afiadas arestas, como pedra lapidada.

— É engraçado, não é? – ela ri da minha curiosidade e eu a acompanho.

— Bem estranho, mas de uma forma boa. – sorrio.

Penso ver um leve rubor no rosto de Violet, mas logo Mars puxa sua mão, fazendo-a girar para olhar melhor o figurino.

— Ficou incrível! Exatamente como imaginamos! – ela exclama excitada para o irmão.

— Concordo, ela me surpreendeu bastante e tive de fazer alguns ajustes antes de virmos.

Victor se veste discretamente e se parece muito com Mars, até mesmo no modo de agir quando se apresenta a mim e me elogia. Lado a lado, enquanto eles nos analisam e discutem sobre as impressões que iremos causar, parecem até gêmeos.

Violet e eu ficamos ao lado da carruagem até que Brutus, Enobaria e Megara chegam e, obviamente, a primeira reação que Meg tem ao nos ver é soltar um gritinho de admiração.

— Vocês estão tão exuberantes! – ela diz, mal ousando nos tocar.

— Estão mesmo. – Enobaria concorda com um meio sorriso enquanto Brutus olha ao redor.

— O Distrito 1 está usando roupas bem brilhantes, mas creio que vocês chamarão mais atenção. – ele diz, enfiando as mãos nos bolsos com uma postura autoritária. – Tentem ser simpáticos aos patrocinadores, mas também imponentes e superiores. Não acenem muito.

Nós concordamos e Victor nos avisa que devemos assumir nossas posições, o desfile deve começar a qualquer momento. Ajudo Violet a subir na carruagem e então a sigo. Enquanto nossa equipe conversa entre si, nós observamos os demais tributos. A dupla do 1 está logo a nossa frente em roupas incrustadas com pedras, discutindo avidamente com seus estilistas.

— Qual o problema deles? – Violet murmura ao meu lado.

— São mimados, os do 1. O distrito do luxo e toda aquela coisa. – corro os olhos pelo lugar e vejo os tributos do Distrito 3 envoltos em metal cromado e fios lutando para subir em sua carruagem. – Dá uma olhada naquilo.

Violet ri e, para piorar, a garota consegue se enrolar o bastante para tropeçar.

— Eles parecem duas pequenas máquinas ambulantes. – ela sussurra maldosamente e procura por mais tributos em apuros, seus olhos se arregalando. – Não acredito!

Sigo o olhar de Violet até os tributos do 5, que, para meu igual espanto, estão completamente nus. É inevitável, nós nos olhamos e começamos a rir ainda mais alto que antes. O pobre casal está parado ao lado de sua carruagem com apenas listras coloridas cobrindo o corpo.

— Quem são os estilistas deles? – zombo – Quanta apelação! Olhe os do 10, parecem ser... O quê? Vacas?

Violet ri tanto que precisa se apoiar na carruagem para tomar um pouco de fôlego. Ela suspira e me olha, balançando a cabeça.

— Por favor, as roupas deles têm chifres!

— A julgar pela concorrência, me parece que somos os melhores por aqui. – dou de ombros.

É claro que os outros tributos nos notam, vestidos melhor que eles, rindo alto e exalando presunção. Recebemos olhares que vão do desprezo ao medo, mas pouco me importa. É exatamente isso o que quero.

Por um momento desvio os olhos para Violet e noto uma pequena mecha de cabelo se soltando de seu penteado, a qual eu automaticamente ponho de volta no lugar. O gesto a faz se sobressaltar levemente, mas ela sorri em seguida, como agradecimento.

— Você está bonita. – digo baixo.

Ela ergue uma sobrancelha e sei que está confusa pelo elogio súbito, mas eu não cheguei a pensar uma segunda vez antes de dizê-lo.

— Você também. Gosto de como não estamos iguais, mas sim complementamos um ao outro.

Ela tem razão, nossas roupas não são nada parecidas, exceto pelas cores e pelo jeito que refletem a luz, nos fazendo brilhar suavemente. Por um segundo, enquanto Violet observa melhor meu traje, eu tomo liberdade para fitar seu rosto. Ela não usa muita maquiagem, o que agrada muito mais.

Ambos nos assustamos quando a carruagem subitamente começa a se mover para entrar em uma fila se formando em frente aos grandes portões que nos separam da multidão lá fora, a qual provavelmente já está impaciente. Nossos mentores, estilistas e Meg nos dão alguns últimos conselhos antes de se afastarem e nos deixarem sozinhos. É bem audível quando a música começa a tocar e Violet suspira ao meu lado apenas um segundo antes de os portões serem abertos e os gritos ensandecidos da Capital chegarem claros até nós.

A carruagem do Distrito 1 parte primeiro e logo estamos nos movendo. É um tanto surreal quando acontece, as pessoas vibram como loucas e então boa parte dos olhos estão em nós.

Sigo o conselho de Brutus e dou um sorriso a todos, mas é um sorriso cheio de arrogância, o sorriso de um Carreirista. Aceno para o público e vejo que é verdade o que Caesar disse na televisão, eles me reconhecem e gritam meu nome mais forte que qualquer outro. Quer dizer, há outro tributo pelo qual eles também chamam: Violet Beauregard. Checo como ela está se saindo ao meu lado e desta vez não me surpreendo, está fazendo tanto sucesso quanto na estação, com aqueles fotógrafos. Violet, em toda sua produção, já não carrega tanta inocência e os centímetros a mais devem ajudá-la a não contrastar tanto comigo.

Dou uma olhada nos telões acima de nossas cabeças e vejo como as roupas nos favorecem, fazendo com que tenhamos uma leve áurea brilhante na luz do anoitecer. Também constato através dele que o 12 não está com suas chamas hoje, não há ninguém para nos diminuir e isso me dá ainda mais confiança. Apenas estendo minha mão em direção à Violet e ela rapidamente entende o que pretendo fazer. Nós devemos dar à Capital exatamente aquilo que ela quer.

Violet entrelaça os dedos nos meus e nós erguemos nossas mãos para o alto, juntos, sorrindo ainda mais abertamente para a multidão. Há tantos significados por trás do gesto, mas o efeito dele é exatamente o esperado: as pessoas fazem mais barulho, erguem-se de seus assentos e jogam coisas para nós. Somos ovacionados e “Distrito 2!” ecoa pelas arquibancadas que nos cercam. Os telões praticamente congelam em nós. As pessoas não descansam nem quando contornamos o Círculo da Cidade e paramos, pelo contrário. Aqueles que estão mais próximos se debruçam sobre os parapeitos, como se pudessem nos alcançar e tocar. Tenho certeza de que a essa hora os patrocinadores já estão fazendo suas apostas em mim.

Ao que todas as carruagens estão paradas diante de uma alta varanda, o presidente Snow surge nela, sorrindo e nos dando as boas-vindas. Sinto um calafrio e minha visão fica ligeiramente turva quando isso acontece e Violet rapidamente se volta para mim.

— Está tudo bem? – ela sussurra.

Assinto e só então percebo que ainda seguro sua mão, ela deve ter me sentido vacilar. Eu não me arrisco a soltá-la, embora pouco a pouco o mal-estar desapareça, e ela também não o faz então ficamos nos segurando um ao outro até o discurso de Snow acabe.

— ...Que a sorte esteja sempre a seu favor! – ele termina sua fala e me encara.

Pelo menos é o que me parece, mas ele está tão alto que não posso ter certeza. Ainda assim, não desvio o olhar até que minha carruagem recomece a andar, nos levando até o Centro de Treinamento.

Violet e eu nos afastamos apenas depois de saltarmos da carruagem, dentro do grande galpão subterrâneo. Nossas equipes de preparação nos esperam para nos parabenizar, assim como nossos estilistas, mentores e escolta.

— Vocês foram ótimos, de verdade. Parece que são os favoritos deste ano. – diz Brutus.

— Não foi nada, apenas fiquei de pé em cima daquela coisa e sorri um pouco. O trabalho duro foi todo de Victor e da minha equipe. – Violet sorri para seu estilista que está logo ao seu lado.

— Concordo. – digo, fazendo com que Mars sorria à minha frente.

— Não é a aparência que faz o tributo, é o tributo que faz sua aparência. – ela diz.

Nossas equipes de preparação se vão logo para comemorarem, mas o resto de nós mata um pouco de tempo ali, antes de subirmos para o jantar, e eu dou uma última olhada nos outros. Alguns tributos já subiram com suas equipes, mas a maioria ainda está aqui. Tendo ganhado muita atenção durante a cerimônia, é claro que Violet e eu continuamos a ganhar olhares hostis, mas não do Distrito 1.

Vejo-os parados ao lado de seus cavalos, nos olhando com certo interesse. Violet percebe meu olhar e se vira, franzindo o cenho.

— O que eles querem? – ela range, claramente desconcertada.

Eu nego com a cabeça, e murmuro um “não sei”, até que o garoto acena para nós, ou, mais precisamente, para Violet. Temos o porte parecido, ele e eu, dará um bom aliado, assim como a garota, Revlon. Mas ainda assim algo nele me dá uma sensação ruim, e é essa sensação que me faz tirar Violet dali comigo, dizendo a Brutus e Enobaria que nós deveríamos subir.

— Não é bom ter muito contato com eles até o treinamento. – digo, quando Violet me lança um olhar confuso.

Olho de soslaio para eles mais uma vez, por cima do ombro enquanto saímos dali, e eles ainda nos encaram, mas agora aos cochichos. Mantenho minha mão pousada nas costas de Violet até que atingimos o elevador.


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Notas finais do capítulo

Capítulo finalmente no ar depois de tanto tempo! Deixem reviews, por favor ♥



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