Um Rei para Hawktall escrita por Loba Escritora


Capítulo 19
Capítulo XVIII




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Giuseppe

A visita da princesa havia deixado seu coração radiante. Durante o passeio pelos corredores moldados com arbustos, conversaram sobre a infância de Giuseppe. Como o bom contador de histórias que era, arrancou da bela dama sonoras gargalhadas, e ainda podia ouvi-las se fechasse os olhos. Sentia que a conhecia há anos depois daquelas horas juntos.

Não podia negar o quanto estava feliz, mas o ar tristonho de Kazimir o preocupava. Notou que o amigo mal prestava atenção nos gracejos de Louis, com quem costumava divertir-se durante todo o dia.

— O que houve, Kaz? — perguntou, pousando sua mão no ombro do amigo, enquanto se sentava ao seu lado.

O banco na varanda do casarão lhes proporcionava uma ampla visão daquela parte do jardim, onde podiam observar Louis ouvindo os ensinamentos de como cuidar do parreiral.

— Já teve que mentir para alguém que ama, Giuseppe? — a voz de Kazimir saíra trêmula, o rapaz vinha treinando sua capacidade em controlar as emoções, mas podia sentir que as lágrimas iriam escapar-lhe a qualquer instante.

— Tenho que mentir todos os dias, Kaz — deixou que o olhar se perdesse em uma roseira qualquer, não queria olhar para o amigo e não podia suportar olhar para o irmão. — Louis me pergunta todos os dias se estou melhor da perna, e mesmo quando ela lateja e eu preciso usar toda minha força par não mancar, digo que não sinto mais nada.

— Isso é diferente...

— Ele também pergunta sobre nosso pai — não permitiu que o amigo o interrompesse. Pela primeira vez, sentia que precisava falar sobre aquilo. — Eu sempre digo que estou prestes a conseguir salvá-lo, mas isso é uma terrível mentira. Eu posso perder, e ainda que eu ganhe, nosso pai vai de mal a pior, seu último suspiro pode deixa-lo a qualquer instante. Ele pode estar morrendo agora, Kaz! E eu aqui dizendo para Louis que tudo está bem, que tudo ficará bem.

— Ele é uma criança, precisa poupa-lo. Eu entendo...

— Não, você não entende. Louis é quase um rapaz. Ele é forte, precisa ser. Eu lhe dou uma teia de mentiras às quais se agarrar, isso é errado. E eu não faço para poupa-lo, faço porque sou um covarde — a palavra soou como um sussurro, como senão quisesse ser dita. — Eu posso suportar as minhas lágrimas, Kaz, mas não posso suportar as dele. É por mim, não por ele. É a coisa mais egoísta que já fiz. No entanto, no seu caso... isso o que faz, por mais que ache que é por você, não é. No fundo, não é.

— Isso que eu faço...? — Kazimir o olhava atônito, havia um temor singular na forma como ele contraía os lábios, visivelmente secos.

— Não quero ser indiscreto, Kaz... — deu um sorriso tranquilizador ao amigo. — Mas já que estamos falando sobre isso... eu sei sobre Dyrk. Quando ele aparece é como se você saísse de um dia nublado para o mais ensolarado dia de verão.

— Eu... Dyrk... — Kazimir fitava os próprios pés, envergonhado demais para encarar Giuseppe.

— Não se preocupe, não há razão para se envergonhar disso — é o que diria de qualquer forma, para confortar o tão querido rapaz. Mas também era no que acreditava. — Amor é só amor, Kazimir. Não se pode controla-lo, apenas senti-lo.

— Eu perderia a minha cabeça... sabe disso, não sabe?

— Sei — a certeza daquilo o golpeou fortemente. — Mas também sei que não é isso que o aflige.

— Como pode saber o que me aflige, Giuseppe? — Kazimir deu um sorriso triste.

— Eu a amo, sabe? — a mera menção dela, trouxe seu lindo sorriso diante de seus olhos, e Giuseppe sorriu também. — Eu perderia de bom grado a minha cabeça para gritar ao mundo que ela já é minha. Só não o faço por ela. Por isso sei que não se trata do temor de uma decapitação, se trata do que isso trará para aqueles que amamos.

— Então você acha que, se a mentira é para proteger quem amamos, ela pode ser perdoada um dia?

— É claro que sim... venha cá — puxou Kazimir para um abraço. — Você é mais corajoso do que eu nunca fui.

O Barão Ferred Donoghan chegou para o almoço quando eles já estavam quase terminando suas refeições.

— Pai — Kazimir se levantou quando o homem baixo e olhar sério irrompeu a sala de jantar. — Não o esperamos porque não sabíamos que almoçaria conosco.

— Sente-se — disse, enquanto ele mesmo se sentava e pegava um pedaço de pão, acenando para que a criada trouxesse mais um prato à mesa. — Tive problemas a serem resolvidos por aqui, isso mudou meus planos. Como vai a perna, rapaz?

— Cada dia melhor, senhor — Giuseppe respondeu. — Agradeço sua preocupação.

— Fico satisfeito em saber — fitou então Louis. — E então, rapazinho, como vai a jardinagem?

— Eu cuidei pessoalmente do parreiral, senhor — Louis disse, orgulhoso. — Logo serei capaz até de fazer seu vinho!

— De jardineiro a vinicultor? Seus pais se orgulharão muito de você — a criada terminou de servi-lo, então após uma bela garfada no porco, continuou. — A próxima prova será com remos, Giuseppe. Sabe velejar?

— Remos? — a informação o pegara de surpresa. — Não esperava que fosse haver tal prova. De fato... nunca velejei antes.

— Hawktall se divide em três ilhas, rapaz, é natural que conhecimento em pequenas embarcações se tornem cruciais por aqui. É de se esperar que um nobre saiba velejar, para agradar, servir e proteger a família — deu um gole no vinho. — Mas imaginei que não soubesse.

Giuseppe sentiu a face corar.

— Oh! Não se envergonhe disso, rapaz, não quis ofendê-lo — tomou mais um gole de vinho. — Diga-me, rapazes, vocês já ouviram falar da Rebelião dos Marinheiros de Pedra?

— Papai já me contou dela uma vez, disse que se juntou aos homens do Rei e que foi uma grande batalha e... — Louis franziu as sobrancelhas para tentar lembrar de mais detalhes da história do velho pai.

— E que foi a batalha mais rápida que ele presenciou na vida — Giuseppe concluiu o relato do irmão. — Os Marinheiros de Pedra se intitulam “homens do mar”, mas considerando o número de rebeliões naufragadas, deveriam se chamar de “homens ao mar”.

Até mesmo as criadas riram. A personalidade forte dos habitantes da Ilha do Aprisionamento fazia com que constantemente eles procurassem guerrilhas... dessa forma, constantemente eram massacrados, o que construíra a fama vergonhosa que possuíam nos dias atuais.

— De fato, em poucas horas a rebelião estava dizimada — fez-se silêncio enquanto Donoghan comia mais de seu porco. — Kazimir, lembra-se de quem liderou a batalha?

— Marelf Arkalis — respondeu de pronto. — Foi quando o barão recobrou a confiança do Rei, depois do fim da dinastia Arundel. Muitos do reino se perguntaram a razão pela qual o próprio Rei Aloys não comandou o exército, mas a pergunta segue sem resposta até hoje.

— Não, filho, não segue — Donoghan respirou profundamente. — Apenas nem todos conhecem a resposta. Mas irei conta-la a vocês.

“Aloys havia solicitado minha menor e mais rápida embarcação. Ele precisava retirar a Rainha Aldith e a princesa Marey da Capital. Muitos rebeldes desejavam a vida da princesa em pagamento pela de Komur, planejaram isso durante alguns anos. A morte do príncipe Lenber, seu herdeiro e primogênito, soou para eles como uma confirmação de Prussiya de que Aloys era um usurpador. Eu prontamente o atendi. Ele montou uma guarda pessoal para a Rainha com seus melhores homens, e eles partiram comigo, Kazimir, Rainha Aldith e a princesa Marey. Enquanto Aloys liderava a marcha do exército. Foi já na metade do trajeto que Kazimir e sua pureza de criança me fizeram ver a verdade. Meu filho saiu correndo em direção à princesa para brincarem, o que normalmente não teria problema, se eu já não o tivesse avisado que ninguém era autorizado a chegar perto dela, a menos que quisesse ser arremessado ao mar pela Rainha. Fiquei furioso! E ao começar a corrigi-lo pela travessura, ele simplesmente olhou em meus olhos e disse: ‘mas ela não é a princesa’. Ali, rodeada e homens armados, segura e alimentada, estava Cecil, a órfã que era criada com Marey. Em total descontrole, Rainha Aldith deixara a própria filha para trás, escondida no castelo, para que nós e os homens do Rei não chegássemos perto dela. Pelas águas sagradas! A mulher era completamente ensandecida.

Giramos o leme quase que imediatamente. Se algo acontecesse à princesa, eu não me perdoaria. Aloys não me perdoaria. Todos ali perderiam as cabeças, até mesmo a Rainha. Poucos instantes de navegação contrária, imersos nos gritos de protesto da Rainha, avistamos um barco. Um pequeno bote de dois remos, com um homem e uma criança dentro. Aloys ouvira os gritos da filha, que fora trancada com os cães, e não tivera escolha senão partir com ela e deixar o comando das tropas com Arkalis. Não importava que ele fosse um Rei, meus jovens, não havia espaço para nenhum servo. Se ele não soubesse remar, sua filha morreria.”

Quando Ferred Donoghan terminou seu relato, ninguém emitiu nenhum som, submersos na história que acabaram de ouvir. Então o barão continuou: — Giuseppe ensina tanto a você, filho, por que não retribui? Poderiam visitar sua irmã na Ilha do Aprisionamento, o trajeto é calmo e curto o suficiente para que dividam os remos, assim ele aprenderá.

— Achei que sua irmã morava na Ilha dos Tritões com o marido, Kaz — Louis se fez ouvir.

— De fato mora — interveio o senhor. — Mas não é dessa irmã que falo. Kazimir tem outra, que vive sozinha...

— Sozinha? — como a criança que era, Louis não conseguia controlar sua curiosidade. — Se ela não é casada, por que não mora aqui?

— Ela é minha meia-irmã, Louis — Kazimir tentou explicar. — Filha do meu pai, não da minha mãe, por isso vive na Ilha do Aprisionamento...

— Ela é bastarda, então? Seu amigo achou que eu fosse bastardo, Kaz!

— Que amigo? — a pergunta veio de três direções diferentes.

— Não acho que perguntei o nome dele... — Louis franziu novamente as sobrancelhas, como se dessa vez o esforço fosse fazê-lo lembrar. — Ele era alto e com cabelos pretos, disse que morava aqui perto e que ia pedir ao Giuseppe para eu cuidar do jardim dele qualquer dia desses.

— Hudde... — sua mão tremia tanto que, por um instante, Giuseppe achou que derramaria seu vinho. — Escute-me, Louis, você não vai a nenhum lugar com ele, ouviu? Eu o proíbo.

— Mas por que? Ele pode ser meu primeiro cliente! E...

— Você é só uma criança ocupando o tempo, Louis, não é um jardineiro — Giuseppe levantou-se. — Eu o proíbo, não discuta. Se me derem licença, perdi o apetite — e saiu a passos largos.

— Entre — Giuseppe estava estirado sobre a cama, a raiva ainda lhe dominava o corpo. — Desculpe ter saído daquela forma, Kaz.

— Não se preocupe, nós sabemos sobre o poder que Hudde tem em mudar o humor das pessoas — Kazimir se sentou na beirada da cama. — Não se aborreça mais com isso. Vim saber se gostaria de visitar minha irmã, acabamos não acertando nada.

— Claro! — com o pensamento de que Hudde havia chegado tão perto do irmão, havia até se esquecido da prova. — Seria um prazer conhece-la, e muito útil para que eu me preparasse. Quando podemos ir?

— Amanhã, mesmo. Só preciso ir até o porto pedir para que preparem nosso barco, posso levar Louis comigo? Creio que você prefira descansar a perna, andou muito durante a manhã.

— Ele está chateado comigo?

— Bom... um pouco — sorriu. — Mas aposto que um passeio o fará esquecer.

— Certo. Leve-o... — levantou e se dirigiu até a pequena mesa com pena, tinteiro e papel que havia no quarto. — Será que poderia levar um bilhete, também?

— Para quem...?

— Para minha amada — Giuseppe sorriu. — Para quem passou a vida trancada, acho que ela gostaria de um passeio ao mar. Além do mais, seu pai disse que o caminho é vazio...

Sabia que Kazimir era relutante quanto ao assunto de levar mensagens à Princesa, achava perigoso demais, mas dessa vez ele pareceu ceder com maior facilidade.

— Certo, levarei o bilhete a ela.


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