Eu fiquei ali parado, tentando absorver tudo o que tinha dito: eu realmente tinha praticamente mandado ele ir se ferrar? Magnus provavelmente estava tão chocado quanto eu. Nós nos olhamos em silêncio, enquanto os estalos do elevador eram os únicos sons do ambiente.  

— Perdi alguma coisa? — a voz de Isabelle nos tirou do transe. Ela deu um enorme sorriso, sem entender o que estava acontecendo. 

— Nada. Nada mesmo — Magnus respondeu, saindo do elevador. Eu logo o segui. 

— Ei! O que foi isso em sua mão?—  ela segurou o braço dele quando eles se cruzaram na entrada da casa, mostrando a palma da mão cortada. Estava bem feio, então logo me aproximei, dando uma boa olhada. 

— O que foi isso? Foi ele?! — indaguei. 

— Ele quem? — Isabelle questionou. 

— Não. Fui eu, enquanto costurava — tentou recuar a mão, porém a minha estava mais firme. 

— Negativo. Você vai esperar eu fazer um curativo nisso aí. 

— Eu devia estar tomando conta de você, não vice-versa. 

— Só aceita— tentei parecer menos sério.  

Comecei a puxá-lo para dentro de casa e Isabelle fechou a porta, logo depois nos seguindo. A expressão dela entregava que estava mais perdida do que cego em tiroteio. Arrastei Magnus até o meu quarto, onde eu peguei uma caixa vermelha de uma das estantes. Ele se sentou na cama, e a outra apenas ficou em silêncio, observando. Provavelmente ela iria esperar eu acabar para poder me sufocar com suas perguntas. Eu comecei a desinfetar o machucado devagar. Era engraçado vê-lo se contorcer de vez em quando, mesmo que todos saibamos que não dói. Ele sempre fazia questão de fazer um alarde para dizer que estava ardendo, e até em um momento como esses era difícil mantê-lo sério. É incrível.  

— Magnus, você até parece uma criança! — Isabelle quebrou o silêncio, soltando uma risada. 

— Olha, não é culpa minha se isso arde. 

— Mas é claro que não arde, larga disso — brinquei. 

— Ai me poupe, vocês dois estão contra mim? Até parece que eu joguei pedra na cruz, ouch. 

Eu finalizei o curativo rapidamente, deixando ele à prova de Magnus Bane (com várias camadas, para ser difícil magoar o corte). Ele logo se levantou, olhando para a mão como se analisasse a obra. 

— Ficou feio, então vou dar só um 6,5. Agora, se me dão licença... — deu um sorriso meio torto e saiu do cômodo, provavelmente indo de volta para o ateliê. 

— Então... — Isabelle desfilou até mim, se jogando na cama — Vai me contar o que houve? 

— A gente encontrou alguém do passado do Magnus, uma pessoa que não tem o direito de falar com ele nunca mais. 

— E...? 

— Eu acabei perdendo a cabeça e dizendo algumas para ele. 

— Essas sua frases curtas estão me deixando curiosa — ela disse, se deitando — Eu quero saber detalhes — Eu a observei em silêncio. Não sei se Magnus ia gostar que eu ficasse falando do passado dele por aí. Mesmo que ela seja de "casa", eu tenho receios. 

— Se Magnus souber que eu falei isso para alguém, acho que eu sou expulso. 

— Eu juro que isso morre aqui. Por favor!— ela me cutucou de leve. Assim eu não ia resistir. 

— Eu não sei.. 

— Vai, eu durmo no seu quarto e não mexo nas suas coisas. Pode confiar em mim. 

— Certo — suspirei — ele era um ex-namorado do Magnus. Eles estudaram juntos por um tempão. Mas foi bem pouco tempo antes de se separarem que assumiram o amor, pelo que eu sei da história — deitei junto à ela na cama — Mas parece que o pai dele não gostava muito das "visitas" que ele fazia para o Magnus, então decidiu mandar o garoto para a Inglaterra. Na última vez que se viram, fizeram uma promessa de que iriam se ver novamente. Eu acho que eles realmente se gostavam muito, porque o Magnus se desdobrou todo para juntar dinheiro para ir visitá-lo lá. Conseguiu um emprego enquanto estudava pela manhã, depois foi aceito em outro trabalho em uma revista de moda e em seguida ascendeu de posição. Foi visto por um olheiro e acabou nessa grife que ele está agora. Realmente fez tudo que estava ao seu alcance. 

— E por que eles não podem mais se ver? 

— Porque quando Magnus tinha juntado todo o dinheiro para ir pra Inglaterra, e até tinha uma entrevista de emprego lá, o cara mandou uma carta dizendo que estava noivo. E que seria ótima a vinda dele, já que a noiva precisava de um vestido. 

— Eu não acredito! Que otário! 

— É. E por conta disso, Magnus entrou em uma depressão profunda. Ele quase perdeu o emprego! Se entregou totalmente à vida noturna e a bebidas. As coisas só melhoraram para ele quando a sua mãe me jogou aqui para dentro. Nós fazíamos escola de natação juntos quando pequenos, e eu estava procurando um lugar para morar. Então acabei aceitando. No começo foi bem chato, ele já até me trancou fora de casa. 

— Nossa, sério? — ela riu, se virando para mim. 

— Aham! Mas como minha carisma e beleza são muito grandes, eu consegui transformar um ogro nesse belíssimo cavalheiro. Certo, o gato e um outro amigo dele, Ragnor, ajudaram. 

— Certo, se ele é um cavalheiro, o que eu sou?  

Eu tive que que me segurar para a palavra "princesa" não pular da minha boca. Não sei o porquê, mas foi quase automático. 

— Que tão uma maga? 

— Bem, magra eu já sei que sou. 

— Magra não. MAGA. É uma classe... — Eu gesticulei com as mãos — Esquece. 

— Eu não entendo essas coisas de quadrinhos, etc. Você vai ter que me ensinar. 

— Quem sabe um dia — brinquei, me levantando — Vou tomar um banho. Depois da chuva que a gente levou, vou acabar me resfriando. 

— Me chama quando acabar. Quero saber mais dessa história — Isabelle se levantou, deixando o quarto. 

Eu apenas deixei um suspiro escapar. Por algum motivo, minha cabeça estava presa nessa história agora. Afinal, o que ele queria aqui? Não estaria satisfeito com o seu casamento e veio querer uma segunda chance? Só queria conversar um pouco? Eu realmente devia ter pensado melhor antes de dar aquela bronca nele. Ele merecia de qualquer jeito. Quem ele acha que é para ter feito o estrago que fez? 

Balancei a cabeça, tentando afastar esses pensamentos e  peguei minha toalha, indo tomar uma ducha. Talvez assim eu esfrie minha cabeça. Depois que saí do banho, fui para a sala onde Isabelle estava. Como de costume, assistia a televisão em um canal infantil qualquer.  

— E então, vai me contar mais sobre a história?— ela se virou para mim, com um ar curioso. 

— Bem, eu acho que contei todos os detalhes... — cocei a nuca — Tem algo que queira saber? 

— Tem sim. Por que você veio para essa cidade? 

— Ah, eu achava que estava na hora de seguir meus próprios passos. É sempre bom ter um pouco de liberdade. Ah, e as maiores empresas de fotografia ficam por aqui. Seria ótimo para meu curso também — fiz uma pausa — Mas você só faz perguntar... Que tal responder algumas perguntas? 

— Vai lá, é só perguntar! 

— Por que decidiu ser modelo? 

— Porque eu não sou boa em nada — ela disse quase instantaneamente — Eu não estou dizendo isso para você ter pena de mim ou algo do tipo — ela riu sem jeito — O Alec era bom em tudo e o Jace tinha uma lábia muito boa. Eu era só um rostinho bonito na família. Não importa quanto eu me esforçasse em Álgebra,  Inglês ou História, eu era sempre a última dos três. Por fim, eu vi que não tinha muito o que fazer. Comecei a procurar profissões que se encaixassem no meu perfil. Por fim, encontrei a de atriz/modelo. Eu tentei algumas vezes em casa e uma das empregadas sempre assistia. Ela dizia que eu parecia "aquelas mulheres da televisão". Então, por ser mais simples o caminho, eu acabei escolhendo isso. Meu pai me arranjou uma empresária, a Clary, e ela me lançou. 

— Eu tenho uma amiga com esse nome, também. 

— Um dia eu te apresento à ela. Acho que eu devo muito à Clary, por todas as furadas que já meti ela — Isabelle riu um pouco. Cada vez que eu via o sorriso dela, ele ficava mais bonito.