Jovens e Gigantes escrita por C J Timothy


Capítulo 7
Scotland Yard


Notas iniciais do capítulo

Eu gostaria de pedir infinitas desculpas pelo período de silêncio. Se ainda há leitores esperando a continuação da história, eu garanto que ela não será abandonada. De fato, ela nunca foi. Esse capítulo, e o seguinte, eu venho escrevendo e editando há mais de um semestre.
Porém, sendo 2016 meu ano de formatura, o estresse atingiu o pico e eu simplesmente quebrei. Minha mente se esgotou e eu enfrentei muitos problemas de saúde. Por meses, minha criatividade ficou presa em camadas de torpor e vazio e foi desesperador. Eu não lembro de boa parte desse tempo, porque foi simplesmente nada seguido de nada. Um inverno no deserto gelado, sem vento. Um beijo de dementadores e oito meses em Azkaban.
E então, o milagre. Ele fez e continua fazendo. Eu estou viva e vivendo, o que são coisas bem diferentes, eu garanto.

Então, com muitas desculpas e sem mais delongas, porque não é a minha história que importa aqui, o capítulo.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/684510/chapter/7

Sinceramente, os oficiais da Metropolitana poderiam ser muito mais profissionais. Enquanto o trio era escoltado pelo prédio, Ian recebeu quase duas dúzias de olhares acusadores. Muitos sequer se importavam em ser discretos! Mas que irritante…

O mais irritante, porém, era a crescente sensação de que a energia do garoto estava sendo drenada de suas extremidades. Desde que pegaram o trem para Londres, ele não parava de se perguntar se estava louco. Duas pessoas pareciam dividir sua consciência — o Lucian e alguém novo. A perspectiva do que aconteceria àquela tarde encolhia suas entranhas, e logo ele se repreendia por ter… medo. Urgh. Ian detestava essa palavra. Um Kabra não sentia medo. Não fazia parte de seu universo. Não era permitido em casa.

Contudo, havia duas coisas no mundo que faziam seus joelhos tremerem. E ele estava indo ao encontro de uma delas.

— Comandante — o policial que os conduzira falou porta adentro—, eles chegaram.

— Mande-os entrar — respondeu uma voz grave. — Obrigado. —O rapaz escancarou a porta e, com um aceno de cabeça, separou-se dos três, que entraram no gabinete.

Em pé atrás de uma atulhada mesa de madeira à direita, estava o Comandante Fowl. Era um homem na casa dos quarenta anos, talvez envelhecido pelo trabalho, com maxilar quadrado e cabelo castanho despontando em branco. A postura régia e músculos delineando as mangas do uniforme contrastavam com o sorriso convidativo e a solicitude de seus braços abertos.

— Fiske, William — ele apertou a mão dos homens —, fiquem à vontade. E você, é o sr. Kabra, não é?

— Sim, senhor. — Ian respondeu, ainda de pé, com as mãos atrás das costas.

— Muito prazer. — O homem estendeu a mão. — Eu sou o Comandante Ebenezer Fowl. Sinto muito por toda essa situação. Por favor, sente-se.

O garoto assentiu e tomou seu lugar na cadeira vazia de ferro e couro.

Durante a viagem, Fiske havia lhe contado um pouco a respeito do homem. Ele era um dos agentes Madrigal que atuavam nas Forças Armadas e serviam de olheiros sobre os infiltrados dos demais clãs — o que não era incomum de encontrar entre os outros quatro, porém os Madrigal pareciam executar uma função mais de “babá”, evitando que as coisas saíssem do controle. Fowl se prontificara a supervisionar o Caso Kabra quando este se tornou questão de segurança internacional a fim de impedir a vazão de segredos familiares.

— Vamos logo ao assunto — disse o Comandante, dando um gole em uma caneca de chá manchada que aparentava ser usada constantemente. — Os últimos dias têm sido bastante agitados, nosso tempo não poderá ser longo.

— Sabemos que não. — Fiske respondeu, mexendo no bolso interno do paletó. Ele retirou de lá uma trouxa feita com uma sacola plástica que Ian reconheceu de imediato. — Aqui está, a bala do ferimento de Natalie.

Com uma expressão séria, o oficial retirou o projetil do embrulho improvisado pelos gêmeos Starling e guardou-o em um saco para evidências. Ian desviou o olhar discretamente, para evitar que imagens do ferimento aberto tomassem sua mente.

— Sinto muito pelo que aconteceu a sua irmã, Ian. — disse o Comandante, ainda segurando a bala à sua frente. — A impiedade de Isabel sempre foi largamente conhecida, mas isso… Isso foi extremo, até para ela…

— Ela não é mais a mesma de um tempo atrás, eu diria. — Ian respondeu. — Não depois de ter tomado o Soro Lucian.

Pois é, esse detalhe realmente complicou um pouco nosso trabalho.

— O que quer dizer?

— Presumimos que soro alterou o funcionamento não apenas da mente, mas do próprio organismo dela, Ian — Fiske explicou da cadeira ao lado. — Não sabemos como, mas alterou, e não podemos nos dar ao luxo de subestimar extensão da suas habilidades. É seguro mantê-la em uma cela comum? Que sistema de contenção é apropriado? Como seu metabolismo se comporta? Ela é um mistério.

— Exato. — Fowl retomou a palavra — Por isso, estamos mantendo-a desacordada a maior parte do tempo, sabe. Alguns Ekaterinas replicaram o veneno que Oh administrou e estamos fazendo injeções periódicas.

Essa informação tirou um peso do peito do garoto. Os agentes de seu clã eram treinados para utilizar qualquer coisa no ambiente a seu favor. Ele mesmo sabia matar, em teoria, um homem com algumas das coisas mais ordinárias. O que Isabel não conseguiria fazer agora?

— O foco no momento é conseguir apurar os delitos cometidos e, claro, localizar Vikram. Os dois objetivos se complementam; quanto mais demorarmos para localizá-lo, mais tempo ele terá para destruir provas, se for o que quer fazer. Isabel está agora sendo indiciada pelo assassinato de um casal nos Estados Unidos — o estômago de Ian deu um solavanco — e pela tentativa de homicídio em massa, mas Barlow já sabe que é apenas uma parte. O problema é aquele que vocês conhecem bem: eles são Cahill, meus homens, não.

— Como tem sido a condução da situação? — McIntyre perguntou.

— Complicada, é claro. — O Comandante respondeu, tomando outro gole de seu chá. — Sem contar que a embaixada dos americana já se meteu na história. Tudo tem sido feito com a máxima cautela, mas é difícil. McKellen e Barlow são ótimos detetives e Isabel e Vikram são lucians, são… ótimos criminosos.

Criminosos. A palavra desceu pelas costas de Ian como um dedo gelado.

— Me desculpe, Ian — Fowl apressou-se em dizer quando o menino se remexeu na cadeira. — Eu não…

— Tudo bem. — Ele respondeu, objetivo. — É isso que eles são.

Os três homens se entreolharam em silêncio, dividindo entre si um misto sem nome de sentimentos. Essa compaixão velada incitou o garoto a se empertigar e travar o maxilar. Ele não estava ali para ser tratado como uma vítima ou uma criança; ele não poderia se dar ao luxo.

— Senhor Kabra — o Sr. McIntyre começou, com um suspiro —, há duas questões em pauta a serem discutidas urgentemente com o senhor, antes que parta para a França. A primeira delas diz respeito à condição legal de você e sua irmã e… a seu guardião.

— Estou ciente, McIntyre. — O garoto deu um sorriso irônico quando sua resposta foi recebida pelo arcar de sobrancelhas. — Oh, por favor, não insultem meu intelecto. Irmãos com quatorze e onze anos e pais listados pela Interpol? As leis britânicas não permitem emancipação completa de jovens antes da idade estabelecida. A tutoria é evidentemente requerida na situação. Não que o fato me agrade…

O garoto havia desprendido boa parte de seu tempo refletindo a respeito daquilo. Na sala de espera do hospital, em Glasgow, sua preocupação apenas cresceu. Ele esperara chegar ao continente responsável por ambos e utilizar o cheque de quatro milhões de dólares para garantir o mínimo de conforto naquele início. Entretanto, se não o deixavam assinar um simples formulário, que domínio ele teria sobre qualquer coisa? Isso foi o que o atingiu com mais força. Os irmãos Kabra, impotentes como pobres órfãos… Embora Ian planejasse, a probabilidade de que conseguisse dobrar tal obstáculo e se fazer independente não passava de uma pequena porcentagem. Ele não se via capaz de cuidar de Natalie, mas a perspectiva do óbvio — de que eles seriam fatalmente impelidos sob as asas de um parente distante e frívolo com segundas intenções —  era bem menos atraente do que tentar fazê-lo.

— Bem, sendo assim, é meu dever transferir o encargo de orientar, proteger e responder por sua pessoa e seus bens a um tutor idôneo e próximo a você. — Recitou o Comandante Fowl, como notavelmente fizera tantas vezes antes — Analogamente, o processo se fará com a Srta. Natalie. O senhor tem predileção por alguém em específico?

Ian repassou mentalmente a lista que fizera com tanto esforço no caminho até ali. Durante sua vida, sua noção de família se restringira a três pessoas, e três pessoas apenas. Pouca relevância era dada por seus pais a terceiros — lê-se “pessoas cujo parentesco não exige a investigação de séculos genealógicos”. Ele nunca conhecera ou ouvira falar da família materna e Vikram, se não estivesse enganado, possuía uma irmã ou um pai em algum lugar do mundo. Todavia, o garoto não se sentia ligado a eles mais do que a um transeunte aleatório.

Natalie crescera nos calcanhares de Isabel, almejando orgulhá-la e tornar-se como ela. O mesmo se dera entre Ian e o pai. Eles eram seus únicos e grandes modelos de vida. Os mentores da rede do clã e os professores particulares pouco significaram para ambos e, verdade seja dita, nenhum Lucian se prestaria a tal serviço. Não é da natureza das cobras cuidar de filhotes — os seus ovos, elas abandonam e os de outros, elas devoram.

— Não, senhor — ele respondeu.

— Okay. Eu e McIntyre trabalharemos nessa questão — o advogado assentiu. Ian estava notou que ele estava começando a adotar o garoto como cliente. Fowl continuou: — A segunda coisa que eu gostaria de discutir é sua disposição em atuar como testemunha de acusação. Nós reconhecemos que pode ser algo doloroso. Caso queira… 

— Não, senhor. — Ian cortou, decisivo, sem conseguir se conter. — Eu sei que é inesperado, dada a nossa reputação. Durante anos, eu fiz tudo para e pelos Lucian… na verdade, pelos Kabra, sem pensar duas vezes. As ordens e desejos dos meus pais representavam dogmas para mim. E então a Busca teve início e… eu comecei a sentir que havia algo errado. Daniel e Amy… A maneira como encaram tudo é tão inusitado, tão bizarro, e funciona! Eles abriram meus horizontes e eu vejo agora quanto mal eles, nós causamos. Eu não quero que continue. Estou determinado a garantir que Isabel e Vikram sejam presos. Farei o que for preciso.

Pronto. Ali estavam: as palavras que definiriam sua vida dali em diante. Ele estava oficialmente em oposição os pais. Uma bolha de ar pareceu se desfazer em sua traqueia e ele inalou profundamente. Ao lado do garoto, Fiske, inexplicavelmente, deu um sorriso satisfeito, quiçá até orgulhoso, e Ian fez um esforço considerável para ser agradável e não expressar estranhamento no rosto. 

A porta do gabinete se abriu e por ela entrou um homem de cabelo raspado que trazia nos ombros dois bordados com a figura de uma coroa fechada de capa vermelha — o distintivo de Superintendente. Este assentiu para Fowl e depois para os três visitantes, com um pequeno sorriso:

— Com sua licença, chefe. Está tudo pronto.

— Muito bem. — o Comandante respondeu. — Senhores, este é o Superintendente Barlow, detetive do caso Kabra. Barlow, estes são Ian Kabra, seu responsável Fiske Cahill, e William McIntyre, seu advogado. — Trocados os cumprimentos necessários, o homem continuou: — Ian, como deve saber, a lei assegura os encontros familiares supervisionados como direito do detento; direito este que sua mãe exigiu. Porém, antes de ser levado até ela, agora que concordou, será interrogado pelo detetive Barlow. Eu peço que assine aqui rapidamente antes de sair.

Ian, que já se pusera de pé, inclinou-se sobre a grande mesa de mogno e assinou o documento que oficializava sua prestação de serviço às autoridades. Em outros tempos, teria lido todos os termos minuciosamente em busca de alguma ambiguidade que o desfavorecesse, mas não hoje; hoje ele estava farto de tudo. Ele sabia que estava se comprometendo legalmente a ser honesto e a compartilhar tudo o que fosse remotamente relevante para as investigações — informação ou evidência. Era apenas um floreio azul numa folha de papel, é claro, não um voto perpétuo, e não havia ninguém melhor do que um lucian para desprezar acordos e mentir. Contudo, o menino nunca se vira mais empenhando na verdade do que naquele momento e seguiu o Superintendente relativamente confiante, com McIntyre ao lado.

 

 

 

 O interrogatório foi, em geral, tranquilo. Como o garoto não era considerado potencial suspeito de nada, o detetive Barlow não utilizou de sequências de perguntas cujas respostas formassem uma armadilha; ele apenas tentou sondar através Ian o máximo de terreno possível. Ele era, afinal, a fonte mais infiltrada e eficiente. O único receio era revelar mais da família Cahill do que o desejado, mas McIntyre ajudou-o a permanecer no perímetro sem dar a entender que estavam escondendo qualquer coisa.

Ele contou-lhes dos hábitos dos pais, das profissões, do tipo de relacionamento que tinham em casa e o contato com familiares. Enfim, com o aval de William, Ian falou da carta acusatória lida na noite em que ela tomou a "droga experimental” que deturpou seu comportamento, e então foi dispensado. Entretanto, a última refeição parecia alojada no esôfago do menino, pronta pra sair cada vez que ele abria a boca, e ser liberado para o corredor foi um alívio.

— Isso foi ótimo, sr. Kabra — disse o detetive, quando saíram da sala. Ele levantou a pasta de papel referente à testemunha — Espere-me aqui enquanto levo essas anotações para minha sala. Gostaria de um pouco de chá?

Ian olhou para o bule elétrico em um carrinho mais adiante e torceu o nariz. Este dificilmente é chá de qualidade.

— Não… Não, obrigado.

Com um aceno de cabeça, Barlow e a colega que o acompanhara no interrogatório desceram o corredor, deixando McIntyre e Ian sozinhos. Fiske não estava à vista.

— Vão levá-lo para a sala de visitações agora. — disse o advogado, em um tom de que sabe facilmente do que está falando. — E então iremos embora. Amanhã, os veremos novamente. Já devem estar elaborando o mandado de busca; deve estar pronto no início da manhã, talvez antes.

Ian sabia que uma das informações mais valiosas que revelara era a existência dos arquivos confidenciais na mansão dos Kabra. Pensou em quantos segredos dos Lucian, dos Cahill como um todo, estavam guardados naquelas gavetas. O Comandante Fowl certamente havia considerado o mesmo e, muito provavelmente, se encarregaria da inspeção. Todavia, tais procedimentos não eram realizados por apenas um homem. Que seja, que eles tragam tudo e acabem logo com isso.

— Sr. Kabra? — a voz do detetive Barlow chamou às suas costas.

— Sim?

— Por aqui, por favor.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Jovens e Gigantes" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.