Trina escrita por Gustavo Francisco


Capítulo 8
Capítulo 8 - Caçadores de elite




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— Como assim perderam-na? – Gritava o homem de dentro da taberna – Seus incompetentes! Ela estava bem debaixo de seus narizes e vocês a deixaram escapar?!

Seus homens permaneciam de pé, apenas olhando para as armas em suas mãos.

— Ela... Ela sumiu, senhor – arriscou-se um a dizer.

— Aaaah. Ela sumiu. Ela sumiu – O primeiro homem andava por entre as mesas, exacerbado – Isso é ótimo!

Ele parou e respirou fundo, passando as mãos pelos cabelos engordurados, antes de voltar-se, com um olhar enfurecido, ao homem que lhe dirigiu a palavra.

— Achas que eu gosto de viver aqui? Aahnn? – Seus rostos ficaram muito próximos.

O homem não se atreveu a dizer nada.

— Eu não suporto viver nessa imundice – ele rosnou – Eu não suporto a lama das minhas botas. Não suporto a luz morta de todas as manhãs. E acima de tudo, eu não suporto deitar-me com as mesmas mulheres feias, gordas e que mal se quer tem todos os dentes.

Ele recompôs um pouco da postura, realinhando a roupa.

— Eu estou farto disso tudo. Mas eu não posso simplesmente partir. Posso?

O homem continuou imóvel.

— Não posso. Isso seria deserção – agora seu tom de voz demonstrava uma falsa calma – Mas eu quero ir viver em Granburgo, com todos os luxos e mulheres que eu puder ter, mas eu só poderei ir para lá depois que os caçadores julgarem-me digno.

Ele respirou fundo, voltando a caminhar pelo lugar.

— Matar um anão, um simples anão, já bastaria para mandarem-me para lá com honras. Consegues imaginar o que significaria matar uma bruxa?

Ele alternava o olhar questionador entre todos os presentes.

— Mas vocês vêm me dizer que ela simplesmente desapareceu?! – Ele socou uma das paredes, passando com o punho bem próximo da cabeça de um dos homens.

Quando se afastou, andou até a mesa ignorando os machucados recém adquiridos na mão calejada, e virou o caneco de metal, tomando toda a cerveja de uma vez.

— Agora eles estão vindo para cá – disse por fim, pegando a adaga que estava sob a mesa – Vão bater àquela porta a qualquer momento – apontou na direção, com a lâmina em punho – E o que eu lhes oferecerei? – Ele bufou cravando a arma na mesa.

— Senhor – Um outro homem deu um passo a frente – Se me permites dizer, ainda podes entregar-lhes a bruxa. Nós sabemos o lugar onde ela desapareceu.

Ele se aproximou, olhondo-o de cima a baixo.

— É bom que estejas certo soldado. Porque quando eles entrarem por ali... – mas ele não teve a oportunidade de concluir o pensamento, pois no mesmo instante a porta se abriu com um baque violento e todos voltaram sua atenção a ela.

— Senhor Dalibor!

— O que foi homem? – Disse ele contendo o alívio ao perceber de quem se tratava.

O jovem ofegante e suado conseguiu pronunciar apenas duas palavras, mas que já foram suficientes.

— Briga... fora...

Em um ímpeto, Dalibor pegou suas armas, e correu porta a fora, seguido de seus guerreiros.

A rua estava um verdadeiro pandemônio.

Em meio a risadas, gritos e o clamor da multidão, duas mulheres se engalfinhavam rolando pelo chão, sob os olhares atentos dos demais aldeões.

— Apostas! Apostas!

— Cinco moedas de cobre na gorda!

— Cinco na gorda! Quem mais?!

— Sua Vaca! – A mulher que estava por baixo conseguiu reverter a situação, montando sobre a outra e devolvendo-lhes os tapas primeiramente a ela atribuídos.

— Uma de ouro na ruiva!

— Ouro na Ruiva...

— Eu sei quem tu és! Sempre soube que não prestavas! – dizia a mulher gorducha enquanto tentava evitar os tapas.

— Apostas!

— Basta! – Dalibor puxou o homem das apostas pelo ombro, jogando-o para trás.

— Ei, ei, ei! – protestou.

Ele conseguiu abrir caminho até as mulheres que continuavam seu embate no chão.

— Me solta! – Gritou a ruiva ao ser erguida de cima da outra pela cintura.

Dalibor atirou a mulher para um de seus homens, enquanto levantava a seguinte, empurrando-a para as mãos de outro.

— Basta! – Ele alternava o olhar entre elas, aguardando até que parassem de se debater e gritar – Basta. Alguém vai me contar o que está acontecendo?

— É tudo culpa dessazinha aí – A ruiva apontou com desdém para a outra, que se debateu ainda mais nos braços do soldado.

— Eu vou te mostrar quem é essazinha!

— Basta! – Ele esperou até que ela prosseguisse.

— Ela veio me acusar de ter acobertado a bruxa. Pior! – Disse ofegante - Veio me acusar de ser uma bruxa.

— Eu sei que é verdade!

— SUA VACA – A ruiva saltou em direção à outra, mas Dalibor pode segurá-la a tempo.

— Basta! – gritou - Vamos resolver isso civilizadamente.

Mas não deu certo, um novo alvoroço se instalou com as tentativas ferozes das duas mulheres de se baterem e apenas quando ele desembainhou a espada, que tanto as duas, quanto a multidão emudeceram.

— Qual fundamento tem essa acusação? – Perguntou, apontando a espada para a gorda.

— Eu a vi saindo da casa onde a bruxa se abrigava.

— Isso é verdade? – encarou a outra.

— Sim, a três meses atrás – os cochichos dos aldeões começaram - a velha daquela casa mal podia com as pernas – tentou falar mais alto que o murmúrio coletivo - ela havia pedido os restos da taberna para comer e fui levar-lhe. Meu marido pode confirmar que nunca mais estive metida lá desde então.

Um homem com roupas esfarrapadas e chapéu na mão deu um passo à frente, assentindo com a cabeça.

— A bruxa nem estava na cidade, na época - Disse.

— Então está acabado o assunto.

— Não! Eu sei que ajudou! – Gritou a mulher gorda, com os longos cabelos loiros bagunçados.

Dalibor a encarou com tamanha ferocidade, que ela começou a acreditar que aqueles olhos jamais conheceram o significado de compaixão.

— Achas que eu estou errado?

— Não. É que...

— "É que", o quê? – a loira desviou os olhos para o chão aos seus pés.

— Sei que ela é uma bruxa, Senhor. Eu a vi mexendo no mato ainda essa semana. Ela estava fazendo rituais demoníacos, emitindo sons estranhos. Tenho certeza que fazia um ritual com plantas mágicas.

— Eu estava defecando, sua louca!

A loira arregalou os olhos, ao mesmo tempo que a multidão desatava uma gargalhada.

— Alguém aqui sabe... – Começou Dalibor em alto e bom som, para que os barulhos sessassem – Alguém aqui sabe qual é a maior característica de uma bruxa? Como podemos reconhecê-la?

— A beleza! – Gritaram ao fundo.

— Mais alguém?

Os burburinhos diminuíram ao que ninguém teve mais nada a acrescentar. Então ele se aproximou da ruiva, parando bem a sua frente.

— A maior característica de uma bruxa... – Ele segurou e ergueu seu queixou com firmeza – O que a distingue das demais pessoas... São seus olhos.

Ele virou o rosto dela para os demais.

— Os olhos de uma bruxa são sua fraqueza. Todas elas possuem olhos claros! Azul, verde, mel, cinza... não importa a cor – ele virava o rosto da ruiva na direção dos aldeões – E essa mulher possui os mesmos olhos negros de todos os humanos.

Levou apenas alguns segundos até que todas as pessoas se dessem por satisfeitas ao conferir os olhos da acusada e dizer como agora se sentiam seguras e aliviadas.

— Então não há traidora. Não há bruxa. E não há espetáculo. Fim das apostas - Ele soltou o rosto da mulher, liberando-a para ir.

— E para quem queira saber, a loira perdeu.

Uns gritos de felicidades e decepções se espalharam pelo lugar. A ruiva sorriu sarcasticamente, sendo parabenizada por algumas pessoas, enquanto a loira nem tentava esconder a própria raiva, quando foi embora com passos pesados.

Dalibor se afastou da multidão que começava a dispersar, exceto pelo grupo de apostadores.

— Você os conduziu bem.

Ele olhou para os lados, procurando a quem pertencia aquela voz.

— Os cordeiros devem ser conduzidos com autoridade – Disse um homem alto se aproximando.

— Desculpe-me, mas... quem é você?

— Creio que você nos chamou – Ele apontou para trás e Dalibor pode ver por seu ombro, outros quatro homens usando roupas justas de couro preto, com metais prateados, assim como o primeiro.

— Vocês são os caçadores? – Dalibor olhou para o homem que certamente era o comandante, depois voltando o olhar para os outros – São os Caçadores de Elite de Granburgo?

— Nós mesmos – O comandante deu um passo à frente - Eu vi como você conduziu toda a confusão. Fiquei impressionado. Imagino que seja quem vai nos colocar a par da situação.

— Sim. Claro. Vamos à taberna. Lá poderemos conversar sem que nos atrapalhem.

...

— Então temos que caçar uma bruxa – Disse o comandante apoiando o caneco sobre a mesa, após ouvir toda a história – Elas não são muito comuns.

— Não mais – Disse um de seus homens, com um riso debochado nos lábios.

— Com certeza não – continuou o comandante – está vendo aquele ali – apontou para um de seus caçadores, isolado e quieto ao canto – já matou seis delas.

— Não tenho certeza sob que facilidade conseguirão executar tal missão. A bruxa conseguiu escapar sem utilizar-se de muitos recursos, desaparecendo diante de nossas vistas.

Quase todos os caçadores começaram a rir.

— Algumas bruxas podem fazer coisas desse tipo. Desaparecem no ar – disse o caçador mais baixo, tomando mais um gole do caneco de cerveja – É irritante.

— Mas para a sua sorte, sabemos como segui-las – O comandante lhe deu uma piscadela.

Dalibor alternou o olhar entre os homens, se questionando como fariam isso.

— As bruxas liberam um componente no ar, que deixa um rastro.

— Um rastro?

— É como se elas exalassem um fedor que nós podemos sentir e seguir, direto até elas – Disse o risonho.

— Daxrod tem razão, mas precisamos ir rápido. O rastro não dura para sempre. Quanto tempo demora para ajeitar suas coisas?

— ...

— Você se mostrou digno de um teste. Vou levá-lo comigo. E se nos ajudar a encontrá-la, pode entrar para o grupo raso dos caçadores. Acha que está pronto?

— Sim. Com certeza! – Ele abriu um sorriso triunfante no rosto.

O comandante o cumprimentou com a mão.

— Faça por merecer caçador. Tem quinze minutos para arrumar o que precisa antes de partirmos.

Dalibor assentiu e saiu da taberna às pressas, seguido por todos os seus homens, exceto pelo último que se deteve à porta.

— Senhor. Posso falar-lhe um instante?

— Seu nome?

— Belchior, Senhor.

— Diga Belchior. O que você quer me dizer, que teve de esperar para que os seus saíssem?

Belchior pareceu surpreso, mas continuou mesmo assim.

— Senhor, não creio que estás fazendo uma boa escolha ao levar Dalibor em vossa missão.

— E por que seria?

— Se me permite, Senhor – Belchior fitava seus olhos, indiretamente - Ele só descobriu a bruxa porque a estava cortejando. E quando ela o ignorou, ele não aguentou a rejeição e foi ter com ela.

O comandante fez uma cara de intrigado, cruzou os braços e apoiando a mão no queixo.

— Prossiga.

Belchior pareceu surpreso.

— É... Bem... Ele a teve nas próprias mãos. Deixou-a escapar.

— Compreendo.

— Além disso – continuou – Dalibor não tem capacidade para controlar os habitantes dessa cidade, quem dirá os próprios homens. Ele só os chamou, porque planejara usar a bruxa como moeda de troca para sair da vila e ser aceito na grande cidade.

— E creio que você está aqui para me dizer que se acha mais digno do que ele para me acompanhar na missão.

— Tento em vão não parecer arrogante, mas sim. Julgo-me muito mais adequado para tal jornada. Nasci e vivi toda minha vida a cá, mas isso não restringe-me em habilidades. Sou o segundo em comando e a segurança dos cidadãos é e sempre foi minha primordialidade.

— Eu vou lhe dizer o que eu acho, Belchior. Acho que você se preocupa tanto com as baratas que moram nesse lixão, quanto eu. Acho que está tão desesperado para sair daqui que é capaz de insubordinação para chegar lá.

— Eu não... – ele arregalou os olhos.

— Nem tente – disse o comandante levantando a mão para calá-lo - Os argumentos que você me disse aqui, só me fizeram ter mais vontade de levá-lo comigo. O ego dele está ferido. A raiva da vergonha fará dele o mais obstinado dos homens. Sem falar na necessidade de mostrar serviço para me agradar.

Belchior não sabia o que dizer.

— A verdade é que você não suporta a ideia de ficar em segundo lugar. Aposto que é só isso que você tem feito a vida toda. Deixe me adivinhar – Ele colocou a mão sobre o queixo, fingindo ar pensativo – Você tem um irmão mais velho? Foi abusado pelo pai? Foi humilhado constantemente?

— Eu...

— Não. Não diga nada. Sabe por quê? Por que, apesar disso tudo, eu vou levar você comigo.

— Vais? – Agora ele estava mais confuso ainda.

— Vou – O comandante sorriu como se toda aquela situação fosse sua piada particular.

Ele apontou em direção a porta.

— Partimos em dez minutos.

— Obrigado, senhor – Belchior fez uma espécie de reverência com o corpo e partiu.

O comandante o viu sair, ao que caminhou até o balcão, dando mais um gole em sua bebida.

— Comandante.

— Diga, Lazex. Diga o que está pensando. – respondeu sem virar para encara-lo.

— Acho que eles serão um risco para a missão – disse o mais baixo dos caçadores.

— Lazex, meu caro... o que seria do xadrez sem os peões?

— Vai ser divertido vê-los falhar – disse Daxrod – Principalmente Belchior.

— Favorito? – perguntou Sugal, o caçador com maiores músculos.

— Sim. Os fracos e desesperados tem sempre um lugar especial no meu coração – Ele deu uma risada sarcástica – Eles estão sempre tão dispostos a se provar, que são capazes de fazer qualquer coisa.

— É mesmo? – Disse o comandante com um sorriso zombeteiro.

— Qualquer coisa – repetiu.

— Aproveita então esse sorrisinho e vai conferir o equipamento.

— Pode deixar – Daxrod levantou de seu assento e saiu pela porta.

— Vai ser uma missão interessante – Disse Sugal.


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