Universos Particulares escrita por Carolena Bardo


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Olá olá, querids!
Mais um capítulo para vocês. Neste, vamos contemplar nossa personagem principal galgando os degraus da vida que quer pra si mesma e revendo alguns conceitos... Enfims...
Boa leitura!



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Li, certa vez, que, na posição de ser humano, somos o que quisermos
ser. Fazemos o que quisermos fazer. E o mais trágico, mais marcante, o
mais libertador e aprisionador,ao mesmo tempo: o que disse, certa vez,
Antoine de Saint Exupéry: somos responsáveis por aquilo que cativamos.
Os universos particulares bailam no cosmos do universo maior, que os
sustenta, flutuando para cá e para lá, sendo atraídos por uns, repelidos
por outros... Em sincronia, como se coreografado, regido por um maestro
exterior. Acasos, coincidências? Nada disso. Há uma lógica nos
movimentos. As escolhas pessoais influenciam nessa dança regida; ditam
aos ouvidos sensíveis e apurados do maestro as próximas notas da canção.
Traduzindo? Tudo na vida é consequência de uma causa.

I.

Paulo. Meu doce, gentil, cavalheiro, lindo, sarado, rico...
Namorado. Meu excessivamente zeloso, jeitoso de uma forma negativa,
intransigente e, por vezes, irritante namorado. Meu par romântico
perfeito e bem sucedido, cujos gostos e passatempos diferem quase
totalmente dos meus.
–- Eu vou pegar uma onda amanhã... -- Quase.
–- Sério? Posso ir junto?
–- Claro que pode, amor! Eu comentei porque queria te chamar!
Estávamos curtindo nossa seção namoro no sofá da minha sala. O sofá
onde me sento sob a vigilância superior. Ainda faltaria um tempo para
Paulo ser libertado dessa vigilância. Afinal, por mais que o amassem,
ainda mais do que eu amava, ele era um homem. Não é certo meninas
direitas ficarem a sós com um homem em seus recantos de liberdade. No
meu caso, meu quarto.
Nossas seções namoro oscilavam perigosamente entre os dois t's:
tesão e tédio. Naquele dia, em particular, o segundo T prevalecia. Até
Paulo mencionar o esporte que praticava, o qual eu tanto queria me
inserir também.
–- Ai, que show! E você vai me ensinar a surfar?
Um suspiro longo, uma pisada com o sapato engraxado. Não iria.
–- Amor, você sabe que seus pais... -- São dois malas que acham que
esportes não são adequados para uma menina frágil, feita de porcelana,
vivente de uma redoma de cristal.
–- Não querem que eu pratique esportes com você... Eu sei! Mas... --
E sussurrando em seu ouvido: -- eles não precisam saber, amor!
–- Ai, Natália... -- Moveu-se, desconfortável. -- Tá bom, tá bom. A
gente vai ver isso direitinho, tá?
E todos nós sabemos o que Paulo quer dizer com "vamos ver isso
direitinho". Sabemos tão bem que o dia seguinte decorreu justamente como
eu já imaginava: eu, torrando no sol, ao lado de outro universo
particular reagindo à atração por um outro, cuja presença ali era,
claramente, para manter essa união. Nada tinha a ver com seu amor pelo
surfe. Em suma: duas garotas babacas, suportando um calor
insuportável, para agradar os namorados, que se divertiam na água. Ao menos a garota era uma companhia agradável. Criamos uma amizade instantânea. Amizade essa que em muito influenciou outros fatores... Mas não é hora de falar deles.
Mas, voltando ao caso,, é como já sabemos: quando algo é para nós, quando desejamos e
cativamos esse algo, ele atende ao nosso chamado. É de se pensar que
isso só funciona com outros seres humanos? Não, não! Porque o surfe era
para mim; e o surfe veio até mim.
–- Para com isso, Natie! -- Minha adorada prima disse ao telefone,
na noite anterior à minha estada na praia. -- Depois de amanhã a gente
volta lá e eu surfo com você.

II.

O surfe era para mim e meus pais não gostavam disso. Igualmente, o
teatro era, sempre fora, e sempre seria para mim. Estava explícito em
minhas cenas defronte do espelho. E eles também não gostavam disso.
–- Exibicionismo! -- Foi como meu pai chamou. -- Eu não vou pagar 80
reais por esse exibicionismo!
–- Não é...
–- É sim, Natália! Eu sei o que eles fazem. Você já assistiu uma
peça de teatro, minha filha? Olha só isso aqui, olha só isso! -- O pobre
encarte que eu levara para casa jazia amassado e jogado em um canto da
mesa de jantar da sala. Meu pai o pegou, desamassou com tanta força que
rasgou um pedaço e apontou para algo quase ilegível. -- Nelson
Rodrigues. Você sabe quem é Nelson Rodrigues?
–- Sei, pai... -- Tentava não me exasperar demais.
Duh, óbvio que eu sabia! Eu não lia sobre outra coisa! Não estudava
sobre outra coisa! Bom, estudava as disciplinas escolares, para manter
as notas. Mas meus tempos livres eram ocupados com a teoria da arte
dramática! E Nelson Rodrigues era, simplesmente, o dramaturgo mais influente do Brasil!
–- É pornografia, Natália! Sacanagem explícita em cima de um palco!
–- Pai, isso não...
–- Você não vai se inscrever pra essa coisa e pronto.
A mão espalmada bateu, como um martelo de juiz. Caso encerrado.
O caso em questão era uma atividade extracurricular da escola. Eu já
enfrentava -- ainda enfrentava -- a segunda semana de aulas. E já queria
férias. Estudar não é algo desfavorável. Estudar disciplinas escolares,
ah, isso é: Álgebra; Química; um Inglês horrível. Não aguentava mais
decorar o "verb to be". A aula de Artes era uma piada; a de Literatura,
um tédio. Até mesmo o que eu deveria gostar, eu odiava.
Então, a segunda semana de aulas. Mais uma porção de inutilidades,
avaliações e pouco preparo, propriamente dito, para o meu futuro. Evelyn,
sentada ao meu lado, trocava cochichos com Gisele, cujo primo minha
amiga estava interessada. Vez ou outra, lançava-me olhares que diziam
"desculpe por estar falando mais com ela do que com você" por cima dos
ombros. Pobre Evie. Mal sabia ela que eu a agradecia por me poupar de
seus interesses românticos.
Marta, a professora de História, com sua cara enrugada e óculos
tortos encarapitados no nariz, discorria, enfadonha, sobre qualquer
coisa a ver com as cruzadas. Eu lera sobre no Google e, sinceramente,
adorara o assunto: o quanto uma guerra supostamente ocasionada por
motivos religiosos expandiu os horizontes europeus. Mas, vindo de Marta,
parecia só um monótono e monocórdio "blá, blá, blá".
Bateram à porta, aborrecendo nossa professora. Ela pediu, em um
grasno, que entrassem. E ele entrou.
–- Que lindo! -- Sussurrei.
–- Eca, Natie! -- Minha amiga sussurrou de volta.
Era lindo sim. Não um lindo para se pregar um pôster na parede e
namorar de manhã. Um lindo do tipo exótico, daqueles que não se vê todos
os dias, andando em uma cidadezinha tão pequena e comum. Daí, quando se
prega os olhos pela primeira vez... É um alívio para tanta coisa igual: muito alto,
ainda mais que Paulo; corpulento. Vinte e poucos anos, trinta no máximo. Cabelos compridos e ondulados, barba
por fazer. Olhos cor de âmbar, que perscrutavam cada rosto.
–- Bom dia! -- E aquela voz... Aquela voz! Alta, grossa,
reverberante... Parecia um locutor de rádio!
–- Bom dia! -- Alguns poucos, inclusive eu, responderam.
–- Pessoal, meu nome é Alessandro, e eu quero fazer um convite
especial para vocês.
Alessandro era professor de Artes e queria criar na escola um grupo de teatro musical. Um teatro! E musical, ainda por cima! Quer dizer, quem não ama cantar e dançar? Ao menos, eu amo. E mais: de acordo com o encarte que nos entregou, ele pretendia
nos preparar a participar de encontros, festivais... Representar em
outras cidades! Imaginei-me cantando, dançando e encenando, tudo ao mesmo tempo,
como em um famoso musical da Broadway... Participando de clássicos como
O Fantasma da Ópera, talvez Chicago... Ou algo mais simples, como uma
releitura de alguma cena de Glee! Eu só precisava de uma assinatura e 80
reais dos meus pais... Mas tudo que eu consegui foi um:
–- Não!
Arrasada não descrevia meu estado. Uma porta aberta ao meu sonho,
tão perto que eu podia tocar, fechada bruscamente na minha face. Aquela
oportunidade de ouro só podia ser para mim! Meu pai não tinha o direito
de negá-la!
Por isso mesmo, não desisti. Minha mãe me obrigou, praticamente, a
me submeter a um dia de beleza para uma festa que teríamos em breve:
fazer as unhas, escovar os cabelos, corrigir as sobrancelhas. Meu
universo estava para aceitar as imposições... Quero dizer, influências.
Além do mais, vislumbrei a oportunidade perfeita de exercer minha
vontade nos acontecimentos gerais.
–- É que seu pai está preocupado, filha! -- Ela ainda argumentou. --
Essa coisa de você viajar com esse grupo...
–- Mãe, mas é tudo em nome da escola! Eles vão sempre se
responsabilizar. Quero dizer, um responsável vai estar sempre com a
gente! -- Eu não tinha muita certeza disso.
–- Mas os estudos...
–- Mãe, vamos fazer assim: se minhas notas caírem, vocês podem me
tirar. Pode ser?
Após um longo suspiro, música para meus ouvidos:
–- Vou conversar com seu pai e a gente vai pensar.
–- Ai, obrigada, mãe! -- Eu a teria abraçado e enchido de beijos, se
uma manicure não estivesse monopolizando minhas mãos.
–- Eu disse que vamos pensar, Natália! Não disse que já decidimos!
Não decidiram, mas isso não importava. Eu entraria naquele grupo do
Alessandro. Porque era esse o meu desejo. Era isso que a gravidade atraía
ao meu universo particular. E não havia nada que outros universos
pudessem fazer para impedir.

XXX

III.

Não podiam impedir, mas podiam reagir. Emanar energias negativas que
afetavam seriamente a minha atmosfera. Evelyn e Paulo me bombardeavam
com crises constantes de ciúmes: vamos sair? Não? Por que você vai estar
com aquele grupo... Como se "aquele grupo" fosse um espécime nojento e
eu não tinha nada que ficar perto dele. Desgastante. Causava brigas e
mais brigas, foras e mais foras. Mas eu persistia e persistia.
Alessandro, além de um excelente colírio, dominava técnicas
maravilhosas de teatro, canto e dança. Transmitia para nós com maestria
e facilidade. As duas tardes semanais, passadas no auditório da escola,
eram instrutivas, divertidíssimas; e degraus da escada em direção ao meu
sonho. Mais do que isso: os outros alunos, meus colegas, amavam aquilo
tanto quanto eu. Conversávamos sobre, tínhamos muito em comum. Mas como
tudo na vida tem um preço...
–- Se você continuar dando mais atenção pra eles do que pra mim, eu
não vou mais ser sua amiga! -- Eu fui obrigada a suportar esse ato de
infantilidade.
–- Evie, para com isso...
–- Tô falando muito sério, Natália!
Eu sou uma pessoa compreensiva; paciente. Orgulho-me muito da minha
capacidade empática. Mas tudo, absolutamente tudo, pode se esgotar.
–- Olha só, Evelyn, eu sempre amei teatro. E se você me escutasse um
pouquinho mais, saberia disso. Eu também amo você. Mas eu não acho que
isso que você está fazendo seja justo. Então, se for pra eu escolher
entre o coral cênico e você, me perdoa, amiga! Mas eu escolho o coral!
Há de se esperar que esse universo em particular seria repelido,
afastado. Fosse orbitar em outro lugar. E, por momento, acreditei que
faria isso mesmo. Mas não. Esse universo particular bateu o pé, fez
birra. Desapareceu durante um fim de semana e, Segunda-feira, na escola,
pediu minha ajuda na aula de Redação. A ajuda evoluiu a um dever de casa
juntas em sua casa, que evoluiu para um sorvete, que evoluiu para tudo
como estava antes. E o que mais eu poderia aprender com isso? O que
aprendi: as crises de ciúme não findaram; mas nunca mais culminaram em
uma explosão. Eu só precisava ignorar.
E Paulo, hão vocês de questionar-me? Ah, dentre tantas qualidades
que meu namorado tinha, uma delas era ser esperto. Ciumento sim; mas
sabia muito bem que, afastar-me do que amo fazer, seria afastar-me dele
próprio. Desse modo, a filosofia de ignorar se estendia a ele também.
E lá estava eu: ignorando os ciúmes dos meus namorado e melhor amiga,
ignorando as pequenas, mas pouco discretas, alfinetadas da minha mãe, e
ignorando o óbvio desgosto do meu pai. Às Terças e Quintas, às 14:00, eu
pisava no auditório da escola, trocava sorrisos e palavras sinceras com
meus companheiros, aquecia meu corpo e minha voz e, sob o maravilhoso
comando de Alessandro, punha em prática a capacidade de atuar, interagir
com o público -- um público ainda invisível -- e ser outras personagens
que eu tanto amava.

XXX

IV:

Meu público invisível estava para deixar de sê-lo. Em apenas três
semanas de início, eu já enturmada, à vontade com os exercícios e
debates teóricos sobre arte dramática e açaís após os encontros -- que
Paulo não os descubra -- chegou o comunicado que ativou em mim o Modo
Batimentos Cardíacos Insanos:
–- Vamos praticar? -- Gritou meu diretor exoticamente bonitão, a voz
e as palmas ecoando.
Em um canto, uma pequena mesa de madeira jazia quase escondida.
Sobre ela, uma pilha de papéis, para onde ele se dirigiu em passos
largos. Seu perfume amadeirado voou pelo ar, o som de seus sapatos e as
pernas dos jeans roçando uma contra outra o acompanhando. Apanhou a
papelada e começou a distribuir um maço consideravelmente grosso, umas
vinte páginas, a cada um dos vinte universos ali presentes. Eles
arfavam, exclamavam, riam, soltavam gritinhos. Um ou outro se manteve
indiferente ou duvidoso. E eu, roendo-me de curiosidade.
–- Natinha... -- Ele murmurou e me deu a minha cópia cheirosa.
Cheirosa mesmo; com seu perfume.
Era, pasme como pasmei eu, uma peça! Nossa primeira peça! O título: Louca vida. O autor, pasme mais ainda: Alessandro Gomes Borsato.
–- É você? -- Perguntou uma garota do nono ano, uma loirinha
magrela, meio burrinha na minha humilde opinião.
–- Sim, pessoal. -- Ele respondeu, dirigindo-se a todos. -- Eis o
vosso humilde autor. -- E nos fez uma reverência.
Aplaudimos. Como não aplaudir aquela beldade, oras? Minhas palmas
até arderam, tamanho o meu vigor.
–- Seguinte: nós vamos fazer uma leitura, conversar sobre as
personagens, ver como isso vai ficar... Se tudo correr bem, semana que
vem nós começamos os ensaios em definitivo!
–- Já, Alê? -- Uma piriguetezinha do terceiro ano tinha o braço, cheio
de pulseiras barulhentas, levantado.
–- Já, Susana! Do que adianta a gente ter um grupo de teatro e não
ter uma peça pra trabalhar?
Neste momento, acho justo fazermos uma pausa nos acontecimentos do
curso deste universo particular, ou seja, eu, para narrar os
acontecimentos de um universo particular ainda mais profundo, uma vez
criado por um terceiro. Confuso, eu sei. Vamos dar nomes aos bois:
Alessandro, na posição de universo particular que ocupa, criou um outro
universo; sua peça. Um universo chamado Vida Louca. Nesse universo
chamado Vida Louca, temos ainda outros universos; suas personagens.
Porque, é claro, mesmo saídos da imaginação de alguém, personagens
existem! Seus ambientes, suas vidas... Tudo isso é real. Real em uma
dimensão em que não podemos chegar, tão complexo é o universo inteiro, o
maior, que nos sustenta. E a magia do teatro é, justamente, penetrar
nesses universos profundos e transportá-los, através de nós próprios, à
nossa dimensão. Ainda que temporariamente.
Mas voltando: abramos um parêntese para explorar Vida Louca: gira em
torno de um grupo de estudantes cariocas, cada um com uma vida, uma
classe social, um problema e uma virtude. Juntos, eles mostram ao
expectador o quão complexa pode ser a vida de um adolescente, sem
depender de sua etnia, posição social ou, inclusive, histórico familiar.
Muitas cenas executadas ao som de clássicos da Música Popular
Brasileira como Renato Russo, Cazuza, Rita Lee... Até alguma coisa da
Pitty eu achei no tracklist.
E, a partir da semana seguinte, eu vibrei. Vibrei, tremi, quase me
desfiz em uma poça de empolgação. Fui designada a interpretar o papel de
uma garota chamada Cristina. O desafio: não tínhamos absolutamente nada
em comum. Cris, como os amigos a chamavam, era quieta, tímida;
pouquíssimo sociável e alvo de bullying na escola. Sofria seus temores
em silêncio e, piorando sua vida e emprestando um bocado de ironia à
minha, era apaixonada por uma colega de classe. Amei. Amei,
verdadeiramente. Meu primeiro papel seria um baita desafio. Eu me
transformaria em alguém que não sou. Eu cederia meu corpo e minha alma
para Cristina se expor a nós.

XXX

V.

–- Gataaaaa, arrasoooooooou!
Conheça Jean. Ele já era um grande amigo de escola, mas não um amigo
tão próximo. Cada um de nós tinha seu círculo de amizade, sendo o dele
composto por pessoas divertidas, inteligentes e libertas de pudores
bestas e padrões sociais ainda mais bestas; incluindo ele próprio. Que é
gay, claro, porque eu amo os gays e os gays me amam. Certa vez, durante
uma das viagens de pesca de Paulo com seu pai e quando Evelyn estava de
cama há uns dias, aceitei um convite para ir a uma festa em sua casa.
Uma das festas mais divertidas que já fui, com direito a churrasco e
cerveja gelada. Cerveja! Sem adultos moralistas regrando meus copos!
No instante em questão, Jean me parabenizava por nosso desempenho.
Há um mês que ensaiávamos nossas falas de Vida Louca no auditório.
Primeiro, recorremos à leitura dinâmica; depois, pouco a pouco,
abandonamos os roteiros e até ousamos algumas cenas de pé. Jean
interpretava Vítor, um garoto viciado em drogas e alvo de racismo.
Racismo esse vindo de negros, como ele; um dos absurdos reais do Brasil,
mesmo na dimensão em que vivemos. Pois, Vítor e Cristina desenvolvem uma
bela e construtiva amizade. Coisa que eu desejava com Jean.
–- Você arrasou, gatíssima! -- Ele disse, abraçando-me.
–- Ai, você também, Jê... -- E quando nos soltamos: e aí, um açaí?
–- Claro!
Jean não era o único que me fazia repensar nos universos
particulares que eu mantinha em minha órbita e os que eu repelia.
Lembremos da menina que me fez companhia na praia, quando Paulo, junto
de alguns amigos, um deles o namorado dela, estavam surfando. Morávamos em bairros
vizinhos, estudávamos em escolas diferentes. Entretanto, conversávamos
bastante, íamos uma à casa da outra. Evelyn a odiava com todas as
forças, nem preciso dizer. Tínhamos tanto em comum! Ela amava artes,
como eu; nossos pais eram igualmente... Chatos. E, mesmo que tão presas
por nossas respectivas famílias e amizades, conservávamos os desejos de
fazer as mesmas coisas. Na festa de Jean, por exemplo, desfrutamos juntas
da nossa cerveja.
Porém, essas não eram minhas companhias habituais: Jean, Clara...
Amanda. Minhas companhias habituais eram Paulo e os amigos dele; Evelyn
e as amigas dela. Mas e os MEUS amigos? Eu também tenho direito de
tê-los! Eu também tenho o direito de ter parceiros de cerveja, de Música
e Teatro, de fazer e rir de piadas compartilhadas, sem olhares
reprovadores de gente que não concorda comigo. E foi quando eu estava
cercada de atores amadores, como eu própria, desenvolvendo amizade com
uma musicista amadora -- namorada de uma musicista profissional -- e,
que Paulo possa um dia me perdoar, seriamente encantada pelo meu
professor de Artes Dramáticas, foi quando eu alcancei esse novo patamar
da minha vida, que eu notei o quão certa minha prima estava: eu tenho é
medo de abrir mão do seguro e me lançar no desconhecido. Mas o seguro já
estava muito chato.


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Notas finais do capítulo

Eai? xD
Pessoal, quero lembrar que eu gostaria de uma ajudinha para fazer uma capa legal. Se alguém entender desses paranauê, chame-me por mp, ok?
Vejo vocês nos reviews!



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