Imperium Lan - A Queda de Um Império escrita por Accord2


Capítulo 1
Olly




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Toda a gente sabe que tudo o que começa, acaba, e os Impérios não são excepção. Nascido à mil anos, fruto da guerra civil que se tornou uma guerra mundial, o Império Lan tornou-se um dos mais poderosos na galáxia. A partir do seu planeta natal, Terranus, espalhou-se aos poucos pelo Universo, de sistema solar em sistema solar, de planeta em planeta. Tinha agora mais de cinquenta colónias espalhadas pela galáxia e o seu poder militar era algo de que se orgulhava incondicionalmente. Tanques, aviões, misseis e homens, tudo preparado para conquistar a galáxia a qualquer momento. O seu orçamento para pesquisa de armamento era enorme e os melhores cientistas eram recrutados. Os Lan sempre foram conhecidos pela sua ambição e ganancia e muitos diziam que isso lhes traria o fim. Mas líder após líder o poder do Império aumentava e por mais grandioso que o Império fosse, por maiores os feitos que atingisse, havia sempre alguém insatisfeito. Na metrópole, constituída pelos planetas mais interiores as condições de vida eram superiores, havia mais direitos e liberdades mas nas colónias crescia a agitação. O povo queria maiores liberdades, direitos, melhores condições de vida. Queria viver à semelhança dos seus irmãos na metrópole. As terras periféricas sempre foram postas de parte pelos sucessivos lideres. Eram terras sub desenvolvidas, oprimidas e os seus recursos eram explorados até à ultima gota.

            Olly fazia parte da resistência que nos últimos anos tinha crescido de apenas um punhado de gente para um enorme movimento. Vivia na periferia do Império, no pequeno planeta de Aucy, para onde era enviada a escumalha do Império, o lixo, tudo aquilo que era considerado inferior. Era um jovem rapaz e é sobre as suas aventuras que fala esta história.

            -Conos Olly. Viste os novos panfletos que fiz?

         -Conos, bom dia. Vi. Não são vermelhos demais? -perguntou Olly. O seu corpo era alto e os seus cabelos negros como o carvão estavam cortos de tal maneira que mais um pouco tinha a cabeça rapada. Sempre que falava com alguém a sua cara corava e tornava-se vermelha como um tomate. Tinha vinte e dois anos e fazia parte da resistência à dois.

            -É para chamar a atenção. Estava indecisa sobre a frase. Achas que aquela soa bem? “Por um Império justo!” Não sei... - A rapariga era Garci. Era a responsável pela divisão da propaganda. Era conhecida pelo seu jeito para o desenho e pintura, embora o Lanseit, a língua falada pelos Lan, não fosse o seu forte. Os seus cabelos castanhos chegavam-lhe à cintura e a cara redonda fazia lembrar a do seu pai. O seu pai, Gnotus, era o lider da resistência.

            -Acho que fica bem, não te preocupes com isso. Vou à cafetaria, queres vir?

            A base da resistência ficava no antigo forte da vila. Construído nos primórdios da época da expansão era constituído por uma série de caminhos subterrâneos, salas e galerias escavadas na rocha. Tinha mais de dois quilómetros de corredores e as salas eram quase infinitas. Tinha desde um enorme refeitório a um teatro, incluindo um hangar e uma pista de descolagem. Na época em que foi construído era um símbolo do poder, riqueza e grandiosidade do Império. A cafetaria tinha as paredes forradas a azulejo branco. Era o ponto de convívio do pessoal. Reuniam-se ali para discutir ideias, preparar operações e descansar no tempo livre. Embora não estivessem em guerra declarada havia sempre muito a fazer. Era preciso fazer a manutenção das naves, preparar os planos e estar à escuta dos passos do Império, pois é preciso estar sempre preparado para qualquer coisa que este possa fazer.

            Olly pediu um café quente e um doce bolo de mel. A resistência podia dar-se a esses luxos já que era fornecida pelas quintas da colónia, todas participantes no movimento. Nos últimos anos tinham participado em várias acções como a recusa do envio de suprimentos para a metrópole. Embora dessas vezes não houvesse resposta do Império, o cerco ficou mais apertado. Noutras colónias, bases foram atacadas e as quintas destruídas. A população rebelde foi aprisionada e enviada para campos de trabalho nos confins do espaço sideral. Sentou-se com a colega numa das mesas enquanto comiam. Eram amigos desde a infância. Nesses tempos eram vizinhos e passavam muito tempo juntos. Foi depois da morte do pai de Garci que Olly se juntou à resistência, a pedido desta.

            -Então rapazes, como vai a vida? - Sebastus era o atual líder. Dava-se com todos e sabia como encorajar qualquer um. Era conhecido pela sua longa barba típica dos miniones, originários de Minoris. - Por Abacus. Ainda falas com este tipo mal parido? Ah ah. Se eu fosse a ti já tinha arranjado alguém melhor.

            - Já te disse milhões de vezes que não andamos. Essa cacete já começa a perder a piada.

            - Calma Garci, não é preciso ficares assim. Mas aqui entre nós, a mim não me enganas.- A rapariga fez que não ouviu. Era muito calma mas depressa se enervava e Sebastus gostava de a chatear. - Como vão os teus pais, Olly? Ainda estão lá naquela quinta amaldiçoada? - A conversa foi interrompida por um dos responsáveis pelos radares.

—Eles vêm ai! Acabaram de entrar em órbita!

—O que? E porque só fomos avisados agora? Todos aos seus postos! É uma ordem!

            A terra viu-se negra. O Sol estava completamente tapado pela enorme nave do Império e as pequenas naves de guerra faziam um terrível silvar ao voar por toda a parte. Os homens correram para os seus postos o mais depressa que podiam. Na vila, as mulheres e crianças pediam aos deuses misericórdia, já que o lema do Império era “Esmagar e ganhar”. Tiros eram disparados, feixes de luz incendiavam casas, campos e terras de cultivo. A resistência entrou em combate para se mostrar impotente. As suas naves voavam a toda a velocidade, em modo de defesa. Raios luminosos eram disparados por ambas as partes. Aqui e ali naves explodiam em espectaculares e ruidosas explosões. “Estamos em desvantagem. Aguentem o máximo que consigam. Temos que dar tempo para a população fugir” Gritava o líder pelo rádio. A batalha intensificava-se. Os anos de treino da resistência permitiram a destruição de grande parte das forças inimigas sem a perda de muitos homens através de tácticas defensivas. A batalha estava a tornar-se favorável para o movimento clandestino. A vila ardia violentamente com labaredas cor de sangue que tocavam os céus. Chovia metal, feixes de luz, homens. O povo refugiou-se nos abrigos de guerra. Podiam estar a ganhar mas seria por pouco tempo, o Império sabe bem o que faz. Da nave de guerra mãe foram lançadas milhares de bombas que caíram no chão ruidosamente num grande estrondo, feixes de luz e a mais recente arma imperial. Um feixe de raios gama capaz de queimar tudo à sua passagem. Por mais planos que a resistência tivesse feito nenhum deles antevia este fim. Com a inserção de duas chaves, um código secreto e uma impressão da mão o feixe estava pronto a disparar. Num piscar de olhos a vila desapareceu, as mulheres e crianças foram carbonizadas, as florestas feitas em chamas, os campos em pó. Num piscar de olhos o Império esmagou e ganhou. Mais uma vitória para os livros de história, um pouco mais perto do poder supremo.

            O enorme e vazio silêncio era apenas interrompido pelo crepitar das chamas. Olly jazia no chão negro como a noite. À sua volta apenas restava restos de metal, troncos queimados do que fora árvores, restos do que fora paredes e corpos queimados. As duas luas de Aucy, Mina e Teta, estavam bem altas no céu, uma ao lado da outra. O rapaz desapertou o cinto e rastejou para fora dos destroços da sua nave que não passava agora de um monte de ferro contorcido. Tinha a perna aberta em sangue. Rasgou parte do uniforme e fez um garrote para a estancar, precisava de parar aquilo ou depressa esvaziar-se-ia em sangue. Rastejou de novo para a sua nave queimada para buscar o estojo de primeiros socorros onde encontrou agulhas e linha para cozer a ferida. Depois de desinfectar fechou a ferida a sangue frio e no planeta carbonizado apenas ecoou a sua voz ferida.

            Deitou-se de barriga voltada para o céu. Podiam-se ver milhares de estrelas, infinitos pontos brilhantes no céu. Estava sozinho naquela zona do planeta e tinha que sobreviver com praticamente nada. As duas luas atingiam o zénite e coroavam a beleza celestial. Podiam-se ver as constelações do guerreiro e da mãe. Olly fechou os olhos e rezou a ambos. Pediu para sobreviver, para que estivesse tudo bem com Garci, com os seus pais. Embora tivesse esperanças, bem no seu interior preparava-se para o contrário. Uma voz dizia-lhe que os seus pais eram um daqueles corpos que estavam ao seu lado contemplando o céu, que a sua amiga era uma das estrelas que pintavam o céu. O sono tardou em chegar e veio acompanhado de lágrimas.

            Nos seus sonhos corria livremente pela pradaria que outrora havia perto da vila. Gritava e corria ao lado da sua amiga. Rebolava na relva alta e verde, fresca e húmida. Deitava-se para contar as nuvens, para adivinhar os animais no céu. De mãos dadas com Garci andava junto do lago. Atirava pedras à água e tentava com que fizessem ricochete. “Amo-te” Disse-lhe ela por fim. De mãos dadas, um em frente do outro, contemplavam-se, olhavam-se como se fossem obras de arte. Os olhos perdiam-se mergulhados na imensidão de cada um. Os lábios tocavam-se, primeiro de manso, depois com toda a força de uma saudade de milénios. Acordou em lágrimas. Acordou banhado em lágrimas salgadas e saudosas, tristes e húmidas que lhe escorriam pelo rosto como um rio que corre a todo o vapor para o mar. Tinha perdido o amor da sua vida. Talvez eles tivessem chegado a tempo ao abrigo, talvez Garci tivesse sobrevivido. Mas quem queria enganar... Só se estava a enganar a si próprio.

            A manhã tardou a chegar. Os raios solares invadiram a terra, primeiro aos poucos, depois com toda a força que a alvorada traz consigo. Olly levantou-se e cambaleou pelo meio dos destroços da vila. As velhas paredes erguiam-se cinzentas e no meio delas viam-se corpos em todas as posições. Deitados, pedindo misericórdia aos deuses, protegendo os filhos. No meio daquelas figuras irreconhecíveis estava a família do desolado rapaz. À superfície não havia nada que se pudesse aproveitar, o Império destruíra tudo. Decidiu vasculhar no abrigo e na base da resistência, como eram subterrâneos sobreviveram à destruição maciça. Os corredores da base, outrora cheios de oficiais, pessoas e amigos, tinham agora um ar triste e vazio. O silencio reinava. Ouviam-se os sons dos ratos a escavar, a guinchar, a morder. A cafetaria, outrora cheia de gente e ruidosas conversas era agora abrigo de um desolador e arrepiante silêncio escuro. Não havia luz e o rapaz teve que com uma lanterna procurar o seu pequeno almoço. Comeu bolos de aveia e leite. O que sobrou, e que ainda não tinha sido tocado pelos ratos e baratas, pôs no seu saco.

            No hangar havia poucas naves, grande parte tinha partido para a batalha. Inspecionou as naves restantes. Eram antigas naves deixadas pelo Império no antigo forte e restauradas pelos rebeldes. Eram cinzentas de forma alongada com as asas vermelhas para trás. Uma delas estava demasiado danificada para poder voar e outra não tinha motor. A que restava precisava de manutenção, que não era feita à meses. Olly pousou o saco no seu interior e foi à procura de peças e ferramentas para arranjar o que podia e partir daquela terra desoladora. Foi no meio das peças de sucata que encontrou Gerge. O velho mecânico estava deitado em posição fetal, chorando.

            -Gerge, Gerge. Shhhhhh. Está tudo bem.

            -Não, não está. Morreram todos, eu vi com os meus próprios olhos. Oh era labaredas por todos os lados e aqueles gritos infernais de dor. Havia explosões no céu e em terra. Morte, tanta morte que havia. Oh que dor, que dor que dá.

            -Tens que ser forte, não havia nada que pudéssemos fazer. Eles não apareceram nos radares até terem entrado na nossa atmosfera. Devem ter usado o hiper salto, não sei. Mas todos nós fizemos o melhor que pudemos.

            -Oh eu sei, eu sei, mas não consigo esquecer aqueles gritos agoniados de mulheres e crianças e homens. Oh maldita guerra. Que horrendo que foi...

            Olly abraçou o velho Gerge que chorava como uma criança. Depois de o acalmar, o que demorou bastante tempo, arranjou a nave com a sua ajuda.

            -E agora rapaz, para onde vais?

            -Vou para Libertus, e daí logo se vê. Ficas aqui? - O velho mecânico era seu grande amigo, tinham passado imensas horas juntos na oficina, custava deixa-lo ali, mas a nave apenas levava uma pessoa e Gerge não sabia pilotar.

            -Sim. Talvez parta embora a pé. Logo se vê. Temos suprimentos para várias semanas, dá me tempo para planear. Toma cuidado rapaz.

            Despediram-se com a saudação rebelde, mãos dadas atrás das costas e depois um longo adeus. O rapaz descolou e para trás dele ficou a sua terra natal.

            Libertus era a capital da colónia e podia-se dizer que pelo seu tamanho que era uma das cidades mais prosperas do Império. Ali não havia apenas Lans, havia muitas outras raças que coabitavam em conjunto. As ruas estavam apinhadas de gente e o trânsito circulava a passo de caracol. O ruído era ensurdecedor. Milhares de pessoas andavam lado a lado sem se olharem, escondidas no seu próprio mundo, indiferentes a tudo e a todos. Olly procurava um hotel, uma pensão, qualquer sitio em que pudesse ficar. Depois de horas encontrou um lugar que lhe pareceu bom. O dono da estalagem era humano, via-se pelo tamanho das orelhas. Os Lan tem as orelhas longas como os elfos das histórias, mas os humanos tem as orelhas curtas e redondas. Pagou uma quantia que achou demasiado elevada e subiu a resmungar para o seu quarto. Sim, fora demasiado alta. O quarto era pobre, sem decoração. Não havia cama, apenas um colchão manchado no chão. Os moveis eram velhos e de um estilo típico das décadas passadas. Se aquilo em tempos fora uma grande estalagem agora não passava de um recanto mórbido e sujo.

            Nessa noite Olly voltou a sonhar com Garci. Andavam os dois de mãos dadas lado a lado junto ao lago. Não falavam, apenas contemplavam as águas límpidas que nasciam nas montanhas geladas. Os longos cabelos dela voavam ao vento. O seu perfume de rosas perfumava o ar e os seus lábios chamavam os de Olly.

            -Estou viva.

            -O que?

            -Estou viva. Procura-me.


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