Invisíveis escrita por Kopan


Capítulo 2
Ansiedade


Notas iniciais do capítulo

Pessoas com transtornos de ansiedade generalizada não conseguem se livrar de suas preocupações, mesmo que percebam que a sua ansiedade é mais intensa do que seria esperado pela situação. Pessoas com transtornos de ansiedade generalizada não conseguem relaxar e têm dificuldade de concentração. Muitas vezes, as pessoas com transtornos de ansiedade generalizada têm dificuldade para dormir. Sintomas físicos que geralmente acompanham a ansiedade incluem fadiga, dor de cabeça, tensão muscular, dores musculares, dificuldade de engolir, tremedeira, irritabilidade, sudorese, náusea, ir ao banheiro freqüentemente, sentir falta de ar, e ter ondas de calor.



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Decidira não dormir nesta noite. Não que ele fosse conseguir mesmo; afinal, o palpitar do coração não o daria esse luxo.

Era madrugada de domingo e ele estava responsável por uma reunião de trabalho na manhã de segunda-feira. Sua equipe era composta por cinco membros, incluindo ele.

De início ele não era o responsável para guiar o grupo, mas a sua inseguridade o fez praticamente implorar ao antigo líder para que pudesse organizar o encontro, conseguindo convencê-lo sem muito esforço. Não que ele se sentisse seguro, pelo contrário, ele só preferia manter tudo sob o controle do seu perfeccionismo, evitando ao máximo que algo desse errado no projeto.

E por isso ele estava à frente do computador nesta madrugada. Conferia os horários e checava as cópias do projeto, que - pra variar - fora feito em três softwares diferentes e salvo em dois pen drives para garantir que não houvesse falha alguma.

Ao lado havia uma caneca bem cheia de café quente, que falhou miseravelmente em diminuir as olheiras do homem, deixando-lhe uma aparência quase cadavérica. E mesmo assim ele escolheu vestir um terno negro e elegante, de corte clássico, adicionando um contraste com uma gravata azul por cima da blusa social branca.

Fez questão de guardar o notebook completamente carregado em sua pasta de couro, tão negra quanto seus sapatos. Junto dele, guardou os dois pen drives em bolsos diferentes. Incluiu também cabos VGA e HDMI, fora o seu carregador.

Aquilo tudo era completamente desnecessário, já que o seu ambiente de trabalho possuía todo o material, sendo preciso trazer apenas o projeto finalizado.

Mas, para ele, não. Para ele, qualquer detalhe fora do planejado seria como uma catástrofe. E ele temia a falha mais do que temia a morte.

Observou os feixes da manhã invadirem o ambiente, iluminando o quarto e esvaziando a morbidez do apartamento. A partir daí, não deixou de encarar o relógio por 1 segundo sequer.

Alcançou o celular e resolveu mandar um SMS para todos da equipe, fazendo questão de checar se estava tudo perfeito para mais tarde. Mas a resposta não chegou de imediato, e ao invés de ignorar os 5 minutos sem retorno, levou os dedos aos lábios e roeu as unhas já quase inexistentes, parando somente quando sentiu o gosto férrico de sangue que escorria vivo pelo mindinho.

Balançou a cabeça, guardou o celular no bolso da calça e foi comer alguma coisa, aproveitando para tomar uma segunda dose de café.

Sentiu o celular vibrar quando terminou de lavar a louça, e quase que imediatamente agarrou o aparelho, lendo com desespero as mensagens respondidas. Soltou um suspiro de alívio bem alto. Parece que estava tudo certo para hoje.

Sem delongas, seguiu pelo corredor e decidiu dirigir para o trabalho, mesmo ainda faltando 2 horas para a tão esperada reunião.

— Bom dia! – Falou contente assim que adentrou no escritório, praticamente vazio.

Recebeu poucas respostas.

— Chegou cedo hoje, não? – Falou uma das secretárias – Não conseguiu dormir? Está com olheiras bem aparentes...

— É, eu virei a noite terminando o projeto pra hoje – Respondeu um pouco empolgado – Apesar de cansado, até que me sinto bem...

— Se você diz... – Comentou – Espero que dê tudo certo.

— Vai sim - Ele respondeu já sentindo um calafrio na espinha - Vai sim...

Repetiu a resposta várias vezes em seu pensamento, torcendo para que fosse verdade absoluta o que dissera.

O barulho que o relógio emitia a cada segundo só aumentava o anseio do empresário, que ora organizava seus e-mails em pastas, ora espiava o horário. Ele sentia como se aquilo fosse uma tortura lenta, queria tanto que os minutos fossem como os segundos rápidos e contínuos. Batucava os dedos na mesa, roia as unhas até aparecer a carne e mordia o interior da boca em tentativas falhas de ocupar o tempo.

Assim que um segundo membro da equipe adentrou no escritório, o empresário levantou-se em um solavanco e foi logo conversar com ele.

— Bom dia - disse - E a sua parte do projeto? Está inteira e bem escrita?

— Ah, bom dia - ele respondeu - Sim, sim. Está tudo dentro dos conformes.

— Você não esqueceu os gráficos né? - Interrogou - Imprimiu tudo?

— Ei! Calma, cara. - Ele bufou - Eu já disse que está tudo pronto e bem feito.

— Tudo bem, só queria conferir - Justificou.

No fundo, caso o outro tivesse esquecido qualquer coisa do projeto, não faria falta, o empresário sempre tinha arquivos de reserva. No entanto, sempre é bom checar, não é mesmo?

— Cara, relaxa. Sério, você é muito apressado, tem que respirar fundo - Disse o homem - Se continuar desse jeito, vai acabar desesperando todo mundo e estragando o projeto.

— Tudo bem - Ele concorda - Vou evitar perguntar sobre o assunto.

Era perceptível o quão nervoso ele ficava quando algo ameaçava seus planos, mas não era culpa dele se ele só conseguia se sentir realmente seguro quando tinha a oportunidade de checar o necessário.

E, então, ele segue seu caminho em direção à escrivaninha e procura passar o tempo rabiscando e cutucando a mesa.

Deu bom dia para todos os outros membros da equipe à medida que eles chegavam. A tentação de perguntar-lhes sobre a reunião batia de frente com a determinação de ficar calado para não parecer uma pessoa amarga e exigente demais.

No entanto, não adiantou. 

Em poucos minutos lá estava ele falando com uma das integrantes. Era tão mais forte que ele, quase como uma necessidade física. E só ele sabia o quão ruim era conviver com aquilo. Só ele sabia que, não importa o quão perfeito tudo possa estar, a menor possibilidade de erro não podia sequer existir.

Seres humanos podem errar. Ele não. Ele não se permite errar.

Porque, no fundo, errar só mostra despreparo e inutilidade. E ele nunca se perdoaria por fazer besteira.

Assim que conferiu todo o necessário com alguns outros membros, verificou mais uma vez o relógio, percebendo que lhe restava apenas 1 hora para o momento esperado. Esses sessenta minutos era muito pouco tempo para ele, e, pensando nisso, logo ele começou a sentir “borboletas no estômago”. O momento estaria chegando e ele já podia perceber o desespero escalar pelas suas costas de uma maneira sombria e amarga.

Decidiu, então, ir até o banheiro para lavar o rosto, aproveitando o espelho para encarar a si mesmo.

— Hoje nada dará errado – Resmungou – Eu não irei fazer merda! Definitivamente não irei!

Se o local não estivesse vazio nessa hora, provavelmente os outros empregados o achariam completamente estranho.

Porém, ele não era estranho. Ele apenas se conhecia o suficiente pra entender o quão difícil era pra ele essas situações. E já que, para um profissional como ele, se deixar levar por sentimentos tão bestas era algo inaceitável, não lhe restava muitas opções a não ser tentar controlar o seu próprio coração.

Ele definitivamente não queria repetir suas antigas situações de trabalho, mesmo sabendo que o seu atual chefe compreendia seu estado emocional e procurava o apoiar bastante, dando-lhe conselhos e companhia. Na verdade, tendo um superior bem próximo de si fazia a tensão aumentar ainda mais, pois assim desejava com todas as forças fazer um ótimo trabalho para impressioná-lo e encher-se de orgulho depois.

Pena que não foi exatamente assim que terminou a história. Cá estava ele, dentro da sala de reuniões em completo pânico.

Sentiu-se tonto no momento em que pisou dentro daquela sala. Sua respiração ficou pesada e descompassada, quase tão rápida quanto a taquicardia.

Observou os companheiros explicarem o projeto muito bem, e, quando chegou a sua vez, tudo o que lhe correu a cabeça era vazio. Ele fez tanta questão de memorizar tudo, mas agora não havia nada que pudesse ser proferido por seus lábios.

Estava tudo dando tão certo. Os slides estavam perfeitos, o projeto estava convencendo qualquer um. Mas sempre tem um pra estragar a festa, não é mesmo? E ele estragou. Ele estragou a festa inteira e sentiu seu cérebro desmanchar.

Agora não conseguia mais encarar ninguém nos olhos. A sua boca gaguejava frases irreconhecíveis enquanto pausava para ofegar o oxigênio.

Sentiu os olhos marejarem e as mãos tremerem, encharcadas por um suor de volume descomunal.

— Ei! Você está bem? – Perguntou o chefe

Ele acenou com a cabeça positivamente, mas estava extremamente claro o quão mal seu corpo reagia. E ele se xingava internamente como se nunca tivesse merecido ter um emprego, ou sequer nascido.  

Não obstante, a taquicardia, que já era desesperadora o suficiente, logo trouxe o efeito de uma vertigem exagerada. Os níveis de oxigênio pareciam baixos, assim como a sua pressão.  Então, ele logo se apoiou na parede, procurando conter que o seu corpo fosse de encontro com o chão.

— Ei! Chamem uma ambulância, por favor! – Gritou o chefe, que alcançou desesperadamente o braço do empresário, o impedindo de cair.

Queria tanto poder recusar, mas, com tantas lágrimas escorrendo pelo rosto, não tinha moral alguma pra fazer isso.

“Que droga!”

Era tudo o que lhe vinha à cabeça.

“Eu sou um inútil! Nem consigo trabalhar direito!”.

Ele se condenava.

Se ele pudesse enterrar o seu corpo vivo, definitivamente já o teria feito. Vergonha, desgosto e irritação inundavam seus pensamentos.

Tinha tanto medo de ser abandonado pelos outros. Só não tanto quanto o seu medo de ter feito merda, como ele fez agora.

Ele errou.

Ele ferrou tudo.

Ele falhou.

Ele. Só ele.

Teria implorado por perdão se sua consciência não o tivesse traído antes.

E agora, era só o vazio.

O vazio onde ele existia.

O vazio onde existia todos aqueles que eram afetados pela falta de controle. 


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Notas finais do capítulo

Quando o assunto é ansiedade, todo cuidado é pouco, principalmente quando ela se mistura aos seus anseios de carreira e seu desenvolvimento profissional. Quem é ansioso demais pode perder o controle emocional e até desenvolver doenças mais sérias como gastrite, taquicardia e hipertensão.

Ninguém aprende muito quando dá um salto enorme em um período curto. É preciso compreender que o crescimento profissional é conquistado dia após dia e que o tempo é um elemento fundamental para o seu desenvolvimento profissional e as conquistas na carreira.



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