Azul ou Rosa? escrita por Nanahoshi


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal!
Trazendo aqui mais uma one-shot! Dessa vez o tema oscila entre amizade virtual e namoro à distância. Como ela é inteirinha feita em metáforas, vocês vão ter que pensar um pouquinho pra entender.
Boa leitura!



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Era a mesma janela. Ela de um lado, estudava todos os dias enterrada em cadernos, apoiada no parapeito, os olhos fixos nas folhas. Ele do outro, as costas apoiadas contra o vidro mexendo num aparelhinho. Nenhum dos dois se interessava pela janela. A janela não tinha cor.

Uma ventania. As folhas arranharam a rua lá fora. O barulho da chuva era alto demais. O vidro ficou branco. A garota ergueu o rosto e olhou pela janela.

Um garoto olhava pra ela. Estava com uma cara de espanto, tentando entender como ele conseguia ver uma garota através do vidro. Ela colocou o caderno de lado e se ajoelhou de frente para a janela com um ar curioso. Ele, por sua vez olhava-a desconfiado, mantendo distância do vidro. Seus olhos varreram o ambiente que emoldurava a menina, até pousarem no caderno que antes estivera no colo dela.  Um desenho.  Ele se aproximou do vidro pra ver melhor, e a garota finalmente percebeu o que ele estava olhando. Pegou uma folha de papel e escreveu:

Gostou do desenho?

Colocou contra o vidro. Ele leu e ficou alguns segundos piscando sem entender. Depois puxou qualquer pedaço de papel mais próximo e rabiscou:

Você desenha muito bem. Tem mais desses?

Ela piscou ao ler, depois sorriu e pegou o caderno. Uma raposa, uma rena, um gigante viking, dois irmãos, um anti-herói...

A janela ganhava cor...

Agora eles só se interessavam pela janela. Ficavam horas contra o vidro, rabiscando mensagens. Ela sorria e ele gostava de fazê-la rir. Ele arregalava os olhos e ela gostava de fazê-lo se admirar. Ela podia conversar sem medo de ser chamada de estranha. Ele podia se empolgar sem ser chamado de infantil. Eles podiam escrever histórias no vidro de um mundo só deles. Um mundo de uma janela só. E ao apagar as luzes para o próximo dia, os dois se sentavam de costas para a janela e riam baixinho, naquele momento pequeno e diferente. Riam azul.

Entretanto, os dias passavam, e eles acabavam se desencontrando. As vezes, um deles olhava pela janela e via apenas o vidro. Nessas horas, a garota costumava sentar-se ao lado da janela, esperando. De vez em quando ela ria, e o cabelo escorria, acariciando as lembranças azuis da garota. Ele por sua vez, vigiava o vidro colorido, rabiscando alguma coisa com um lápis azul, esperando.

 Um dia, enquanto a garota ria e desenhava redemoinhos no vidro, o garoto escreveu alguma coisa diferente.

Não quero ficar longe.

Ele sorriu e se despediu. A garota continuou olhando pela janela.

 O vidro se tingiu de rosa.

Rapidamente ela pegou uma blusa e limpou o vidro. Ela não podia deixar nenhum vestígio rosa. Nenhum. Tudo devia ser azul. Largou a blusa toda manchada, e enfim respirou mais calma. Virou a cabeça e olhou para o vidro novamente. Seu coração disparou. Ali, contra a luz, seu reflexo tímido, meio feito, denunciava uma mancha rosa que ela não poderia apagar. Ela levou as mãos ao rosto e balançou a cabeça desesperada. Tudo devia ser azul. Só azul. Azul era uma cor linda, perene. Rosa era transparente e breve. Ela não gostava de rosa.

No dia seguinte, ela chegou mais cedo à janela. Ficou olhando para o vidro, até que enfim, subiu os olhos. Olhou para o trinco da janela. Jamais estivera abaixado. Era só esticar as mãos e abrir. Mas não dava. Ela não podia. O quarto se inundara de rosa durante a noite. Ela não podia deixar que ele visse o mar rosa, ou que alguma gota vazasse para o outro lado.  

A mãozinha pequena apertou o lado esquerdo do peito. Ela queria abrir a janela.

Mais algum tempo se passou, e ela passou a ter receio da janela. Gostava muito de ficar ali, mas tomar consciência do trinco causava dor. E de vez em quando ela acabava desenhando algo roxo, e então ela tinha que recuar, derramar um pouco de azul na janela, rir azul. Mas rir azul ficava cada vez mais difícil. O riso saia amarelo.

Então ela decidiu sair um pouco. Andar em algum outro lugar. Algum lugar vermelho e preto, verde e branco. Ficou longe da janela por sete dias.

A janela estava fechada. Totalmente. Ela não conseguia mais ver do outro lado. Ela se ajoelhou de frente para a placa opaca e tocou o metal frio.

Não.

Então aquele rosa, que ela lutara tanto para travestir de azul, escorreu do rosto. Manchou o caderno, manchou a blusa. Escorreu transparente.

Do outro lado, ele fitava a janela opaca confuso. Não conseguia ver do outro lado. Ele se aproximou da moldura sem cor e a tocou.

Por quê?

A janela não tinha mais cor. A cor evaporara. Só sobrou o cinza que se solidificava lentamente...

O trinco estava levantado.


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Notas finais do capítulo

Gostaram?Críticas, sugestões, elogios?Não se esqueçam hein? Metáfora! Janela!