O Teatro no Fim do Mundo escrita por Arquivo


Capítulo 1
O Palco de Velas




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Sua procura não se encerra aqui.

Talvez mais adiante 

quando a luz do fim do túnel

for mais firme.

Talvez tudo se revele

quando a procura cessar,

talvez tudo se encontre

quando abrir os olhos e ver

a Luz em todo lugar.

E, nesse momento,

não haverá túnel,

não haverá passagem,

apenas Você em cada olhar. 

 

 

Foram por alguns segundos de desespero que senti como se estivesse flutuando, como se tivesse perdido o juízo e me jogado de um lugar alto. Eu sentia que estava caindo, mas ao mesmo tempo sentia que estava voando, até que meus joelhos se dobraram e eu estava sentada no chão. Um calor aconchegante me fez abrir os olhos, “ Que magnífico! ”, foi a primeira coisa que pensei ao me ver cercada de velas, não no sentido literal de um círculo, se assim fosse eu estaria apavorada, mas na verdade era um enorme palco iluminado por velas de cera bem amarela e seu brilho apenas chamava mais atenção para as enormes cortinas vermelhas e púrpuras. Foi então que ouvi palmas.

—Bravo! Bravo!

Olhei para frente e no meio de todas as poltronas vazias daquele lugar, um senhor idoso que carregava um enorme sorriso. Ele batia palmas bem devagar, apreciando o som isolado de cada uma.

—Obrigada... – Respondi por educação.

—Não, não, não querida! – Ele se levantou abruptamente. – Os atores agradecem em silêncio, dessa forma. – Ele se curvou algumas vezes.

—Ah. – Eu me levantei um pouco nervosa e quase cai, mas igual a ele eu me curvei algumas vezes e olhei melhor a minha volta, procurando a saída.

—Ali. – Ele apontou para minha esquerda, tentando conter um riso.

—Obri...! – Eu me lembrei, e me curvei novamente antes de sair em silencio do palco.

Um espaço aberto na parede era a saída para um lugar escuro, eu estava mais curiosa do que com medo, para falar a verdade. Uma corrente de ar bem fria saía dali e eu quase tive a impressão de estar escutando sussurros. Então coloquei um pé na frente do outro em um passo largo e antes de perceber eu já estava na total escuridão.

—Tem alguém ai?!

Um momento se passou, até que algo tocou minhas costas.

—Ah! Quem é?! – Eu tentei dar meia volta, mas o espaço aberto na parede havia desaparecido.

Eu então corri no escuro, chamava por ajuda e até xingava as vezes, mas a imensidão escura não tinha fim.

—Não tem saída! – Eu disse exausta.

Novamente algo tocou minhas costas, mas eu fui rápida o suficiente para virar e agarrar seu braço.

— Você é louca?!

A escuridão sumiu e eu senti pálpebras pesadas se erguerem, alguém estava ao meu lado e eu estava segurando seu braço.

—Solte-me!

—P-Perdão. – Eu o soltei.

A luz fraca de uma madrugada em seu fim invadia o aposento cheio de camas de ferro e colchões escuros para iluminar a imagem de uma mulher de cabelos grisalhos com poucos fios castanhos entre eles, ela tinha olhos cheios de desgosto e rugas que ajudavam a me fazer compreender que ela não gostava nada de mim.

—Senhora Jully...? – Meus cabelos negros formavam uma cortina em meu rosto.

—Mas que criaturinha estranha é você, Lira, estava falando dormindo e pedindo socorro. Eu achei que o melhor era te acordar, até que tentou arrancar meu braço fora!

Eu me levantei da cama, minhas costas doíam, eu olhei em volta e percebi que ainda estava no hospital.

—Perdoe-me, foi um pesadelo horrível.... Eu estava no escuro correndo e...

—Não é do meu interesse. – Ele me interrompeu com sua voz estrondosa. - Agora sei que dá próxima vez, é melhor eu não fazer nada. – Ela bufou. – Trate de se levantar logo, já são quase 5 horas e você não está pronta!

Ela se afastou da cama e endireitou sua farda. Amarrado em seu cinto havia um molho das chaves de algumas das salas e zonas.

—Sim senhora. – Sussurrei perdida no brilho dourado das chaves.

—A zona C é sua e de Mirian hoje, se eu ver algo faltando na tabela...!

—Não faltara nada, senhora.

—Ótimo.

Ela saiu do dormitório e o som de suas botas no chão eram como um outro tipo de pesadelo para os que lhe ouviam chegar. Senhora Jully era a enfermeira chefe e a “dona” de muitas vidas no hospital, tanto das que estavam lá para se curar quanto as que estavam lá para trabalhar até morrer.

 

 

Eu esfregava o chão tão arduamente que sentia meus ombros tremerem, como se meus ossos estivessem enferrujados e rangendo. Onde estava Mirian? Eu não limparia a zona C sozinha, mesmo que tentasse por medo da senhora Jully, os esforços seriam inúteis.

—Lira!

Alguém me chamava, sua voz vinha das minhas costas. Era Mirian e ela segurava algo em suas mãos, um envelope. Ela parou bruscamente ao meu lado e se ajoelhou na parte seca do chão.

—Onde você estava?! Senhora Jully nos venderá para os marinheiros se não terminarmos de limpar tudo!

—Eu... sinto muito... – Ela estava sem ar. – Eu fui parada por um cavalheiro...

Meus olhos reviraram. Num mínimo ato de ciúmes. 

—Não temos tempo para rapazes, Mirian! Eu realmente espero que não tenhamos, caso senhora Jully apareça de repente e veja que não estamos nem na metade dos nossos afazeres.

—Mas ele procurava por você, para lhe entregar isso. – Ela estendeu o envelope na minha direção.

Limpei minhas mãos no avental e o segurei. O papel era bonito e grosso, possuía pequenos detalhes dourados em suas pontas. Em minha cabeça eu suplicava: “Deus, que seja um parente desconhecido que morreu e me deixou algum dinheiro. ”, pode soar um pouco ruim, mas quando você é vendida pelo orfanato para se tornar uma escrava é bem compreensível que dinheiro é uma virada no jogo.

—Tomara que seja dinheiro...

—Vou cruzar os dedos! – Mirian era 5 anos mais nova que eu, eu gostava muito dela.

Eu abri o envelope com cuidado para não rasga-lo, mas para minha surpresa não era o tipo de carta que eu esperava, mas sim uma carta de tarô. Por um segundo eu queria rir de mim mesma, é claro que não seria assim tão fácil.

—Mas o que diabos é isso?

—Uma carta de tarô, - Um homem pendurado pela perna carregava ouro e prata, ele estava melhor que eu. – O Enforcado.

—Tem algo atrás.

Eu pisquei duas vezes olhando-a frente a frente, então virei a carta e vi que realmente havia algo escrito atrás.

—“Senhorita Lira, estou ansioso para o próximo ato, sua apresentação foi magnífica e espero que não seja a última. Nos veremos em breve, passar bem. ”

—Nossa, o que você fez?

—Não faço a menor ideia.

Coloquei a carta novamente no envelope e o dobrei para que coubesse em meu bolso.

 

 

Junto de Mirian, passei aquele dia limpando a zona C, mesmo exausta, por algum motivo eu não queria dormir, eu sentia algo de errado no ar, algo de errado em minha cama, em minha pele. Um breve arrepio percorria em minha coluna. Até que tive a impressão de ter escutado algo no dormitório, rapidamente fechei os olhos.

Rangia, como se balançasse de um lado para o outro.

Até acontecer de novo. Senti que estava voando, mais precisamente, caindo.


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