Devaneios escrita por MB


Capítulo 5
Como arrumar uma bagunça tão grande?


Notas iniciais do capítulo

Obrigada pelos comentários ♥



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Assim que abri a porta de casa, ouvi o barulho de Plutão comendo as rações, no chão perto do sofá. Aquele gato não comia se o potinho não estivesse na sala. Os grandes olhos verdes dele apenas me encararam por alguns segundos antes de se voltar para a comida. Tranquei a porta atrás de mim e joguei minha bolsa no balcão da cozinha, percebendo que Hanna havia passado a tarde lá. Ela sempre fazia isso. Onde morava com a nossa mãe e seu pai era sempre barulhento para estudar. Não ajudava com seu TDAH.

Plutão andou até mim e começou a miar, levantando a patinha levemente.

— Agora que não tem mais comida, né? – falei o pegando no colo. O pelo preto tinha apenas algumas manchinhas brancas, perto de sua barriga.

Eu deveria estar exausta, mas meu cérebro não parava de trabalhar. Me sentei no sofá, agradando Plutão, enquanto ele ronronava mais.

Fiquei por um bom tempo apenas passando pelos canais da TV, sem perceber quais eram os programas, até que vi um nome que reconheci e deixei. Algum episódio da primeira temporada de Sherlock. Eu amava os livros e contos sobre Holmes, mas eu nunca fiquei interessada o suficiente para ver a série.

Meus olhos estavam na TV, mas meus pensamentos em uma foto que estava no mural de fotos no corredor. Era cheio de fotos minhas com amigos e familiares, algumas cartas que eu recebia e simplesmente queria poder olhar para sempre. Uma das melhores fotos era com meus irmãos. Eu tinha quinze anos, Joey dezessete e Hanna sete. Nós duas estávamos de pijamas, mas Joseph estava todo arrumado e logo depois saiu para uma festa. Minha mãe ficou chateada, brava e irritada – tudo junto –, mas ele acabou indo mesmo assim. Voltou na manhã seguinte e eu o ajudei a entrar em casa sem que nossa mãe o visse.

Os cabelos castanhos e olhos pretos do meu pai vieram para mim. Era impossível negar que eu era sua filha. Joey tinha os cabelos do meu pai e olhos verdes da minha mãe, assim como Hanna, mas ela tinha puxado a coloração do cabelo de minha mãe, um loiro quase branco.

Me lembrei de certa vez quando cheguei em casa depois de passar um dia inteiro na escola. Hanna segurava uma tesoura, com os fios longos na mão. Seu cabelo estava extremamente curto, acima do queixo. Ainda morávamos no Arizona. Foi a primeira vez em que Hanna foi para um psicólogo. Não contamos para nossa mãe que ela não se lembrava de ter cortado o cabelo. Eu arrumei as falhas, deixando o corte mais reto. Paguei algumas consultas para ela com o dinheiro que havia conseguido em um emprego de meio período em uma biblioteca do nosso bairro.

Hanna ficou bem depois disso.

Eu conheci Luke depois de algumas semanas, ele fora muito compreensivo quando contei sobre Hanna, e parecia uma pessoa tão boa. Eu ainda tinha calafrios quando ouvia, pensava ou lembrava de seu nome.

Tentei apagar a imagem dele da minha mente, mas eu nunca consegui.

Me lembro de gritar algumas noites, pedindo para ele não se aproximar. Mas então eu acordava com meu padrasto me balançando, desesperado.

— Você está há minutos gritando desse jeito, Emma. – era a resposta dele quando eu perguntava o motivo de tanta aflição em seu olhar. Então ele passava horas conversando comigo durante a noite, me distraindo.

Mitchell era a melhor pessoa que você poderia desejar entrar na família. Sempre gostei dele, desde a primeira vez que o vi. Dois anos depois de sair com a minha mãe pela primeira vez, eles anunciaram para mim e Joey que Hanna viria.

Plutão pulou do meu colo quando eu estava pensando no dia em que Luke começou a estregar minhas noites.

Mas eu me permiti lembrar de quando o conheci.

Luke me convidara para tomar um café e conversar. Como me arrependia de ter dito aquele “sim”.

Se Joey soubesse minha linha de raciocínio, apenas falaria para eu lembrar de Chloe, mas isso me machucaria mais ainda.

Nós nos tornamos amigas aos quatorze anos e começamos a namorar com quinze. Meus amigos e familiares nunca se importaram com isso. Mesmo sendo uma cidade pequena, eu nunca tinha enfrentado e preconceito de cara.

Bom, pelo menos até conhecer Luke.

Eu sempre achei que ele não se importava com o fato de eu ser bissexual, mas depois de alguns meses em que estávamos nos vendo, descobri que não. Era algo grande para ele.

Chloe e eu ficamos juntas até meus dezessete anos, quando um carro bateu no que ela estava junto com sua irmã.

Foi bastante para uma adolescente perder alguém. Eu ainda pensava nela quase oito anos depois. Não no sentido amoroso, mas eu sentia tanto sua falta, e tanto arrependimento. Ela era muito nova para morrer. E foram dois anos que eu poderia ter aproveitado o tempo com Chloe. Eu tinha a superado, não ficava mais embaixo das cobertas em seu aniversário ou no de sua morte. Ficava triste, mas não como anos atrás.

Chloe Archer era loira de olhos verdes, assim como sua irmã Lila, que se tornou minha melhor amiga depois de tudo isso.

A campainha tocou, interrompendo meus pensamentos e Plutão correu para o meu quarto. Vi pelo olho mágico Joey curvado, encarando seu celular.

— O que está fazendo aqui? – perguntei e tranquei a porta quando ele entrou. Joey já estava com Plutão no colo.

— Quero saber como minha irmãzinha foi na primeira semana como agente federal!

Contei tudo para ele, rapidamente e com poucos detalhes, mas ele me interrompeu rapidamente.

— O que vai fazer hoje? – perguntou.

— Dormir. – franzi as sobrancelhas. – Estou exausta, Joey.

— Vamos sair comigo e alguns amigos.

— Joey... - fiz que não.

— Emma! - meu irmão se sentou ao meu lado, saindo do braço do sofá. - Há quanto tempo não sai?

— Saí com Lila quando ela veio pra cá me ver! - me defendi.

— Há um mês.

— E fui em um bar com aquela sua amiga. - levantei as sobrancelhas. - Há duas semanas.

— Então vamos hoje! Você sabe que é difícil dois irmãos terem os mesmos amigos.

— Não temos os mesmos amigos, Joey. Só acontece de seus amigos serem legais.

Ele riu e revirou os olhos.

— Vamos para um bar que abriu há pouco tempo, dizem ser ótimo. - me contou. - Não precisa se apressar para se vestir.

O encarei por um tempo, e acabei cedendo.

— Você sempre consegue o que quer, Joseph. - me levantei e andei até meu quarto. - Eu odeio isso.

~*~

Eu não estava bêbada, só um pouco mais feliz. Era raro eu sair em uma sexta feira, mas eu fiquei feliz por Joey ter me convencido - claro que nunca admitiria isso. O bar era mais para uma balada, e meu irmão sabia disso quando me convidara.

Era um lugar grande, com algumas mesas afastadas da pista de dança, onde eu estava com um amigo do meu irmão, Colin. Ele tentava conquistar um cara que dançava próximo de nós. Lançava olhares e quando o homem finalmente o olhou, me afastei, sabendo que não me incluiriam na conversa.

Andei até o bar, puxando meu vestido para baixo, perguntando se a saia sempre fora curta daquele jeito. Cheguei na mesa em que estava com Joey e alguns amigos dele, e apenas coloquei o copo na frente do meu irmão.

— Seu favorito, Joey. 

Foi quando eu vi que não eram seus amigos com quem ele conversava animadamente. Eram Morgan, Reid e Garcia.

—Hm, oi! - falei, não conseguindo esconder a surpresa e estranhando.

— Nós vimos você sair feliz da vida da mesa e queríamos saber quem eram seus amigos sortudos. - a loira me explicou, se levantando, e me abraçou em seguida. Pegou minha mão e me fez girar, analisando minha roupa. Fiz o mesmo com ela, amando o vestido roxo escuro. Tínhamos que falar alto, já que a música estava alta, mesmo que de longe

— Você precisa me falar onde comprou. - falei assim que nós sentamos.

— Estava se divertindo com o loiro, ahn, KitKat? - Morgan riu depois de um gole de cerveja.

— E agora ele está se divertindo com outro loiro. - falei rindo também. Ele fez um "bom saber" com claras segundas intenções, brincando.

Olhei para Reid. Ele parecia extremamente perdido nesse ambiente. O cabelo estava muito mais bagunçado, como se tivesse tirado um cochilo de tarde e não tivesse se incomodado em arrumar. Estava sem gravata, mas com uma camisa roxa. Bom, ele combinava com essa cor. Comia aos poucos uma porção de batatas fritas bem na frente dele, mostrando que não dividiria. Morgan e Garcia tinham o convencido a estar lá, isso era óbvio. Mordia os lábios nervosamente de vez em quando e isso era extremamente encantador.

— E você vai se divertir com quem, Spencer? - questionei, tomando um gole do copo de Joey.

— O que? - ele questionou, parecendo que saía de um transe. - Oh, ninguém.

— Vamos! - Garcia riu. - Eu já achei minha vítima, Derek e nossa KitKat também.

— Eu? – questionei rindo.

Ela olhou para Joey, com as sobrancelhas levantadas.

— Não! - nós rimos juntos. - Somos irmãos! 

— Deus me livre! Emma é insuportável! - eu revirei os olhos quando ele disse. 

— Quem é sua vítima, Derek? - ignorei Joey, depois de lançar um olhar mortal para ele, e só consegui ver Reid abrir um pequeno sorriso.

Morgan apontou com a cabeça para uma mulher com um vestido azul marinho, com uma saia rodada que marcava perfeitamente seu corpo. O cabelo dela estava na altura dos ombros e ela conversava animadamente com uma amiga.

— Bom gosto. – comentei.

Desviei o olhar quando vi que ela percebeu que eu a olhava. 

— Não estraguei suas chances, prometo. - falei disfarçadamente para Morgan. Ele não se importou, já que aproveitou para piscar para ela.

Alguns bons minutos se passaram antes de eu perceber que Joey conversava com Derek como velhos amigos. Eu falava com Garcia e Spencer, me corrigindo toda vez que começava a prestar atenção demais nas palavras que ele falava, no modo como sua boca se mexia, e como seus dedos colocavam mechas de cabelo para trás da orelha diversas vezes.

Reid foi interrompido quando finalmente iria falar algo que tanto queria - percebi pelo modo como sua boca se abria várias vezes, soltando apenas uma primeira silabada antes de voltar a se calar. A mulher com que Derek Morgan estava flertando a minutos se aproximara e todos nós nos calamos, mas disfarçamos bem a curiosidade.

A mulher o ignorou totalmente e me esticou um papelzinho dobrado. Piscou e voltou a falar com as amigas, me lançando um olhar rápido.

— Bom... - Morgan fingiu um tapa no rosto.

— Eu divido ela com você, Morgan. - brinquei e coloquei o número no bolso da minha jaqueta. Ela era extremamente bonita e eu não iria desperdiçar uma chance dessas. Minha mãe sempre falava que qualquer pessoa poderia ser o amor de sua vida, então era bom aproveitar. Eu seguia bastante esse conselho.

Penelope começou a rir e Derek só deu de ombros, sabendo o nível de embriaguez da amiga. Ela riu muito, e logo Reid ria, contagiado pela risada alta e aguda da colega de trabalho. Ele me olhou, tentando parar, mas viu meu sorriso e começou a rir mais.

Como todas as mulheres daquele lugar não estavam se jogando nele?!

Quando os dois se acalmaram, Penelope apenas se levantou, segurando seu copo de cerveja.

— Vamos dançar. – pegou a mão de Derek e os dois se afastaram da mesa, depois que Reid negou o convite dos dois.

— Não gosta de dançar? – perguntei para Spencer, assim que Joey se afastou com uma amiga.

— Não gosto desse estilo musical. - respondeu. - Ou de lugares muito barulhentos como esse, mal consigo ouvir as pessoas

 - Eu tenho outras músicas no meu celular e fones de ouvido na minha bolsa. - dei de ombros. - E tem um lugar, depois do bar, onde o som da música não é tão alto.

 Ele me olhou por um tempo, e acabou sorrindo, olhando para baixo.

 - Deixo você escolher a música, em um volume que dê para conversar! - falei animada e quando ele disse "tudo bem", me levantei, pegando a mão dele, para Spencer fazer o mesmo. Soltei rapidamente, só me lembrando depois sobre o desconforto dele com esse tipo de coisa. - Desculpe.

Não tinha mais tanta diferença de altura entre nós por conta do salto que eu usava. 

— Tudo bem, Em. - ele deu de ombros. - Chances de Mozart?

— Não muito... - encolhi os ombros. E entreguei meu celular para ele, com o aplicativo de música aberto. - Só na minha casa. Meu pai amava Mozart e Beethoven, tinha alguns discos com as sinfonias que mais gostava, e estão lá em casa. Eu escuto de vez em quando.

— Deveria escutar sempre. - ele empurrou a porta de madeira ao lado do bar, onde algumas pessoas passavam reto, sem saber que poderiam ir para aquele caminho. Spencer esperou eu passar para me seguir. - Minha mãe falava que costumava tocar Mozart quando eu era bebê, e diz que é por isso que eu gosto tanto...

Ele pareceu envergonhando quando terminou de falar, como se só percebesse o que havia dito depois.

— Minha mãe ouvia Nirvana, então... - dei de ombros, querendo que ele não fosse o único a se sentir envergonhado. 

— Qual sua banda favorita, Em? - Spencer perguntou, ainda mexendo com certa dificuldade no aparelho.

— Kings os Leon. - respondi de prontidão. Ele me olhou com as sobrancelhas franzidas e sorrindo um pouco. Eu dei de ombros. - É impossível não gostar, Spen.

O estacionando estava separado de onde nós estávamos por uma parede de vidro, e o som ali realmente estava mais abafado. Dava para perceber o alívio em Spencer. Me sentei em um dos sofás brancos e o Doutor se sentou ao meu lado.

— Aqui. - ele conectou o fone e me entregou um dos lados. Eu não consegui controlar o sorriso quando ouvi as primeiras notas de Reverly. - Era a primeira da sua playlist, imaginei que a sua música favorita dessa banda.

— Nunca tinha ouvido Kings Of Leon? - questionei. Ele fez que não e colocou o cabelo para trás da orelha. - Era só o que eu escutava há um, dois anos atrás. Na verdade, descobri essa música na formatura do segundo ano da minha irmã. Dancei com Joey e por isso ele odeia ouvir o nome da banda.

— Ele odeia por que dançou com você? - Spencer riu.

— Eu meio que obriguei ele. - fiz cara de culpa. - Fazia um tempo que eu não dançava daquele jeito, e ele era a única pessoa que eu poderia obrigar a dançar uma música mais calma.

— Então você gosta de dançar? - ele sorria.

— Um pouco. - ele riu porque minha expressão dizia o contrário. Muito. - Você não?

Reid fez que não.

— A última vez que foi há dois meses, com a minha mãe. - ele mordeu o lábio inferior. - No último caso não consegui vê-la, e ela sempre pede para dançar quando vou visitá-la.

— Ela estava viajando? - perguntei cruzando as pernas e usei minha jaqueta para cobrir meu colo.

— Sim, ela foi ver o Grand Canyon! - ele pareceu extremamente animado. - Me mandou algumas cartas, que só vi quando estava em casa, então fiquei mais tranquilo depois...

Ele não parava de falar quando ficava empolgado, e eu não o interrompi.

Eu estranhei a preocupação dele com a mãe, era exatamente assim que eu ficava quando meu pai ia para algum passeio com a clínica dele e não me avisava. Me perguntei se a mãe de Spencer tinha alguma condição parecida.

 - Ela me mandou também alguns presentes das lojinhas de lembranças. - ele continuava falando, e eu poderia facilmente ficar ouvindo por um bom tempo. - A enfermeira que passa mais tempo com ela disse que minha mãe fazia relação do lugar com inúmeros livros.

— Por conta dela que gosta tanto de ler? - perguntei e ele apareceu um pouco surpreso. Talvez por eu não ter franzido as sobrancelhas e perguntado "enfermeira?!". Eu sabia como a sensação era horrível, ter que explicar a condição de alguém que você ama. Spencer sorriu mais um pouco e fez que sim.

— Ela costumava dizer que toda mãe deveria ensinar para os filhos como a leitura é mágica.

— Minha mãe também! - exclamei, sem perceber que soei animada demais. Talvez eu tivesse bebido o suficiente para ficar um pouco mais feliz. - O primeiro livro que ela me deu foi uma versão infantil de Senhor Dos Anéis. Era ridículo, mas eu amava. 

— Gosta mais de poemas e contos, não é? - ele perguntou. Concordei. - Você estava lendo Walt Whitman quando estávamos voltando de Vegas. – explicou e se interrompeu. – Ah, e estava de óculos!

— Não! Não estava. - brinquei.

— Deveria usar mais vezes. - o tom de Spencer estava mais baixo, e eu só consegui sorrir.

— Você gosta? - perguntei. - De Walt Whitman, eu digo.

— Não leio muito mais que livros técnicos, não em inglês. - Spencer deu de ombros. - Mas já li Whitman. Não o livro que você tem, mas já li.

— Eu te empresto, se você quiser. - respondi.

— Obrigado. - ele sorriu. - Quer uma carona? Para o jantar amanhã? Você vai, não vai? Rossi cozinha bem, se é isso o que te preocupa. 

Eu ri, pensando que, ao contrário de como Derek havia descrito o gênio, ele não estava tímido, sem conseguir falar uma palavra sem ser porcentagens.

— Aceito a carona, obrigada. - falei por fim. - Ah! E Maeve? É esse o nome, não é?

— Sim, é. - Spencer não conseguiu disfarçar. Sorriu perdidamente. - Vou encontrar com ela depois de amanhã, vamos jantar juntos.

Reid me olhou com uma mistura de apreensão, expectativa e medo. 

— Ela vai amar você. - falei por fim, sem conseguir parar de fitar aqueles olhos, mas desviei em alguns segundos, me lembrando de repente como eram exatamente da cor dos de Luke. - Eu garanto.

Ele iria responder quando um casal passou pela porta, sem perceber que nós estávamos ali. Os dois se beijavam como se não houvesse amanhã. 

Spencer se levantou no mesmo momento que eu, nós dois um pouco desconfortáveis com aquela cena.

Passamos pela porta, voltando para aquela bagunça novamente.

— É meu irmão? - perguntei, semicerrando os olhos na direção do caixa. Tive que falar mais alto, já que estávamos de volta na parte mais barulhenta.

— É, sim. - Spencer riu.

— Ah, acho que já vou pegar uma carona com ele para voltar para casa. - falei, já pegando minha carteira da minha bolsa. - Vejo você amanhã.

— Até amanhã, Em. - Spencer esticou a mão e sorriu um pouco apreensivo. Apertei sua mão e consegui ver um pequeno sorriso no rosto de Spencer antes de me virar e andar até o caixa, gritando para Joey me esperar. 

Eu terminava de pagar minha conta quando noteis apenas um par de olhos extremamente conhecido. Pareciam os olhos de Spencer, e quando eu percebi que não era ele, meu coração pareceu parar por um momento. Eu tive que tirar aquele pensamento do meu cérebro a força.

Luke e Spencer não eram os únicos com olhos parecidos, e o pânico estava começando a tomar conta de mim novamente, fazendo com que eu visse olhos, mas não a pessoa.

~*~

No dia seguinte eu acordei quase na hora do almoço. Se não fosse Plutão ronronando no meu ouvido, provavelmente acordaria até mais tarde. Passei o dia resolvendo coisas do meu apartamento e arrumando algumas coisas que ainda estavam em caixas.

Joey me ligou, dizendo que falara com nosso pai, e que eu ninguém poderia ir visitá-lo na clínica. Os medicamentos dele agora eram outros, e seu temperamento estava extremamente instável.

Aquilo fez minha vontade de sair de casa diminuir drasticamente, mas eu já tinha aceitado a carona de Spencer.

Eram quase oito horas quando Reid mandou uma mensagem, dizendo que em pouco tempo estaria na frente do meu prédio. Eu iria responder quando meu celular começou a toca, alguns minutos depois.

— Já está aqui? - perguntei assim que atendi, achando que seria Spencer.

— Em, é Mitchell. - meu padrasto falou com a voz arrastada. - Você poderia vir pra cá?

— Mitch, o que aconteceu? - me sentei na ponta da cama, afastando Plutão do meu colo, quando ele começou a passar as patinhas pelo meu rosto.

— Han, ela está... Ela não está bem. - meu coração parou no mesmo momento. - Ela não quer falar comigo nem com a mãe, ela se trancou no quarto e...

— Mitch, eu posso ir aí? Falar com ela?

— Emma, Han não vai... - dava para perceber o desespero na voz dele. - Sua mãe está trabalhando, eu...

— Eu estou indo, ok? - desliguei antes mesmo de ouvir alguma resposta. Procurei nas chamadas anteriores e achei o número de Spencer.

— Desculpe, Em, eu me atrasei um pouco, mas daqui hm... Dezessete minutos... - ele começou a falar extremamente rápido assim que atendeu. - Eu já chego, só...

— Spence. - o chamei para ele parar de falar. - Eu não vou poder ir. Minha irmã não está... Hm, eu tive um problema com ela. - eu tentei disfarçar o medo na minha voz, mas falhei miseravelmente. - Me desculpe, eu...

— Oh. - ele ficou sem falar por alguns segundos. - Ela está bem? Quer carona até a casa dela? Eu posso te levar, sem problemas!

— Não precisa, mesmo. - sorri, já procurando minhas chaves. - Obrigada, Spencer. Te vejo segunda? Ou antes, caso, você sabe.

— Sei. - ele riu, ainda um pouco tento. - Até segunda, Em. Me ligue se precisar de algo.

~*~

Eu cheguei na casa de dois andares em quinze minutos, quando deveria ter chegado em meia hora. Eu realmente esperava não receber nenhuma multa em alguns dias.

Só vi o carro de Mitchell quando estacionei. Bati na porta rapidamente, me perguntando o por que de eu não ter uma chave daquela casa, já que todos tinham do meu apartamento.

Mitch atendeu quando eu estava prestes a ligar para ele.

— Em, ela... - meu padrasto não conseguiu terminar a frase.

A última vez que eu tinha o visto desse jeito, foi quando eu acordei no hospital, cheia de hematomas, cortes e curativos no rosto e corpo, e algumas semanas depois, quando descobriu que Hanna tomara todos os remédios que havia achado.

— Mitch... - eu sussurrei e o abracei, fechando a porta atrás de nós. 

— Joey não pode vir, sua mãe está presa no trabalho. - ele murmurou, os cabelos loiros um pouco compridos bagunçados, me lembrando um pouco os de Spencer, mesmo que não fosse uma zona tão grande. 

— Eu irei falar com ela, ok? - me afastei dele, tendo que olhar um pouco para cima, dado a diferença de altura.

Joguei minha bolsa e chaves de qualquer jeito no sofá e subi as escadas rapidamente. Eu não entendia o motivo de uma casa de dois andares apenas para Mitch, Han e minha mãe, mas ela sempre dizia que estava acostumada com a casa gigante em que morava no Arizona com a família.

A casa de lá era simples, mas muito grande. Quase uma fazenda, onde eu vivia com meus irmãos, mãe, padrasto e avós. Mas passava grande parte do tempo em um apartamento pequeno do meu pai e em um parque a frente, tentando aprender como jogar baseball, com ele e Joey.

Bati de leve na porta de Hanna, esperando um "vai embora!", mas em apenas alguns segundos minha irmã abriu a porta.

Estava vermelha, os olhos extremamente inchados e os cabelos na altura dos combros bagunçados.

Eu não esperei ela falar nada antes, apenas a puxei para um abraço.

— O que aconteceu, Hanna? - sussurrei quando ela começou a soluçar e chorar desesperadamente. 

Percebi que ela não falaria nada, então não perguntei. Hanna se acalmava após alguns minutos, quando estávamos sentadas na ponta da cama dela.

Era como um dèja vú, minha irmãzinha chorando sem um motivo certo, desesperada, sem nada que a consolasse. Eram incontáveis as noites em que dormimos juntas, abraçadas, enquanto eu pensava em qualquer coisa para fazer Hanna se sentir melhor.

— Han? - a chamei calmamente. No mesmo momento ela se afastou, mas ainda ficou ao meu lado na cama. Eu controlava as minhas próprias lágrimas. - Han, o que aconteceu?

— Eu sou doente, Emma. - ela sussurrou, controlando sua voz de uma maneira extrema para não parecer falha. - Eu sou doente e esses remédios não estão me ajudando.

— Han, já conversou com seu psicólogo sobre isso? - de todas as vezes que a consolei, aprendi que não adiantava dizer que "tudo ia ficar bem", e que "iria passar". Mas dar opções para ela tentar acabar com os problemas sempre fazia Hanna se sentir um pouco melhor. - Ele pode mudar seus remédios, Han.

Ela fez que não e mais uma lágrima caiu de seus olhos. Hanna limpou rapidamente.

— Mas, Emma, por que meu coração dói? - ela murmurou. Eu engoli em seco diversas vezes, tentando, em vão, desfazer o nó da minha garganta. - Literalmente, Emma...! Eu sinto ele contrair, e em seguida pesar de uma forma inexplicável! Eu estou piorando, Em, e eu não quero piorar! Tudo dói, Em...

Eu tive que a puxar novamente para perto. Eu tentava a envolver de modo que nada a atingisse, como um escudo, ou algo assim. 

Eu sempre me culpava quando me lembrava da pulseira que ela me deu um dia. Era a favorita dela, e eu não me toquei. Não me toquei que ela estava desistindo das coisas que mais gostava. E pensar que eu poderia não estar a abraçando naquele momento, fazia com que eu apertasse o abraço cada vez mais, apoiando meu rosto em seu ombro.

— Estou sem ar, Em. - apesar da voz embargada, Hanna brincou.

 Idiota. - murmurei e beijei sua testa, limpando o rosto de Han em seguida. Ela sorriu minimamente e só então analisou minha roupa.

— Você estava saindo? - apontou com a cabeça para minha saia azul-marinho.

— Não posso me arrumar para ver a minha irmã? - perguntei. Ela me lançou aquele olhar exigindo a verdade. - Ia jantar com o pessoal do meu trabalho novo. Não era nada de mais, Hanna! - me defendi quando ela arregalou os olhos. - Não precisa se culpar, você sabe que eu só uso saia e vestidos, mesmo no inverno. Não era grande coisa, Hanna.

Depois de algum tempo ela murmurou um "ok".

— Eu acho que vou dormir, Em. - ela me abraçou de novo. - Obrigada.

— Eu não fiz nada, Hanna. - respondi. - Boa noite, meu amor.

Ela apenas sorriu e eu só saí do quarto quando tive certeza que o remédio que ela tomara era um dos que seu psicólogo tinha receitado.

— Em?! - Hanna me chamou. - Pede pro pai subir aqui?

Fiz que sim e desci as escadas, encontrando Mitchell no sofá, terminando uma ligação.

— Há quanto tempo Han tem chorado assim? - perguntei assim que ele desligou.

— Começou a agir estranha há algumas horas. - ele se levantou

— Ela quer falar com você.

Mitchell era um ótimo pai, uma ótima pessoa. Às vezes, melhor que nossa mãe.

Eu entendo que adolescentes normalmente se abrem com qualquer pessoa, menos com os pais, mas eu realmente acreditava que minha mãe poderia passar mais tempo tentando compreender Hanna, ou apenas ter uma tarde só com ela. Laços são importantes, afinal.

O psicólogo de Hanna dizia que a ausência da mãe, mesmo que o pai compensasse, ainda fazia uma bagunça no subconsciente de Han. Minha mãe estava melhorando, aos poucos. Estava passando bem mais tempo em casa e nós nos reuníamos muito mais para almoços e jantes em família.  

Nossa mãe era neurologista em um dos hospitais da cidade, e quando nos mudamos, conseguiu um emprego extremamente rápido.

Rápido demais para Mitchell.

Me despedi do meu padrasto e fui até meu carro, me perguntando quando nossa família começou a ficar tão bagunçada. Eu dirigia sem prestar atenção no caminho, indo no automático. Trocando as marchas e parando nos sinaleiros sem perceber que fazia isso.

Só me toquei que derrubei algumas lágrimas no trajeto quando cheguei em casa e passei a mão pelo rosto, me surpreendendo quando senti meus dedos úmidos. 

Coloquei comida para Plutão e vi o horário. Não era tão tarde.

Me sentei no sofá e peguei meu celular, sem olhar as mensagens que havia recebido e as notificações das redes sociais.

Digitei o número da clínica onde meu pai estava.

— Boa noite. – disse assim que alguém atendeu. – Poderia me dizer se Jared Katzenbach ainda está acordado? - segurei um suspiro, dado às lágrimas que eu segurava. - Se eu posso conversar com ele?

A recepcionista demorou um pouco para responder, mas quando o fez, eu senti um alívio imenso.

— Ele pode falar agora, mas vou precisar de seus dados.

Respondi tudo de prontidão, já sabendo a ordem de quase todas as questões. Alguns minutos depois eu ouvi a voz do meu pai.

— Emma? 

Minha garganta fechou. Como eu queria abraçá-lo, ou tê-lo perto.

— Boa noite, pai! - segurei minha voz embargada. - Como você está?

— Com saudades. Já estava pensando em mandar uma carta. - brincou. - Os telefones deveriam facilitar o contato.

— Eu sei, pai, me desculpe. - a culpa era excruciante. - Eu te liguei mais cedo, mas as enfermeiras disseram que você estava dormindo um pouco. Achei melhor não te acordar.

 - Elas também falaram que eu não dormia durante a noite? - ele soava como um bebê, falando baixo, como se eu não fosse ficar brava caso não ouvisse.

— Falaram, pai. - eu sorri entre as lágrimas. - Mas não tem problema, contanto que você durma as oito horas diárias.

— Diárias mesmo, Emma. A noite é bonita demais para se perder. O que vai fazer essa?

— Ficar em casa, pai... - não consegui evitar um soluço falho e limpei os olhos com as costas da mão. - Eu ia jantar com o pessoal do meu trabalho, se lembra que nos falamos no começo da semana passada? 

— Sim, me lembro! - ele não percebia a mudança em minha voz e eu agradecia. O tom do meu pai estava extremamente animado. - Como eles são? Estão te tratando bem, Emmy?

— Estão, pai... Bastante. - respirei fundo, me acalmando. - O senhor acha que podemos nos ver um dia desses? Almoçar juntos no meio dessa semana. Eu tenho um horário bom para almoço, posso ir até a clínica.

— Venha no fim de semana! Assim passa a tarde aqui! Joey me ligou no começo da tarde, ele te falou? Não pôde vir, mas um final de semana com os meus dois filhos será bem melhor.

— Ele falou. Disse que você estava... - me interrompi rapidamente. - É claro que vamos! Vamos chegar de manhã e sair só de noite, assim você se cansa da gente.

Ele riu, uma daquelas gargalhadas que faz qualquer um rir junto.

— Nunca, Emmy. Nunca. Na verdade...

Ele se interrompeu e começou a falar com alguém de seu lado, e eu só escutava alguns "por favor" e "só mais cinco minutinhos", vindos dele.

— Emmy. - me chamou. - Eu tenho que ir, aparentemente não é possível conversar com a família aqui. 

— Mas já? - reclamei. Eu sempre ligava nos horários errados. Meu pai sempre dormiu nos horários errados. 

— Não posso ficar com o telefone essa hora. - respondeu. - Tente me ligar amanhã, Emma, eu sinto sua falta.

— Eu vou, pai, eu juro, ok? - eu já chorava sem me importar com o olhar de Plutão, que caminhou até mim desconfiado.

— Boa noite, Emmy, eu te amo.

— Eu te... - a ligação foi cortada antes que eu pudesse terminar minha frase.

Plutão estava ao meu lado, miando baixinho, mas eu peguei uma almofada para apertar e chorar. Não queria que meu gato sofresse tanto com a raiva, tristeza e revolta que eu sentia.

Eu acabei dormindo no sofá, com as luzes de um programa de TV que eu não conhecia no meu rosto. Passaria meu domingo inteiro abraçada com Plutão, e revezando com uma almofada, comendo o que achasse nos armários e falando com meu pai pelo telefone, sem poder ir visitá-lo.

Só vi as mensagens que recebi de Garcia e Reid no dia seguinte. Os dois perguntando se minha irmã estava bem. Ele, dizendo que eu parecia mal no telefone, querendo saber se eu não queria conversar, ou fazer algo para me sentir melhor.


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Notas finais do capítulo

Me desculpem os erros, mas vou ficar sem computador por um tempo e queria colocar esse aqui o quanto antes!
O que acharam?



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