Roda do Tempo escrita por Seto Scorpyos


Capítulo 9
Capítulo 9




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Harry suspirou quando saiu do corredor paralelo e encarou o grande saguão do ministério. Várias pessoas pararam quando ele e Teddy passaram. Ignorando o desconforto e os cochichos, os olhos verdes varreram as paredes e principalmente, os acessos.

O jovem a seu lado balançou a cabeça.

— Por Merlin! Isso é chato! – comentou, baixo – Porque viemos mesmo?

O mago parou e puxou um pergaminho do bolso, fingindo ler.

— Oficialmente, para fazer meu registro como animago e solicitar minha licença de mendibruxo. Extra oficialmente, para checar os acessos e tentar descobrir como entraram durante o ataque. – o mago respondeu, sério – Se fosse para eu tentar adivinhar, diria que foi pelo corredor sul, o que usamos agora. Notei que as paredes, perto do teto, parecem chamuscadas.

Teddy se aproximou e fingiu olhar o documento, aproveitando para olhar atrás do padrinho o corredor citado.

— Eles vieram pelo elevador de fora? – o jovem perguntou, colocando as mãos nos bolsos – Mas então necessariamente não precisaria ter ajuda de dentro.

— Foi isso o que eu pensei no começo, mas um grupo com disfarces e vassouras aqui dentro? – o mago elevou uma sobrancelha – Trouxe a câmera como pedi?

O jovem tirou do bolso uma câmera diminuta, disfarçada de livro.

— Tire fotos do teto e da saída do elevador sem segurança. – orientou, observando o jovem parar de frente para ele e posicionar a câmera.

Para os que observavam de longe, Harry e Teddy pareciam estar conversando sobre o pergaminho, um de frente para o outro na saída do corredor.

— Harry Potter... O que veio fazer aqui?

A voz ligeiramente histérica fez Harry se encolher por dentro. Quando se virou, deu de cara com Orondill Monroe, seu substituto.

— Registros e papelada... Vai tudo bem, Monroe? – o mago despistou, inclinando levemente a cabeça.

— Não deve saber sobre tudo o que andam publicando sobre você e a incompetência da sua equipe... não lê os jornais? – o homem provocou jocosamente.

— Não. Estou ocupado com muitas coisas...

Os olhos verdes, fixos no outro, provocaram a reação de sempre depois da licença: Monroe ficou incomodado.

— Bem... assumi o departamento de aurores e posso garantir que algo como o que aconteceu não irá se repetir. Na minha administração...

— Tenho certeza que não. Desculpe, precisamos ir. – Harry pegou Teddy pelo braço e desviaram do homenzinho.

Com a câmera ainda na mão, Teddy tirou fotos da fonte principal ainda destruída e das lareiras do lado leste, danificadas.

— Não consertaram ainda... – comentou, surpreso.

— Também notei.

Os dois trocaram um olhar significativo.

No departamento de Registro de Animagia, Harry não demorou a preencher o pedido e ficou aliviado quando descobriu que só precisava demonstrar a transformação para conseguir o documento. Teddy, parado no canto, sorriu orgulhoso quando o poderoso cervo bateu as patas musculosas no chão. O animal era bem maior que a maioria e a galhada dupla na cabeça, compacta e mortal.

— Um cervo, hein! Que legal! Me ensina? – o jovem estava empolgado segurando o registro do padrinho nas mãos.

Harry olhou para ele e sorriu.

— Um cervo, sim... acho que pelo meu pai... e mais um ou dois...

Teddy parou no meio do corredor, os olhos arregalados e a boca aberta. O mago parou e encarou o afilhado, divertido.

— Quem sabe te dou uma carona para casa, quando terminarmos?

Dez andares para baixo, no departamento de Registro de Mendibruxos e Mestres de Poções, a coisa não foi tão fácil. Harry se espantou ao saber que teria que listar todas as poções que sabia preparar, com todos os seus ingredientes e modo de execução.

— Isso não vai ser fácil... – murmurou, espantado.

— Mas é o procedimento, senhor Potter – o homem estendeu os formulários – Depois de dar a entrada na petição, nós analisamos o relatório e designamos um dia para que venha e demonstre algumas poções que serão escolhidas aleatoriamente. O teste será feito no laboratório de poções do Hospital Saint Mungus, diante de uma comissão composta por mestres de poções e mendibruxos credenciados.

Teddy olhou o padrinho. – Quantas poções sabe fazer? Não deve ser tanto assim e eu posso ajudar a anotar...

O mago balançou a cabeça, desanimado.

— Sei lá... cinquenta.... cento e cinquenta... nunca contei! – respondeu, passando a mão pelo cabelo e bagunçando-o mais.

O homem do ministério arregalou os olhos e encarou o jovem, que encolheu os ombros.

— Bem, senhor Potter... Podemos restringir a dez ou quinze das mais conhecidas. E posso citar duas ou três que são indispensáveis...

Harry sorriu e negou com a cabeça. – Não. Se o procedimento é esse para todo mundo, não faz sentido eu querer que seja diferente para mim. Vou preencher os relatórios e enviar quando puder. – pegou o maço de papéis e sorriu, educado – Obrigado pela informação.

— Que trabalheira! – Teddy comentou, diante da lareira que os levaria ao saguão do Tribunal Bruxo – Temos que começar logo, senão não vai dar até o fim da semana...

O mago colocou as mãos nos bolsos e suspirou.

— Eu não pretendia dar a conhecer as pessoas todas as poções que aprendi... – falou, baixando o tom de voz e olhando em volta – Não queria mesmo ter que fazer isso.

— Não dá para esconder? – a pergunta do Teddy quase não foi ouvida.

— Temos que dar um jeito nisso. – Harry respondeu, tão baixo quanto – Além do mais, não me pareceu que a lista fica confidencial...

Teddy o encarou e o mago respirou fundo.

— Digamos que apenas dois ou três magos no mundo saibam fazer uma determinada poção... ela é usada em algo e então... os três magos são identificados e começa uma investigação para saber quem a usou ou a fez para alguém usar. Se alguém quiser me incriminar... pode comprar a poção de alguém e usar, fazendo parecer que eu a fiz. Como meu nome está na lista...

— Entendi... – o jovem coçou o nariz – Isso pode vir a ser um problema com “P” maiúsculo.

— Ainda mais porque sei que a maioria das poções que Urick me ensinou não são populares, portanto, existe apenas uma pequena parte, bem pequena mesmo, de magos que sabem como fazê-las. – os dois se entreolharam – Não quero me lançar numa armadilha.

No Tribunal, Harry teve trabalho para localizar o juiz que homologou o divórcio dele, meses antes. Teddy e ele rodaram por um bom tempo até que conseguiram encontrar a sala e achar a assistente, uma bela mulher que os recebeu com um sorriso no rosto.

Harry estreitou os olhos ao se lembrar que da primeira vez que chegou ali, ela mal olhou em sua cara e foi extremamente grosseira. Agora, estava se desmanchando em gentilezas e sorrisos.

— Amanda Trush, do Tribunal Bruxo. – ela estendeu a mão e Harry a apertou.

— Estou aqui para fazer uma petição de Cessação de Benefícios. Harry Potter versus Gina Weasley.

— Vou encontrar o processo. – ela garantiu, indicando algumas cadeiras - Por favor, se acomodem.

Depois que ela saiu batendo os saltos altos, Teddy encarou o padrinho.

— Ainda isso? Achei que já tinha sido tudo resolvido. – comentou, a testa franzida.

— Sabe que seu pai ficou como meu tutor enquanto estava lidando com a bebida, não é? – o mago perguntou, vendo o jovem balançar a cabeça concordando – Acontece que pouco depois que voltei, o juiz revogou a decisão e eu ofereci um acordo para Gina. Como seu pai não voltou com a resposta dela, acho que recusou. Agora é minha vez de resolver o problema.

— Meu pai não é páreo para ela e para o Sirius... – o jovem comentou, sombrio.

Harry o observou por alguns minutos, mas não disse nada. A mulher voltou segurando uma pasta grossa e os guiou até uma sala fechada, longe da entrada. Assim que se acomodaram em torno da mesa, ela lançou um olhar significativo para Teddy, que encolheu os ombros.

— Teddy é meu afilhado, está tudo bem. – Harry garantiu, com um sorriso calmo.

— Receio que meu assunto seja só com o senhor... – ela hesitou, olhando de um para outro – É um assunto de família e envolve crianças...

— Eu não tenho assuntos de família que Teddy não pode ouvir. Se não o fizer agora, eu conto depois, não importa muito... – o olhar verde cintilou – E acho que não vai encontrar crianças no meio disso tudo, senhorita.

O jovem permaneceu sério, mas por dentro estremeceu. Harry o estava colocando lado a lado com ele mesmo, e isso era incrível. Nenhuma pessoa antes o valorizou tanto em tão pouco tempo.

Percebendo ter perdido o embate, Amanda abriu a pasta e pegou os documentos. Por alguns minutos, reviram os termos do divórcio, a tutela e o cancelamento da mesma. Ela ergueu a cabeça, encarando o mago.

— Tem razão, seus filhos estão crescidos e apenas os dois mais jovens terão direito à pensão, caso o senhor não se decida pelo contrário. – ela sorriu, solícita – Quer refazer a proposta de acordo?

— Sim. – ele puxou um pequeno quadradinho do bolso de dentro do casaco e retirou o feitiço, fazendo-o se transformar numa pasta – Aqui está a cópia do acordo que mandei para ela, mas por motivos que não vem ao caso, ela decidiu declinar. Quero registrar e colocar para arbitragem do juiz, por favor.

Amanda levou alguns minutos para ler a cópia do acordo que mandou a Gina por Lupin e franziu a testa.

— Está sendo generoso. – comentou, neutra.

— Quero acabar logo com isso. Quando podemos ter a decisão do juiz? – o mago perguntou, olhando dela para a pasta.

A bruxa hesitou e pegou um dos últimos documentos na pasta.

— O senhor sabe da mudança de nomes? – perguntou, bem baixo – Aqui não consta a autorização do senhor para isso e receio que tenha sido feito à revelia e se foi assim, não tem efeito legal. Podemos acrescentar a correção ao processo e...

— Não. Eu assino a autorização agora e pode ficar do jeito que eles fizeram. Aí tem a declaração assinada dos jovens, não é? Com testemunha e tudo?

Teddy encarou o padrinho com espanto. Tanto ele quanto Amanda. O mago olhou de um para outro, o rosto sem expressão.

— Sim... – ela ficou sem jeito e molhou os lábios, hesitante – Eles estiveram na vara de família e falaram com um psicólogo designado pelo tribunal... – ela leu o documento - Tem a assinatura da mãe, do jovem Tiago Sirius Potter, dos jovens Alvo Severo e Lílian Luna junto com a da mãe e de dois tutores nomeados: os avós maternos.

O jovem de cabelos verdes sentiu a magia do padrinho se elevar, mas logo o mais velho a dominou. Amanda, totalmente constrangida, não ergueu a cabeça.

— Se tem a assinatura dos jovens, não vou contestar e autorizo a retirada do sobrenome Potter. – a voz de Harry endureceu – Pode, por favor dar entrada na petição?

A bruxa se ergueu quase correndo – Por favor, espere um momento...

Os dois ficaram em silêncio enquanto Amanda redigia o documento. Harry assinou e Teddy assinou como testemunha, junto com a jovem atendente do balcão. A bruxa olhou o documento e finalmente conseguiu encarar o mago.

— Não acho que terá problemas com o juiz. Passarei para ele assim que voltar e mando uma coruja informar a data da audiência final.

Os dois magos se ergueram e ela também, apertando a mão dos dois.

— Obrigado.

Em outra sala do Tribunal, Harry finalmente pegou sua cópia do cancelamento da tutela de Remus Lupin e Sirius Black sobre ele. Olhando o pergaminho, ficou pensativo por alguns minutos. O documento o colocava de novo no controle de sua própria vida.

— E a ordem de restrição? – Teddy perguntou, quando saíram.

— Não vou questionar. Não pretendo me aproximar de Gina e dos filhos pelo tempo que eu puder evitar.

Teddy elevou uma sobrancelha quando viu a expressão gelada do padrinho, mas não disse nada.

Eles andaram quase todo o caminho de volta em silêncio e quando saíram da parte mais habitada, Harry se virou com um sorriso.

— Quer carona para casa? – franziu a testa – Mas um aviso: NÃO... PUXE... AS... PENAS! Entendeu?

Sem esperar resposta, se transformou em um grifo enorme. Teddy arregalou os olhos e a criatura baixou a cabeça de águia até o limite de seus olhos. Os olhos dele eram verdes.

— Padrinho?

Harry bateu as patas de leão no chão e abriu as asas enormes, baixando a parte da frente do corpo. Teddy hesitou apenas um segundo antes de subir no dorso largo e musculoso. Assim que fechou as mãos nas penas, lembrou-se do aviso e se abraçou ao pescoço da criatura, rindo alto quando ambos subiram.

Voar na criatura magnífica fez Teddy rir a maior parte do caminho. Harry fez rasantes e subiu acima das nuvens, maravilhando o afilhado. Quando finalmente chegaram em casa, o jovem estava corado, com os cabeços alvoroçados e os olhos arregalados brilhantes. O mago voltou ao normal e encarou o jovem.

— Incrível, não é?

Empolgado, o jovem fez gestos largos com os braços.

— Incrível mesmo! Uau! Foi maravilhoso acima das nuvens... e as gotinhas no rosto! Foi sensacional! E aquelas asas? Eram enormes... – notando que Harry estava parado olhando para ele, respirou fundo – Tudo bem, vou me conter.

Harry respirou fundo e se transformou de novo. Um corvo enorme e ameaçador, de volta para mago e então, em um lobo cinza bem claro, também maior que a maioria. Teddy o encarou com a boca aberta, totalmente pasmo, e quando Harry voltou de novo, não conseguiu dizer nada por alguns minutos.

— Isso é impressionante! Pensei que magos podiam apenas se transformar em um animal... aquele de seus patronos... – falou, balançando a cabeça, chocado. Sentou-se nos degraus e encarou o mais velho - Como pode... quero dizer... são quatro animais totalmente diferentes... – piscou, confuso – E seu patrono, ainda é o cervo? Só ele?

— Teddy, calma. Respira. – Harry se sentou ao lado dele, calmo – Eu não sei como consegui quatro formas e não descobri ainda porque meu patrono assume apenas uma. Talvez me ajude a encontrar a resposta...

O jovem o encarou, assombrado.

— Seu poder é imenso, padrinho... imenso... – se levantou e andou de um lado para outro, gesticulando – Nunca vi ou soube de nada parecido...

— Dumbledore foi maior que eu. – o mago deu de ombros – De um certo ponto de vista, Voldemort também. Em poções, tenho certeza de que não me comparo ao professor Snape. – quando o afilhado parou e o encarou, sorriu – E não posso garantir que sei mais feitiços que Hermione.

Teddy abriu a boca para responder, mas Harry se levantou e segurou o afilhado pelos braços.

— Não, Teddy. A magia é diferente para cada um de nós. Só agora, para minha vergonha, é que estou descobrindo a minha... concordo que isso é empolgante e muito legal, mas não quero que continue a me ver como o salvador do mundo bruxo ou algo do tipo. - Harry o soltou – Sendo absolutamente honesto, não sei como sobrevivi esses anos todos, sendo o palerma que eu fui.

Os dois se entreolharam e caíram na risada.

**********************


A semana chegou ao fim e com ela, a paz na Mansão Malfoy. Ainda na quinta feira os jornais começaram a publicar sobre o ataque de Dionísius ao Ministério. Mesmo com quase uma semana de atraso e no meio das fofocas sobre a demissão de Harry e de sua equipe inteira, o assunto virou sensação.

Draco encarou a foto do seu meio irmão, chocado com a semelhança. Cabelos loiros platinados e tudo mais, inclusive o azul metálico do olhar.  A matéria, longa, explicou com detalhes o caso de amor durante a primeira ascensão e Missy foi retratada como uma vítima, seduzida e abandonada pelo cruel milionário. Havia uma foto antiga ilustrando a matéria, onde ela, ainda casada, aparecia de braço dado com um senhor de aparência distinta.

— Essa foto não faz justiça a ela. Era realmente bonita, do tipo pequeno que pede para ser protegida.

Draco ergueu os olhos e elevou uma sobrancelha ao observar as linhas escuras no rosto da mãe. Narcisa sentou-se ao lado dele e empurrou o jornal para mais longe, servindo-se de uma xícara de chá.

— Seu pai já estava comprometido comigo quando a conheceu, mas isso não significou nada... – ela encarou a xícara pensativamente – E eu soube no minuto que começou.

— Mamãe... – ele tentou, sem jeito.

— Sempre soube que ele não me seria fiel. Nosso casamento foi todo tratado por nossos pais e advogados... eu sabia que não podia exigir muito mas me apaixonei. – ela encarou o filho e sorriu, sem vontade – Houve uma época que fiquei com medo de que me deixasse para ficar com ela, mas no fim, os deveres falaram mais alto.

— Tenho certeza de que ele a ama... – Draco murmurou, um pouco perdido no drama dos pais.

— Sim, como todo Malfoy ama. – o tom dela saiu seco – De uma forma distante, como se o objeto desse amor fosse uma planta ou um bicho raro...

A amargura da mãe fez Draco piscar, sem saber o que dizer.

— Fomos ensinados a não demonstrar nossos sentimentos, a seguir sempre as regras não escritas da família e todo o resto. Aristocracia e poder... – ela tomou um longo gole de chá – Fomos reprimidos de todas as formas e transformados em meros carregadores de títulos antigos que não valem mais nada, mas que ainda regem nossas vidas.

O bruxo encarou a mãe por alguns segundos e baixou o olhar, concentrando-se no chá e só então percebeu que sequer sabia o gosto do que estava tomando. Astoria, Scorpius e Lucius chegaram para o café ao mesmo tempo e o clima se tornou tenso.

— Estive com o senhor Anton, Scorpius, e ele concordou em terminar seu treinamento nos negócios da família. – a voz do patriarca soou metálica – Concordamos que a melhor data para começar é em dois dias.

O jovem arregalou os olhos, alarmado e então, olhou da mãe que baixou a cabeça imediatamente, para o pai, impassível do outro lado da mesa.

— Mas eu pensei que... bem.. – a voz baixou até o murmúrio – Isso não pode estar acontecendo... Pai?

— Você sabia que iria acontecer, Scorpius. – Draco rebateu, seco – E espero que não prolongue indefinidamente o treinamento porque pretendo deixar nossos negócios do norte para você cuidar.

Lucius olhou para o filho, franzindo a testa.

— Não conversamos sobre isso. – destacou, pousando a xícara.

— Não. – Draco concordou, surpreendentemente sustentando o olhar do pai – Mas é isso o que vai acontecer.

— Iniciei tratativas com a família Gaunt para a aliança de casamento. – o patriarca continuou, fazendo Scorpius empalidecer e Astoria finalmente erguer a cabeça e encarar o sogro.

— Ainda não. Temos algumas coisas para resolver antes de qualquer casamento nessa família. – Draco respondeu.

Ambos se encararam e Lucius estreitou os olhos quando percebeu que o filho não cederia.

— Vamos falar depois. – sentenciou, autoritário.

— Não há o que falar. – Draco rebateu, tão ácido quanto ele.

Narcisa olhou o filho do outro lado da mesa e inclinou levemente a cabeça, reconhecendo o embate e quando desviou os olhos para Scorpius, quase sorriu ao ver o brilho de admiração nos olhos do neto.

— Já falou com Astoria sobre a temporada no castelo de caça? – Lucius voltou a falar depois de alguns minutos de silêncio, dirigindo-se à esposa.

— Não vamos a lugar algum, querido. – ela respondeu, pousando a xícara – Não acho que seja uma boa opção separar a família nesse momento.

Antes que Lucius pudesse responder à esposa, um elfo doméstico aparatou na sala e respeitosamente, deixou alguns jornais e mais correspondência sobre a mesa lateral. Inclinando-se exageradamente, desapareceu em seguida.

Scorpius, louco para se afastar da tensão, se levantou e pegou os jornais, arregalando os olhos ao ver a manchete.

— Uau!

******

 

Gina arregalou os olhos ao ler sobre o novo escândalo no jornal “Folhetim Mágico”. Espantada, forçou-se a ler toda a matéria sobre como Isla Rosier, tia de Astoria Malfoy, soube pela própria sobre o caso de Draco e Harry. A matéria destacou que Astoria contratou um detetive e foi assim que soube, espionando o próprio marido. Surpreendentemente, a matéria também destacou que o detetive, incentivado pelos galeões, aumentou e inventou fatos e encontros. O jornal esclareceu que, em dois dos “encontros” Harry estava a duzentos quilômetros de Draco Malfoy, comprovadamente.

O choque maior foi ler que não houve testemunha do encontro dos dois no Ministério. O jornal Profeta Diário fez uma matéria escandalosa sobre o fato, que agora se provava enganosa. Nunca houve a tal “testemunha”. O Folhetim destacou que no fim, não se podia provar que o caso entre os dois realmente aconteceu, o que era totalmente diferente do caso de Lucius Malfoy, que comprovadamente teve um caso com Missy e um filho fora do casamento: Dionísius, que inclusive portava um medalhão com o selo dos Malfoy e não se esquivou de dizer a quem quisesse ouvir que estava promovendo o terror como vingança contra o patriarca.

A matéria prosseguiu contando sobre os desdobramentos do escândalo, como a fase ruim de Harry e sua posterior demissão, que segundo o Folhetim já estava certa desde antes da licença forçada, e ali, para horror de Gina, estava escancarado o quão longe ela foi em retaliação.

Tudo estava ali, escrito friamente: a ordem de restrição depois de uma briga (mas deixando claro que ela se descontrolou e ele apenas tentou contornar a situação, com testemunhas e tudo), a tutela do dinheiro, o sumiço do auror por seis meses e a volta espetacular do “escolhido”, o poder imenso, o não uso da varinha, o conhecimento em poções e o salvamento das pessoas na vila. A bruxa empalideceu ao ler como forneceu o endereço do ex-marido e as fotos da casa, tiradas por Lílian, ao jornal e sobre o processo de retirada do sobrenome Potter dos filhos.

Gina engasgou ao ler essa parte e jogou o jornal longe, erguendo-se de um pulo. Por alguns momentos, ficou parada e ofegante no meio da sala, aterrorizada e perdida.

— Como souberam? – perguntou-se, olhando em volta – Como puderam saber o que fiz?

Ela foi até a porta e voltou sobre seus passos para a sala, dando voltas e mais voltas. Depois de alguns minutos, sentou-se e se descobriu chorando. Chorou sozinha por um longo tempo e quando conseguiu se controlar um pouco, ergueu-se e pegou o jornal do chão, juntando as páginas e jogando-as na lareira.

Tiago entrou na sala e olhou a mãe parada e depois, notou o jornal queimando. Respirou fundo e se sentou, olhando a bruxa até que ela se voltou e sentou-se.

— Eu acho que esse pesadelo nunca vai acabar. – ela murmurou, sem olhar o filho - Por que isso aconteceu com a nossa família? – Gina se abraçou e finalmente encarou o filho - Eu sou uma boa esposa... eu me preocupo com nossa família e...

Parou, sem saber como se explicar.

— Eu não sei, mãe. Só você pode dizer se estavam felizes juntos, como casal. – Tiago se levantou e encarou o fogo – Devo confessar que nunca prestei muita atenção nessa parte com vocês dois... são meus pais, e eu assumi que estavam bem. Os pais sempre estão bem, não é?

A bruxa baixou a cabeça e o rapaz se virou, olhando o topo da cabeça dela. Vendo que ela não ia dizer mais nada, respirou fundo e olhou de novo para o fogo.

— Mas me arrependo de ter tirado o sobrenome dele. – falou, baixo – Naquele dia, ouvi o que ele disse e a forma como olhou para nós... – hesitou e fechou os olhos – Me senti baixo e mesquinho... e agora... todos os olhares de novo... tudo de novo...

— Ele admitiu para nós o que fez, Tiago. – Gina respirou fundo e levantou a cabeça – Ele admitiu para mim que teve um caso com aquele...

O rapaz se virou, encarou a mãe e então riu, sem qualquer traço de humor.

— Engraçado... ele admitiu para mim que se apaixonou pelo Malfoy. Não falou sobre caso ou sobre sexo... disse que se apaixonou por ele... tentou me explicar que não foi escolha dele, mas eu não quis ouvir depois da primeira frase. – riu de novo e encolheu os ombros – Devia ter ouvido o que ele tinha para me dizer.

— Tiago... – a bruxa se ergueu e estendeu a mão para tocar o filho.

Ele devolveu o olhar e colocou as mãos nos bolsos, dando um passo para trás. Gina empalideceu.

— Agora acho que não vou ter a chance de saber o que era, não é? – os olhos claros dele cintilaram – Mas essa parte não é culpa sua. Eu tive todas as chances do mundo para ser no mínimo esperto e ouvir o que ele queria me dizer, o que quer que fosse, mas não fiz isso. Me recolhi, irritado e ofendido, batendo o pé como uma criança birrenta e sabe quem me disse isso na cara? – o jovem balançou a cabeça e passou a mão pelo cabelo, um gesto característico do pai – Carlinhos... ele me disse  que nada é branco ou preto e que eu estava sendo burro de não ver que na história de vocês tinha dois lados... eu insisti em ver só o seu.

— Fui traída... – ela disse, balançando a cabeça.

— Sim. Isso é fato e como destacou, meu pai admitiu isso, mas ele foi um safado completo ou só se sentiu perdido e sozinho? – Tiago encarou a mãe – Eu posso admitir, embora tarde para qualquer coisa, que eu não estava lá para ele. Sendo absolutamente sincero, eu nunca estive lá para ele.

Sem esperar resposta, ele saiu da sala e deixou a mãe sozinha. Gina encarou a porta por alguns minutos e se sentou de novo, exausta.

*****


Hermione dobrou o jornal e respirou fundo, observando o jardim pela janela. Rony entrou na cozinha e olhou a esposa por um momento, sentando-se e pegando o jornal. Franziu a testa e depois de dois minutos lendo, largou-o de lado com uma maldição baixa.

— E ainda dizem que não podem provar! – disse, servindo-se de café – Eu posso provar! Ele confirmou tudo! Traiu minha irmã com um homem e ainda por cima um comensal da morte... Como assim não podem provar? Eu devia...

— Devia parar de julgar os outros.  – a bruxa se virou e encarou o marido seriamente – Devia parar de proteger a Gina como se ela não tivesse uma parcela de culpa no que aconteceu.

Rony arregalou os olhos, mas antes que pudesse falar, Hermione ergueu uma mão e se aproximou, olhando-o nos olhos.

— Somos felizes, Rony. Não temos muito, mas somos felizes. Nos preocupamos um com o outro e ambos com nossos filhos, mas não deixamos de namorar e brigar, de ir um atrás do outro sempre que podemos. – ela se sentou e empurrou o jornal para o lado – Tenho que admitir que notei Harry cansado e triste... e isso já há um bom tempo, mas achei que era excesso de trabalho e todo o resto...

— Ele não podia... – o ruivo parou e respirou fundo – Vai defendê-lo agora?

— Concordo que ele não podia e não devia. Se não estava feliz, podia ter dito e se separado antes de trair... mas não sabemos o que acontecia na casa deles, como era a vida deles entre quatro...

Rony se levantou de um pulo e Hermione mordeu o lábio, ansiosa.

— Ele traiu minha irmã! Disse isso na cara dela! O que você quer que eu faça? – ele estava vermelho e a um passo de começar a gritar – Deixei de ser auror por causa do que ele fez! Perdi meu cargo por causa dele!

Hermione se levantou e encarou o marido.

— Você deixou de ser auror antes disso tudo. – ela rebateu, séria – Não jogue sobre ele essa responsabilidade!

Os dois se encararam e ela balançou a cabeça.

— Não quero nem vou trazer os problemas deles para o nosso casamento, Rony, mas precisa admitir que sua irmã é adulta e já provou que não é uma vítima inocente do marido traidor e pervertido. – a bruxa respirou fundo, ignorando a raiva dele – Por causa dela, um auror foi morto e outros foram feridos gravemente, incluindo Harry. Por causa dela, ele quase não tem mais dinheiro no banco e por último, ela tirou dele a única família que já teve. Essa história do sobrenome... isso foi demais!

Rony se levantou e passou a mão pelo cabelo, pela primeira vez parecendo angustiado.

— Eu não sabia dessa história, Remus que soube e me contou... – diante do olhar da esposa, encolheu os ombros – Meus pais apoiaram Gina e ela fez tudo sem me contar...

— Sirius nunca devia ter apoiado isso. É um crime o que ela fez! – Hermione balançou a cabeça – E jogar assim... usando os filhos... Por Merlim!

— Ela está ferida... – acuado pelo olhar da bruxa, ele parou.

— Fui amiga do Harry por toda a vida na escola, e depois dela. Posso te dizer com toda a certeza que ele estava ferido antes. Ferido de morte... mas agora, depois que voltou da licença... – ela encarou o marido – Eu não sei se isso poderá ser consertado, Rony. E mesmo que não saibam agora, vão sentir falta do pai maravilhoso que Harry sempre foi. E nem você pode dizer que isso não é verdade.

Rony devolveu o olhar pesado da esposa e respirou fundo.

*****


Sirius jogou o jornal fora, mas não teve a ilusão que Remus não o leu antes. Ficou parado na cozinha, olhando uma gota de água sobre o balcão. Ouviu um barulho atrás de si, mas não se virou.

— Agora todos vão ter uma dúvida razoável, não é? – perguntou, ainda olhando a gota – Quero dizer, não existem provas concretas, mas nós sabemos porque ele admitiu.

— Acho que sim. – Lupin concordou, olhando as costas do marido.

— E agora todos sabem como Gina revidou.

— Sim.

— Isso é ruim... todos vão comentar e falar, inclusive com os garotos. – o animago se virou e encarou o lobo - Tiago e Alvo não tem que se preocupar com as gracinhas na escola, mas quando arrumarem um emprego... e Lílian... – ele encolheu os ombros – Acho que vai ter problemas em Hogwarts, não é?

— Ela vai ficar pouco tempo e estudando para as provas e exames, não terá tempo para se importar. – Lupin respondeu, atravessando o espaço para se servir de chá.

Sirius observou o marido e invejou-lhe a calma.

— Não está incomodado com o fato de agora sermos os vilões? – perguntou, fazendo o outro se virar com a testa franzida – Quero dizer, o jornal diz que não há provas, então podem dizer que não foi traição e sim outro motivo para o fim do casamento e que fizemos um escândalo sem necessidade.

— E não fizemos?

O animago elevou uma sobrancelha. – Como?

— Não fizemos um escândalo superior à ofensa? Harry fez besteira, ele mesmo admitiu. Nunca disse o contrário e pediu desculpas por expor todo mundo a isso. Ele tem consciência que errou ao trair Gina e deixou claro que estava arrependido.

— Então porque não aceitou nossas tentativas de consertar isso? – Sirius perguntou, sinceramente confuso.

— Porque ele se arrepende de ter traído e se sente culpado por tudo o que aconteceu, mas não por ter se apaixonado pelo Malfoy. Isso não foi culpa dele. - Sirius congelou o marido com o olhar e Remus sorriu, balançando a cabeça – Desde quando podemos controlar por quem nos apaixonamos? Como podemos dizer ao nosso coração: olha, esse não, ok?

Sirius abriu a boca para rebater, mas fechou-a em seguida. Remus fez um gesto de assentimento.

— Pensei sobre o que me disse... sobre ele estar infeliz no casamento. Porque ficou então? – o animago balançou a cabeça – Podia ter se separado...

— Acho que ele pensou que Gina não ia aceitar bem e ele sempre foi muito apegado aos filhos apesar de não ser recíproco...

Sirius se aproximou e tirou a caneca das mãos do marido, tomando um longo gole.

— Não concordo com você. Os garotos são loucos pelo Harry. – rebateu, sério.

— São loucos pelo auror de sucesso Harry Potter. São loucos por serem reconhecidos como filhos do “escolhido” e herdeiros da sua fortuna e poder. Mas... loucos pelo pai? Tem certeza? – diante do olhar incisivo, Lupin cedeu – Pode até ser que eu esteja errado. Torço para que eu esteja.

Lupin se virou para o balcão de novo e Sirius rolou os olhos, exasperado.

— Não devia estar tão calmo. – acusou, nervoso.

— Já briguei, falei e me estressei por uma vida inteira. – o professor encarou o marido, com um sorriso mínimo – Não tenho mais vontade ou tempo de me envolver com isso de novo.

O lobo passou por Remus e lhe deu um selinho rápido, saindo da cozinha. Sirius ficou parado, exausto e confuso.

*****


Lucius pensou seriamente em amaldiçoar o jornal inteiro. Todos eles. O patriarca se jogou na poltrona em seu escritório particular e fechou os olhos, irritado e exausto.

Os jornais não deram trégua e agora, exploravam a traição ainda, mas também o fato de ter fugido da batalha final de Voldemort e ter se escondido por meses, depois. A família Malfoy estava sendo jogada na lama e nem sua influência adiantou para impedir isso.

— O que importa o que fiz ou deixei de fazer há tanto tempo? – perguntou para a lareira, servindo-se de generosa quantidade de uísque – Por Merlim! Isso tem mais de vinte anos!

Olhou com maldade para a pilha de jornais sobre a escrivaninha e desejou colocar fogo em tudo, mas se conteve. Recostou-se segurando a taça e encarou o fogo.

— Dois milhões em prejuízos... – murmurou, irritado – Indenizações por mortes e destruição de prédios... – balançou a cabeça e fechou os olhos com força – Isso precisa parar.


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