Gerações - Interativa escrita por Litsemeriye, Haria Ana


Capítulo 1
Prólogo


Notas iniciais do capítulo

Não irei me alongar aqui, mas todas as explicações estarão nas notas finais - leiam-nas!



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Ela nunca havia ido a um funeral.

Achava perda de tempo as pessoas chorando e se lamentando por alguém que não poderia ouvi-las. Não era como se o defunto fosse levantar por causa das pessoas e voltar à vida. Ele iria continuar ali, morto, e nada traria ninguém de volta.

Porém, qualquer um com o mínimo de decência iria ao velório dos pais, e ali estava – sozinha, com os cabelos pretos escorrendo pelos ombros, imaginando o que faria dali em diante.

Faziam três semanas desde o acidente no voo AF-1107*. Até onde se sabia, uma falha do motor havia feito o avião cair n’água, fazendo restar um total de zero sobreviventes das mais de duzentas pessoas, mais tripulação, que estavam a bordo. Um acidente um tanto quanto estranho para uma aeronave que estava em perfeitas condições ao deixar Paris, onde a família havia decidido que comemoraria o aniversário de casamento dos pais. O pior era saber que, se não tivesse insistido tanto em voltar na frente para manter o ritmo de estudos pré provas, teria tido o mesmo destino.

Não haviam caixões, apenas três urnas com uma média de três quilos de cinzas em cada, porque, deus, os corpos tinham passado tanto tempo na água que seria desrespeitoso os exibir no estado que estavam antes de serem cremados – mesmo que a cremação houvesse ocorrido menos de setenta e duas horas depois do acidente, tinha que se preparar mentalmente para enfrentar a despedida final.

As fotos na frente de cada urna identificavam os restos mortais. A primeira, acinzentada, pertencia a uma mulher de cabelos negros e olhos cinzentos, que usava um vestido floral na fotografia, de plano preto, que destacava sua pele clara. A segunda, azul clara, mais parecendo um vaso comum, a um homem de cabelos castanhos e olhos cor de chocolate, de pele queimada de sol e sorriso fácil – pensar que nunca mais veria aquele sorriso fez seu coração apertar, como se alguém o segurasse entre os dedos. A terceira era vermelha e chamativa, assim como era a personalidade da pessoa que agora jazia ali, um rapaz de pele naturalmente amorenada, cabelos negros e olhos claros, que quase desapareciam em seu sorriso, assim como as sardas salpicadas em suas bochechas.

Sua mãe, seu pai e seu irmão haviam morrido, e não havia nada que Nebbia podia fazer a não ser desejar ter ido com eles.

“Você é Nebbia?” alguém falou ao seu lado, fazendo seus olhos se erguerem minimamente para a mulher com cabelos louros presos num rabo de cavalo. Ela tinha sorriso gentil e, fisicamente, lembrava muito sua mãe – não sabia se porque era realmente verdade ou era só a saudade confundindo seus sentidos de novo.

“Você seria...?”

“Sophie.” Ela sorriu, sentando-se na cadeira livre ao lado da órfã. “Sou do serviço social. Vim falar sobre o que fazer daqui em diante.”

“Não há nada o que falar. Eu vou voltar para a casa e tocar minha vida. Não é como se eu não tivesse dinheiro ou competência para isso.”

Sophie suspirou, olhando-a com pena. Ela havia recebido tantas vezes esse olhar nos últimos dias que estava, sinceramente, com vontade de pegar a cabeça da assistente social e batê-la contra a parede até não ter mais rosto para mira-la daquele modo.

“Eu entendo que possa ser difícil, mas isso é ilegal. Nós vamos te transferir para um abrigo e congelar as contas até você ser maior de idade. Então, pode fazer o que quiser com o dinheiro, mas a prioridade é arrumar um lar para você. Ou, se você souber sobre seu pai de verdade...”

“Victor. Victor era meu pai de verdade. E arrumar um lar? Eu sei que crianças acima de oito anos tem chances extremamente próximas de zero de serem adotadas. Então o que? Quer que eu mofe num orfanato por sete anos, desperdiçando meu valioso QI em aguentar pessoas estúpidas? Muito generoso, mas não, obrigado. Estou bem.”

A loura abriu a boca para falar algo, quando as portas principais se abriram. Ela não pode evitar admirar a figura que surgiu; um homem alto, enfiado em roupas formais, salvo os coturnos sujos de terra. Ele tinha pele clara, nariz fino e olhos cinzentos, além do longo cabelo estranhamente cinza – como uma tintura, mas não parecia ser o tipo de pessoa que perderia tempo com isso. Era lindo, de um jeito que voltava a atenção de todos para si.

Ele se aproximou em passos lentos, firmes, e puxou o capuz da garota. Ambos eram incrivelmente parecidos, o que fez Sophie se perguntar se aquele não era o pai biológico dela. Nebbia inclusive tinha uma grande faixa de raiz do cabelo no mesmo tom de prateado que os do homem, e o preto perto dessa região deixava claro que aquilo era tinta – seu cabelo era, em verdade, cinza.

“Sabe quem eu sou?” Ele questionou, ignorando a existência da assistente social.

“Minha mãe tinha uma foto sua na gaveta. Suponho que seja Squalo, certo? Ela te deu esse nome também?”

“Nunca foi boa com nomes. Se livre das cinzas, estou esperando no carro preto. É bom que seu passaporte esteja atualizado.”

“Espere!” A loura se pronunciou, levantando. Mesmo de saltos, era cerca de dois ou três palmos mais baixa que Squalo, mas mesmo intimidada, tinha um dever a cumprir. “Desculpe, mas o senhor não pode chegar assim e simplesmente falar em levar a criança. Segundo os registros não há parente vivo, então devo leva-la comigo e...”

“Cale a boca!” O Guardião da Chuva gritou repentinamente, a veia em sua testa saltada. O olho esquerdo piscava num tique, e um sorriso irritado mostrava seus dentes mais afiados do que deveriam. “Não me interessa quem é você, ou as estúpidas Leis.”

“V-você vai ser indiciado por sequestro...” Sophie fez uma última tentativa, num fio de voz.

“E quem vai fazer isso, você?”

Para a surpresa de todos, que haviam se voltado para a cena após o grito, a sentença não veio do desconhecido, e sim da garota.

“Me dê cinco minutos.”

Com surpresa, todos viram a menina de onze anos se dirigir até as urnas. Ela juntou todas as cinzas na azul claro, fechou a tampa e saiu com ela em mãos, seguindo o caminho do maior.

Foi fácil achar o carro preto, então apenas pulou para o banco de trás, a urna em mãos. Viu Squalo a olhar pelo retrovisor, mas apenas apertou o vaso contra o corpo, deixando claro que não iria a lugar nenhum sem ele. O mais velho girou os olhos, ligando o carro e começando a dirigir pelas ruas da pequena cidade, até encostar ao lado de uma típica casa que parecia ser saída de um filme estadunidense – de dois andares, pintada de branco com o telhado vermelho e um jardim bem cuidado.

Sem esperar convite, o Vice Líder da Varia desceu do carro, pulando a cerca e chutando a porta para que o trinco arrebentasse. Como num estalo, Nebbia saiu do carro, deixando a urna ao lado da porta e correndo para dentro, seguindo os barulhos. Ela não podia estar fazendo aquilo, mas estava. O quarto de seus pais estava revirado, alguns móveis quebrados pela força usada para se baterem.

“Para!” Gritou, pela primeira vez em muitos anos agindo como a criança que realmente era. “Para! Você tá destruindo tudo!”

Mas ele não parou. Viu, horrorizada, Squalo continuar a quebrar os móveis e estruturas, até uma das paredes simplesmente se esfarelar, revelando um baú de aparência velha, que deveria estar lá fazia muito tempo.

“Sua mãe”, ele começou, puxando o baú até o centro do quarto, desfazendo o trinco enferrujado com um chute, “era uma grande assassina. Sempre entrava e saía sem deixar nem um fio de cabelo pra trás. A organização inclusive tentou contratá-la, mas ela recusou os convites algumas muitas vezes.” Ele abriu a tampa, sorrindo ao virar o baú para a menor, mostrando seu conteúdo – haviam facas, correntes com pedaços de metais afiados na ponta, espadas japonesas, armas de fogo e até mesmo um besta. “Esse é o legado dela. Fazem onze anos que ela largou a vida que tinha e sumiu do mapa para não te por em perigo. Agora você vai fazer o que nasceu pra fazer; você é uma Superbi, não ouse ser nada menos que excepcional em qualquer coisa.”

Nebbia tocou com cuidado uma uzi, erguendo-a e sentindo seu peso. Sabia já que não usaria muito, mas era bom.

Entre 1 e 4 por cento da população sofria de psicopatia, e a garota sempre soube que fazia parte desse grupo. Apenas nunca pensou que poderia um dia externar sua parte violenta.

Squalo sorriu com orgulho, sabendo que era o início do que um dia se tornaria uma grande assassina.

Quando desembarcaram, o Vice Líder teve certeza que Xanxus o puniria por sair do país sem avisar, isso porque havia uma força tarefa da Varia esperando-o no aeroporto, com Levi a frente o esperando diretamente em uma das pistas de pouso que a organização usava comumente. Obviamente, o Guardião do Trovão estava muito mais do que satisfeito em ser encarregado de levar Squalo para seu Chefe. Ele apenas não esperava que ele descesse com uma garota pequena, de cabelos prateados como os do Guardião da Chuva.

“Quando você falou, eu pensei mais em Roma do que Sicília” Nebbia falou, sentindo o peso de uma das armas da mãe presa no elástico de seu jeans, meio como os personagens de Pulp Fiction faziam. Estava com os cabelos soltos e sem tintura, da forma libertadora que o outro lhe fez usar.

“Não vamos ficar na cidade, mas não temos como pousar mais perto do que isso.” Squalo tomou a frente, caminhando até Levi. Ao longe, perto do prédio do aeroporto e se aproximando, a figura inconfundível de Lussuria se destacava. “Xanxus te mandou desnecessariamente. Não estou fugindo, apenas tive que fazer uma saída de emergência.”

“O Chefe não vê assim. Ele exigiu que fosse escoltado de volta para a mansão.” O Guardião do Trovão falou com um tom superior atípico. Realmente estava gostando de estar acima do Vice Líder uma vez. “E ele vai te matar se você levar essa... coisinha pra lá.”

“Posso atirar nele?” A garota perguntou, claramente incomodada com o tratamento.

“Meu bebê!” Lussuria gritou ao alcança-los, apertando Squalo contra si. Aquilo já estava virando uma bagunça difícil de acompanhar. “Que saudades!”

“Me solte, seu aprendiz de okama*!”

Lussuria não o soltou, mas continuou a apertar o Guardião da Chuva num abraço, frases amorosas se misturando com os xingamentos proferidos por este e pelas exclamações de Levi. A Varia parecia, acima de tudo, ter um gosto por discussões desnecessárias.

“Eles são sempre assim, eu presumo.” Alguém falou ao seu lado.

Superbi se virou, dando de cara com uma garota de cabelos de cabelos na altura dos ombros, cuja raiz castanha escura ia clareando gradativamente, até que suas pontas ficassem brancas, e olhos de um tom amarelado incomum. Sua pele era clara, não tanto como sua própria – porcaria de albinismo –, mas ainda sim clara.

“Ah, sim. Meu nome é Arinne.” Ela sorriu, estendendo a mão.

Nebbia olhou-a de cima. Devia ser dois ou três centímetros mais alta. Ela olhou para a mão estendida a si e ignorou o cumprimento. A garota corou, recolhendo a mão e voltando a observar a discussão entre os três mafiosos, que parecia estar partindo para a luta física.

“Você tem alguma religião? Qual seu estilo de música favorito? Você veio do Brasil, né, mas parece fluente em italiano. Fala outras línguas? Eu sou trilíngue, mas espero me tornar poliglota em breve. Você é poliglota?”

“Você pode, por favor, calar a porra da boca?”

“Se você responder minhas perguntas, juro que não vai ouvir minha voz. Bom, uma hora vai né, mas vou tentar não falar diretamente com você. Pelo menos hoje.” Arinne deu um sorriso travesso, vendo uma veia do pescoço da maior saltar. Ah, como adorava irritar as pessoas, mesmo que soubesse que teria que segurar a língua na casa em que o tio morava – era divertido incomodar, mas não parecia ser tão divertido morrer.

“Porra, certo, certo. Mas se você tentar falar algo mais, eu juro que atiro em você.” Não era uma ameaça vã, elas sabiam. “Budista. Clássico. Falo. Sou. Satisfeita?”

“Fala?! Quais? Você também é um gênio, que nem eu?”

Ela recebeu um olhar irritado.

“Ah, certo, não falar mais. Entendi.”

“Vamos, Arinne?” Lussuria sorriu, acenando. Ele usava um terninho branco, com camisa vermelha e pulseira com penas falsas, daquelas que as pessoas fazem frufrus. Havia algo brilhando por trás dos óculos, e conhecendo-o como Arinne conhecia, era muito provável que fosse glitter.

“Estou indo!” Ela virou para correr, quase tropeçando no cadarço desamarrado. Soltou uma risada sem graça antes de se abaixar e concertar os laços, finalmente seguindo o tio. Sentia a presença da nova companheira atrás de si, satisfeita. Ela com certeza descobriria mais sobre a garota, fosse por ela ou, quem sabe?, invadindo seu computador pessoal. Isso, é claro, se Nebbia tivesse um, mas daria seu jeito.

Havia uma fila de dez carros nos fundos, e cerca de vinte pessoas de ternos pretos e camisas brancas, como um uniforme. Eles acenaram aos Guardiões, alguns entrando nos carros e dois abriram as portas de passageiro e de trás de um dos veículos. Ao passo que Lussuria os cumprimentava e mandava beijinhos, seguindo para o último carro da fila – único que não estava no meio da comitiva de pessoas excessivamente vestidas para uma simples ida ao aeroporto –, ela viu Squalo entrar com a garota no banco de trás, fechando as portas antes que Levi pudesse entrar. Ele ainda tentou as abrir e, ao não conseguir, xingou tão alto que a castanha conseguiu ouvir. Um cara do carro da frente se apressou em sair do carro e abrir a porta deste para o Guardião do Trovão, que parecia ainda resmungar quando escorregou para o banco.

Definitivamente, Arinne iria se divertir muito morando ali.

Seu celular tocou, o nome da mãe surgindo no visor.

“Mãe?”

“Oi, filha! Chegou bem? Seu tio foi lhe receber?”

“Tudo bem, o voo foi meio longo, mas eu dormi. Sim, o tio ‘tá aqui, quer falar com ele?”

“Ah, não querida, estou meio ocupada agora. Mas diga que mandei lembranças!”

“Certo...”

“Te ligo mais tarde. Mamãe te ama!”

“Também te amo.”

A morena desligou o telefone. A voz de sua mãe estava estranha, e ela tinha ideia do motivo. Mas agora estava longe dele e, esperava, em breve sua mãe perceberia o erro e se afastaria também. Um dia, mataria o padrasto.

Afinal, não era o motivo principal de ter ido até a Itália, no final de tudo?


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Notas finais do capítulo

*Air France (AF) - voos em sentido oeste costumam levar números ímpares
*Okama - termo japonês para "travesti", aquele que se traveste.
~
Então, o que rolou basicamente. Fazem três anos quase que a outra foi postada. Nesse período, entrei em depressão, e a Haria não conseguia segurar as pontas sozinha.
Atualmente estou em tratamento, o que me fez voltar ao mundo da escrita.Como em três anos muita coisa muda, minha escrita não seria exceção. Então, como os leitores não seriam avisados da mudança do prólogo, foi criada essa segunda versão.
Importante: por causa desse período de reclusão, as fichas anteriores foram perdidas. Mesmo que eu tenha uma vaga lembrança dos personagens, infelizmente não é o suficiente para elaborar um enredo. Por isso, as vagas foram reabertas. Claro, simplesmente reestruturar tudo seria injusto com quem já tinha acompanhado e tudo, então esses autores terão certa "preferencia", o que não quer dizer que, se os personagens ficarem mal estruturados, eles serão aceitos.
Agora, uma novidade: os campos Família e Chamas foram apagados. Quem irá decidir essas coisas seremos nós :3
~
link para fichas: http://goo.gl/forms/VqCRG9zEu9PnQDWG3
~
Boa sorte a todos, e espero que compreendam a situação como um todo.



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