Os Mistérios de Ethan Quinn escrita por Nathalie Alves


Capítulo 4
Mascarando a Verdade


Notas iniciais do capítulo

Ethan continua tentando esconder toda a verdade, mas isso acaba afastando os amigos e provocando ainda mais dor e tristeza.



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A sensação de ardor tomava conta dele. Seu corpo e sua mente permaneciam em um estado de imobilidade profunda, criando a impressão de que tudo aquilo não passava de um sonho, ou pior, de um pesadelo. Por um breve instante, ele havia esquecido completamente onde estava. Naquele momento, a dor invadia-o por inteiro. A queimação dominava seu corpo. Cada centímetro de sua pele latejava. Seu maior desejo agora era mergulhar em uma banheira de água gelada para amenizar a dor.

O mundo estava escuro naquele instante. Ethan relutava em abrir os olhos. Tinha medo do que poderia enfrentar. De qualquer forma, aquela escuridão o confortava, impedindo-o de enxergar tudo ao seu redor. Depois de alguns minutos de resistência, ele finalmente cedeu.

De volta à realidade. Papéis e algodões manchados de sangue espalhavam-se pelo chão. Ethan ergueu a cabeça lentamente. Ao encarar seu rosto no espelho, uma onda de temor invadiu seu corpo. Não era a primeira vez que examinava aqueles ferimentos, mas custava-lhe acreditar que eles estavam ali, bem diante dele. Tocando delicadamente em sua bochecha e seus lábios, ele se preocupou com a gravidade dos arranhões. Não fazia ideia de quando tudo aquilo iria cicatrizar, e isso poderia representar uma ameaça ao seu segredo, o qual ele tinha se esforçado muito para resguardar.

Ele pressionou um pedaço de algodão no local acima do queixo, onde um corte atravessava seus lábios de um canto a outro, na diagonal. A dor era insuportável. Ethan apertou os olhos com toda a força. Era preciso um enorme esforço para mover o maxilar. Havia um ferimento longo em ambas as bochechas, e outros menores ao redor. No canto do olho esquerdo, o corte estava mais exposto, e um fio de sangue escorria pela têmpora.

No seu peito e abdome, a situação era mais crítica. Os cortes eram bem mais profundos. Ethan usava apenas uma bermuda azul-marinho, para poder cuidar melhor dos ferimentos. Os arranhões estavam praticamente em carne viva. Um corte partia da região logo abaixo de seu peito direito e terminava um pouco acima do umbigo. Ethan pressionou o algodão cuidadosamente sobre a pele.

Eram seis e meia da manhã. Minutos antes, Ethan tivera dificuldade em retornar para casa. Era como se a terra o atraísse, e ele resistira por bastante tempo antes de reunir coragem suficiente para se levantar. Cada passo era uma tortura. Ele caminhara vagarosamente através da floresta. Durante todo esse tempo, Ethan ainda não havia refletido sobre ontem à noite. O motivo que levou os lobos a atacá-lo ainda era obscuro. Fora agredido brutalmente, sem razão alguma. Aquele havia sido seu primeiro contato com os animais da floresta. Ele não esperava uma recepção como aquela. Só queria compreender o motivo que os levou a ter atitudes tão brutais e ofensivas. É óbvio que os lobos agem por instinto, assim como os outros animais selvagens, mas normalmente isso acontece em casos de defesa. Aquilo pareceu mais uma emboscada, um ataque premeditado. Ethan precisaria de tempo para encontrar respostas.

Ele precisava ir ao colégio agora. Estava decidido a comparecer. A última coisa que queria era despertar a atenção dos mais curiosos. Não estava disposto a elaborar mil desculpas para as suas constantes faltas. Bridgit ligaria várias vezes no seu celular, e Ethan não queria continuar mentindo para ela.

Ele jogou uma água fria no corpo, fez alguns curativos nos ferimentos mais graves e vestiu uma calça jeans azul, uma camisa de malha verde e uma blusa preta de mangas longas e capuz para ocultar os arranhões do rosto e dos braços. Ele fechou o zíper até o topo, pôs a mochila nas costas, colocou as mãos nos bolsos e saiu de casa, torcendo para que ninguém desconfiasse de nada.

............................

Aqui do fundo, sua visão era mais ampla. Conseguia visualizar praticamente toda a sala, observar melhor os movimentos, escutar mais precisamente as conversas paralelas e acompanhar os gestos da professora de química na lousa, apesar de os cálculos estarem minúsculos e quase impossíveis de se enxergar àquela distância. A última vez que ele se lembrava de ter sentado no fundo da sala foi na época do primário. Não gostava de se manter afastado desse jeito, mas naquele momento, era estritamente necessário e indispensável. Ethan estava lutando para manter-se fora do campo de visão dos outros alunos. Um comentário indiscreto, uma pergunta não desejada e os olhares curiosos de alguém poderia arruinar tudo.

Apesar de sua extrema discrição e cautela, havia uma pessoa que não tirava os olhos de cima dele. Sentada há três fileiras de onde ele estava, Isobel encarava-o com um ar de perplexidade. Era como se ela tivesse acabado de observar algo terrível lá fora, através do vidro da janela — que ficava logo do lado de Ethan, — e ainda estava paralisada pelo susto, olhando constantemente na direção do garoto. Ele abaixou a cabeça e tentou prestar atenção em seu caderno, na tentativa de disfarçar, agindo com naturalidade, sem levantar nenhuma suspeita.

Minutos depois, Isobel estava sentada na cadeira vaga que havia ao lado de Ethan.

“Tá tudo bem com você?” — Indagou ela.

Ele ergueu a cabeça, balançando-a em sinal de afirmação.

“É bastante incomum você sentar aqui no fundo da sala. Você sempre fica nas primeiras cadeiras, prestando atenção na aula...” — afirmou ela.

“Estou conseguindo acompanhar a matéria muito bem daqui.” — Declarou ele.

“Sério? Não é o que parece.” — A expressão em seu rosto era de preocupação.

Pelo visto, sua tentativa de disfarçar havia sido um fracasso.

Seguiram-se alguns segundos de silêncio.

“Não está sentindo calor?” — Perguntou Isobel.

“O quê?” — Ele foi pego de surpresa.

“A blusa preta...” — disse ela. — “Está um dia ensolarado para cobrir o corpo todo desse jeito.”

Ele respirou levemente antes de responder.

“Na verdade, eu nem havia reparado nisso. Estou confortável assim” — afirmou ele, na esperança de que sua amiga mudasse de assunto.

“Tudo bem.” — Isobel falou.

Ethan suspirou de alívio.

Em seguida, ela voltou a falar.

“Tudo certo para eu ir à sua casa hoje à tarde?” — Indagou.

Dessa vez, ele foi pego realmente de surpresa.

“Hoje à tarde?” — Ethan perguntou, apreensivo.

“Sim. Combinamos na semana passada que eu iria hoje à sua casa para ajudar em umas pesquisas no computador.” — Ela afirmou, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

Para falar a verdade, Ethan havia se esquecido de tudo que acontecera nos dias antes da transformação.

“Desculpa Isobel, mas hoje não vai dar. Tenho muita matéria para estudar e uns trabalhos de casa para fazer.” — Ele tentou ser o mais convincente possível.

Ethan percebeu que sua amiga ficou um pouco desapontada.

“Podemos marcar para semana que vem, nesse mesmo dia. Quer dizer... se você não estiver ocupada.” — Ele ficou chateado por decepcioná-la.

“Não, tudo bem. Combinado! Semana que vem, então.” — Ela abriu um meio sorriso.

Depois de alguns minutos tentando examinar o rosto do amigo, por baixo daquele capuz, Isobel perguntou:

“O que é isso vermelho na sua bochecha?”

Ethan prendeu a respiração por alguns segundos. Levando a mão ao rosto, ele tocou de leve no ferimento.

“Isso aqui? Não é nada... Eu me cortei enquanto fazia a barba.” — Ele tentou falar sem gaguejar.

Algumas cadeiras à frente, Bridgit encarava-o com um olhar triste e melancólico, o semblante aflito. Ethan retribuiu o olhar por alguns minutos, igualmente triste e absorto, sentindo-se péssimo por ter de fazê-la passar por isso.

............................

O sinal tocou. Todos arrumaram os materiais em suas mochilas e levantaram rapidamente, quase ao mesmo tempo, andando em direção à saída. Quando já estava na porta da sala, Ethan sentiu uma pancada muito forte em seu ombro direito. Seu corpo se projetou um pouco para frente, fazendo sua mochila cair no chão. A dor o fez agarrar seu braço abruptamente. O local ardia muito, e ele se perguntou se o impacto havia causado algum dano em seus ferimentos.

Um de seus colegas apareceu à sua frente, as mãos erguidas, uma expressão cínica no rosto.

“Foi mal, Quinn.”

Era Bruce, o valentão da turma, capitão do time de basquete da escola. Eventualmente, ele agia daquela forma com os outros garotos. Gostava de exibir sua força física e de se sentir maior e mais forte que todos, sempre fazendo acreditar que foi um acidente.

Seguindo seus instintos, e sem pensar duas vezes, Ethan ergueu suas mãos e empurrou o colega ferozmente. Bruce desequilibrou-se, batendo as costas na parede. Ele encarou Ethan com um olhar sobressaltado. Em seguida, começou a se afastar lentamente.

O garoto lobo olhou para fora, no corredor, e percebeu que Bridgit o observava atentamente. Devia tê-lo observado esse tempo todo.  

Ao sair da sala, ele caminhou apressadamente para o portão de saída, evitando esbarrar em alguém conhecido. Quando estava em frente aos armários do corredor, Ethan sentiu um toque em seu braço. Ele parou e virou-se para trás.

“O que aconteceu lá dentro?” — Bridgit perguntou, consternada. — “Com o Bruce...”

Ethan olhou fixamente nos olhos da amiga por alguns segundos.

“Eu só estava tentando dar uma lição nele.” — Ethan respondeu, pensativo.

Ele virou-se vagarosamente para continuar caminhando.

“Espera!” — Bridgit tentou impedi-lo. Ela respirou fundo, fechou os olhos por alguns instantes, e depois continuou: — “Eu vi o que você fez. Só acho que...." — Ela hesitou por um tempo. — "Quer saber? Isso nunca foi do seu estilo. Você sempre foi um cara tranquilo, atencioso... E ultimamente tem agido de forma agressiva, impetuosa... Vive se escondendo e se isolando..."

“Bridgit, por favor...” — naquele momento, Ethan não sabia como controlar a situação.

“Você precisa admitir que tem alguma coisa estranha acontecendo, Ethan. ” — Sua voz estava um pouco mais alta agora. — “Não consigo mais suportar isso. Você muda assim, de repente, e eu não consigo entender por quê. A gente não se fala mais.... Eu não te conheço mais.... Só queira que as coisas continuassem como eram antes.”

Suas palavras transbordavam de emoção. Ethan sentiu-se extremamente culpado. Não conseguiu evitar que as lágrimas escapassem um pouco. Seus olhos lacrimejavam.

Ele apoiou as mãos nos ombros dela e esforçou-se para falar.

“Eu sinto muito, Bridgit. ” — Ele pronunciou pausadamente cada palavra.

Antes que pudesse prosseguir, ela direcionou o olhar para algum ponto abaixo do queixo de Ethan e estendeu a mão para tocar sua blusa. Em seguida, ela o encarou com um olhar de espanto.

“O que é isso no seu pescoço? Está sangrando! O que aconteceu?” — Ela estava inquieta e impressionada.

“Não se preocupa. Não foi nada. Eu tenho que ir.” — Não havia mais nada para ser dito naquele momento. Eram as mesmas desculpas de sempre, e ele sentiu-se mal por isso.

“Ethan, vem cá.” — Bridgit segurou em seus ombros e o levou até a pequena sala de materiais de limpeza que estava bem ao lado deles. Ela fechou a porta ao entrar.

Sem dizer uma única palavra, ela começou a abrir o zíper da blusa dele e retirou cuidadosamente o capuz. Em seguida, ela ergueu as mangas de sua camisa, revelando os curativos e alguns ferimentos expostos.

“O que aconteceu com você?” — Indagou ela, apavorada. — “Tem arranhões no seu corpo todo...”

“Bridgit, não se preocupa. Eu vou cuidar disso.” — Ele estava cada vez mais angustiado.

“Não Ethan! Já chega de desculpas.” — Ela exclamou, firme e decidida. — “Isso é muito sério. Você não pode continuar fugindo assim. Precisa de ajuda. Por favor, eu te peço mais uma vez, me diz a verdade. Deixa eu te ajudar!”

Ele estava muito ressentido. Pensou em contar tudo naquele momento. Não podia mais deixá-la sofrer assim. Mas aquele não era o lugar ou a hora certa para dar explicações.

“Bridgit, eu sinto muito ter que fazer isso. Um dia, eu espero poder te contar tudo o que está acontecendo, mas não pode ser agora. Eu lamento.”

Ele pegou a blusa da mão dela, cobriu seu corpo novamente e olhou bem nos olhos da amiga. Era como se o seu olhar pudesse expressar de uma só vez, em questão de segundos, tudo aquilo que ele tem tentado esconder, tudo que ele queria desesperadamente revelar, mas que não o fizera ainda, por medo das consequências.

Com uma sensação de impotência que o consumia, ele abaixou os olhos e caminhou para fora da sala.

Bridgit permaneceu imóvel por alguns segundos, tentando processar em sua mente tudo o que acabara de acontecer. Seu coração batia mais forte que nunca. Estava ansiosa, sufocada, e não fazia ideia de como conter estas sensações. A situação era pior do que ela imaginava. Pela primeira vez, ela se deu conta de que Ethan estava preso em um círculo terrível de violência e perigo.


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