Os Mistérios de Ethan Quinn escrita por Nathalie Alves


Capítulo 13
Asylum


Notas iniciais do capítulo

Depois de analisar as evidências, a polícia tece uma versão dos fatos que pode prejudicar ao Henry. Ethan e seus amigos se encontram encurralados em uma situação adversa, em um lugar desconhecido, enquanto uma tempestade de neve assola a cidade.



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A escuridão do lugar o envolvia. Sua visão estava embaçada. O único que conseguia distinguir era uma cadeira de balanço que se movia ritmicamente. Ele escutou uma respiração profunda e pesada, e um choro abafado, como se alguém estivesse agonizando. Enquanto caminhava às cegas no escuro, ele tropeçou em algo que parecia madeira. Desnorteado, olhou para cima e viu uma placa flutuando. "Quarto 35". Caminhando na direção do som, ele olhou para baixo e avistou um garoto, encolhido no chão, ofegante. Ele sangrava muito e soltava gritos de dor. Estava bem descuidado, as roupas rasgadas. Ethan queria ajudar, mas não sabia como. Além disso, seus membros estavam paralisados e não respondiam aos seus comandos. O garoto gritava mais alto e chorava, e Ethan podia ver um sangue escuro e brilhante escorrendo de sua pele.

O jovem-lobo despertou sobressaltado, os lençóis emaranhados à sua volta. Ele sentou-se sobre a cama, o suor frio escorrendo.

 

............................................

 

A neve caía graciosamente através da janela. Era o início de uma temporada de frio extremo, com muitas nevascas e ventos congelantes, em pleno mês de dezembro. No dia seguinte à descoberta da arma do crime no quarto de Henry, o policial Joe Quinn esperava por Bryan em seu escritório. Eram seis da manhã. Eles iriam analisar as provas, os resultados dos testes e tirar suas conclusões baseando-se nas evidências. Sentado em sua poltrona, Joseph exalava um ar imperante. Com uma xícara de café na mão, ele tentava se manter aquecido. Alguém bateu na porta.

"Entre, policial Connor", bradou Joe.

Bryan entrou e fechou a porta. "Caramba, esse frio tá congelando", falou tremendo. Ele tirou o cachecol e o pendurou no cabideiro. O pequeno aquecedor da sala lançou-lhe uma onda forte de calor. Ele segurava uma pasta na mão. "Ontem à noite a equipe forense fez uma análise da faca encontrada no quarto do Benson e advinha... encontramos nossa arma do crime", começou, puxando alguns papéis de dentro da pasta e depositando-os sobre a mesa. "A maioria dos ferimentos nos corpos são compatíveis com a lâmina."

"Então você acha que o garoto é o assassino?", perguntou Joe, puxando os papéis para si.

"É bem difícil de acreditar... mas evidências são evidências", respondeu Bryan com exatidão.

Joe analisava os relatórios cuidadosamente. "Nesse caso eu acredito que o Benson esteja sofrendo algum tipo de insanidade... um garoto de dezessete anos comete assassinato contra os seus colegas de escola e em seguida atenta contra a própria vida de forma violenta...", ele fez uma avaliação dos fatos. "Ou talvez tenha sido intencional... não temos certeza ainda, precisamos de mais provas que nos ajude a tirar uma conclusão", ele refletiu, remexendo-se na poltrona. "Mas a prova que encontramos já é bastante contundente. É o suficiente para incriminá-lo", decretou. "O que não encaixa ainda é o fato de a equipe ter encontrado pelos de lobo nos corpos das vítimas e debaixo de suas unhas", ele ressaltou.

"Sobre isso eu tenho uma hipótese... o restante dos ferimentos encontrados nos corpos encaixam perfeitamente com ferimentos produzidos por garras de lobos. Então isso me leva a deduzir que, depois de terem sido atacados pelo Benson, as vítimas ficaram suscetíveis a ataques de lobos selvagens... isso explicaria as evidências encontradas", concluiu Bryan. Ele refletiu por alguns segundos. "Sem contar o símbolo gravado naqueles adolescentes... o mesmo símbolo desenhado no caderno do garoto. Como se ele viesse planejando a coisa toda há muito tempo", especulou.

"É uma boa explicação", Joe assentiu. "Precisamos encontrar esse garoto o quanto antes. E para isso acho que devemos fazer um apelo à imprensa. Montar uma declaração informando a toda a cidade que o garoto é perigoso e está à soltas. Qualquer um que o vir vai nos informar imediatamente."

 

............................................

 

Eram sete da manhã e o pátio externo da escola estava repleto de alunos. Uma fina camada de neve cobria o gramado. Alguns jogavam conversa fora ou compartilhavam o dever de casa enquanto esperavam o sinal tocar para entrarem. Outros saltavam dos carros e se despediam de seus pais. Alguns estacionavam suas bicicletas e em seguida se juntavam às suas gangues. Todos estavam bastante emcapotados, com seus suéteres e casacos, grossos cachecóis de lã, botas e gorros, definitivamente equipados para a nova estação. A neve caía ininterrupitamente, deixando enormes manchas brancas no topo das árvores secas. Os flocos desciam vagarosamente. O ar estava congelante. Ethan atravessava o pátio quando avistou suas amigas.

"E aí? Como vocês estão?", indagou Isobel.

"Sinceramente... não muito bem... essa coisa toda de lobos, vilões, caçadores, crimes... isso tudo tem tirado o meu sono", respondeu Bridgit, abatida.

"Você chegou a falar com o Drake sobre a senhorita Angela? Perguntou se ela é realmente membro da comunidade de caçadores?", Isobel sussurrou, olhando para os lados antes de falar. Ela não conseguia esconder sua ansiedade.

"Ainda não falei com ele", contestou Ethan.

Bruce apareceu e se juntou a eles. "E aí pessoal? Alguma notícia do Henry?", ele parecia realmente preocupado.

"Não...", respondeu o jovem-lobo, desapontado. Foi então que ele se lembrou do sonho misterioso que havia tido no meio da noite. O garoto sangrando, os gritos de agonia, tudo em meio a um breu completo...

Bridgit percebeu que seu amigo estava totalmente destraído. Ele tinha uma expressão distante e vaga no rosto. "Ethan, tá tudo bem?"

O garoto pareceu voltar à realidade. "Sim... é que... eu tive um sonho muito estranho ontem à noite...", ele tentou se lembrar de todos os detalhes. "Eu estava em um lugar muito escuro, não conseguia enxergar nada... e aí de repente eu comecei a escutar alguém chorando e gritando de dor, e quando me aproximei vi um garoto no chão. Ele... ele sangrava muito, estava ferido, tinha as roupas sujas e...", Ethan parou por alguns segundos. "Agora eu me lembro... esse garoto... ele era o Henry", o jovem-lobo ficou surpreendido com o lampejo em sua mente. "Depois eu vi uma placa que dizia 'Quarto 35'... e uma cadeira de balanço...", ele moveu a cabeça freneticamente. "Parece loucura tudo o que estou dizendo... não faz o menor sentido..."

Bruce parecia perdido em seus pensamentos. Ele tinha um olhar reflexivo. "Na verdade faz sentido o que você disse...", declarou, os olhos vívidos revirando-se. "Esse lugar... eu sei onde é. O asilo Oak Hill. Meu avô passou os últimos anos da vida dele naquele lugar. Eu costumava visitar ele todo fim de semana", Bruce olhou fundo nos olhos de Ethan. "Você acha que o Henry pode estar lá?"

"Esse sonho... pode ter sido uma espécie de revelação ou algo do tipo... eu só acho que a gente devia ir lá averiguar... procurar o Henry", sugeriu Bridgit.

"Há uns três anos o asilo pegou fogo. Agora está completamente destruído e abandonado. O prédio tá caindo aos pedaços. Dizem que o lugar é assombrado pelos espíritos dos antigos hóspedes... mas é só uma história popular. As pessoas adoram essas coisas", revelou Bruce.

"Estamos cercados de coisas sobrenaturais. Acho que nada mais pode nos assustar...", disse Isobel. "Eu também acho que deveríamos ir lá procurar pelo Henry. Talvez ele esteja assustado por algum motivo e resolveu se esconder lá..."

"Tem outra coisa que eu preciso falar pra vocês", comentou Ethan. "Foi algo que eu descobri ontem na delegacia. Eu não deveria falar nada, meu pai me fez prometer que eu não abriria a boca... mas é um fato muito importante, e só estou falando isso porque confio em vocês", ele encarou seus amigos. "A polícia encontrou uma faca no quarto do Henry e eles acreditam que essa é a arma do crime... vão incriminar o Henry", revelou, murmurando.

Seus amigos ficaram perplexos. "Isso é ridículo!", exclamou Bridgit, horrorizada. "Ele é uma das vítimas... os policiais viram os ferimentos no corpo dele, como ele foi atacado brutalmente... não podem ser tão ignorantes a ponto de pensar que ele poderia ter feito aquilo consigo mesmo!", ela baixou o tom de voz numa tentativa de conter sua euforia. "O que eles estão pensando? Que o Henry assassinou aquelas pessoas e se machucou para despistar a polícia e não ser incriminado? Isso é insano!", ela cuspia as palavras rapidamente.

"A polícia sempre se baseia nas evidências", recordou Bruce. "Pode parecer uma história maluca mas a arma do crime foi encontrada lá. Para eles, as evidências estão acima de tudo."

"Nós vimos como o Henry foi atacado. Sabemos quem está por trás de tudo isso. O lobo negro sem dúvidas plantou aquela arma no quarto do Henry. Ele está manipulando os fatos. Parece que estamos lidando com alguém muito mais astuto do que pensávamos", anunciou Isobel, inquieta, o olhar tenso.

Escondido em um dos pilares da entrada estava Jeffrey. Ele se esticava para escutar melhor toda a conversa, tomando cuidado para não ser visto.

"Temos que ficar um passo à frente dele. Se todos estão de acordo, vamos ao asilo hoje mesmo, no final da tarde. Precisamos encontrar o Henry antes que a polícia o encontre", Ethan afirmou, convicto.

 

............................................

 

O relógio marcava cinco da tarde quando Ethan estava se preparando para sair de casa rumo ao asilo Oak Hill para encontrar seus amigos, conforme haviam combinado. Lá fora a neve caía com mais força. A televisão brilhava na sala de estar. Uma jornalista loira bonita de meia-idade anunciava as notícias do dia. De repente ela mencionou algo que chamou a atenção de Ethan. Ele se virou abruptamente para escutar.

"E voltamos aos casos de assassinatos que têm assolado a cidade de Fort Woods. Depois de avanços nas investigações, parece que a polícia já tem um suspeito. O adolescente Henry Benson, de dezessete anos, pode não ter sido uma das vítimas. Evidências encontradas o apontam como suspeito de ter cometido todos aqueles crimes. O garoto continua desaparecido", ela concluiu.
Ethan prendeu a respiração. Seus olhos estavam vidrados na Tv. O parceiro de seu pai, Bryan Connor, apareceu na tela. Ele estava do lado de fora da delegacia de polícia. Uma jovem magra e bonita segurava o microfone perto de seu rosto.

"Nós do Departamento de Polícia fazemos um apelo a toda a população da cidade. Se encontrarem Henry Benson, se o virem em qualquer parte, por favor nos avisem imediatamente. Ele pode representar uma ameaça para a segurança de todos", decretou, frio e impassível.

Uma foto de Henry preencheu a tela. O número de telefone da polícia também estava ressaltado. Ethan desligou a Tv, apertando o botão com força, e saiu de casa ofegante.

 

............................................

 

A neve caía impiedosamente, congelando tudo ao seu redor. O asilo Oak Hill erguia-se imponente, apesar de estar completamente arruinado pelo incêndio. Tábuas de madeira despencavam, negras e apodrecidas pela intempérie. Um enorme pátio se estendia na entrada, e o que antes deveria ter sido um jardim estava coberto de blocos de neve, e no lugar de flores e arbustos o único que se podia ver era uma imensidão branca. O prédio parecia uma grande mansão com várias janelas ordenadas em fileiras. A fachada estava coberta de matéria preta, escurecida pelo fogo e ao chegar mais perto Ethan podia sentir o cheiro forte de fuligem, apesar dos muitos anos que se haviam passado. Os vidros das janelas estavam quebrados, revelando o interior dos quartos, mergulhados na escuridão. Ethan sentiu um arrepio. Aquele lugar era insólito.

As meninas abrigavam-se na grande varanda que havia na entrada. O garoto-lobo se juntou a elas. Bruce vinha por outra direção. Ele foi o primeiro a falar.

"Vocês viram o noticiário?", perguntou.

Todos assentiram. "Eles estão tratando ele como um criminoso... disseram que é uma ameaça para nós", lembrou Isobel, horrorizada.

"Eu não acredito que isso tá acontecendo com o Henry... precisamos encontrá-lo antes que ele apareça por aí e seja detido", declarou Ethan.

"Ainda nem entramos e esse lugar já me assusta...", Bridgit falou, receosa mas ao mesmo tempo confiante.

Eles estavam protegidos da neve somente por duas tábuas que ainda restavam do incêndio e que formavam um pequeno teto acima deles. Estavam todos bem agasalhados. O cachecol de Ethan apertava o seu pescoço. Os quatro viraram-se para entrar. O jovem lobo tomou a dianteira. Ele empurrou a grande porta principal, que estava mais para uma meia-porta, destruída pela metade, com um grande buraco na lateral e lascas de madeira salientes.

Por dentro o prédio estava igualmente destruído. Havia móveis queimados por todo o chão, um sofá e algumas poltronas negros de carvão. Grandes tábuas penduravam-se no teto, onde havia um buraco enorme que permitia ver o andar de cima. Uma escadaria velha e depredada se estendia ao fundo. Os quatro subiram com cuidado. No primeiro andar, eles se depararam com um corredor extenso e lúgubre. Flocos de neve atravessavam as aberturas no telhado e se acumulavam no piso embaixo dele.

Os amigos se moviam vagarosamente entre os escombros. Enquanto atravessavam o corredor, eles espiavam o interior dos quartos e se deparavam com a visão mais deprimente. Cubículos escuros e desolados, com destroços amontoados por toda parte, e o que restava de cadeiras de balanço indo e vindo ao ritmo do vento. A brisa congelante entrava pelas janelas e rodopiava sem rumo.

"Exatamente como o meu sonho...", comentou Ethan.

"Temos que encontrar o quarto 35, talvez o Henry esteja lá", Bruce parecia confiante.

Ao chegar ao final do corredor, eles pararam em frente ao quarto de número 20, que era o último. Quando estavam prestes a subir as escadas para o próximo andar, ouviram um rosnado feroz. Ethan abriu os braços instintivamente e se lançou na frente de suas amigas para protegê-las. O rosnado se tornava mais intenso e rouco. De imediato, eles farejaram o perigo. Do outro lado do corredor, o lobo negro emergeu num salto.

"Corram!", gritou Ethan. Em um rompante, os três saíram correndo escada acima. O garoto-lobo mudou de forma e partiu para o combate. Seus olhos cor de fogo brilharam raivosamente. Ele tomou impulso e disparou na direção do inimigo. Ao chegar na metade do corredor ele deu um enorme salto e caiu sobre o adversário com toda a fúria.

Com as garras à mostra, ele se esforçava para defender-se dos ataques fatais do lobo negro. Lá em cima, seus amigos entraram no primeiro quarto que viram pela frente para se esconder. Com temor, eles escutavam os roncos estrondosos embaixo deles. Era como se pudessem sentir as paredes tremerem com os impactos. Os dois lobos se confrontavam freneticamente.

Ethan visualizou as presas afiadas do outro lobo e seus olhos cruéis vermelho-sangue transbordando de rancor. Ele se lembrou das outras vezes que o havia confrontado. Desejou entender a origem de toda aquela raiva contra ele. Por um momento o garoto-lobo sentiu como se estivesse embriagado. Seus olhos ficaram embaçados e era como se tivesse perdido a visão.

Em meio ao confrontamento, ele sentiu as garras do inimigo cravarem em sua pele. Ele soltou um grunhido de dor e escancarou a boca com as presas para devolver a investida. O lobo negro se esquivou. Ethan disparou a correr para alcançar o oponente. Sua visão ainda estava embaçada. Quando suas patas agarraram algo macio, ele exibiu as presas outra vez e mordeu impetuosamente. Sentiu seus dentes atravessarem tecido e carne. Alguém despencou no chão, rugindo de dor.

Ethan voltou à forma humana. Gradativamente, sua visão retornava ao normal. Ele observou o lobo negro desaparecer no final do corredor. No chão, Jeffrey agonizava. Sua perna estava perdendo muito sangue. O garoto-lobo praguejou. Estava surpreso de ver o colega ali. Ele agachou, levantou Jeffrey e o sustentou com um braço em volta de seus ombros. Ambos subiram as escadas lentamente, com dificuldade.

"Bruce! Bridgit", Ethan gritava para localizar os amigos. Eles saíram do quarto e apareceram de repente.

"O que aconteceu?!", Bridgit respirava ofegante. Estava sobressaltada.

"O que ele está fazendo aqui?", perguntou Isobel ao ver Jeffrey nos braços de Ethan.

"Ele apareceu no meio da briga e acabou ferido. Eu não sei como ele veio parar aqui", respondeu Ethan, sem fôlego.

"Ele tá sangrando muito...", afirmou Isobel, olhando para o sangue escorrendo como se fosse a primeira vez que visse aquilo.

"Vocês precisam se esconder... ele ainda está à solta", ordenou o jovem lobo, eufórico.

"Ethan, não! Temos que procurar o Henry agora mesmo! A gente não pode passar tanto tempo aqui nesse lugar", insistiu Bridgit.

O garoto lobo parou para refletir. "Mas e o Jeffrey? Não podemos deixar ele sozinho."

"Eu cuido dele", Isobel ofereceu. Em seguida o sustentou em seus braços. O garoto Collins parecia inconsciente. Não tinha noção do que estava sucedendo à sua volta.

"O quarto 35 deve estar logo no final do corredor. Se tivermos sorte e encontrarmos o Henry, vamos poder sair daqui o mais rápido possível", comentou Bruce.

Os três se apressaram pelo corredor enquanto Isobel entrava de volta no quarto, com Jeffrey. Cuidadosamente, a garota colocou o colega no chão, sentado, afastando alguns destroços para criar espaço. Ela subiu a parte de baixo da calça dele e viu que o sangue ainda escorria. Uma grande marca de mordida cobria a parte do meio de sua perna. Isobel puxou o cachecol do pescoço dele e usou-o para envolver o ferimento. Ela deu um nó e apertou suavemente. O tecido ficou empapado de sangue. Jeffrey ainda estava desnorteado, a cabeça pesada pendia para frente e ele parecia estar adormecido. O suor escorria de sua testa, apesar do frio que fazia.

Em frente ao quarto 35, Ethan decidiu ficar de guarda do lado de fora, por precaução, em caso de que o inimigo resolvesse aparecer de surpresa outra vez. Com suas patas firmes e seus ouvidos aguçados, ele vigiava o corredor. Enquanto isso Bridgit e Bruce reviravam o quarto em busca de Henry. Procuraram por toda parte, olharam debaixo da cama e do colchão queimados, debaixo de escombros amontoados e até mesmo no pequeno banheiro que havia no fundo do quarto, mas nem sinal do garoto. Depois de buscar exaustivamente, os dois se juntaram ao jovem lobo do lado de fora.

"Ele não está aqui...", anunciou Bruce, decepcionado.

"Talvez ele esteja em outro quarto... eu tenho uma forte sensação de que ele está em algum lugar desse prédio", Ethan falou, determinado.

Eles voltaram ao primeiro quarto do corredor. Isobel estava sozinha.

"O que aconteceu? Cadê o Jeffrey?", indagou Ethan, alarmado, os olhos bem abertos esperando por uma resposta.

A garota parecia atormentada. "Ele sumiu... eu entrei no banheiro para ver se ainda havia um pouco de água para molhar a testa dele e lavar todo o suor que escorria... quando voltei, ele não estava mais aqui", explicou. "Foram só alguns segundos, eu não pensava que ele iria sair daqui... ele não estava em condições para caminhar", falou, exasperada.

Bruce soltou um longo e interminável suspiro de impaciência. Ele lançou um olhar repreensivo para Isobel. "Mais um pra a gente procurar", lamentou o garoto.

Isobel retribuiu o olhar, estreitando os olhos de forma dura e fria.

Bridgit deu um passo à frente. "Acho melhor a gente voltar aqui amanhã e continuar procurando. Já está ficando tarde e é perigoso ficar nesse lugar à noite", sugeriu ela.

"Eu acho difícil a gente sair agora... olhem lá fora!", Isobel apontou para a janela. O ventou uivava com muita força, arrastando a neve alvoroçadamente. A janela tremia com o impacto do vento e a vista era literalmente um pano de fundo branco. Flocos de neve voavam para dentro do quarto.

Bruce ficou ainda mais impaciente. Ele puxou o celular do bolso. "Precisamos ligar para os nossos pais. Eles podem vir de carro e nos tirar desse lugar."

Todos tentaram contatar seus pais, mas depois de várias tentativas e telefonemas, não obtiveram respostas.

"Não tem sinal...", anunciou Bridgit, consternada.

"Ótimo!", exclamou Bruce ironicamente.

Em um impulso de desespero, eles correram escada abaixo e tentaram sair do prédio. Ethan e Bruce tomaram a dianteira. As garotas ficaram atrás deles. A ventania estava mais forte e os dois garotos sentiam que eram levados pelo vento tumultuoso. Eles tiveram que segurar em uma madeira apodrecida para não cair. Ethan se transformou. Ele avançou para fora com suas patas velozes, mas o vento o suspendeu no ar e o empurrou com tanta força que ele foi lançado contra neve e madeira.

De volta ao andar de cima, eles entraram em um dos quartos. O desespero pairava no ar.

"Talvez nossos pais venham nos buscar no meio da noite...", ressaltou Bridgit. "Algum de vocês disse pra onde ia?"

Bruce se moveu impacientemente. "Claro... porque é super normal passar a noite em um asilo abandonado", respondeu irônico.

Ethan respirou fundo. "Acho que o principal que temos que fazer agora é nos manter aquecidos", disse, movendo-se pelo quarto. "Talvez devêssemos colocar essas tábuas na janela para impedir que a neve entre", ele apontou para um monte de madeiras podres acumuladas em um dos cantos.

Os outros três ajudaram Ethan a posicionar as tábuas na janela até que ela estivesse ermeticamente fechada. Eles mergulharam na escuridão profunda. Bridgit iluminou o quarto com a lanterna de seu celular.

"Seria bom se a gente conseguisse fazer fogo... aqui dentro está congelante, não podemos passar a noite toda assim...", lembrou Isobel, abraçando-se a si mesma para se manter aquecida. "Alguém por acaso tem um isqueiro aí?", perguntou.

Bruce revirou os bolsos da calça. Ele puxou de dentro um pequeno isqueiro e o balançou no ar. "Estamos com sorte", disse, seu rosto iluminado pela luz azulada do celular.

"Você tem um isqueiro no seu bolso?", perguntou Bridgit. "Você fuma?", ela lançou-lhe um olhar repreensivo e abriu um sorriso malicioso no canto da boca.

"Às vezes...", respondeu o garoto, dando de ombros.

"Agora só precisamos de papel para alimentar o fogo", Isobel tremia de frio. Seus lábios já estavam roxos.

"Acho que vi uns livros velhos lá embaixo na recepção, vou lá buscar", ofereceu Ethan.

Enquanto ele descia em busca de papel, o quarto ficava mais e mais congelado. Os três sentiam o frio penetrando em seu corpo, como facas pontiagudas. O vento gelado entrava por algumas frestas na janela e apesar de estar bem agasalhados, eles não podiam suportar a temperatura tão baixa. Todos tremiam muito. Parecia que o quarto havia se transformado em um freezer gigante.

Quando Ethan voltou, ele segurava alguns livros queimados na mão. Ele os lançou sobre o chão e começou a arrancar as folhas de dentro. Algumas já haviam se convertido em carvão devido ao incêndio. Depois de formar uma montanha de papéis amassados, Bruce se aproximou com o isqueiro e o acendeu. Em questão de segundos o fogo foi se espalhando e logo uma pequena fogueira se formou. Eles jogaram pedaços de madeira para aumentar as chamas e se sentaram ao redor para absorver o calor.

Eles passaram algum tempo em silêncio se aquecendo. Bridgit olhou as horas em seu celular. Já era quase meia-noite.

"Estou faminta....", falou Isobel, esfregando as mãos perto do fogo.

"Eu também", disse Bridgit.

"Alguém tem comida?", indagou Isobel.

Bruce meteu a mão no bolso e tirou um pequeno pacote aberto de Mentos.

"É a única coisa que eu tenho", ofereceu.

"Por que não falou antes?", Bridgit perguntou, agarrando o pacote de doce.

"É melhor do que nada", disse Ethan.

Eles distribuiram o doce entre todos.

"O Bruce veio preparado", comentou Bridgit, brincando. "Tem todo um kit de sobrevivência no bolso", ela soltou um risinho.

O garoto abriu um meio sorriso. Os outros riram. Seguiu-se outro momento de silêncio.

"Estou morrendo de sede também... não sei por quanto tempo vou aguentar", Bridgit umedecia os labios com sua saliva. "Seria ótimo se a gente encontrasse água por aqui."

"Parece que não tem água nem nos encanamentos", lamentou Isobel.

"A gente podia derreter a neve e beber... não é uma má ideia", sugeriu Ethan.

Um estrondo ecoou pelo quarto. A janela tremeu com o impacto, balançando as tábuas de madeira. Lá fora a nevasca soprava gelo furiosamente para todos os lados. Os quatro ergueram o peito num sobressalto. Eles sentiram o chão debaixo deles tremer.

"Se continuar assim amanhã, acho que eles vão ter que cancelar as aulas", comentou Isobel.

"Oh! Acredite... Essa é a minha maior preocupação no momento. Um dia sem aulas, que terrível!", exclamou Bruce em tom sarcástico, dando um leve sorrisinho.

"Vocês já pararam pra pensar que o lobo negro pode ter atraído a gente até esse lugar para ficarmos presos aqui?", Ethan estava distraído, profundamente imerso em seus pensamentos. "Talvez a gente nem encontre o Henry... talvez tudo isso tenha sido uma perda de tempo", lamentou.

"Mas você teve aquele sonho... parecia bem real", lembrou sua melhor amiga.

"Eu sei mas... pensando bem agora, parece idiota ter vindo parar aqui só por causa de um sonho ridículo", seus olhos estavam fixos no fogo. Após alguns segundos, Ethan continuou: "Tem algo que eu preciso contar pra vocês..."

Os outros ficaram perplexos. Eles escutavam com muita atenção.

"Quando eu estava lutando com o lobo negro, o Jeffrey apareceu de repente e eu... eu acabei mordendo ele", confessou.

"O quê?!", os três exclamaram quase em unísono, boquiabertos.

"Eu não o vi lá.. pensava que era o lobo negro, foi tudo muito rápido...", o jovem lobo tentou justificar.

"Então você tá querendo dizer que ele vai se transformar...", ele deu uma pausa. "...em lobo?", continuou. Ele olhou para baixo, pensativo. "Agora faz sentido... então com certeza ele levou o Henry e o Jeffrey. Acho que ele está planejando fazer algo com os dois... treiná-los para entrar para o seu bando talvez. Porque o Henry também recebeu uma mordida no dia em que foi atacado", ele parecia muito convicto.

"Talvez por isso ele estivesse agindo tão estranho no dia em que fomos na casa dele...", recordou Isobel. "Ele estava... se transformando", ela engoliu em seco.

Seguiram-se alguns ínfimos segundos de silêncio.

"Mas eu não vou permitir que ele treine o Jeffrey e o Henry para fazer parte daquela corja de lobos. Antes iremos resgatá-los das garras dele", Ethan brilhava solenemente por trás das chamas vibrantes.

A noite se arrastava preguiçosamente e as horas pareciam durar uma eternidade. Com o tempo eles pegaram no sono, deitados no chão duro e um pouco afastados do fogo para não se queimarem. Os garotos revezaram na vigia durante a noite, mantendo-se acordados alternadamente para o caso de que houvesse algum perigo à espreita. A velha construção erguia-se em meio a uma vastidão de gelo. Lá fora a neve uivava ruidosamente, dando à madrugada um ar sombrio e tenebroso.


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